Últimas indefectivações

quarta-feira, 23 de maio de 2018

O Benfica... em Pedrogão Grande

O Benfica nos últimos anos não tem falhado uma única promessa no capitulo social. Infelizmente, os desastres têm sido vários... a resposta do Benfica, através da Fundação, tem sido sempre afirmativa, e ao contrário dos outros, as promessas são cumpridas...

A chave

"1. Um dia (e isto é verdade) alertaram na rua um senhor da minha aldeia: «Corre que tens a casa arder!». Ele respondeu: «Não pode ser, tenho aqui a chave!» Lembro-me sempre disto a propósito de BdC.
2. Para bem do Sporting, espero que a queda do seu presidente, qual orquestra do Titanic, não demore tanto como a reintegração do Gil Vicente na primeira divisão.
3. São vários os jogadores do Sporting cobiçados, mas não só. Segundo foi possível apurar, o Cirque du Soleil está muito atento ao ginasta Jaime Marta Soares.
4. Paulo Silva, peça-chave no processo Cash-Ball, foi mestre de cerimónias em discotecas de todo o país como apresentador dum campeonato do Dance Music e das festas Oh Larecas. Será que o chefe sabia disto?
5. O discurso dos advogados de defesa dos 23 invasores e agressores de Alcochete só pode envergonhar a classe. Só não disseram que foi Bas Dost quem agrediu um cinco à cabeçada porque ainda há pouco tempo o holandês estava a apreender a apertar os atacadores dos ténis.
6. Penso que está na altura de o IPDJ começar a pressionar as claques para legalizarem os seus grupos organizados de dirigentes.
7. Caro José Mota, falta de respeito é, na hora da vitória, não agradecer a Lito Vidigal, que eliminou o Vila Real, o UD Leiria, o U. Madeira e o Rio Ave (de forma época), entregando-lhe o Aves nas meias, com o Caldas.
8. O Aves foi tão competente a ganhar a Taça de Portugal como foi incompetente a perder o licenciamento para as provas da UEFA: «Neste momento não há ninguém melhor do que nós em Portugal», disse o presidente da SAD. E também não há ninguém pior, na secretaria.
9. O Benfica já contratou mais jogadores até agora do que na época passada inteira. Tivesse feito ao contrário e só precisaria de ajustes para lutar pelo hexa.
10. Gostava que o futebol fosse sempre uma festa com porco no espeto, mas o que vejo, cada vez mais, é uma guerra de suínos com futebol no espero."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

Bruno prepara época leonina

"Olhando para o calendário e tendo em conta o cenário conhecido, a temporada 2018/19 do futebol do Sporting vai ser preparada por Bruno de Carvalho. O dia de ontem aprofundou bastante essa convicção, é nisso que o presidente dos leões está a pensar. Em tese, se o Conselho Directivo do Sporting se demitir, haverá marcação de eleições, que dificilmente deixarão de ocorrer no mês de Julho; se houver Assembleia Geral (AG) para destituição da Direcção, o tempo até que se retome a normalidade será ainda mais longo. Em qualquer das situações, mesmo num quadro de gestão corrente, será Bruno a definir a época leonina de 2018/19.
Aqui chegados, o problema agudiza-se, porque estão esgotadas, na prática, quaisquer hipóteses de relacionamento entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus, por um lado, e entre o presidente do Sporting e um número significativo de jogadores com relevância no seio do plantel, por outro.
A entrada de Augusto Inácio (que não se dá com Jesus) nesta equação, assim como a promessa de Bruno de Carvalho de não voltar ao banco, parece ser a prova de que o presidente não pensa em renunciar na reunião de amanhã e está a criar uma narrativa para o futuro. Nestas derradeiras peças do puzzle, uma contradição surge, insanável: não é possível louvar o regresso, com a entrada de Inácio na estrutura, à matriz original do projecto, quando esta mudança foi ditada por uma Juíza de Instrução Criminal.

PS - Jaime Marta Soares tem tentado evitar a guerra civil no Sporting e nem sempre tem sido bem compreendido. Está a realizar um trabalho deveras ingrato mas sem dúvida patriótico."

José Manuel Delgado, in A Bola

Originalidade no reino do leão

"Como se consegue afastar o presidente que foi reeleito há um ano com 86 por cento dos votos e confirmado há três meses com quase 90 por cento?...

Houve quem afirmou um dia que as finais são para se ganhar e o Desportivo das Aves, ao interpretar esse princípio com inabalável competência, justificou a posse da Taça de Portugal, não tendo muito cabimento, por isso, a reprimenda que o seu treinador deu a todos e a ninguém em particular pelo facto de, segundo ele, não se ter dispensado à equipa a atenção e o espaço jornalístico que merecia.
José Mota tem carreira feita e esta conquista premeia trabalho de muitos anos. Compreendo-lhe o desabafo, mas também sei que ele sabe como é que as coisas funcionam. Os fracos são sempre olhados como tal e para se imporem aos fortes exigem-se forças que a estes se dispensam. É assim a vida, mas ninguém faltou ao respeito, nem a ele nem ao clube, nem à região que representa. Era o que faltava...
Com a sua sólida experiência, Mota aliviou a alma e libertou um sentimento de opressão. No seu entendimento, considerou-se ofendido por eventual adulteração de valores na distribuição de méritos derivada da pouca vergonha que tomou conta da vida leonina nos dias que antecederem o jogo. Vincou uma posição. Não seria preciso, mas quis fazê-lo para memória futura: quando se falar desta final, não deve subsistir nunca a mínima dúvida sobre a excelência exibicional do Aves.

Não gosto, nem nunca gostei do estilo de Bruno de Carvalho, muito menos de boçalidades que apimentam algumas das suas intervenções, como no discurso da reeleição. Enfastia-me o ritmo pastoso como se expressa, quando começa a desenvolver uma ideia, anda para trás e para o lado, dá tempo a quem o ouve de ir beber um café e chegar a tempo de continuar a ouvi-lo perorar sobre o mesmo tema sem se enxergar o fundo do tacho.
A última conferência de Imprensa, marcada para a uma da tarde de sábado, é o exemplo mais recente. Começou com 45 minutos de atraso e gastou quase duas horas com banalidades e insinuações poucas claras, de muito discutível relevância, em função do aparato mediático que lhe foi dispensado, reconhecendo, no entanto, a perspicácia e mestria com que a máquina da propaganda leonina tem explorado a situação: não importa a qualidade da comida que se põe no prato, convém é que seja muita...
Ontem, porém, em súbita alteração estratégica, «passado o jogo da final da Taça de Portugal», além da suspensão de todos os benefícios protocolados entre clubes e claque até conclusão da investigação do Ministério Público e também do processo de averiguações interno, foi comunicado o pedido de audiências, já aceites, a primeiro-ministro e secretário de Estado da Juventude e Desporto e solicitadas reuniões ao universo Sporting no sentido de conseguir a união o coesão da família leonina. Um recuo táctico evidente, com fins que, obviamente, me escapam.
BdC, já o escrevi, nunca se sabe, é uma fonte de surpresas. Julgo não lhe passar pela cabeça resignar, ficando os motivos por que assim age à consideração de cada qual.

O epicentro da discórdia ter-se-á localizado numa reunião entre presidente e treinador, sendo, daqui em diante, muito pouco provável, embora não absolutamente improvável, a coabitação entre ambos.
Há três anos, Jorge Jesus entrou em Alvalade levado por esfuziante entusiasmo e com a promessa de devolver ao Sporting a capacidade de repartir o sucesso nos Campeonatos com Benfica e FC Porto. Nessa altura, o presidente, porventura carente de aplausos, desceu ao plano do relvado, misturou-se com treinador e jogadores e transformou-se em participantes activo e regular nas chamadas voltas olímpicas.
Hoje, na transição para a quarta época, apenas com uma Supertaça e uma Taça da Liga no palmarés, manifestamente de menos em face das expectativas que prenunciaram conquistas infindas ao leão e traçaram a ruína do vizinho da Segunda Circular, nota-se, com a subtileza sugerida pela gravidade do caso, que é o treinador a subir ao andar da Administração, em sentido figurado entenda-se, por ser ele a única peça de artilharia de que a oposição dispõe capaz de abalar o poder presidencial.

Jorge Jesus, agora sem a possibilidade de esgrimir o eterno desejo do FC Porto em contratá-lo, pretende manter, naturalmente, o contrato válido por mais um ano, ou até dois, quem sabe, se a sua influência for suficiente para abrir caminho a um novo ciclo directivo.
Bruno de Carvalho, por seu lado, já deve ter-se convencido de que a contratação de Jesus, mais a exagerada envolvência que a caracterizou, está a revelar-se um fiasco, de aí a renitência em estender o pagamento de uma quantia absurda, diria até ofensiva para a nossa realidade social.
Quando os resultado desagradam, não podendo despedir-se a equipa, quem se trama é o treinador. Vem nos livros. Mas o Sporting privilegia a originalidade: afastar o presidente que foi reeleito há um ano com 86 por cento dos votos e confirmado há três meses com quase 90 por cento. Alguém explica como?

