"Num tempo em que o futebol se tornou global, metódico e cada vez mais dependente da ciência, há profissionais que conseguem unir o rigor do treino à sensibilidade humana. Rui Tavares é um deles. Treinador português de guarda-redes, com passagens por clubes de topo em países como Catar, Irão, México, Brasil, construiu uma reputação de competência, inovação e proximidade. Trabalhou em contextos competitivos muito distintos, com culturas futebolísticas diversas, mas deixou sempre a mesma marca: a de um treinador que não se limita a formar guarda-redes - forma pessoas.
Há treinadores que ensinam técnicas, outros que moldam mentalidades. E depois há os que fazem ambas as coisas ao mesmo tempo — com ciência e com alma. Rui Tavares pertence a esta última categoria. Discreto, observador, exigente e profundamente humano, tem vindo a afirmar-se como uma referência na preparação de guarda-redes modernos, daqueles que jogam com as mãos e pensam com os pés.
Trabalhar com ele, dizem os jogadores, é uma experiência transformadora. No Bahia, o brasileiro Marcos Filipe recorda o impacto da chegada de Rui como «um prazer» e uma oportunidade rara de contacto com «uma cultura europeia de preparação de guarda-redes». Não se tratava apenas de treinar, tratava-se de educar o olhar, disciplinar o corpo e fortalecer a mente. «O Rui sempre me dizia que todas as ações tinham de ser controladas, que eu devia estar sempre com energia para reagir e bem posicionado para agir», conta o guarda-redes. E acrescenta: «O que torna o treino dele diferente é a capacidade de preparar o jogador para o jogo, tanto fisicamente como psicologicamente.»
Esse binómio — corpo e mente — é o núcleo do método de Rui Tavares. A exigência é alta, mas sustentada por compreensão e proximidade. A carga emocional é sempre positiva, nunca punitiva. O erro é tratado como ferramenta de crescimento, não como falha a esconder.
É essa dimensão humana que também marca o testemunho de Tiago Volpi, guarda-redes do Grémio, que trabalhou com Rui Tavares no Toluca do México. «O Rui teve um processo muito importante no que se diz respeito a fazer com que eu tivesse prazer em ser guarda-redes outra vez. Eu estava num momento complicado, com dúvidas sobre mim mesmo, e ele foi resgatando o Tiago Volpi que estava apagado dentro de mim», recorda o brasileiro. A história de Volpi é mais do que uma mera história desportiva, é um exemplo claro de como a empatia tem um poder transformador e pode mudar carreiras. A partir da confiança e da comunicação, Rui Tavares reconstruiu um jogador e, com ele, um líder. «Desde o primeiro dia, deixou-me claro que eu era o guarda-redes que ele sempre quis trabalhar. Fez-me ajustar muitos hábitos que já não eram benéficos, e isso requer confiança» — «nunca é fácil mudar hábitos» — destaca Tiago Volpi.
Entre as muitas aprendizagens que ficaram, Volpi guarda um mantra que o acompanha até hoje: «Equilíbrio, Volpi. Tens de estar equilibrado, máquina!» Essa frase resume o coração da sua filosofia. O equilíbrio é simultaneamente técnico, físico e emocional. Um guarda-redes desequilibrado mentalmente dificilmente estará equilibrado no campo. Um gesto técnico só é perfeito se vier de um corpo preparado e de uma mente tranquila. Volpi reconhece que, aos 33 anos, se tornou «um guarda-redes ainda mais técnico» ao lado de Rui — e não por acaso, mas por método.
A dimensão técnica e científica do trabalho de Rui Tavares não passa despercebida aos treinadores principais com quem colabora. Renato Paiva, com quem partilha projetos na América do Sul, descreve-o como «um treinador inovador, que não deixa que o treino se torne rotina ou monotonia». A variabilidade dos exercícios e a ligação constante entre o treino e a realidade do jogo fazem parte do seu ADN. «Os guarda-redes estão sempre despertos, motivados para aprender. A variabilidade e a qualidade da metodologia do Rui são, sem dúvida, duas das suas maiores virtudes», sublinha o treinador português.
