"O frenesim do costume: especulações, empresários interessados em valorizar os seus jogadores, comunicação social ávida de novidades (e quanto mais impensáveis, melhor…), clubes à procura de soluções boas e acessíveis no mercado internacional, scouters a tentarem valorizar as suas leituras nos escalões etários mais baixos ou em mercados cujas posições financeiras são mais atraentes para os clubes de média dimensão, habitualmente entrepostos de jogadores no acesso às principais ligas, valorizando-os e realizando importantes mais-valias financeiras.
Portanto, o normal numa altura da temporada em que a bola vai, finalmente, começar a rolar a sério, numa perspetiva muito aguardada pelos adeptos e muito temida pelos técnicos, uma vez que a loja continua aberta e todas as transações são verosímeis, se aparecer algum interessado endinheirado…
Têm , portanto, a palavra os dirigentes e, sobretudo, os presidentes, sabendo-se como se sabe que Portugal cultiva um regime profundamente presidencialista na gestão dos principais clubes. E o mais curioso é que, depois de um final de época conturbado, com pretensas rescisões, convites, viagens-relâmpago, zangas internas e acusações de deslealdade, tudo começa com as peças no lugar, sem alterações de monta e com um conceito, o da estabilidade, a sobrepor-se à ditadura quase infantil das claques, à reação sempre epidérmica dos adeptos e a algum aproveitamento para o clickbite dos media digitais.
No Benfica, Rui Costa conseguiu, em maré revolta, o que parecia mais difícil mas, em simultâneo, mais importante: serenar os ânimos internos, resolver com alguma sabedoria a questão (recorrente nos últimos encontros da época passada) da contestação sistemática mas pouco adulta da claque organizada dos encarnados, recentrar a equipa profissional em torno do seu treinador (campeão em 2022/2023, é sempre bom recordar…), equilibrar o plantel com contratações cirúrgicas mas indispensáveis ao nivelamento de um grupo que tem sempre a ameaça dos tubarões europeus no concurso dos seus principais jogadores.
O presidente encarnado ainda tem, pelo seu lado, alguns fortíssimos argumentos: foi jogador de eleição (e dos que mais criteriosamente geriram a sua brilhante carreira nacional e internacional), um plano de valorização patrimonial e desportiva do clube longe de atingir o seu termo, e a noção exata de duas realidades que devem concorrer para o êxito benfiquista: a de que o Seixal terá sempre de continuar a ser um alfobre de qualidade acima da média, quer na perspetiva nacional, quer no cotejo de uma valorização que permita o encaixe financeiro necessário; e a de que a marca Benfica é, talvez, o mais importante e significativo património do clube da Luz para, de modo transversal e em diversas áreas, potenciar o seu universo e a sua dimensão global.
Apenas três quilómetros ao lado, mora o campeão nacional, um Sporting que tem em Frederico Varandas um dos seus elos mais fortes e valiosos. Um presidente com critério e visão de longo prazo, de aplicação desportiva imediata com um treinador que representa tudo o que o técnico português de futebol tem de excelente: jovem, conhecedor (também porque ex-jogador de bom nível), arrojado, com media training e capacidade disruptiva na comunicação, e com visão de futuro nos objetivos e nos meios (entenda-se, nos atletas) de que necessita para valorizar o clube e para se valorizar como profissional.
Os iludidos com a viagem-relâmpago a Londres (e alguns amigos até me garantiam tê-lo visto entrar em instalações de determinados clubes…) rendem-se agora à evidência: esse foi o episódio pensado para tocar a reunir numa altura determinante da temporada, em que o desafio do título parecia ameaçado e em que, na comunicação interna de balneário, era necessário um abanão, era fundamental uma campainha de aviso.
Amorim e Varandas foram e são os artífices de um Sporting moderno, renovado, reforçado na sua estrutura organizacional e capaz de enfrentar desafios como há muito não se via. A prova de que um clube — também ou, talvez, sobretudo em Portugal… — carece sempre de um backstage forte, com planeamento e organização incólumes às influências externas.
E se rumarmos a norte, a temporada que agora se inicia apresenta-se altamente desafiadora da nova gestão do FC Porto. O conhecimento transversal do futebol de alto rendimento que André Villas-Boas aporta ao Dragão é algo que não se via no clube há vários anos. Uma forte e vencedora dinastia não dura para sempre e Jorge Nuno Pinto da Costa bem merece ficar conhecido como o presidente dos presidentes. Mas os azuis e brancos precisam de mais. Precisam de nova visão, de uma reestruturação financeira que equilibre contas e permita investimentos, de um olhar prospetivo para as condições do clube e da sua expansão nacional e internacional, e de uma mensagem de vitória, positiva, agregadora e motivadora.
Ora a gestão de Villas-Boas sublinha tudo isso, até com a opção por Vítor Bruno, a quem sai o prémio de uma imensa fidelidade ao clube e a responsabilidade de suceder a um verdadeiramente mágico Sérgio Conceição (no modo como, durante sete anos, conquistou títulos e congregou adeptos).
São três símbolos tão distintos mas, com Rui Costa, Frederico Varandas e André Villas-Boas, tão iguais no que se pretende de melhor para a próxima época: rivais e oponentes no relvado; aliados e confluentes fora dele.
Para que, em Portugal, o futebol só tenha a ganhar.
Cartão branco
Completou ontem cinco anos de emissões regulares e continua a ser benchmark a nível mundial: o Canal 11 é o único 24/7 news agregado a uma federação de futebol em todo o mundo.
Tive o orgulho de integrar a sua equipa de lançamento e, durante um ano e meio, vestir a camisola de um projeto que continua o seu caminho, pleno de estratégia de longo prazo: fazer com que mais rapazes e raparigas gostem de futebol e pratiquem o jogo, mostrar o futebol em estado puro e dar espaço a centenas de protagonistas que, no mainstream, dificilmente o teriam.
Um abraço a todos os que continuam a fazer dele o canal do puro futebol.
Cartão amarelo
Falar de futebol, pela paixão que a modalidade arrasta, é transversal e provavelmente empolgante para a maioria.
Mas as discussões fúteis, agressivas, nada profiláticas e muito ruidosas (em sentido amplo do termo) promovidas por alguns operadores televisivos prestam um mau serviço à modalidade e estimulam rivalidades e, por vezes, ódios (sobretudo se plasmados em sede de redes sociais).
Aproveitemos o início de uma nova época para um pacto (ainda que apenas tácito) em torno do jogo, da modalidade, dos protagonistas. Critiquemos com moderação e percebamos que, uns sem os outros, o futebol não existiria…"