PS: A Justiça perdeu a paciência com as claques e os claqueiros. Já era tempo."

Fernando Guerra, in A Bola

Números e factos

"Pelo menos em cerca de oitenta situações a verdade desportiva foi salvaguardada pelo VAR

Ontem tive o prazer de me deslocar à Maia para participar num painel composto, em exclusivo, por árbitros (Artur Soares Dias e Tiago Martins) e dirigentes de arbitragem (Paulo Costa e João Ferreira). A sessão decorreu no âmbito do XIV Congresso Internacional, superiormente organizado pelo ISMAI. O tema proposto não podia ser mais actual: videoárbitro.
O anfiteatro estava composto e contou com rostos familiares, como Ricardo Chéu, Domingos Paciência, Nuno Campos, José Costa, Jaime Pacheco, José Gomes, entre outros. Ingredientes suficientes para uma conversa saudável e profícua sobre o impacto da tecnologia no futebol.
Independentemente daquela que será, nesta matéria, a opinião de cada um, foram ali divulgados um conjunto de dados - inequívocos e objectivos - que importa aqui recuperar:
1. Esta época, 306 partidas da Liga NOS tiveram videoárbitros;
2. Daí resultaram 1869 lances passíveis de escrutínio;
3. Esses referiam-se às seguintes áreas de intervenção protocolar: 914 situações de golo (todos são obrigatoriamente revistos), 457 de vermelho directo, 488 de pontapés de penálti e 10 de troca de identidade disciplinar;
4. Das tais 1869 situações monitorizadas, apenas em 100 foi recomendada a alteração da decisão inicial (ou, no mínimo, que fosse revista junto de relvado);
5. Dessas, 76 foram efectivamente revertidas. Nas outras 24, os árbitros optaram por não acatar a recomendação do colega.
6. Ao todo, os árbitros escolheram visionar, junto ao relvado, 68 lances, tendo aceitado de imediato a indicação nos restantes 32.
7. Por último, referir que os VAR analisaram, em média, 6 lances por jogo. No entanto, apenas uma decisão, a cada três partidas, foi lavo de revisão (corrigidas, apenas uma em cada quatro). Nesses casos, o tempo médio de interrupção foi inferior a um minuto.
Os árbitros portugueses contaram, esta época, com o apoio de um assessor externo (David Ellery, o criador deste projecto). Fizeram 7 treinos (em relvado) e tiveram 169 horas de formação técnica específica (em sala).
Cada um lerá o que entender sobre estes números. Da minha parte, eles são a afirmação clara que, pelo menos em cerca de oitenta situações, a verdade desportiva foi salvaguardada. Nessas (partindo do princípio que bem avaliadas) a justiça fez-se através da preciosa ajuda das imagens.
Não deixa, no entanto, de ser também verdade que há um longo caminho a percorrer. No meio de muitos acertos, houve lapsos desculpáveis (de pura interpretação) e outros inadmissíveis. Daqueles óbvios, claros e evidentes para toda a gente. O desafio aí é perceber o que falhou.
A qualidade das imagens ou da comunicação? Falta de timing na intervenção? Falta de sensibilidade para focar no essencial? Precipitação? Houve negligência involuntária? Inibição em corrigir colegas? Falta de coragem? Incompetência?
O que quer que seja tem seguramente solução. E é para isso que serve o defeso, porque para o ano já não estaremos em fase de testes."

Duarte Gomes, in A Bola

Quanto mais aguenta o leão?

"No Sporting, a crise segue dentro de momentos. Para a próxima quinta-feira ficou marcada nova reunião dos órgãos sociais, na expectativa de ser encontrada uma solução que, de momento, não se vislumbra. Bruno de Carvalho e os seus dirigentes que lhe garantem quórum mantêm-se sem quaisquer sinais de abertura para eleições antecipadas e as outras fórmulas, sempre mais morosas, estão em marcha mas provavelmente não serão suficientemente expeditas para as necessidades e urgências do clube.
Começa a ganhar força a ideia de que muito dificilmente o Sporting terá condições para preparar devidamente a próxima época; e que o controlo de danos só poderá valer para o futuro imediato. E este é o drama subjacente ao impasse vigente: os leões não têm tempo a perder e não há quem desate o nó górdio que amarra o clube e lhe compromete a vida.
Ontem não se verificaram rescisões de contrato por parte dos jogadores, hoje não sabemos. Mas uma coisa parece indesmentível, não há quaisquer condições de coabitação nem entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus, nem entre o presidente do Sporting e a maioria dos jogadores do plantel. Este quadro, aliado à crise social em curso, à invasão de Alcochete, que já teve consequências gravosas para alguns dos prevaricadores, e aos processos que correm na Justiça, devia, no mínimo, derivar em eleições antecipadas. O contrário só pode ser visto como altamente prejudicial dos interesses do Sporting. Imagine-se que nada acontece e que Bruno de Carvalho permanece no poder, neste contexto tão fragilizado. Tem condições para defender os superiores interesses do Clube que diz... amar?"

José Manuel Delgado, in A Bola

Caso Desportivo das Aves: Pode a interpretação de uma norma conduzir a resultados absurdos?

"O procedimento burocrático, salvo melhor entendimento, não faz qualquer sentido e prejudica gravemente o primado da verdade desportiva.

De acordo com o que vem sendo noticiado, depois de uma brilhante temporada desportiva, que passou pela manutenção na Primeira Liga e culminou na vitória, com mérito, na Taça de Portugal, o Desportivo das Aves confronta-se, agora, com uma verdadeira baldada de água gelada, com implicações directas no seu futuro desportivo e financeiro.
Com efeito, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) informou, na passada terça-feira, que o emblema minhoto não reúne as condições necessárias para integrar o lote das equipas portuguesas que vão participar nas competições europeias em virtude de não ter iniciado, tempestivamente, o processo de licenciamento junto da entidade que responsável por averiguar se os clubes cumprem os critérios, nomeadamente logísticos e financeiros exigidos pela UEFA, neste caso, o denominado Órgão de Gestão de Licenciamento.
Esse processo, de acordo com o que foi noticiado, teve início em Dezembro de 2017, altura em que o Aves lutava pela permanência na Primeira Liga e, nem perspectivas mais optimistas, almejava chegar, pela primeira vez na sua história, à final da Taça de Portugal.
A UEFA ainda não se pronunciou quanto a este caso, remetendo para inícios de Junho a divulgação da lista dos clubes participantes nas competições.
Posto isto, importa antes de mais, firmar o seguinte: o Desportivo das Aves cumpriu, dentro das quatro linhas, o requisito fundamental para ter acesso directo à fase de grupos da Liga Europa, ou seja, é o vencedor da Taça de Portugal. Essa vitória ocorreu no passado Domingo, dia 20 de Maio, não em Dezembro de 2017. Sendo um procedimento aceitável para os clubes de topo do panorama nacional, habitués da alta-roda do futebol europeu, afigura-se, ainda assim, incompreensível, para não dizer, completamente iníquo, que se exija a um clube modesto, com recursos limitados, que comece quase seis meses antes do final das provas desportivas, os procedimentos tendentes a um resultado mais do que eventual, verdadeiramente, improvável.
Por outro lado, afigura-se da mais elementar justiça que os procedimentos de licenciamento para as competições europeias tenham a elasticidade de "encaixar" a candidatura dos chamados "tomba gigantes" que, contra todas as probabilidades, demonstram em campo o seu valor desportivo. Só assim se enriquece a competição e motiva os competidores.
Finalmente, fazendo apelo de um clássico princípio norteador de qualquer ordenamento jurídico, é incontroverso que a interpretação de uma norma ou regulamento nunca pode conduzir a resultados absurdos e a exclusão de um clube de uma competição porque não iniciou cinco meses antes do resultado desportivo propriamente dito, o procedimento burocrático para essa participação, salvo melhor entendimento, não faz qualquer sentido e prejudica gravemente o primado da verdade desportiva."

O nosso amor é verde

"Nem sempre tenho a certeza do que é o amor, embora nunca me assole a dúvida de que ele, de facto, existe. É estranho, o amor, e simultaneamente a coisa mais entranhada que conhecemos; é um sentimento abstracto (daí a minha vacilação em explicá-lo) e ainda assim o único valor em que efectivamente nos concretizamos. É uma qualidade tão elevada que se quer rara, mas ao mesmo tempo tão elevada que se nos exige abundante; é o que nutrimos naturalmente por quem nos é próximo, mas também aquilo que aproxima quem outrora nada nos era.

