"Escrevo esta crónica num momento em que ainda se desconhece quando estará Eusébio em condições de abandonar o Hospital, já recuperado da pneumonia que lhe veio ensombrar o Natal e o da família. Sei apenas que a situação está controlada e irá ser superada com êxito. Já é uma boa notícia. Tudo o que afecta Eusébio não pode deixar os portugueses indiferentes, sejam ou não benfiquistas, porque o seu estatuto é o de mito. De um mito vivo que nos mobiliza e congrega. É por isso que Eusébio é embaixador vitalício da Selecção Nacional e, naturalmente, do Benfica. Quando o vemos na tribuna, nos jogos decisivos, sentimos que o nosso coração também está ali a bater e que a sua presença é uma constante fonte de inspiração para quem está em campo a lutar por um bom resultado. Eusébio é isso mesmo: um símbolo sempre presente de uma vontade colectiva. Como ele, em Portugal, depois de ter desaparecido Amália Rodrigues, a verdade é que não existe outro.
Eusébio tornou-se uma referência do Futebol mundial numa época em que tudo era muito diferente do que é hoje. O Futebol já era um espectáculo de raro poder de atracção, mas ainda não era a indústria poderosa que é actualmente, sobretudo por força da omnipresente cobertura mediática e da sua projecção à escala global.
Tendo sido grande entre os grandes na época em que se tornou ídolo internacional, Eusébio gozou da fama mas não da fortuna que hoje premeia as vedetas mundiais, designadamente porque a televisão ainda não era o que é agora. Também por isso, todos imaginamos o que seria Eusébio se jogasse hoje e não há mais de quatro décadas. Se esse exercício de ficção se pudesse materializar, ele estaria no topo ou sempre muito perto dele. Por isso se tornou herói e mito e todos nos afligimos quando a sua saúde claudica e momentaneamente o derrota. Mas Eusébio vai recuperar, porque, tal como acontece com países como Portugal, depois dos momentos sombrios e amargos, outros mais luminosos hão-de chegar."
José Jorge Letria, in O Benfica