Últimas indefectivações
terça-feira, 5 de junho de 2018
Salvar o Sporting de Bruno de Carvalho
"Muitas pessoas fora do Sporting não compreendem como conseguiu Bruno de Carvalho ter tanto apoio de tantos sócios durante tanto tempo. E como, ainda hoje, consegue manter muitos do seu lado. É porque, sendo ou não sportinguistas, não conhecem bem a vida do clube. O tempo que o Sporting vive não pode fazer esquecer a recuperação a que assistimos nos últimos cinco anos. E sem elas não se percebe porque tantos sportinguistas toleraram e toleram o que de fora parece intolerável.
Parte do trabalho de Bruno de Carvalho é, aliás, visível agora. As vitórias nas modalidades correspondem a uma aposta de longo prazo para garantir que o Sporting, recuperando a sua tradição, voltava a ser um clube que não se concentrava apenas no futebol (diz-se “ecléctico” na gíria desportiva), apesar de todos termos consciência que é o futebol masculino que dá notoriedade, recursos e adeptos. Claro que fazer uma avaliação dos resultados desportivos ignorando o futebol é um absurdo. Mas o trabalho nas modalidades tem de ser sublinhado. E grande parte destas vitórias foram celebradas no pavilhão João Rocha, uma promessa antiga cumprida pela direcção de Bruno de Carvalho.
Mesmo no futebol, quem vai ao estádio consegue ver a diferença. Os adeptos regressaram em força e havia, até às últimas semanas, um sentimento de pertença que se tinha perdido por quase duas décadas de decadência. Como em todos os clubes, graças ao insustentável modelo das SAD, as finanças estão sempre periclitantes. Mas o garrote da dívida foi aliviado. O Sporting, que era o campeão das más compras e das piores vendas, passou a comprar bem e a vender melhor – mesmo isso agora está em risco. Os treinadores foram em geral bem escolhidos, apesar da relação do presidente com eles ter sido sempre, como parece ser com quase toda a gente, problemática.
Bruno de Carvalho combateu pela moralização do futebol, o que torna ainda mais insuportável as suspeitas, que espero não se virem a confirmar, de corrupção. Teve um papel central na chegada do vídeo-árbitro e, em geral, posições corretas sobre a melhor forma de organizar o negócio do futebol em Portugal. Se é verdade que várias vezes se terá excedido na denúncia das arbitragens parciais, percebeu que quem não domina a máquina não pode fazer mais do que a pressão externa. E a verdade é que, com ele, o Sporting passou a ser menos prejudicado. Dirão que esta não é a forma de fazer as coisas e eu concordo. Mas o problema é que num sistema viciado não há formas boas de fazer as coisas. Há formas possíveis. O seu maior erro, neste domínio, foi comprar todas as guerras ao mesmo tempo: dos agentes aos fundos, da arbitragem à comunicação social. Isso não é sinal de coragem, é sinal de falta de estratégia.
Depois, há um lado mais simbólico. Os 20 anos do modelo “roquettista” corresponderam, para além da delapidação do clube, a uma determinada forma de ver o Sporting. Um clube dirigido por elites, em que a massa de adeptos serve para encher estádios e não se mete nos negócios. Um modelo que mistura um clube de viscondes com uma empresa de banqueiros e bancários e que foi bem sintetizada por Soares Franco, quando se foi embora para não aturar populaça: “Quero um clube só de futebol, sem sócios mas com adeptos que não se intrometam na gestão nem tenham voto nas eleições dos corpos sociais”. A conversa dos “croquetes”, que explora o ressentimento de uma massa associativa que foi desprezada durante anos, funcionou porque tinha um forte fundo de verdade. Em que grande clube um presidente poderia dizer o que disse Soares Franco?
Apesar das suas fragilidades e enormes defeitos, onde a falta de respeito pelos outros é o pior de todos, Bruno de Carvalho teve tudo para ser o melhor presidente de sempre. Teve o apoio de quase todos sócios e um excelente trabalho no primeiro mandato. A sede de mais poder e uma personalidade egomaníaca deitaram, nos últimos meses, tudo a perder.
