"Se o caldo em que o desporto se foi movendo em Portugal abriu caminho à ascensão de Bruno de Carvalho, Bruno de Carvalho abriu caminho aos crimes de Alcochete. Eu não sei se, judicialmente, ele é passível de ser responsabilizado.
Uma das coisas mais penosas no futebol é a total ausência de racionalidade e isso não começou com Bruno de Carvalho.
O futebol é a coisa mais parecida com uma paixão cega e basta assistir, por dez minutos que seja, aos intragáveis programas de comentário desportivo para se entender isto. No passado, o “Domingo Desportivo” era um clássico de referência, um programa onde o jornalismo procurava introduzir alguma racionalidade na paixão. Agora, o jornalismo, ou espécie de, alimenta-se da irracionalidade. Um espectáculo televisivo em que casais desavindos lavassem a roupa suja em público seria mais ou menos igual aos programas que ocupam em permanência os três canais de informação.
Talvez o terreno estivesse há muito a ser preparado para a ascensão de um jagunço chamado Bruno de Carvalho, cujas intervenções públicas têm revelado, ao longo do tempo, total ausência de princípios – a comparação com o tio Pinheiro de Azevedo dá-lhe jeito, mas Pinheiro de Azevedo, honra seja feita à sua memória, nunca atingiu a baixaria do sobrinho.
Se o caldo em que o desporto se foi movendo em Portugal abriu caminho à ascensão de Bruno de Carvalho, Bruno de Carvalho abriu caminho aos crimes de Alcochete. Eu não sei se, judicialmente, ele é passível de ser responsabilizado.
Mas, em termos de prática desportiva, seguramente é corresponsável.
Agora é o tempo da justiça, mas também o tempo da sociedade e da política. Os criminosos devem ser julgados e punidos, mas toda a sociedade tem de reflectir sobre o estado de hooliganismo alargado que permitiu a eleição e reeleição de Bruno de Carvalho, dando força aos criminosos.
A autoridade para o desporto proposta ontem pelo primeiro-ministro pode ser uma boa ideia, se não se tratar de mais “uma comissão”, aquela coisa que recorrentemente se anuncia cada vez que há um problema. A demissão de Bruno de Carvalho é o primeiro passo para a desintoxicação social. Os sportinguistas, a quem cabe a decisão, vão ter de estar à altura."
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