«É tão difícil dizer “amor”», cantavam os Clã, e aqui estou eu a falar dele com a leveza matreira de quem nem precisa de pretexto, só de assunto. A haver um “problema de expressão”, creio que é por excesso, não defeito, já que abundam declarações de amor por coisas que dificilmente o merecem. Abundam as declarações de amor por coisas, coisas apenas. Talvez seja aqui que eu hoje trace a linha (hoje, que pareço usar a razão em função do coração), e assim assevero que as coisas, coisas apenas, malbaratam e enfraquecem a nossa noção de amor. Pessoas, pessoas apenas, são merecedoras da declaração amorosa.
Claro que há quem se diga amante de causas e valores, ou quem manifeste amor pelo Planeta, ou pela Natureza, por exemplo. Ainda assim, toda a afeição me parece estéril se não tiver como alvo final o bem do nosso próximo. A Ecologia, a Paz ou a Justiça são dignas de amor na medida em que apontam para a dignidade das outras pessoas; são edificantes porque dignificam. A dedicação com que nos embrenhamos torna-se aqui num barómetro amoroso, exactamente por estarmos a abdicar do nosso conforto para que outros possam ficar um bocadinho mais confortáveis. O amor é altruísta, e não há altruísmo sem “altrum”, o outro.
Admito também que exista amor pelos animais, mas só porque o trato digno dos bichos nos enobrece enquanto pessoas, e porque a irracionalidade afectuosa deles devia inspirar a nossa fria racionalidade. Mantenho, contudo, que o amor é coisa de gente para gente, e não equiparo o valor da Humanidade ao de qualquer outro ser vivo (perdoem-me, amigos do PAN). Ainda mais inflexível sou com o conceito de quem afirma amar um penteado, um par de botas ou um prato de ramen. “É tão difícil dizer amor”, mas tão fácil banalizá-lo lexicalmente. É como aqueles fulanos que adoram isto e aquilo sem nunca terem erigido um altar, nem experimentado genuflexão contrita.
Já eu, sem exageros, sou um gajo com amor à camisola, a mais do que uma até. Só que esta expressão tipicamente clubística não se revela nos 100% poliester dos equipamentos da Luz, nem no tecido auriverde do meu Clube Desportivo de Tondela. O amor reside, isso sim, nos corpos que, literal ou figurativamente, aquelas camisolas vestem. Reside nos adeptos de quem eu sou adepto, pessoas próximas que me passaram os relatos sobre grandes heróis, grandes feitos, grande nobreza; ou pessoas que simbolizam o coração enorme duma cidade pequena. Sou do Benfica (“e isso me envaidece”) porque há todo um legado benfiquista que fui beber em gente que amo. Sou do Tondela, porque é a terra, e o palco, das minhas mais bem-amadas memórias, todas elas com caras de gente, todas com nomes de amigos.
Hoje sinto-me ligeiramente mais esclarecido sobre o amor, mas não se equivoquem: a estranheza está ao virar da esquina. É que decidi escrever acerca daquilo que me é próximo, aquilo de que me aproximo, na mesma crónica em que vou falar dum rival, dum opositor, dum querido inimigo. Como é óbvio, refiro-me ao Sporting Clube de Portugal - que não me recordo de alguma vez ter estado tanto nas notícias, nem sequer quando eram boas. É o Sporting mais derrotado de que há memória e eu, que tenho o princípio intrínseco de celebrar as derrotas desse clube, não tenho uma letra de celebração que me saia neste momento.
Não me entendam mal: eu desejo que os de Alvalade percam sempre, deixem escapar campeonatos, não se avolumem em taças. Desejo que percam sempre... mas que isso aconteça quase nunca. O Sporting é o rival que quero por perto, a ser combativo para dignificar as minhas vitórias, a ser valente para espicaçar as minhas derrotas; quero que perca quase nunca para estar ali taco a taco, para ser um gigante face aos tomba-gigantes, para ser o fanfarrão, nunca o miúdo enfezado com quem fica mal implicar.
O que me leva a escrever sobre o Sporting não é a crise que o afecta, é a crise que nos afecta. Rejubilo com as derrotas leoninas, mas só aquelas que se circunscrevem ao campo, nunca as que aparecem com paus ao balneário, nem as que chegam com desvario massificado às urnas, nem as que pedem sangue a gente lavada em lágrimas. Essas cabazadas inglórias fazem-nos descer a todos de divisão, porque por muito que nos queiramos convencer do contrário, o futebol já não pertence a quem o vive, pertence a quem o ameaça de morte.
O que aconteceu no balneário de Alcochete, o que se seguiu nas conferências de imprensa insanas, o que continuou nos cuspidores selvagens no Jamor não é tudo uma má representação do Sporting, nem um caso isolado. Isto é o Sporting. Mas também pode ser o Benfica, pode ser o Porto. A tempestade perfeita que se abateu sobre Alcochete é a junção de condições climatéricas que já se vislumbram perfeitamente nos outros clubes: direcções corruptas, maquiavélicas ou amorais; directores de comunicação belicosos; soldados rasos com poderes a mais, força bruta a mais, selvajaria a mais.
Não tenho a vida facilitada quando escrevo uma crónica de amor dedicada a um clube que é suposto eu não amar, e num período em que o amor se tornou clubisticamente proscrito. Talvez o lamento que se segue seja infantil, e decerto nunca proferi nada tão hippie na vida: as pessoas que controlam os nossos clubes estão cada vez a tornar a guerra num regime oficial e o amor numa camuflagem oficiosa. É terrível. É terrível eu estar na Luz a cantar “Eu amo o Benfica” com a melodia do “Seven Nation Army” e saber que aquela declaração de amor é, nalguns sectores do estádio, um cântico de batalha.
Sou adepto de adeptos. Do Sporting tenho amigos queridos e família. Tenho o meu sogro, os meus cunhados. Tenho o sobrinho mais velho - que tanto gosto de espicaçar a cada ponto perdido. Espicaço por amor, como a tortura de cócegas que reservamos aos que nos granjeiam ternura. O Sporting a sério que imploda em favor deste Sporting a brincar. E é trajado com o verde da Esperança que vou citar aquelas que foram, praticamente, as últimas palavras conhecidas ao saudoso Jorge Perestrelo – o melhor relatador futebolístico de sempre, e um conhecido benfiquista: “Eu te amo, Sporting!”
Eu te amo, Sporting. Sem aspas na língua."

O novo problema do futebol é a falta de dinheiro e o avanço da Justiça

"Não vale a pena perder muito tempo a tentar encontrar as razões para o clima de extrema tensão que se abateu sobre o futebol português nesta época. Há diagnósticos de sobra, desde os mais básicos aos mais elaborados, passando pelas inevitáveis teorias da conspiração e pelas visões totalmente clubísticas.
As grandes diferenças desta época assentam em três razões e só uma delas é que é desportiva, a luta pelo título até à penúltima jornada. As outras duas jogam-se em planos diferentes: a fragilidade financeira dos clubes e o avanço da Justiça, sem os medos ou erros do passado.
Convém lembrar que esta época arrancou com um FC Porto muito fragilizado financeiramente, com um Benfica que vendeu demais e um Sporting que gastou em excesso. E que a época desembocou rapidamente na divulgação de emails internos do Benfica através de um canal detido pelo FCP, no caso e-toupeira, nas investigações sobre apostas e jogos combinados e acabou no Cashball.
Não há nenhuma expectativa razoável de que a tensão diminua nem que os dirigentes dos clubes estejam interessados nisso. Vão tentar explorar sentimentos básicos e movimentos de manada a seu favor, sempre que lhes apetecer ou precisarem.
Neste momento, Luís Filipe Vieira é arguido num caso lateral ao futebol (o Lex, que envolve Rui Rangel), mas o seu braço-direito, Paulo Gonçalves, está indiciado num caso que a Justiça vai tratar com extrema severidade. Ao mesmo tempo, o responsável pelo futebol do Sporting é arguido num caso de corrupção em que o Ministério Público não acredita que não tivesse ordens ou autorizações superiores.
Neste clima de tensão judicial e de enormes dúvidas financeiras, não há nenhuma expectativa razoável de que a tensão diminua nem que os seus dirigentes estejam interessados nisso. Vão tentar explorar sentimentos básicos e movimentos de manada a seu favor, sempre que lhes apetecer ou precisarem.
A falta de dinheiro e, sobretudo, o avanço da Justiça é mesmo a única coisa que não controlam. Imagino a cara dos fanáticos das claques ao verem que 23 meliantes ficaram em prisão preventiva. Nunca aconteceu nada semelhante em Portugal, vinte e três pessoas presas preventivamente no mesmo caso, todos pela mesma tabela. É um aviso claro às claques e aos clubes. O mundo mudou, o dinheiro é menos e Justiça já não faz os cálculos de outros tempos. Avança e se for preciso peca por excesso."


PS: Não consigo deixar de ficar espantado, como é que se fala de justiça desportiva, e não se distingue viciação de resultados, e outros assuntos extra-desporto...
Extraordinária é também a forma como jornalistas, falam da superior gravidade da quebra do segredo de Justiça!!!