Da Assembleia Geral a Alcochete
A reunião da assembleia geral de Fevereiro foi o último de todos os avisos e, talvez tarde demais, o que foi decisivo para mim. Quando o Sporting ficou em primeiro, o escândalo no Benfica estava sob os holofotes e reinava a paz no clube, em vez de pensar no clube Bruno de Carvalho pensou em si mesmo. Marcou uma assembleia geral para mudar os estatutos, reforçar o seu poder e transformar tudo isso num plebiscito, em que não hesitou em fazer chantagem sobre os sócios, exigindo, do nada, um apoio reforçado para não criar uma crise interna. Quando o seu poder não estava em causa, alimentou a fanatização acrítica à sua volta e foi, como passou a ser sempre desde então, o principal foco de instabilidade.
A partir do momento em que ficou evidente que as competições europeias estavam perdidas e que a vitória campeonato era impossível apontou a mira, de forma mais clara e irresponsável, à equipa que ele próprio contratou. E, de repente, cada vez mais adeptos odiavam alguns dos jogadores que mais admiraram. Um verdadeiro líder defende, perante os outros, a sua equipa nas derrotas. O ato mais cobarde de Bruno de Carvalho resume-se nisto: quando os resultados são bons salta para o campo para mostrar a taça, quando são maus ataca os jogadores.
Ao direccionar para a equipa a frustração dos adeptos, Bruno de Carvalho alimentou o que de pior existe na paixão do futebol. Enquanto internamente se dedicava a um bullying que nenhum trabalhador toleraria, Bruno Carvalho foi sendo sempre dúbio perante os sinais públicos de risco para os jogadores, bem evidentes depois do jogo contra o Marítimo. Não sei se teve, por acção ou omissão, uma relação directa com o que aconteceu em Alcochete. Se alguma vez se provasse que teve, os efeitos morais e financeiros para o Sporting poderiam ser avassaladores. E a tese de que se tratou de um ato tresloucado de pessoas isoladas ficou totalmente posta de parte com a divulgação de uma foto do convívio anual da Juventude Leonina, em que esta se solidariza, através de uma tarja, com os 23 agressores detidos. O ataque foi organizado pela claque ou pelo menos contou com a sua cumplicidade. Isto depois do presidente, mesmo perante todos os sinais de perigo, ter acicatado os adeptos mais excitados e não ter tomado medidas preventivas. É pelo menos o responsável moral pelo sucedido. Os parabéns aos treinadores e jogadores do Vitória de Guimarães que ficaram no clube depois de serem agredidos, constantes no último de uma série infindável de comunicados, dizem bem do desnorte da direcção.
Como sportinguista, não quero alimentar os argumentos que possam favorecer rescisões unilaterais em que os clubes que levam jogadores ficam dispensados de compensar o Sporting pelo investimento feito. E não penso ser legítima a insinuação de que Rui Patrício (que justamente é e será para sempre um símbolo do Sporting) poderia desistir desta rescisão se Bruno de Carvalho se demitisse. Apesar de compreender a situação do jogador, ser solidário pelo que passou e até perceber o racional desta condição, não se pode abrir um precedente em que jogadores podem, de alguma forma, determinar quem é e quem deixa de ser o presidente do clube para o qual trabalha. Como trabalhador do Sporting, é livre de lutar pelos seus direitos e tem, como não podia deixar de ter, a minha total solidariedade. Ao Sporting cabe tentar minimizar os danos deste processo. E é evidente que outro presidente o fará em muito melhores condições do que Bruno de Carvalho. Mas uma coisa é ser eu a dizer isto, outra é ser Rui Patrício ou alguém por ele.
O golpe de Elsa
Por fim, chegamos ao último episódio desta novela: a nomeação ilegal de uma Comissão Transitória de Mesa da Assembleia Geral. Este órgão não existe nos estatutos do Sporting. Segundo o artigo 37.º, os titulares dos órgãos sociais mantêm-se em funções até à tomada de posse dos sucessores. Ao contrário do que acontece com o Conselho Directivo, que em alguns casos de renúncia pode ser provisoriamente substituído por uma comissão de gestão, e com o Conselho Fiscal e Disciplinar, que pode ser substituído por uma Comissão Fiscalizadora (artigo 41.º), qualquer uma delas nomeada pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, não há, nos estatutos, qualquer substituto transitório para a Mesa da Assembleia Geral.