Mas Renato Paiva insiste: «A verdadeira diferença está no lado humano. O Rui cria elos pessoais fortíssimos. Essa empatia faz com que o jogador acredite profundamente no que ele propõe e essa crença é sustentada pela qualidade dos exercícios e pela evolução visível de cada guarda-redes.» A confiança, como recorda o treinador português, é o cimento invisível entre técnica e rendimento. Sem ela, o treino é apenas repetição. Com ela, o treino transforma-se em crescimento e evolução.
Essa visão é partilhada por outro técnico português que privou de perto com Rui Tavares: Toni. No Irão, ao serviço do Tractor Sazi Tabriz, o experiente treinador viu de imediato a qualidade e a consistência do seu compatriota. Contou-me: «O Rui adaptou-se muito facilmente à equipa técnica. Vi nele um homem de princípios e valores e desde sempre destacou-se por três coisas: humanidade, competência e profissionalismo.» Toni sublinha que o relacionamento de Rui com os guarda-redes é muito mais do que funcional, é afetivo e formativo: «Consegue estabelecer uma relação muito particular com os guarda-redes, vive com eles o seu dia-a-dia, cria laços fortes que depois têm um reflexo muito positivo no treino e no jogo.»
Essa capacidade de criar pontes humanas em contextos culturais tão diferentes — do Médio Oriente à América Latina — é uma das marcas mais notáveis de Rui Tavares. A sua empatia não é estratégia; é natureza. Faz parte do seu código genético. Onde outros veriam distância cultural ou barreira linguística, ele vê oportunidade de ligação. Essa sensibilidade tem sido decisiva para o sucesso do seu trabalho e para o respeito que granjeia junto de jogadores e técnicos.
Mas o trabalho de Rui Tavares também se insere numa transformação mais ampla no futebol moderno: a redefinição do papel do guarda-redes. Já não é apenas o último defensor, é o primeiro construtor. Jon Pascua Ibarrola, ex-treinador de guarda-redes do Barcelona, do Marselha, do Bétis e do Athletic Bilbao, é um dos grandes defensores dessa mudança de paradigma. «O guarda-redes moderno já participa ativamente na criação do jogo ofensivo. No futuro, o treino de guarda-redes deverá integrar-se cada vez mais com o treino coletivo, aproximando-o do trabalho dos defesas e médios», explica Ibarrola.
Essa visão, que Rui Tavares partilha e pratica diariamente, implica um treino orientado não apenas para a técnica, mas para a compreensão do jogo. «O treino tem de estar centrado na leitura e resolução de situações, no domínio das ferramentas necessárias para o jogo real. Há aspetos que precisamos de trabalhar de forma isolada e outros que devem ser treinados com a equipa. O guarda-redes não resolve sozinho, nem os jogadores sem ele. É uma questão de lógica», acrescenta o técnico basco.
A dimensão humana também faz parte desse novo perfil de guarda-redes. Ibarrola define-o como uma «voz de autoridade silenciosa», que deve evoluir para uma liderança consciente: «Existem diferentes tipos de autoridade e diferentes tipos de liderança. O primeiro passo é o treinador de guarda-redes saber liderar-se a si próprio - ser íntegro, agir com consciência e servir de exemplo. Que não sejam as suas palavras a defini-lo, mas sim os seus atos.»
Rui Tavares encaixa perfeitamente nessa descrição. O seu método combina conhecimento tático, rigor técnico e uma liderança serena, baseada na coerência e no exemplo. Os seus guarda-redes não apenas defendem melhor — compreendem melhor o jogo. E, sobretudo, compreendem-se melhor a si próprios.
No Irão, no México, no Brasil ou onde quer que vá, o treinador português tem deixado uma marca que vai muito além da técnica. Cada sessão é uma lição de rigor e humanidade, de exigência e empatia, de método e alma. No fundo, talvez seja essa a verdadeira herança de Rui Tavares: provar que o treino de guarda-redes pode ser uma escola de equilíbrio entre a razão e a emoção, entre o detalhe e a inspiração, entre o gesto e o coração.
Porque, no fim de contas, o método é o que se ensina; a alma é o que se transmite. E Rui Tavares ensina as duas coisas às suas «máquinas»."