Idade da Inacência

"O avismo e o inacismo juntam-se ao brunismo, cada um à sua maneira

1 - O brunismo e o avismo (de Desportivo das Aves) são filosofias parecidas. Esta novidade de culpar a Federação pela falta de licenciamento para competir na UEFA recorda-nos que esta época, ou estas épocas, tiveram bem mais do que um Bruno. Há muitos anos que os clubes conhecem o imperativo de pedir uma licença para jogar a Liga Europa e a Liga dos Campeões. Já houve fiascos públicos nessa matéria e existe um regulamento bastante óbvio. Se, em dezembro, ninguém do Aves imaginou que jogaria a final do Jamor, paciência, é assumir o erro e aprender com ele. Muitos dos detritos que emperram o futebol profissional são asneiras próprias empurradas para outros. O que foi a hecatombe do brunismo senão culpas repetidamente sacudidas por um presidente para cima do treinador e dos jogadores? Embora passem a vida a falar-me nisso, não sei como eram os homens de antigamente (suspeito que havia de tudo, como agora), mas julgo saber como lhes era exigido que, pelo menos, parecessem.

2 - Augusto Inácio ao salvamento: é o que se conclui da nomeação do novo diretor-geral do Sporting. Do nada surge um aliado e, em simultâneo, uma almofada entre o presidente e os jogadores que lhe são alérgicos. Uma bisnaga de Fenistil e está tudo bem outra vez. Mas é muito diferente partir da inocência com Bruno de Carvalho em 2013 ou assinar por baixo tudo o que ele fez nestes cinco anos, incluindo as duas últimas semanas. Sendo sempre bonita, a lealdade também é sempre correta e bem dirigida? Como o escritor Mark Twain já foi antes chamado ao brunismo, sem poder defender-se, não será mais uma volta no túmulo a dar-lhe cabo das cruzes: "Lealdade à nação, sempre; lealdade ao governo, quando ele merece." "

Sporting, que futuro?

"Mais do que no presente, os grandes motivos de preocupação do Sporting devem estar no futuro. O cenário de rescisões em massa alegando justa causa não se deverá colocar, até porque poucos clubes no mundo arriscariam a pegar num jogador que traga consigo uma bomba-relógio. O problema para Bruno de Carvalho é que, ao iniciar esta guerra com o plantel – sim, iniciada por ele –, dificilmente conseguirá uma equipa melhor do que a que teve este ano. Porque é óbvio que chegou o fim da linha para muitos jogadores.
As contas são fáceis de fazer: onde, ou a que custo, o Sporting encontrará um guarda-redes ao nível de Rui Patrício? Ou um médio-defensivo como William Carvalho? Ou um goleador de excelência como Bas Dost? Isto para pegar em três exemplos de jogadores que poucos acreditam que se mantenham em Alvalade. O mesmo se aplica a Jorge Jesus. Ficará? Com Bruno de Carvalho, parece impossível. E isso custará mais 7,8 milhões de euros, além do dinheiro que será preciso pagar a um novo técnico.
Tudo isto acontece numa altura de aperto. O Sporting já sabe que não terá os milhões da Champions. E o mercado não funciona pelos valores que Bruno de Carvalho tem na cabeça, pelo que será irreal pedir 30 ou 40 milhões por futebolistas que estão a ser empurrados para fora do plantel.
Ao Sporting, fazia bem reiniciar, como os computadores. Mas não há tempo para isso. Os adeptos, a começar pelo próprio presidente, querem vitórias para ontem. Mas isso não se consegue com uma gestão de impulsos e sem racionalidade."

A tempestade e a mudança

"A temporada do Sporting acabou, com lágrimas e estrondo, no final de uma semana tenebrosa e com uma derrota muito penalizadora para os leões. O pior já passou, porque nunca mais se repetirá um ataque como o de 15 de maio, mas é chegada a hora das explicações e das soluções. No meio destes dias agitados, uma questão ecoará na cabeça de muitos sportinguistas: o que é que faltou para que a época tivesse sido melhor? A resposta é simples: estabilidade. O Sporting nunca a teve, por culpa do presidente.
Nos últimos dias têm sido apontados inúmeros defeitos a Bruno de Carvalho, mas há uma característica que está gravada de forma indelével na personalidade do líder leonino: a da perseverança. Como um cowboy de rodeo, Bruno de Carvalho não larga a montada, apesar de estar a ser sacudido por todos os lados. E quando se pensa que a queda do cavalo é inevitável, o presidente do Sporting volta a conseguir segurar-se.
Na véspera da final da Taça de Portugal, o presidente do Sporting assinou de viva voz um longo "sermão" ao país, com críticas implícitas a todo o plantel e explícitas a Rui Patrício. De repente, no dia anterior ao jogo que encanta milhões de adeptos, o protagonista era Bruno de Carvalho, aproveitando o espaço mediático deixado vago pela falta de comparência dos treinadores.
Mais do que foco de instabilidade, o homem que dirige os destinos do Sporting foi um verdadeiro agitador, incapaz de se remeter ao silêncio nas horas que antecederam a final da Taça de Portugal. Bruno de Carvalho anunciou que não iria ao Estádio Nacional, mas acabou por ser o primeiro a entrar em campo. Seria abusivo pensar que influenciou o resultado, mas demonstrou, uma vez mais, que está na presidência do Sporting com uma agenda própria, muito diferente da dos reais interesses do clube.
Depois da derrota no Jamor, Bruno de Carvalho voltou a cavalgar as redes sociais, mas desta vez com uma mensagem bem mais presidencial. Enquanto os jogadores cediam às lágrimas, o presidente pedia o apoio dos adeptos à equipa e fazia um apelo à união. A mesma que não promoveu tantas vezes, ao longo dos últimos tempos.
No início da semana, Bruno de Carvalho aproveitou a falta de acção dos órgãos sociais para anunciar várias medidas: o reforço da segurança em Alcochete, a suspensão do apoio à Juventude Leonina e a contratação de Augusto Inácio para director-geral do futebol do Sporting.
Ao reforçar a vigilância na Academia, parece ser evidente que o clube dirigido por Bruno de Carvalho está a admitir de forma implícita que existiu negligência na forma como foram tratados os alegados sinais de desentendimento entre os jogadores e uma pequena falange de adeptos. Por outro lado, ao fazer regressar Augusto Inácio, Bruno de Carvalho afasta-se do banco, mas talvez espere conseguir aproximar-se da continuidade na liderança do clube. Ao contratar um antigo dirigente, treinador e jogador com enorme experiência, o presidente quererá demonstrar aos críticos que tem a intenção de ceder espaço a Inácio na gestão desportiva do futebol. O plano até parece ser aceitável, mas ao mesmo tempo serve para confirmar que o afastamento de Jorge Jesus será inevitável, a não ser que a relação com Augusto Inácio tenha conhecido uma evolução muito positiva. Mas mesmo que isso fosse verdade, já há uma montanha a separar o treinador do presidente.
O regressado dirigente irá tentar juntar os cacos e iniciar a preparação da próxima época, mas não há cola que dê solidez a um clube que vive um verdadeiro clima de caos. E o rosto que encima esta crise é o de Bruno de Carvalho.

P.S. - Na história da democracia portuguesa há um ou dois casos de políticos que aproveitaram os discursos eleitorais de vitória para desenrolarem críticas e mensagens revanchistas. Foi um pouco esse o caminho trilhado por José Mota na conferência de imprensa do Jamor, após o triunfo na final da Taça de Portugal.
Por não concordar com a agenda mediática da semana que antecedeu o jogo, o treinador do Desportivo das Aves chegou ao ponto de dizer que, se fosse pelos jornalistas, o clube nortenho não teria vencido a Taça de Portugal.
Na mesma frase, o técnico cometeu vários lapsos. Em primeiro lugar, os jornalistas não vencem jogos, nem sequer os influenciam. No máximo, relatam aquilo que aconteceu. Neste caso, relataram uma vitória justa e competente do Desportivo das Aves, da mesma forma que acompanharam, até às primeiras horas da manhã, os inéditos festejos do clube. Por outro lado, José Mota também se esqueceu do ferrolho mediático que foi imposto e que impediu o treinador de responder às perguntas dos jornalistas na antevisão daquele que foi o jogo mais importante da carreira.
José Mota esteve embrenhado na preparação da final, mas terá percebido, como todo o país, tudo aquilo que o Sporting viveu na última semana. Uma crise de tal forma grave que motivou declarações públicas do Presidente da República, do Primeiro-Ministro e do Presidente da Assembleia da República. José Mota ganhou bem, mas naquela conferência de imprensa não conseguiu acompanhar o brilhantismo da equipa em campo."