Não é claro se Jaime Marta Soares, uma enguia trapalhona, se demitiu oficiosamente. Mas a demissão, para existir, tem de ter sido entregue ao Conselho Fiscal e Disciplinar (artigo 39.º). Se não foi (e está confirmado que não foi), podemos criticar as brincadeiras do presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG), mas ele não está demissionário. Mas mesmo que estivesse, tal Comissão Transitória não passava a ter cobertura estatutária. Ao contrário do que acontece com outros órgãos, não está previsto qualquer organismo de transição e, por isso, a MAG demissionária mantém-se em funções até a nova tomar posse. É natural que assim seja: num clube ou em qualquer associação, a MAG está acima dos restantes órgãos, não podendo depender deles qualquer nomeação dos seus membros. Ter o Conselho Diretivo a nomear uma Mesa da Assembleia Geral, mesmo que provisória, seria o mesmo que ter o primeiro-ministro a nomear o presidente da Assembleia da República. A Comissão Transitória da MAG é uma invenção de Bruno de Carvalho. Ainda mais extraordinária quando os membros desta comissão inexistente são candidatos ao cargo definitivo. Ou seja, Bruno de Carvalho escolhe candidatos e estes ocupam o lugar ainda antes de irem a votos.
Este acto ilegal terá repercussões sucessivas que atiram o Sporting para um imbróglio jurídico. Como a tal comissão transitória nomeou uma Comissão de Fiscalização, que substituiu a que foi nomeada pela MAG legalmente em funções, isto quer dizer que Bruno de Carvalho nomeou as pessoas que no mesmo dia nomearam quem o vai fiscalizar. Não é difícil perceber a ululante ilegalidade de tudo isto. O resto dos problemas virão depois de dia 17. Foi um órgão sem qualquer cobertura estatuária a convocar, através de uma carta assinada, uma sócia que ninguém elegeu (uma tal Elsa Judas), uma assembleia geral que vai mudar os estatutos (curiosamente os artigos de que falei aqui) e outra que vai eleger novos órgãos. As duas assembleias, convocadas e dirigidas por um órgão inexistente, serão, elas próprias, formalmente inexistentes. Assim como tudo o que lá seja decidido. Esta sucessão de ilegalidades, que resultará em órgãos e estatutos ilegalmente votados, lançará o Sporting numa disputa judicial sem fim. Impedir que o clube entre neste labirinto judicial é a prioridade das prioridades. Não se pode permitir que aberração ilegal chegue sequer a acontecer. Se a isto juntarmos que há uma assembleia geral marcada para 23, essa sim pela MAG em funções, e que essa não conta com o apoio logístico para acontecer, temos o retrato completo do caos que se instalou.
A captura do Clube
Depois de evitar este imbróglio jurídico, que se iria juntar aos processos de rescisão unilateral, à investigação sobre corrupção (que me parece por agora muito frágil, sobretudo quando comparado com que se tem sabido sobre o Benfica) e à investigação sobre o que aconteceu em Alcochete, terá de ser dada voz aos sócios. Não será tarefa fácil, mas é a única forma de estancar uma escalada que Bruno de Carvalho continuará a alimentar: pôr, em processos informais de confronto, sócios contra sócios (e contra jogadores), criando uma fractura no Sporting. Quem não se lembra das cenas de pancadaria nas assembleias gerais do Benfica, no tempo de Vale e Azevedo?
Pode ser doloroso para muitos sportinguistas, mas travar Bruno de Carvalho, por mais divisões que agora crie, é a única forma de garantir a pacificação futura. Porque toda a sua estratégia dos últimos meses se baseia na construção de inimigos internos e num clima de instabilidade permanente. E assim continuará a ser. Como se viu desde a última assembleia geral até à inenarrável conferência de imprensa na véspera de um jogo com a importância da final da Taça, Bruno de Carvalho instiga a instabilidade interna para, no meio do caos, segurar e reforçar o seu poder. Não há nada mais destrutivo para uma instituição do que uma liderança assim.
Se nada se fizer é fácil de prever o que vem aí. Depois de ter alimentado inimigos externos – alguns reais, outros imaginários –, Bruno de Carvalho começou a concentrar-se na criação de inimigos internos. Alguns também são reais, como a Holdimo de Álvaro Sobrinho (um tumor dentro do Sporting). Mas apontar as baterias aos jogadores, que para todos os efeitos são funcionários e seus “subalternos”, é dos gestos mais cobardes que se podem esperar de um dirigente. Os dois passos seguintes estão em marcha. O primeiro está no auge: virar os sócios uns contra os outros, entre sportinguistas e “sportingados”, fanatizando o seu lado para que o apoio seja acrítico e assediando publicamente qualquer voz crítica, para que todos se vão calando. Por fim, desmantelar toda a estrutura democrática do clube, moldando o poder à sua vontade arbitrária e acabando com qualquer limite ou contrariedade. Se conseguir – e está a conseguir –, o Sporting deixará de existir para lá da sua vontade. E um só homem terá conseguido capturar uma instituição centenária. Como escreveu Miguel Poiares Maduro, “já não se trata de apreciar a gestão de Bruno Carvalho mas sim se lhe queremos simplesmente entregar o clube.”
