"Não é preciso ser «bruxo» para prever o que aí vem: um campeonato verdadeiramente infernal!!!
Oxalá me engane, mas creio que a nova época de futebol da Primeira Liga será uma das mais infernais de que haverá memória em Portugal. Na primeira época, de há muitos anos, em que só o campeão terá acesso directo à fase de grupos da Liga dos Campeões e só o 2.º ganha direito a competir num play-off, imaginem o nível de combate verbal e a intensidade do clima de conflito que tem marcado a comunicação e a relação dos principais clubes e dos principais agentes...
Acrescente-se a estreia do videoárbitro e a guerra que FC Porto e Sporting continuarão a desafiar o poder ganhador do Benfica e teremos certamente o mais explosivo cocktail dos últimos largos anos, talvez só comparável aos terríveis anos do fim da década de 80 e princípio da década de 90, quando se acentuou o domínio do FC Porto.
Oxalá me engane (e nem sequer me estou a armar em bruxo!...), mas, sublinho, creio que não vem aí nada de bom em matéria de futebol profissional em Portugal. E se alguém espera que o videoárbitro ajude a acalmar as coisas, deve infelizmente tirar o cavalinho da chuva. Volto a reafirmar que não estou, e obviamente nunca estive, contra o videoárbitro. Seria absurdo. Mas alerto para a necessidade de percebemos que o clima de profunda conflitualidade no futebol português não criará propriamente bom cenário para a estreia de um processo que exige tolerância, sensatez e compreensão. Tudo o que o nosso futebol não tem.
Oxalá me engane, mas isto vai ser uma guerra ensurdecedora! Já de si espera-se uma competição mais feroz do que nunca pelo lugar de campeão, tendo em conta, sobretudo, a tal necessidade que os grandes clubes portugueses têm de receber a ajuda da Liga dos Campeões, e tendo em conta, volto a lembrar, que só mesmo o campeão garante essa preciosa ajuda. O videoárbitro, por outro lado, que merecia um clima profissional sensato e sem suspeições, surge nesta guerra com o risco de amplificar ainda mais a contestação, o processo de intenções, a desfaçatez, a polémica, a indignidade e a falta de respeito.
Imagine o leitor se um dos principais jogos da Liga vierem, por exemplo, a suceder erros como os que se verificaram na recente Taça das Confederações, como o do penalty não assinalado contra Portugal no jogo com o Chile, ou como o amarelo mostrado a um chileno mesmo depois de vistas na tv as imagens de clara agressão a um jogador alemão?
Oxalá me engane, mas todos sabemos como o clima já não está nada favorável a uma competição mais saudável e desportivamente mais justa, e tender, como também todos sabemos, a ficar bem pior, quer por força da proliferação do debate televisivo, quer por força das estratégias de comunicação dos principais clubes, quer por força da liderança e do estilo de liderança, de alguns dos principais dirigentes.
Oxalá me engane, mas não vem aí coisa boa. O novo campeonato pode realmente transformar-se numa competição irrespirável, intratável e insuportável se ninguém tiver o bom sendo de lhe ir pondo algum travão. Por mim, não tenho grande esperança, confesso.
Quanto à competição propriamente dita, o perfil habitual: três candidatos no arranque, talvez apenas dois na parte mais final, e mais dúvidas do que certezas relativamente a tudo o resto. Mas vlto a sublinhar: vem aí o campeonato da pressão. Preparem-se.
Começamos como sempre mas poderemos acabar como nunca!
Creio que não haverá universo mais místico ou supersticioso do que o universo do desporto, muito em particular o do futebol. Bruxarias, mezinhas, acções paranormais e actividades correlativas, sapos enterrados, cabeças de galo cortadas, cobras esticadas, dentes de alho na algibeira, garrafas partidas em cascos de embarcações, passos milimetricamente contados ao luar ou sacos abastecidos de compras para caridade, mais fumos negros ou alfinetes espetados, como tão bem lembrava ontem neste Jornal o meu querido camarada Santos Neves, é tudo coisa corriqueira no fantástico mundo do desporto.
Com todo o respeito pela fé e crença de cada um e superstição de cada qual, tenha ela a ver com a entrada em campo sempre com o mesmo pé, a barba feita ou desfeita sempre da mesma maneira ou com a cor da gravata que se veste sempre no dia do jogo, quando se fala de temas como este é preciso ter sobretudo a noção da carga emocional que sempre envolve qualquer competição desportiva (cada vez maior à medida que cresce a importância e o impacto dessa competição...), e a noção das diferentes sensibilidades culturais e religiosas que se misturam num meio tão especial como o do futebol, com destaque, compreende-se, para a fidelidade mais natural a raízes espirituais africanas ou sul-americanas. Tudo isso, evidentemente, coisa muito respeitável. Nem é assunto, a meu ver, para ter qualquer graça.
Mas faço minhas ainda as palavras da sempre notável prosa escrita por Santos Neves, na edição de ontem de A Bola: a única coisa que no meio de toda esta história de bruxarias ainda tem alguma graça é mesmo a de ter sido agora o FC Porto a desenterrá-la. É preciso ter lata!"
João Bonzinho, in A Bola