Em modo bomba-relógio

"O contador vai engolindo os minutos, acelerando em direcção à hora em que o futuro imediato do Sporting será decidido. Demissão? Assembleia? Seja o que for, ninguém espera que tudo fique na mesma, uma vez que as posições institucionais estão extremadas e a família leonina está traumatizada e maioritariamente contra a permanência de Bruno de Carvalho. Mas essas serão outras contas que terão de ser feitas.
O Sporting está em modo bomba-relógio, sendo imprevisíveis as consequências quando ela rebentar. Porque a explosão pode não significar a implosão do conselho directivo o que resultaria noutro tipo de efeitos, como as rescisões por justa causa. Neste quadro de incerteza e angústia, é fundamental ter a cabeça fria de um operacional da brigada de minas e armadilhas.
Rogério Alves está a ter essa frieza e apesar de ser um potencial candidato e muito desejado por larga franja de sportinguistas, refreou o entusiasmo dos seus apoiantes. Apesar de estar preocupado com a situação do Sporting e disponível para debater o futuro do clube, perguntou: "Quantas vezes me candidatei". Nenhuma, de facto, e pelos vistos assim continuará. Nesse sentido, ganha força a via do ‘candidato único’ que será seguramente a solução mais indicada. Mas o relógio não pára..."

Futebol: afinal, era tudo verdade

"Os nossos aspirantes a censores querem calar os debates sobre futebol na TV. Só há um problema: segundo as autoridades, os comentadores que andam há anos a falar em golos roubados tinham razão.

1. Em Portugal, podemos sempre contar com o empenho e a pontualidade dos pequenos aspirantes a censores. À primeira oportunidade, aí estão eles, ansiosos por cortar e calar. Quando um grupo de adeptos do Sporting decidiu ocupar recreativamente as suas horas livres a espancar jogadores, a reacção automática de um número inquietante de figuras (incluindo alguns venerados estadistas) foi pressionar as televisões a acabarem com os programas de debate sobre futebol.
É a nossa velha tendência para impedir que os assuntos incómodos cheguem ao debate público. Nos transportes, nos escritórios e nos estádios, toda a gente discute arbitragens, penáltis e golos — mas, segundo as vestais do futebol, os estúdios de televisão deviam optar pela discrição e pelo silêncio. Seria, obviamente, a melhor forma de agravar aquilo com que se quer acabar: o futebol ficaria ainda mais sob suspeita se, em vez da luz, houvesse a sombra; em vez da denúncia, a conspiração; em vez do barulho, o sussurro.
Como é evidente para qualquer cérebro portador de células cinzentas (bastam duas ou três), os debates das televisões não são exemplos de elevação: há berros, há ameaças físicas e há homens de barba que se encontram perigosamente perto de uma síncope. E também não são exemplos de imparcialidade: os comentadores dizem quase sempre bem do seu clube, raramente dizem mal do seu clube e declaram-se, com permanente prontidão, dispostos a morrer pelo seu clube.
Por causa de tudo isto, os comentadores de futebol têm uma péssima reputação. De cada vez que os ouve, quem tem bom gosto e boas maneiras suspira contra essa espécie de leprosos da televisão, figuras pouco frequentáveis e nada recomendáveis. Durante anos, foram tratados e destratados como os maluquinhos que acreditam em extraterrestres, acusados de dizer coisas exóticas e fantasistas.
Há, porém um problema. Um pequeno problema. Ou antes: um grande problema. É que, de acordo com as autoridades, eles têm razão. Nos debates de grande audiência, passaram anos a discutir penáltis roubados, jogadores comprados, falhanços suspeitos, resultados estranhos, coincidências improváveis. E, afinal, imaginem só: contra todas as evidências, parece que era mesmo verdade. Nos últimos meses, as investigações da PJ e do Ministério Público pretenderam mostrar que o futebol é um mundo que mistura a lama e o crime.
Se os polícias e os procuradores tiverem razão, seremos todos forçados a concluir que as discussões sobre futebol nas televisões nos últimos anos não foram de mais — foram de menos; não foram uma extravagância — foram uma lição; e não foram uma vergonha — foram um aviso. Os leprosos mereciam todos uma comenda.
2. O actual governo socialista, solidamente suportado pela geringonça, mostrou esta semana uma irresistível atracção pelos negócios imobiliários. Primeiro, uma notícia do Observador revelou que, enquanto exercia as funções de primeiro-ministro, António Costa comprou um apartamento no Rato para o vender dez meses depois pelo dobro do preço. Esta terça-feira, o Eco escreveu que Pedro Siza Vieira, ministro Adjunto do primeiro-ministro e amigo pessoal de António Costa, abriu uma empresa imobiliária um dia antes de tomar posse. Torna-se assim evidente a razão pela qual o combate à especulação imobiliária se transformou numa das orgulhosas bandeiras deste Governo: eles sabem do que falam. E o BE e o PCP, em mais uma demonstração de obediente sapiência, sabem que não falam. Tudo se compra, tudo se vende."

Seria moralmente proibido contratar os jogadores do Sporting?

"O objectivo de um dirigente é chegar ao ponto em que o seu clube vence sempre, num campeonato consigo próprio, e em que a "competição" é uma farsa e os "adversários" meros figurantes.

Nada demonstra tão bem que o futebol português é um mundo à parte como a enorme contradição que existe entre a rapidez com que a modalidade se foi transformando num negócio complexo e sofisticado, e a letargia com que os clubes se foram mantendo numa galáxia paralela, conduzidos por líderes típicos do antigamente, atávicos e tribais. É uma imunidade à evolução da realidade que não se vê em nenhum outro negócio.
O sucesso de um clube de futebol profissional depende de duas variáveis. Em primeiro lugar, da sua própria capacidade de vencer partidas e competições, e com isso atrair clientes (os adeptos) e gerar receitas. Em segundo lugar, um clube depende também da boa capacidade dos seus adversários e, em geral, das condições de competitividade dos campeonatos em que participa. É por isso que nas competições desportivas com mais sucesso global (da Premier League à NBA) os clubes sabem que cuidar do negócio de todos é cuidar do seu próprio negócio. Nenhuma competição sobrevive sem um módico de entusiasmo que só é dado pela imprevisibilidade dos resultados, nem sem a reputação que atrai os financiadores e os patrocinadores.
No futebol português, os clubes só se preocupam com a primeira variável. O objectivo de um dirigente é chegar ao ponto em que o seu clube vence sempre, num campeonato consigo próprio, e em que a "competição" é uma farsa e os "adversários" meros figurantes. Aos clubes portugueses, principalmente aos "três grandes", não basta ganhar em campo: é preciso tentar esmagar os outros, com propaganda, insinuações e violência verbal. É uma estratégia absurda, que talvez venda muitas camisolas no imediato, mas que, no fim da linha, acabará por destruir o interesse na modalidade.
Há dias surgiu a notícia de que Pinto da Costa terá ligado a Bruno de Carvalho para lhe assegurar de que o Porto não se aproveitaria da crise no Sporting para contratar alguns dos jogadores que, diz-se, quererão rescindir com o clube de Alvalade. Pinto da Costa foi elogiado porque, em contraciclo com o ambiente de efervescência bélica, ofereceu ao Sporting uma espécie de pacto de não-agressão. Admito que, dado esse ambiente, a abstenção de Porto e Benfica talvez seja pelo melhor. Mas a própria ideia de que é preciso um pacto de não-agressão mostra o quão doentio é o fenómeno do futebol profissional em Portugal. Só é preciso um pacto de não-agressão porque Porto, Benfica e Sporting são inimigos - e não simples rivais.
O cuidado de Pinto da Costa com o Sporting perceber-se-ia se o clube tivesse sofrido uma qualquer catástrofe natural. Mas não foi nada disso que aconteceu. O Sporting está a sofrer as consequências de um processo conduzido de forma voluntária e em uníssono por toda a instituição. Um processo liderado pelo presidente, é certo, mas no qual este foi acompanhado pelos órgãos do clube e pelos sócios e adeptos, que apoiaram activa e esmagadoramente a liderança.
Convém, por isso, evitar equívocos morais: a crise do Sporting é o resultado de uma dinâmica puramente empresarial e de decisões de gestão próprias. Se os seus jogadores se considerassem agentes livres, e se outros clubes os quisessem contratar (mesmo com os riscos jurídicos associados), o que teríamos era apenas o mercado a funcionar. Nada mais.
A ideia de que os clubes rivais do Sporting estão moralmente proibidos de ir buscar os seus jogadores não é, por isso, um assomo de civilização. É, muito pelo contrário, a ilustração da pré-história em que vive o negócio do futebol português."

Bater no fundo

"Que país somos, afinal? Seremos talvez o país da irreverência reverente, que tanto goza como adula, sejam líderes partidários sejam (sobretudo) presidentes dos (nossos) clubes.