O engano de quem julga que se pode esperar uns meses e deixar que se prepare a nova época e o empréstimo obrigacionista é não perceber que Bruno de Carvalho, com a nomeação de uma Comissão Transitória da MAG e de uma Comissão de Fiscalização da sua confiança e a marcação de uma assembleia geral sem existência legal, iniciou um processo de usurpação de poderes sem recuo. Ultrapassou, como escreveu o presidente da Assembleia Geral da SAD e apoiante da primeira hora de Bruno de Carvalho, João Sampaio, “uma linha vermelha”. E que este percurso só terminará quando, com base numa ilegalidade original, todo o seu poder estiver blindado a qualquer contestação. Aquilo a que estamos a assistir já não é a uma crise, é à destruição de todas as regras que permitem que o poder seja transitório. O que Pinto da Costa conseguiu no FC Porto por via de resultados desportivos (muitas vezes com recurso a meios imorais) e com a fanatização de quase todos os sócios em torno de si mesmo, Bruno de Carvalho tentará, por incapacidade de lhe seguir o exemplo, por via de um golpe estatutário. Impedi-lo é, antes de qualquer eleição ou assembleia geral, uma questão de vida ou de morte do Sporting.
Um novo Presidente
Depois terão de vir eleições. Muitos sócios não estão contentes com Bruno de Carvalho mas temem um regresso ao passado. Como eu os compreendo. Um novo presidente do Sporting, que aguente este tempo difícil, terá quatro objectivos prioritários: o regresso do bom-nome da instituição; a restauração da legalidade estatutária; a manutenção e reforço da maioria do clube na SAD; e, só depois disto tudo, a retoma da normalidade com vista aos resultados desportivos.
O ponto mais sensível de todos estes objectivos é a manutenção da maioria do clube na SAD. Não tenho qualquer dúvida de que Álvaro Sobrinho, cujos objectivos pouco recomendáveis são em tudo estranhos aos interesses do clube, está a aproveitar este momento de confusão para impedir a redução iminente do seu peso na SAD. E, no limite, para tentar conquistar a maioria da SAD, o que tornaria irrelevante o nome do próximo presidente do clube, figura que passaria a ser, no que é essencial, decorativa. Os sócios mais informados sabem que isto é um dos problemas mais graves que o clube enfrenta. O que quer dizer que, no meio desta confusão, o Sporting está entalado entre um louco e um escroque.
Teria sido possível um compasso de espera se Bruno de Carvalho se tivesse demitido e, durante o período necessário para a preparação da época e do empréstimo, Carlos Vieira assumisse interinamente a presidência. Mas a preocupação de Bruno de Carvalho já não parece ser a sobrevivência do clube mas apenas a sua. Como se vê, aliás, com a displicência com que fala do processo de rescisões que podem representar um enorme rombo financeiro para o Sporting ou podem obrigá-lo, como se afigura como provável, a vendas a saldo.
O surgimento de alguém que seja mobilizador, se apresente como alternativa a e tenha um discurso claríssimo em relação a Sobrinho e à manutenção da maioria do clube na SAD é a resposta a este dilema. E enquanto estivermos neste lodo e incerteza esse nome não se afirmará. Esse candidato não pode vir de um passado que a esmagadora maioria dos sócios do Sporting recusa e tem de assumir, com um estilo necessariamente bastante diferente, a parte positiva do legado do primeiro mandato de Bruno de Carvalho. Para que essas eleições aconteçam é necessário que o presidente se demita. O que se pede é o mesmo que ele próprio pediu, e teve o meu apoio, em Novembro de 2012, quando o trágico Godinho Lopes era presidente: demissão e eleições. A que Bruno de Carvalho pode e deve concorrer. Qualquer pessoa que não esteja totalmente embrenhada no fanatismo de facção consegue perceber que esta é a única forma de sair da crise em que o Sporting encontra.
