"Diz-nos Csíkszentmihályi que as melhores performances ocorrem sob a influência de um estado emocional (Flow) que poderia ser caracterizado por "estar completamente focado numa dada actividade per si. O ego dilui-se, só a ação importa. O tempo voa. Toda a acção, movimento e pensamento seguem inevitavelmente dos anteriores, como se se tratasse de uma peça de jazz. O atleta está completamente envolvido, expressando as suas capacidades no máximo disfrutando, simultaneamente, e em igual intensidade, de cada acção”.
Recorrentemente, o estado de flow encontra-se associado às melhores performances dos atletas – seja pelo relato directo destes ou pela investigação produzida, este facto encontra-se sobejamente documentado na literatura científica especializada, nas ultimas décadas.
De posse desta informação, o desafio que, desde sempre, se impôs tem a ver como é que os atletas, de forma voluntária e inconsciente, conseguiriam ativar este estado emocional que potenciaria a exibição de desempenhos de excelência.
Flow de Equipa?
Se este é um desafio complexo para um atleta - porque implica ganhos crescentes de auto-consciência e auto-regulação, unicamente alcançáveis através de planos de treino de competências psico-emocionais específicas – imagine-se, a dificuldade que será, colocar toda uma equipa num estado emocional ótimo para a performance.
Assim, de repente, e não querendo fazer um exercício exaustivo, implica que o “maestro”, consiga criar as condições específicas para que: 1) ele próprio; 2) a sua equipa técnica; e, pelo menos, 3) os seus Atletas, consigam estar o mais próximo possível desta espécie de “estado de graça”.
De facto, em alta performance, a analogia mais justa será mesmo a de um Maestro que tem a seu cargo fazer com que toda uma “comitiva” (treinadores, equipa médica, dirigentes e outro staff) funcione numa harmonia quase perfeita... sem a mais parca presença de qualquer tipo de “desafino”.
E esta é, uma tarefa infindável, onde todas as variáveis (e seus impactos) devem ser equacionadas(os).
A Fórmula do Euro 2016
Há precisamente dois anos presenciámos um conjunto de factores, no mínimo, interessantes:
1. Uma selecção fortemente criticada pelos seus adeptos dada a “pouca qualidade das suas exibições e a sua ineficiência do ponto de vista quantitativo;
2. Uma selecção reconhecidamente caracterizada por se traduzir numa fórmula 1+10 (sendo que este um carregaria a responsabilidade de tudo e mais alguma coisa)
Como resultado, e reportando meramente à final, constatámos um “Maestro” que soube afinar toda a “orquestra” e:
1. Um “1” que se lesionou + 10 que, muito possivelmente e da única forma possível, diluíram a responsabilidade do primeiro entre cada um dos elementos, envolvendo-se com maior intensidade em cada acção (fenómeno este, de resto, mais do que validado na área de investigação) e, consequentemente, elevando o nível de performance individual e da equipa;
2. Um guarda-redes claramente em estado de flow, assegurando um conjunto de defesas que viria, inevitavelmente, a criar um registo de ainda maior confiança nos colegas;
3. Um quase “desconhecido” que, num momento de clara inspiração (flow) viria a resolver o resultado a favor de Portugal;
4. E, por último, como resultado desta experiência, uma nação anteriormente crítica comemorou os agora Campeões Europeus que, merecidamente, viram o seu estatuto reconhecido (o qual, diga-se de passagem, no que respeita às suas competências, seria o mesmíssimo... ainda que não tivessem ganho absolutamente nada).
E agora?
Em boa verdade, algumas partes da “história” se estão a repetir, senão vejamos:
1. A fórmula 1+10 instalou-se desde o primeiro jogo - aqui, graças à capacidade de um atleta entrar em Flow, manifesta através de uma exibição de excelência (o que seria justo mas...) como se se tratasse de uma modalidade individual, removendo de imediato a capacidade de identificar as importantes ações desenvolvidas pela restante equipa e, consequentemente, a responsabilidade da mesma (o que, não é de todo interessante);
2. As primeiras críticas referentes à qualidade ou quantidade do futebol já se fazem sentir (porque uns não acertam na bola e deveriam acertar, porque outros não correm, porque alguns merecem porque rescindiram com o seu clube, enfim... mais umas quantas razões de natureza questionável);
3. Corremos o risco de ter o tal “1” indisponível para algum dos jogos de “mata-mata” que agora se avizinham, por uma possível “lesão” resultante da acumulação de amarelos...
4. E, até já tivemos um defesa que mais parecia um guarda-redes e um “golpe de génio” que nos garantiram a passagem aos oitavos de final...
Assim sendo, e deste ponto de vista, à partida seria plausível acreditar que, num cenário diferente e até com uma equipa diferente (dez campeões europeus estão ausentes), algumas das anteriores circunstâncias de sucesso estão a dar o “ar da sua graça” e, de novo, a acompanhar o percurso da nossa selecção.
Bom augúrio?
De forma planeada (por acção do treinador) ou por mera reorganização espontânea da equipa (que, não nos podemos esquecer, comporta atletas de competências e recursos elevados), o facto é que observámos em 2016:
* Um claro movimento de coesão de equipa, face às críticas exteriores, possivelmente alavancado pela forte convicção do Seleccionador de que a equipa permaneceria até à final – este tipo de acção, por si só, certamente activou um ainda maior compromisso individual e de equipa, face à confiança (e risco ao assumir essa postura de forma pública), assumidos pelo Seleccionador;
* Uma gigantesca capacidade de assumir, individualmente, um compromisso de equipa e, consequentemente, uma manifesta capacidade de sacrifício e superação;
Agora, e uma vez mais, encontra-se nas mãos do “maestro” (e na sua capacidade de entrar ele próprio em flow) a criação de uma nova “harmonia” que possibilite a elevação da performance da equipa para patamares de excelência.
Agora, a decisão não passa pela qualidade técnica dos jogadores, do desenho táctico planeado ou, até da vontade (que, em excesso, se transforma em pressão auto-induzida) mas sim, da capacidade de se entregar(em) a cada momento do jogo, de forma desafiada e sempre, sempre... com uma imensa capacidade em comemorar cada sucesso e se superar em cada adversidade."