Como tudo já foi dito sobre Bruno de Carvalho, eu vou dizer mais uma coisa.
Primeiro. Quando alguém já não tem ninguém do seu lado, ninguém se quer sentar ao seu lado (nem num estádio de futebol), um a um, com (sete?) excepções, todos os seus seguidores o desertam, e mesmo assim se mantém, não desiste, persiste, que dizer desse alguém, o que o motiva, porque motivos resiste, contra a razão, a lógica e o bom senso? Posso pensar em vários motivos, sem ter ideia da veracidade de qualquer deles: uma distorção cognitiva, de pensamento dicotómico ou raciocínio emocional, um sentimento de todos estarem contra si sendo sua a razão; temer que a saída do cargo o leve à ruína, penal ou cível; um extremo narcisismo. De certa forma, é como o condutor que guia pela esquerda da estrada, indignado por todos os outros guiarem à direita. A razão é sua, pensa ele.
Segundo. Há pouco mais de dois meses ninguém diria que BdC cometeria um tão acelerado suicídio. Estranho é que alguém tão claramente desprovido de princípios, tão soezmente reles na linguagem e no comportamento, fosse apoiado por tanta gente que, no seu dia-a-dia, decerto não aprova essa linguagem e comportamento. Porque o fizeram? Acharão que os fins justificam os meios? Talvez pensassem que, para ganhar campeonatos, é preciso ser-se assim.
Terceiro. Estão errados. E para começar por onde é preciso começar, este episódio tem de servir para erradicar de vez do futebol todos os comportamentos reprováveis por gente de bem: que os dirigentes dirijam com transparência e lisura; que a corrupção, as luvas, as comissões milionárias que depauperam os clubes desapareçam; que as famílias, os meus e vossos filhos, possam frequentar sem medo da violência os campos de futebol. E que, com base numa justiça célere e justa, qualquer crime provado, de clube ou pessoa do meio, seja punido. Que a paixão prevaleça, sem fanatismo nem maniqueísmo. Não vale tudo.
Quarto. A comunicação social precisa de audiências. Tem de vender e atrair publicidade. É normal. Mas não é normal, nem civilizado, que os horários nobres de todas as televisões noticiosas (por cabo) sejam quase exclusivamente ocupadas por futebol noites a fio, com painéis de comentadores que se digladiam sem piedade a debitar inanidades, sempre as mesmas, repetidas ad nauseam. Há uma função social que os meios de comunicação social, que não são culpados de mais do que isso mas que disso são culpados, devem cumprir; resumir a actualidade noticiosa, por exemplo, ao caso Sócrates (ou Pinho, ou outro) e ao caso BdC (ou SLB ou FCP) durante longas e fastidiosas horas, não preenche essa função.
Quinto. Miguel Sousa Tavares, que aprecio, não pode ser ingénuo ao ponto de crer que num país tão carenciado de sentido de humor e tão dado a interpretações literais, uma frase como “os brunos de carvalho têm de ser mortos à nascença” ia ser entendida como aquilo que é: uma chamada de atenção para os riscos do populismo e como tantas pessoas inteligentes parecem prontas a seguir o apelo do primeiro demagogo que surja, no futebol mas também na política, como resulta da sua crónica – e isso ainda é mais assustador. 
Sexto. As claques. Depois de expulsarem os criminosos e cadastrados, depois de expulsarem os que infringem as regras da civilidade em recintos desportivos, depois de expulsarem quantos fomentam o ódio, depois de se convencerem que o seu papel é apoiar o seu clube e jogadores sem atacar os outros, dar cor e animação ao espectáculo, saudar a vida e rejeitar a violência, as claques serão bem-vindas, parte integrante do futebol. Mas só depois.
Sétimo. Os políticos no activo deviam coibir-se de participar em programas de comentário do futebol. Porque sim.
Oitavo. Os jogadores ganham dinheiro a jogar futebol, alguns, poucos, em Portugal talvez só os pertencentes a quatro clubes, ganham muito dinheiro. São profissionais e vivem do que sabem fazer: chutos fortes, fintas estonteantes, cabeçadas de perder a cabeça e uma bola a acompanhar. Trabalham para os clubes que nos apaixonam uma ou duas temporadas, raramente mais; depois, em troco de milhões, os dos tais quatro, ou tostões, os outros, mudam de clube, de fidelidade, são adeptos desde pequeninos do novo patrão. Se não ganharem hoje, ganharão amanhã, pelo menos dinheiro, alguns mesmo muito dinheiro. Mesmo que nos custe, um jogador de futebol, o nosso ídolo, é um assalariado (ele sim), que serve quem lhe paga melhor. Temos o direito de lhe exigir compromisso, lealdade, empenho. Mas não temos o direito de o acusar sem provas nem, muito menos, de o agredir ou levar a que seja agredido por acção, omissão ou contágio. Isso não.
Nono. O que BdC nos ensina sobre o país que somos, perguntou ontem no Macroscópio José Manuel Fernandes, percorrendo um conjunto significativo e muito interessante de crónicas sobre o tema do momento. Curiosamente, entre assuntos tão importantes como a doença do futebol, a sua exterioridade à justiça comum, o populismo e o papel das redes sociais, o jornalismo desportivo, ficou de fora, parece-me, justamente o que tudo isso nos ensina sobre o país que somos. Que país somos, afinal? Não chegaria uma crónica inteira. Nem há uma única resposta. Seremos talvez o país da irreverência reverente, que tanto goza como adula, sejam líderes partidários sejam (sobretudo) presidentes dos (nossos) clubes. Um país que inventa anedotas como que por geração espontânea, que critica ferozmente as instituições e os seus servidores nas redes sociais mas hesita, quiçá recua, quando tem de dar a cara. Somos contraditórios e exasperantes, mesquinhos e magnânimos. Somos portugueses. Mas não convém abusar.
Décimo. O futebol português bateu no fundo. Mas por vezes, em Portugal, parafraseando um político da nossa praça, o fundo afunda-se ainda mais. Esperemos que não seja o caso. A bem do prazer que temos em ver futebol, pelo amor que sentimos – e temos o direito de sentir – pelos clubes que escolhemos para a vida.
Contra o ódio. E contra a estupidez também, sobretudo a estupidez.
Pronto, já disse a coisa que tinha a dizer."

Quando não ganham os favoritos. Das Aves a Portugal

"José Mota ficou sentido e, fosse o que fosse que lhe perguntassem, respondia da mesma forma: “Vocês não nos respeitaram!” No ponto de vista dele, tinha razão, é claro. O CD Aves teve muito menos espaço do que o Sporting na imprensa, nas rádios e nas TVs na semana que antecedeu a final da Taça de Portugal – o que nem é necessariamente mau, pois os leões seguramente até clamariam por menos atenção, face à gravidade dos assuntos que iam vendo debatidos no panorama mediático. No plano jornalístico, porém, claramente, não a tinha, embora mereça toda a compreensão. E até acabou por deixar que se passasse ao lado da lição que a final da Taça nos voltou a ensinar – uma lição que Fernando Santos já aprendeu há dois anos em França e que espera reavivar no mês que vem na Rússia. É que num bom dia, qualquer equipa de topo – sim, até o CD Aves – pode ganhar a outra. 
Os jornais não devem fazer-se com ferramentas de agrimensor, dividindo o espaço pelos clubes ou distribuindo-o de acordo com o mérito desportivo dos diversos resultados. Na tarefa de editar há que fazer escolhas, que em condições normais se prendem com o valor-notícia de cada acontecimento. José Mota não é jornalista, não tem de pensar como um, mas deixou que a revolta – mesmo que planeada – tomasse conta do seu argumentário e, se durante a semana foram os acontecimentos de Alcochete a tirar o palco à chegada da sua equipa ao Jamor, no domingo foi a reacção do treinador a travar a amplificação dos méritos do CD Aves – porque tem muito mais valor-notícia ou até valor-entretenimento ver o treinador vencedor a cascar nos jornalistas do que a explicar a forma como a sua equipa travou o Sporting.
E a questão é que Mota não descobriu a quadratura do círculo. Trabalhou muito bem a sua equipa, é verdade, nos vários planos. Em termos de organização táctica, conseguiu algumas coisas: redução dos espaços entre linhas, impedindo os leões de jogarem dentro do bloco, fruto de um meio-campo sempre rigoroso nos posicionamentos; fecho dos defesas-laterais por dentro, prevendo as deambulações dos extremos leoninos para o espaço interior, e muita atenção dos seus próprios extremos às subidas de Ristovski e Coentrão. Em organização defensiva – é verdade que beneficiando de um Sporting com opções discutíveis, pelo menos para quem não sabe como foi a semana da equipa, como a ausência de Ruiz – o CD Aves manteve o jogo controlado, conseguindo explorar as saídas rápidas para o contra-ataque, fruto da capacidade de Guedes receber sempre à frente de Coates e Mathieu e desmultiplicar a bola pelo espaço aberto nas costas dos laterais adversários.
Aqueles que no fim vociferavam contra os jogadores do Sporting, acusando-os de só terem querido jogar nos últimos dez minutos – que foi quando a equipa deixou de ter qualquer processo e se mandou como louca, em chuveirinho constante, para cima de um adversário que,noutro contexto, bem podia tê-la castigado mais ainda – esquecem-se de coisas fundamentais no desporto. Primeiro, que não ganha sempre quem mostra mais os dentes, quem mais quer ganhar. Mas fundamentalmente que, mesmo querendo todos os jogadores que estiveram no Jamor ganhar com a mesma força – e até admito que por diferentes razões – há sempre três resultados possíveis e que, num dia bom, qualquer equipa de um campeonato pode ganhar a outra. Muitos dos que insultaram os jogadores no fim, respondendo de forma pavloviana aos estímulos dos dias anteriores, até terão sido “um de onze milhões”, há dois anos, quando uma equipa de Portugal que não era favorita se sagrou campeã da Europa.
Foi porque os outros – os franceses, os alemães, os italianos, os belgas, os croatas, os galeses, os espanhóis, os ingleses… - não quiseram ganhar? Não. Foi, como Fernando Santos recordou ontem à RTP, porque Portugal conseguiu encontrar o equilíbrio entre a vontade de jogar bonito (e por vezes os adeptos querem feio, como se viu nos últimos minutos da final da Taça) e a necessidade de jogar bem. O CD Aves conseguiu fazê-lo. Portugal, há dois anos, também. Veremos se repete a dose na Rússia."