Quando chegou à presidência do Sporting, Bruno de Carvalho disse, numa entrevista à SIC: “No dia em que o Bruno de Carvalho presidente começar a trazer as suas emoções para dentro do clube, começar a trazer opacidade para dentro do clube, começar a pensar que é o maior da cantadeira, começar a não ligar ao que é o maior património do Sporting que são os sócios, começar a ter atitudes completamente lesivas para o clube, o cidadão e sócio Bruno de Carvalho vai pegar no presidente Bruno de Carvalho e vai metê-lo imediatamente fora do clube.” Esse momento chegou e, perante a falta de comparência do cidadão e sócio Bruno de Carvalho, estamos cá nós, os cidadãos e sócios do Sporting Clube de Portugal, para exigir eleições."
Manobras de diversão
"O anúncio de uma queixa na FIFA contra o Benfica é apenas mais uma fuga para a frente de Bruno de Carvalho
1 - É difícil olhar para o comunicado emitido ontem pelo Conselho Directivo (CD) do Sporting, anunciando uma queixa na FIFA contra o Benfica por alegado "assédio" a jogadores leoninos com base no depoimento de um comentador num programa televisivo cuja credibilidade tem sido constantemente atacada pelo próprio Bruno de Carvalho, sem ver nele uma tentativa atabalhoada de ensaiar uma manobra de diversão. Na iminência de uma manifestação de adeptos para pedir a demissão dos órgãos sociais ou, mais concretamente, de Bruno de Carvalho, o CD que resta depois das demissões das últimas semanas resolveu recorrer ao estratagema mais batido dos livros de propaganda, marcando a actualidade com a criação de um facto e apontado os holofotes para fora, na direcção de um inimigo comum. O resultado foi pífio. A queixa da FIFA contra o Benfica redundou numa queixa-crime dos encarnados por difamação e denúncia caluniosa e a manifestação aconteceu mesmo, juntando centenas de adeptos unidos pela vontade de devolver o clube aos sócios. Uma amostra tão significativa como outra qualquer de que, simplesmente, não é possível enganar sempre toda a gente.
2 - A crise do Sporting não afecta apenas o clube de Alvalade. Ontem, na Euronext, durante a apresentação dos resultados da emissão de obrigações do FC Porto, Fernando Gomes queixou-se de concorrência desleal, numa referência ao recente "perdão" de dívida ao Sporting, mas foi mais longe. O administrador da SAD do FC Porto explicou que o facto de os leões terem falhado o reembolso das obrigações que venciam a 25 de maio forçou uma subida nos juros que os dragões vão ter de pagar. Dos 4,25% previstos inicialmente, a taxa passou para 4,75%, quase 200 mil euros a mais. A prova de que isto anda tudo ligado."
«Coreia do Norte? Nunca tinha estado num ambiente daqueles»
"Benfica de Macau está a fazer história nas competições asiáticas com uma equipa recheada de portugueses. Treinador e jogadores contam o que viveram no país mais fechado do mundo, onde vão regressar para mais um jogo, desta vez num estádio que bate recordes.
«É uma viagem no tempo». As palavras são de Carlos Leonel, o madeirense goleador do Benfica de Macau, que na passada semana se deslocou à Coreia do Norte para defrontar o Hwaebul. Um jogo inesquecível para todos os que fazem parte do campeão macaense, equipa recheada de portugueses, já que, além da curiosidade da viagem a Pyongyang, é a primeira vez que uma equipa de Macau marca presença na fase de grupos da Taça AFC (a congénere asiática da Liga Europa).
Finda a segunda jornada, o Benfica de Macau soma seis pontos, fruto de duas vitórias. A primeira, por 3-2, em casa, frente ao Hang Yuen FC, de Taiwan, depois de estar a perder 0-2 ao intervalo, com Carlos Leonel a bisar. A segunda foi na Coreia do Norte, frente ao vice-campeão Hwaebul, por 3-2, novamente com um bis do avançado português, que tem já também nacionalidade macaense.
«Chegar a um campo com 32 mil pessoas, todas vestidas da mesma forma, que não se calam durante um bocadinho a efectuarem coreografias com um rigor... uma coisa que eu nunca vi na vida… e ver os meus jogadores, que não estão habituados a estas andanças, a tremerem no aquecimento. Não é fácil retirar esta pressão», conta ao Maisfutebol o técnico Bernardo Tavares, que é desde o inicio do ano o timoneiro desta armada.
«Eu nunca tinha estado num ambiente daqueles. E ainda por cima não tínhamos nenhum adepto a apoiar-nos, eram todos contra. Estávamos a lutar contra uma nação. Era uma coisa surreal», explica o médio Hugo Silva, que se transferiu em Fevereiro do Anadia, do Campeonato de Portugal, para o tetra campeão macaense.
