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quinta-feira, 17 de maio de 2018

Ter ou não ter uma deficiência no desporto: eis a questão

"O Estado português - através da Secretaria de Estado da Juventude do Desporto e do instituto que tutela, IPDJ, da Secretaria do Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência e do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) que tutela -tem, e bem, assumido a inclusão no desporto como um desígnio nacional, integrando o desporto para pessoas com deficiência sob a responsabilidade organizativa das federações com Utilidade Pública Desportiva (UPD).
Como consequência desta correta política de inclusão faz-se referência ao Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo n.º CP/2/DDF/2018, celebrado entre IPDJ, INR e Comité Paralímpico de Portugal - Tóquio 2020 - que determina no regulamento de preparação que o praticante "é o definido a nível internacional pela respectiva federação como elegível para participar nos Paralímpicos".
Do exposto resulta que, para efeitos de integração no programa de preparação Tóquio 2020, à semelhança do passado, basta a certificação de cada uma das federações internacionais (IPC, WPS, WPA, UCI, FEI etc.), demitindo-se o Estado de qualquer responsabilidade nesta matéria, ao invés do que sucede nos demais domínios em que o acesso a medidas e benefícios a pessoas com deficiência está dependente da exibição do atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM).
Com efeito, a lei portuguesa faz depender o reconhecimento de direitos/benefícios às pessoas com deficiência em função do grau de incapacidade definido pelo AMIM, emitido nos termos da lei (D-L n.º 202/96, de 23 de Outubro, alterado pelo D-L n.º 291/2009, de 12 de Outubro), a todos os que "por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo funções psicológicas, apresente dificuldades específicas susceptíveis de, em conjugação com os factores do meio, lhe limitar ou dificultar a actividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas", nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de Agosto (que define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência).
Nos termos do referido diploma, o AMIM deve ser requerido junto do centro de saúde da área de residência, sendo o processo de avaliação da incapacidade da responsabilidade de juntas médicas constituídas no âmbito das administrações regionais de saúde e tem por base a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças crónicas, aprovadas legalmente (D-L n.º 352/2007, de 23 de Outubro).
Sublinhe-se que o AMIM é o documento em que se indica expressamente a percentagem de incapacidade, sendo comprovativo do respectivo grau de deficiência e permitindo a pessoas com deficiência com mais de 60% de incapacidade obter diversos benefícios/direitos, dos quais destacamos: a isenção de taxas moderadoras; benefícios fiscais em sede de IRS; produtos de apoio; prestação social de inclusão; prioridade no atendimento nos serviços públicos e/ou privados; crédito à habitação; quotas de emprego na função pública, entre outros.
A questão que se coloca é saber o motivo pelo qual a apresentação do AMIM não é obrigatória para efeitos da atribuição do benefício do financiamento público na área do desporto paralímpico, credibilizando todos os que fazem parte, prevenindo-se fraudes, desencorajando-se a sua prática e assegurando-se que os mencionados benefícios/direitos são realmente atribuídos às pessoas que deles necessitam e que visam a efectiva promoção da igualdade de oportunidades de educação, formação, trabalho, desporto, cultura.
Esta questão é de extrema relevância, porquanto a história do movimento Paralímpico Mundial demonstra que existem deficiências, designadamente a intelectual, cuja avaliação é destituída do rigor que as devia caracterizar e como tal potencialmente geradoras de significativas injustiças mercê da facilidade de ludibriar o sistema.
O exemplo paradigmático ocorreu em Sydney 2000 com a selecção de basquetebol espanhola, em que apenas 10 dos 12 jogadores tinham deficiência, tendo por este motivo a deficiência intelectual sido banida dos Paralímpicos até Londres 2012.
Continuar este estado da situação em Portugal pode ter um sério revés, a confirmarem-se suspeitas de ilegalidades que em nada beneficiariam os atletas. Estando em causa o apoio do Estado português às pessoas com deficiência através de financiamento público e tendo em conta o estatuto de UPD, que atribui às federações desportivas a responsabilidade de velarem pela legalidade, desempenhando prerrogativas de autoridade, sob pena de perderem aquele estatuto, afigura-se-nos que a exibição do AMIM deveria ser condição sine qua non para um atleta com deficiência poder ser integrado no Programa de Preparação Paralímpica, por parte das federações desportivas e por parte do CPP.
A adopção desta medida contribuiria para maior credibilização do desporto paralímpico, afastando definitivamente suspeitas que recorrentemente recaem sobre atletas, treinadores e mesmo dirigentes de perpetuarem esta situação pelas implicações financeiras favoráveis, designadamente no que se refere ao pagamento de bolsas de preparação e de prémios pelo Estado, esquecendo que o desporto paralímpico se destina a assegurar a prática do desporto de alta competição pela pessoa com deficiência e que constitui obrigação do Estado de adoptar as medidas específicas necessárias para o efeito, nomeadamente, a criação de estruturas adequadas e de formas de apoio social financiadas pelo Orçamento do Estado.
Neste contexto torna-se relevante questionar:
1. Porque é que há resistências à certificação da deficiência na área do desporto por meio do AMIM?; 
2. A quem interessa? Alguém beneficia indevidamente dos apoios paralímpicos?;
3. Porque é que existem atletas que se manifestam contra a adopção desta medida? Não deveriam estes, enquanto pessoas com deficiência, ser detentores a priori do atestado para, no seu interesse, beneficiarem dos demais direitos decorrentes da condição de deficiência?;
4. Porque é que a administração pública desportiva se põe à margem desta problemática? Não deveria ser a primeira a exigir transparência? Está em causa o dinheiro dos contribuintes.
Numa época em que a palavra de ordem é a racionalização da gestão dos recursos, as federações desportivas não se podem alhear da problemática sob pena de serem cúmplices de um sistema que está longe de ser transparente e que, se vier a provar que estão a acolher atletas que fazem batota, poderão, por essa via, perder o estatuto de UPD."

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