A judicialização da crise do Sporting

"Ninguém espera certamente que sejam os tribunais a apontar uma saída imediata para o labirinto de problemas, encontrando, numa ou duas semanas, uma solução milagrosa, que salve o Sporting.

Repentinamente, o Sporting explodiu num dramático turbilhão de conflitos entrecruzados, que saltaram os muros tradicionais do futebol e invadiram o nosso quotidiano comum, com notícias sobre agressões a jogadores e técnicos, adeptos detidos e levados ao juiz, demissões nos órgãos sociais, rescisões de contratos, processos disciplinares e trocas de acusações sem fim. O Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o 1º Ministro, os líderes partidários, comentadores e jornalistas, todos já correram a falar longamente sobre esse imenso enredo em que se transformou a crise do Sporting.
Este texto, porém, não é sobre futebol nem sobre o Sporting. É sobre tribunais. É sobre a ilusão de pensar que a resposta para frustrações desportivas e crises de liderança em clubes de futebol pode ser deslocalizada para longas batalhas judiciais. E é sobre o paradoxo de querer resolver coisas da emoção com os critérios da razão.
Vários pensadores da ciência política vêm dizendo que o século XXI será o século do poder judicial – como o século XIX foi do poder legislativo e o XX do poder executivo (Paulo Rangel lembrou isso aqui no PÚBLICO, em 6 de Fevereiro). A crise no Sporting pode vir a ser um bom exemplo das virtudes, mas também das limitações, dessa crescente judicialização da vida pública, em que os tribunais são cada vez mais chamados a regular conflitos sociais, económicos, políticos e também desportivos, que antes escapavam ao seu controlo. Tudo pode vir a desembocar num conjunto multifacetado de litígios judiciais, nos tribunais de trabalho, para verificar a legalidade de processos disciplinares e rescisões de contratos de jogadores e técnicos, nos tribunais de comércio, para analisar a licitude de deliberações sociais, nos tribunais civis, para decidir pedidos de indemnização e nos tribunais criminais, para julgar os responsáveis pelas agressões a jogadores e técnicos.
Mas é importante perceber as limitações que soluções judiciais dessa natureza podem oferecer, num conflito que se desenvolve em dinâmicas de tempo e emoção muito específicas da vida desportiva. 
Sendo aqui irrelevantes os contornos precisos da crise – que de resto desconheço – parece razoavelmente claro que o tempo desportivo não vai parar à espera do tempo dos tribunais. Há questões que seriam melhor resolvidas pelos órgãos e sócios do clube e accionistas e credores da sociedade desportiva, ou até pelas instâncias associativas que gerem o futebol. Ninguém espera certamente que sejam os tribunais a apontar uma saída imediata para o labirinto de problemas, encontrando, numa ou duas semanas, uma solução milagrosa, que salve o Sporting, que assegure aos sócios as condições para que o seu desejo de vitórias desportivas se cumpra, que proteja os interesses dos accionistas e dos credores, que permita ao clube ter uma equipa técnica e um plantel competentes, motivados e prontos para enfrentar a próxima época. Todos esses valores são muito louváveis e importantes, mas não são de certeza os dos tribunais.
Se a solução judicial destes conflitos – qualquer que seja – tiver de passar pelos tribunais, ela há-de basear-se em critérios de racionalidade jurídica e de verdade substantiva e processual. As emoções clubísticas vão ficar todas à porta. Não há tribunais a favor do Sporting ou contra o Sporting, da direcção ou da oposição. Nem, tão pouco, tribunais a quem se possam pedir decisões apressadas, com atropelo de direitos e regras, só porque isso é mais conveniente para interesses que podiam ser regulados noutro lado. Não vai ganhar quem fizer mais barulho e agitar mais bandeiras.
É muito importante alertar para isso agora. Quem não for capaz de resolver os conflitos desportivos e de liderança dentro da sua própria casa, tem de estar preparado para as complexidades inerentes a qualquer processo judicial e de avaliar se esse caminho é compatível com os tempos do futebol, tendo em conta que o último dia de uma época é exactamente o primeiro da época seguinte. Depois, se os assuntos do clube, da sociedade, dos dirigentes, dos técnicos e jogadores e dos adeptos ficarem “pendurados” no tempo dos tribunais não venham dizer que a culpa é dos juízes."

Os terroristas de Alcochete

"Os brutos de Alcochete arriscam ser os primeiros condenados em Portugal ao abrigo da lei de combate ao terrorismo, promulgada em 2003, em companhia de Abdesselam Tazi, alegado recrutador do Daesh, detido na prisão de alta segurança de Monsanto.

O jihadista integra a militância terrorista de motivação religiosa que causou a maior parte das 142 mortes em atentados na UE em 2016, sobrelevando ameaças de separatistas, nacionalistas, extremistas de esquerda e direita, anarquistas ou agentes a soldo de serviços secretos de outros estados, de acordo com o último relatório disponível da Europol.
O marroquino, chegado a Portugal com documentos falsos em 2013, obteve asilo político e dinamizou uma célula de recrutamento a partir de Aveiro, viajando por países como Brasil, Reino Unido, Holanda e Espanha até ser detido em 2016 na Alemanha por fraude informática com cartões de crédito.
Extraditado, Tazi foi acusado "pela prática de: - Um crime de adesão a organização terrorista internacional - Um crime de falsificação com vista ao terrorismo - Quatro crimes de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo - Um crime de recrutamento para terrorismo - Um crime de financiamento do terrorismo", conforme comunicado do Ministério Público de 23 de Março.
No ano passado, o holandês de origem angolana Her Calunga Gima envolvido em movimentos jihadistas na Holanda, Turquia e Síria e detido no aeroporto de Lisboa em 2014 junto a um avião da TAAG na posse de arma branca, foi, por sua vez, ilibado dos crimes de crimes de adesão e apoio a organizações terroristas e terrorismo internacional.
A condenação a quatro anos e meio de prisão efectiva contemplou apenas os crimes de atentado à segurança de transporte do ar e posse de arma branca constantes da acusação do Ministério Público. 

Uma lei ambígua
Apesar da perplexidade que possa causar, a acusação de terrorismo a 23 membros da Juventude Sportinguista tem, contudo, fundamento na Lei n.º 52/2003, aprovada na ressaca dos atentados da Al-Qaeda nos Estados Unidos e na alteração de 2015 ao Código de Processo Penal.
A definição de acto terrorista inclui, n.º 1 do artigo 2.º da Lei 52/2003, o "intimar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante: a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas".
Ora, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa afirma ter recolhido "fortes indícios de que os arguidos agiram de forma concertada e previamente planeada de modo a intimar gravemente e causar receio pela própria vida, ao grupo de jogadores e técnicos da equipa de futebol do SCP, fazendo-o através da prática de crimes com perigo para a integridade física, com sequestro, por meio de uma actuação em grupo especialmente violenta", segundo comunicado de 22 do corrente.
Seria de presumir que a legislação de combate ao terrorismo fosse precisa e circunscrita a motivações de subversão, intimidação e violência extremas tendo em conta o historial terrorista em Portugal desde 1974 que passa por extremismo de direita, incluindo separatistas açorianos e madeirenses, e esquerda, atentados perpetrados contra alvos palestinianos, turcos e israelitas.
Há, ainda, registo de assassinatos políticos, caso de Evo Fernandes da Renamo, em 1988, estabelecimento de células separatistas bascas e galegas, além da participação de portugueses na violência anti-ETA dos Grupos Antiterroristas de Libertação patrocinados clandestinamente pelo governo de Felipe González.