Hugo Silva garante que o ambiente no estádio Kim Il-Sung até ajudou a formação macaense. «Motivou-nos ainda mais. Unimo-nos, passámos por dificuldades, e conseguimos um feito histórico».
A mesma opinião tem o avançado Carlos Leonel. «Foi espectacular, espectacular. Não houve qualquer tipo de intimidação pela parte deles. Só queriam ver um jogo de futebol. Senti uma felicidade enorme por fazer parte daquele espectáculo e quis mostrar o que sabia fazer», garante. E fez mesmo, ao marcar dois golos que voltaram a ser decisivos.
No final, os jogadores do Benfica de Macau foram agradecer aos adeptos e saíram de campo debaixo de uma gigantesca ovação. «Inesquecível», garantem.
Viagem ao desconhecido
Além de terem poucas informações sobre o adversário e só terem conseguido ver imagens de um jogo do Hwaebul, que foi na Mongólia, no play-off de acesso à competição, o treinador e jogadores do Benfica de Macau pouco sabiam da Coreia do Norte e do itinerário que fariam no país. Por isso, ao embarcar para Pyongyang, capital da Coreia do Norte, a equipa sentia que ia rumo ao desconhecido.
«Para ser sincero, ia com receio, tanto que nem telemóvel levei», conta Hugo Silva.
«Quando chegámos fomos muito revistados: telemóveis, máquinas fotográficas, foi tudo analisado minuciosamente, tiraram os números de série, e à saída voltámos a mostrar tudo», relata o treinador Bernardo Tavares.
O médio Hugo Silva conta que até o livro que levava foi analisado. «Quiseram ver, saber qual o conteúdo».
E passadas as formalidades do aeroporto, a realidade da vida norte-coreana foi a tal viagem no tempo de que Carlos Leonel falava. Os três portugueses encontraram em Pyongyang muitas pessoas nas ruas e poucos carros. Os que circulam, andam devagar e com um grande respeito pelas distâncias entre veículos. «Uma das coisas em que reparei foi que se veem famílias inteiras, várias gerações juntas, a praticar desporto, na agricultura, ou a passearem de bicicleta. Foi algo que gostei de ver», conta Bernardo Tavares.
As roupas, de corte muito característico, não parecem ter lugar para cores vivas, com os habitantes a vestirem sobretudo de azul escuro e de castanho.
Pyongyang.
Numa cidade com pouco comércio, e em que os estrangeiros não podem comprar bens essenciais nos supermercados, só nos hotéis, são muitos os que se dedicam à agricultura e é frequente ver pessoas a repararem buracos ou a limparem as ruas. «As pessoas parecem mecanizadas naquela rotina», conta Hugo Silva.
Carlos Leonel diz que se nota que os norte-coreanos «gostam de ler os jornais e ficam entusiasmados com as mensagens do líder».
E o que mais impressionou os três portugueses com quem o Maisfutebol falou foi a limpeza e organização. «É um país extremamente limpo. Não se vê uma beata no chão», destaca Carlos Leonel. E a equipa acabou por se embrenhar nesse espírito. «Antes de sairmos do estádio, estivemos a limpar o balneário todo, pedacinho de relva por pedacinho de relva, porque fomos contagiados por aquele sentimento de cuidar. Estava tão limpo antes, que não quisemos deixar sujo no final», relata o avançado.
Um planeta diferente
Na arquitectura, edifícios novos e modernos convivem lado a lado, e são muitos os monumentos bélicos e museus ligados a guerra.
Pelas ruas há grandes painéis com imagens do ditador Kim Jon Un com o pai Kim Jon Il ou do pai com o avô Kim II-Sung». E mesmo à noite, a partir das 21:00, quando as ruas ficam sem iluminação, esses painéis continuam iluminados. Mas a essa hora, os estrangeiros não podem admirar as imagens dos líderes coreanos porque têm que estar recolhidos nos hotéis. Sair é só durante o dia, sempre com guia, e para tirar fotografias é preciso pedir primeiro.
Ainda assim, no grupo, o sentimento geral parece ter sido de segurança. «Acho que não deve haver criminalidade na cidade», conta Hugo Silva. Sentimento partilhado por Carlos Leonel.
«Não senti nem um segundo de receio. Já viajei muito em jogos internacionais e arrisco dizer que foi dos países em que fui mais bem recebido. