"Numa época de caricato planeamento quanto às laterais – de seis elementos disponíveis para as faixas, quatro jogam preferencialmente no lado direito, enquanto que um dos dois na canhota não é sequer de origem – o SL Benfica vê-se apetrechado em qualidade e abundância, ainda que o desequilíbrio seja notório. Quanto mais Gil Dias der provas de que ‘’não serve” para Jorge Jesus, mais problemática será uma eventual ausência de Grimaldo.
Mas à destra, opções bastantes e muito válidas. Se André Almeida recuperou da tormentosa lesão que o apoquentou no último ano, vê-se agora no fundo da hierarquia. Diogo Gonçalves teria em 2021-22 a temporada de afirmação, não fosse a subida de forma de Gilberto ou a contratação sonante de Valentino Lázaro.
Ardente luta se travará pela titularidade, exigindo de cada um rendimento máximo – é de saudar a concorrência, ainda que seja contranatura a aglomeração de tanta solução para um posto só. Dores de cabeça para Jesus.
Numa tentativa de enquadrar historicamente e contextualizar as passadas apostas encarnadas para aquela ala, decidimos eleger os cinco mais destacados laterais-direitos do percurso benfiquista – cronologicamente e tendo em conta a sua importância a curto, médio e longo prazo, dentro e fora dos relvados.
Muitos nomes merecedores de referência ficam injustamente de fora por impossibilidade matemática. José Rosa Rodrigues, por exemplo, o primeiro ala direito de águia ao peito: entrou como titular no primeiro jogo oficial de sempre, como right-back – como se chamava à altura quem preenchia aquele lado no 2-3-5 ou WM coevo.
Ou Ralph Baião, outro bom exemplo, ainda que este se destaque por razões mais inóspitas – a sua excentricidade foi um marco no campo mediático do futebol português dos anos 20, fosse pela sua fama enquanto bom vivant, ou ela utilização de uma boina basca sempre que entrava em campo. Foi com uma txapela à cabeça que ajudou a vencer três Campeonatos de Portugal e um Campeonato de Lisboa, em oito anos (1925-33) como soldado do exército rubro.
De Jacinto, nos anos 40, a Cavém – que apesar de ser o melhor polivalente de sempre do nosso futebol, cumprindo com mestria todas as tarefas dentro do retângulo, iniciou duas finais das Taças dos Clubes Campeões Europeus (vs AC e Inter de Milão, 1963 e ‘65 respetivamente) como titular da posição, consolidando-se aí no final de carreira.
Na passagem à década de 70, há a reter Malta da Silva – titular nos invencíveis de 1972-73 – ou Artur Correia, o Ruço, velocista que terminou carreira na Luz de costas voltadas com o clube, mas que marcou uma era enquanto fomentador de um novo estilo de lateral.
Foi o primeiro ala moderno do futebol português ou, pelo menos, o primeiro disposto a desbravar todo o corredor num vaivém constante. Stefan Kovacs, o reputado treinador do FC Ajax tricampeão europeu (substituto de Michels, aquando da saída deste para FC Barcelona) disse sobre ele, em 1972: “Provavelmente, o melhor da Europa”…
Mais tarde, Miguel deixou marca num SL Benfica em reconstrução. Essencial na Taça de 2004 e no campeonato de 2005, só a sua saída apressada para Espanha impediu maiores feitos pelo clube. E, por fim, André Almeida e Nélson Semedo, um pela longevidade e outro pela qualidade.
1. Maxi Pereira (2007-2015) – O silêncio tornou-se hábito em relação ao uruguaio. De amor profundo a traição inusitada fora de tempo, já demasiado tardia, divórcio pateta e tiro no pé de um atleta que tudo tinha para ficar ainda mais engradecido na história do SL Benfica.
Fosse pelas características dentro e fora de campo, onde mostrava ser leal, comprometido com a equipa, chegando a parecer a personificação fiel dos ideias encarnados, Maxi foi uma figura importante no rejuvenescimento a partir de 2009, contribuiu até à chegada às consecutivas finais europeias.
Sem se perceber muito bem como nem porquê, rumaria a Norte – tomando o mau exemplo do compatriota Cebola Rodríguez – para finalizar a carreira atascado em derrotas e casos de indisciplina, numa fase de menor fulgor do FC Porto.
Antes de continuar o silêncio indicado como resposta a tão inglória decisão, a constatação: foram oito anos na Luz, 333 jogos, três campeonatos, uma Taça, seis da Liga, duas supertaças, duas finais europeias. Tentador mas impossível ignorar.
2. António Veloso (1980-1995) – Ficará para sempre marcado ao penalty de Estugarda, muito injustamente. Competentíssimo na arte de defender e abnegado como quase ninguém, bastará atentar-se de forma superficial à sua carreira para ver números, muitos números, tantos que nos metem a cabeça em água – como tantas vezes tentaram os extremos adversários fazer, ainda que em vão.
Aqui vamos, agarrem-se: 658 jogos de 1980/81 a 1994/95 (média de 43 por temporada), 322 deles ostentando a braçadeira (ficou a seis do recorde de Mário Coluna). Desses 658, 546 a titular, 309 do lado direito – tal como os senhores antes referidos, um polivalente astuto e desenrascado, estreando todas as posições à excepção da baliza e frente de ataque.
Foi até bem recentemente recordista de jogos europeus (77), sendo superado apenas por Luisão (127). Percebe-se, então, a eterna gratidão que lhe devem os adeptos do SL Benfica. Pena que o instante determinante do confronto com Van Breukelen, guarda-redes holandês, tenha ficado como dívida perpétua de um homem que tudo deu em prol da instituição.
3. Minervino Pietra (1976-86) – Lateral-esquerdo de origem, foi mais um polivalente de prestígio que se afirmou na Luz como um dos melhores laterais portugueses. Irreverente na chegada à frente, tinha técnica suficiente para se evidenciar no último terço.
Como ficou demonstrado na eliminatória frente ao Copenhaga, na Taça dos Campeões de 77-78: 1-0 cá, 0-1 lá, dois tentos de sua autoria e a consagração internacional, que viria a completar-se na importância que teve no conjunto de 1982-83 que surpreendeu o continente ao chegar à final da Taça UEFA.
Era Pietra o dono da direita, formando com Carlos Manuel grande dupla naquele corredor. O percurso na Seleção (28 jogos) fica marcado pelo afastamento da fase final do Euro84, quando tinha cumprido praticamente toda a qualificação a titular, “numa altura em que estava com as faculdades intactas”.
Jogou João Pinto (FC Porto) no seu lugar. Na Luz aguentaria mais dois anos, completando 314 jogos – seria expulso no último, contra o Belenenses, o seu antigo clube. Ironias de um destino que fez questão de nunca o afastar totalmente da causa encarnada.
Seria quase eterno colaborador do clube. Assumir-se-ia como adjunto de Rui Vitória. Com ele foi até ao fim, ajudando depois na introdução de Bruno Lage e continuando, até hoje, como ponto de ligação entre os valores benfiquistas e a equipa principal.
4. Mário João (1957-63) – Chegado ao SL Benfica vindo da CUF, em sentido inverso do veterano Arsénio, Mário João tinha-se evidenciado na margem Sul como interessante avançado.
Foi assim que se encaixou na equipa principal do SL Benfica até chegar Bela Gutmann, em 59, e discernir nele um preponderante e polivalente elemento da retaguarda: no meio ou á direita, como na segunda final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, onde secou Gento e ajudou a acalmar Puskas após o intervalo.
Campeoníssimo e feito Comendador por Américo Tomás, teve que optar no final da época entre a Luz e o regresso à CUF: no Barreiro tinha emprego garantido, ficando a ganhar mais na fábrica do que no clube campeão da Europa! Além, claro, da importante questão da reforma. Tempos que já lá vão.
Feitas as contas, cinco anos, dois campeonatos, duas Taças dos Campeões, duas Taças de Portugal.
5. Francisco Moreira, o Pai Natal (1944-54) – 270 jogos distribuídos por dez épocas. Nada mau, certo? Melhor fica se atentarmos que nasceu em 1915 – chega ao SL Benfica, então, já com uns maduros 29 anos, cumprindo carreira até aos 39, numa longevidade admirável e que mete em causa o compromisso de tantos outros.
Se Francisco tem chegado ao SL Benfica mais cedo, certamente figuraria ainda hoje no top dez dos mais assíduos da sua história. Ao peso da sua contribuição ímpar, a assinatura em momentos capitais do período pré-conquista europeias.
Ora bem, vejamos: foi titular nos 8-2 da inauguração do Estádio das Antas, na melhor vitória de sempre frente ao FC Porto; estava presente nos 13-1 à Sanjoanense, a maior goleada do SL Benfica no Campeonato Nacional.
Participou, ao ritmo de poucos, na maratona em pleno Jamor que resultou na Taça Latina. No périplo do tetra de Taças de Portugal (49-53), era já um dos líderes do conjunto que cumpriu com o Sporting CP uma das melhores finais de sempre (a de 1952, no 5-4 que Rogério Pipi decidiu em cima dos noventa) e do que, no ano seguinte, voltou a esmagar o FC Porto, desta vez por 5-0.
Tão incansável era, à lateral ou ao meio, na intermediária de onde regia toda a construção encarnada, que os colegas de seleção, sportinguistas, se metiam com ele alcunhando-o de “Pai Natal”. Colou na massa adepta. “Diziam que eu era velho, mas ninguém passava por mim”, explicou Francisco, algum tempo depois."