As finalidades
Ao tipificar o crime de terrorismo, o Código Penal espanhol, por exemplo, enumera (artigo 573.º) as "finalidades" onde sobressaem, nomeadamente, a subversão da ordem constitucional, supressão ou destabilização grave do funcionamento das instituições do Estado, alteração grave da paz pública, destabilização do funcionamento de organização internacional ou provocar o estado de terror na população ou parte dela.
A opção legislativa espanhola permite, assim, circunscrever de modo mais preciso o crime de terrorismo, acto extremo de intimidação e extermínio, em regra de matriz étnica, religiosa e política. 
Tendo em conta o rol de conexões, incluindo financiamento e apologia do terrorismo, que a acusação do Ministério Público acarreta, é de crer que o debate sobre a legislação de combate ao terrorismo e sua jurisprudência venha finalmente a ganhar o devido relevo."

Segredo de justiça - a pouca vergonha às escancaras

"Esta realidade significa que funcionários, magistrados ou advogados (menos hipóteses) que têm acesso aos autos passam para os media o que não deviam passar.

Como todos os portugueses têm constatado elementos cruciais dos processos penais que envolvem figuras “famosas” do país aparecem escarrapachados em jornais, revistas e televisões. Sejam processos de dirigentes desportivos, sejam outros ligados aos poderosos políticos ou à área do poder económico.
Bem podem as autoridades judiciais alegar que os processos estão em segredo de justiça. A verdade é que interceptações telefónicas, documentos, e outros meios de prova aparecem a alimentar a voracidade dos cidadãos.
Ora o Estado é uma entidade que detém o poder de reprimir o crime, de proteger os cidadãos, incluindo os arguidos, assegurando o exercício do segredo de justiça, nos casos em que ele é declarado, dado que em geral vale a publicidade do processo. Dito de outro modo: o Estado não deve falhar naquilo que são as suas atribuições, as quais foram definidas pelo legislador, o que lhe impõe essa obrigação, tendo, como se sabe, meios para fazer. E se os não tem, deve adquiri-los.
Quando o Estado não é capaz de fazer cumprir uma das obrigações mais elementares do Estado de direito democrático, a de manter em segredo indícios que levam alguém a ser constituído arguido, e permite que seja vertido na praça pública aquilo que devia estar circunscrito aos agentes da justiça, lança na comunidade a discussão destemperada em que todos opinam a partir dos elementos soltos e de pura conveniência para a investigação ou arguidos.
Esta realidade significa que funcionários, magistrados ou advogados (menos hipóteses) que têm acesso aos autos passam para os media o que não deviam passar. Há arguidos que por clubismos, outros por dinheiro, aliciaram ou tentaram aliciar quem pudesse favorecer determinados clubes. Haverá, pois, no meio judicial, quem, a troco não se sabe bem de quê, passe para os media elementos que era obrigatório estarem em segredo.
Tal situação vem demonstrar que o Estado, apesar de todos os meios de que dispõe, não é capaz de fazer cumprir um comando legal cujo impacte social é enorme. Quando o Estado não é capaz reiteradamente de fazer cumprir essa determinação significa que falha estrondosamente.
E se ao longo de décadas não é capaz de assegurar esse objectivo só tem um caminho: declarar que não é capaz. E explicar a razão de não ser capaz de assegurar o mínimo dos mínimos. Cada vez que abre um inquérito para averiguar as falhas e as violações do segredo de justiça, toda a gente vislumbra o resultado: arquivamento.
Assim sendo, o Estado, nomeadamente, por via do poder executivo (governo) deveria ter a coragem de terminar com este faz de conta. Ao manter-se a actual situação ela apenas serve para desacreditar ainda mais a justiça que já anda pelas ruas da amargura.
Sempre que o segredo de justiça envolve os grandes é desnudado na praça pública e, como fica impune, todos os que o violam se sentem aliciados a continuar. Seja por dinheiro. Seja por táctica processual. Seja pelo que seja. É uma vergonha. Dá para pensar que há quem viva nos meios judiciais deste expediente e pareça estar mais preocupado em condenar na praça pública do que Domus Justitiae.
Quantos arguidos foram condenados na praça pública de crimes gravíssimos de que mais tarde vieram a ser absolvidos?
É uma vergonha que os media possam ser uma espécie de ata onde os cidadãos se podem refastelar com os segredos que são usados como alimento das multidões e forma expedita de fazer justiça, sem a fazer .
Um Estado que no século XXI age deste modo não está em bom estado. Se os portugueses têm razões ancestrais para desconfiar do Estado, com este estado de coisas ainda ficam com mais.
Ou o Estado assegura o segredo de justiça nos casos em que deve garantir o seu cumprimento, ou então que assuma a coragem de declarar que não é capaz de fazer respeitar a Lei Fundamental e o C.P.P."

E depois da final da Taça de Portugal? De novo, o tema da saúde mental em cima da mesa

"Imagine.
Imagine que mora numa rua simpática com uns vizinhos amistosos. Está um dia quente de um verão que já se anuncia e resolve, por isso, convidar uns amigos lá para casa... Os amigos e vizinhos de sempre, com quem passou já bons momentos e ultrapassou outros menos simpáticos...
Imagine que as pessoas começam a chegar – mas não são apenas pessoas... São “as suas pessoas”, que o conhecem desde sempre... Começam a chegar e a colocarem-se confortáveis... Alguns deles, começam inclusive a trocar de roupa para ir dar “aquele” mergulho na piscina... Outros, os que tardam sempre um pouco mais, começam também a chegar.
De repente ouve um estrondo, gritos, muitos gritos e ameaças no ar, o ruído torna-se ensurdecedor e os gritos mais perto... De repente, os gritos são já de alguém familiar... No aparente “conforto” e segurança da sua casa, instala-se o caos... Sem se aperceber está já no chão... Parece que alguma coisa o acertou e derrubou... Procura com os olhos as “suas” pessoas e, por mais que tente, não consegue ajudar ninguém...
Como eles, está a ser violentamente agredido por um grupo de sujeitos que, vociferando ameaças de morte, irromperam pela sua casa.
Este podia ser o trailer (muito leve e afastado da dura realidade) do episódio vivido pelos atletas, equipa técnica e staff do Sporting no passado dia 15 de Maio.
Em Portugal, possivelmente, apenas estes homens poderão algum dia relatar o que é viver um episódio desta natureza – digno de uma realidade longínqua talvez só equiparada aos cenários entre gangs ou de guerra por esse mundo fora. Relatar como se sente alguém ser agredido do nada, na sua casa de sempre, impotente para ajudar ou ser ajudado, porque por onde quer que possa pedir ajuda, ninguém o pode ajudar - todos estão a ser vítimas do mesmo ato cobarde e hediondo.
Apenas podem esperar que cesse. E como se tornam longos os minutos nesta espera.
Jogou-se a Taça.
O Aves ganhou.
Coitados dos atletas do Sporting. 
Afinal, o Aves não vai poder ir à competição – vai o Sporting.
Começou o estágio de Selecção.
Irá começar o Mundial.
“Incha, desincha e passa” – diz o ditado e poderá vir a dizer a realidade dos factos.
Assim que se instale o “fenómeno” do Mundial, grande parte da situação cairá no esquecimento – desde sempre tem sido assim e, se as devidas organizações não assegurarem que a responsabilidade dos factos será apurada ... assim será.
E da saúde mental destes Homens a médio-longo prazo? Quem quer saber? Quem será responsabilizado?
Episódios de extrema violência (que se enquadram no que poderíamos designar por “incidentes críticos de vida”), caracterizados por uma alteração emocional profunda, com marcada sensação de choque, medo (de ameaça à integridade física, de morte) e ansiedade são, demasiadas vezes, os percursores da possível instalação de quadros de stress pós-traumático no futuro.
A aparente superação da situação, a curto prazo, não indicia sequer, que a possibilidade de vir a sofrer de stress pos-traumático esteja afastada – por vezes, até se trata precisamente do inverso.
De facto, se avançarmos a linha do tempo e, ainda que todos eles, aparentemente, tenham ultrapassado o episódio, é importante que os próprios (as suas famílias, os staff’s e equipas onde se inserem) estejam atentos à manifestação (ou instalação, por vezes, gradual) de determinado tipo de sintomas de natureza ansiogénica.
Episódios de raiva, irritabilidade e revolta (ou seja, labilidade emocional), que podem ser amplificados por insónia recorrente e flashbacks (sensação de se estar a reviver tudo de novo), entre outros sintomas, acabam por, pontualmente, comprometer a qualidade de vida, a capacidade em estar bem consigo próprio, com os outros e com o mundo – traduzindo-se, no caso de atletas/treinadores, num acentuado decréscimo em termos de performance, resultante da deterioração da qualidade de descanso, das suas relações pessoais e vida em geral.
Contudo, aqui, estarão sozinhos pois já ninguém se lembrará e, em boa verdade, apenas para eles não “passará”.
Apurar responsabilidades não deve ser um ato isolado e a curto prazo (já de si, sempre difícil): deve sim ser um exercício a curto, médio e longo prazo, atendendo a que as consequências também o serão."