Últimas indefectivações

domingo, 1 de janeiro de 2012

Sempre com Eusébio

"Escrevo esta crónica num momento em que ainda se desconhece quando estará Eusébio em condições de abandonar o Hospital, já recuperado da pneumonia que lhe veio ensombrar o Natal e o da família. Sei apenas que a situação está controlada e irá ser superada com êxito. Já é uma boa notícia. Tudo o que afecta Eusébio não pode deixar os portugueses indiferentes, sejam ou não benfiquistas, porque o seu estatuto é o de mito. De um mito vivo que nos mobiliza e congrega. É por isso que Eusébio é embaixador vitalício da Selecção Nacional e, naturalmente, do Benfica. Quando o vemos na tribuna, nos jogos decisivos, sentimos que o nosso coração também está ali a bater e que a sua presença é uma constante fonte de inspiração para quem está em campo a lutar por um bom resultado. Eusébio é isso mesmo: um símbolo sempre presente de uma vontade colectiva. Como ele, em Portugal, depois de ter desaparecido Amália Rodrigues, a verdade é que não existe outro.

Eusébio tornou-se uma referência do Futebol mundial numa época em que tudo era muito diferente do que é hoje. O Futebol já era um espectáculo de raro poder de atracção, mas ainda não era a indústria poderosa que é actualmente, sobretudo por força da omnipresente cobertura mediática e da sua projecção à escala global.

Tendo sido grande entre os grandes na época em que se tornou ídolo internacional, Eusébio gozou da fama mas não da fortuna que hoje premeia as vedetas mundiais, designadamente porque a televisão ainda não era o que é agora. Também por isso, todos imaginamos o que seria Eusébio se jogasse hoje e não há mais de quatro décadas. Se esse exercício de ficção se pudesse materializar, ele estaria no topo ou sempre muito perto dele. Por isso se tornou herói e mito e todos nos afligimos quando a sua saúde claudica e momentaneamente o derrota. Mas Eusébio vai recuperar, porque, tal como acontece com países como Portugal, depois dos momentos sombrios e amargos, outros mais luminosos hão-de chegar."


José Jorge Letria, in O Benfica

Natal com Eusébio

"Telefonemas há que não gostamos de receber. 'O Eusébio foi internado', ouvi do outro lado da linha. Dois dias depois, as televisões deram a notícia com alvoroço, suscitando enorme alarme. Durante horas, os meus telefones não pararam de tocar. Amigo e biógrafo de Eusébio, por esse motivo reiteradamente solicitado, vi-me compelido a fazer as despesas de comunicação sobre o estado da maior referência da história do Benfica e do Futebol português.

Se dúvidas tivesse sobre a importância do grande Eusébio na vida nacional tê-las-ia dissipado naquele momento e nos dias subsequentes. A Comunicação Social, ávida de notícias, continuou a questionar-me amiúde, na expectativa de ouvir os meus comentários no rescaldo dos contactos que, dia a dia, fui estabelecendo com o meu ídolo da infância e da adolescência. Falar sobre o Eusébio às TV's, rádios, jornais, revistas e sites, a despeito da razão, foi algo que me gratificou.

Digo-o imodestamente. Digo-o, também, com a fortuna de saber que o problema foi debelado. Digo-o, ainda, com a convicção de saber que o trono do Futebol nacional continua e continuará ocupado na sua melhor expressão.

Para além de jornalistas, é irreproduzível, mercê da sua amplitude, a lista daqueles que me abordaram com o fito de se inteirarem do estado de saúde do Eusébio. António Simões, Manuel José, António Oliveira, Artur Jorge, Fernando Gomes, Manuel Fernandes, João Alves, Jaime Magalhães, Bernardino Pedroto, tantos e tantos mais. Também personalidades de outras áreas da sociedade, exemplos de Manuel Alegre, Paulo de Carvalho, Fernando Mendes, tantos e tantos mais.

Numa quadra específica, senti (ou será que aprendi?) que o Eusébio é mais importante para mim do que o Natal. Esta será, talvez, a homenagem que me faltava fazer-lhe."


João Malheiro, in O Benfica

O grande líder

"Estes dias de trégua servem para arrumarmos as despedidas, para pacificarmos as lembranças e para listarmos os desejos para o que aí vem. A mim, por exemplo, deu-me para recordar uma noite quente de junho de 2009 em que, com surpresa, vi o dirigente de um grande clube desportivo, homem tido como poderoso, sagaz, irónico e implacável, atravessar toda a sala de um restaurante – adequadamente chamado Líder –, da mesa em que jantava até à minha, estender-me a mão, sentar-se diante de mim e ficar à conversa comigo e com os meus (seletos) parceiros de circunstância.

O meu espanto era ainda mais compreensível quanto, nas semanas anteriores, tinha havido um bate-boca público entre mim e esse agente desportivo, hoje cada vez mais próximo do estatuto “vitalício”. Tivemos, de resto, um rápido diálogo a respeito desses “confrontos”. Começou ele: “O senhor chamou-me obtuso”. Respondi eu: “E o senhor, presidente, chamou-me obeso”. Rematou ele: “Não se preocupe. A maioria das pessoas que nos ouviu ou leu não sabe o que nenhuma delas quer dizer…”.

Julguei que o assunto estava encerrado e o machado de guerra enterrado. Afinal, tudo se passara na mesa do grande Líder, o restaurante, que, na circunstância, era a minha casa. Puro engano: no final do jogo FC Porto-Marítimo, o homem que até há pouco olhava para um árbitro e via um herói, quis crucificar Duarte Gomes (e não só), por causa de um penálti não assinalado sobre Belluschi. No seu estilo gongórico, pediu que as imagens desse lance e de outros presenciados pelo juiz em questão fossem exibidos para essa espécie terrível dos comentadores, em especial “o senhor obeso da RTP Informação” – eu. Acontece que eu, que me orgulho de não usar palas nos olhos, tinha acabado de dizer que Duarte Gomes deixara por marcar um penálti evidente. Mais: o senhor obtuso do Estádio do Dragão ainda voltaria a dirigir-se a mim, mencionando a imagem que usei relativamente a Vítor Pereira, que deveria ter-se apresentado aos sócios e adeptos do FC Porto “de corda ao pescoço” (as aspas já lá estavam) e assim assumir a responsabilidade pela queda dos campeões nacionais na Champions. Qual é a dúvida, se pararmos de vez com as hipocrisias? Houve ou não falhanço, para o qual contribuiu o demérito do técnico? A exigente massa associativa do FC Porto está com Pereira? E este ainda estaria na cadeira dos sonhos de outrem se não resultasse de uma aposta pessoal (de emergência, é certo) do presidente?

Quando fui informado, dias depois, do novo raid do senhor obtuso, lamentei que, num mundo em mudança, haja quem já nada aprende... Sei, isso sim, é que tenho saudades do querido Líder – o restaurante, claro. E aproveito para desejar Bom Ano a todos. Até a Jorge Nuno Pinto da Costa."


João Gobern, in Record


PS: A última frase era escusada, mas...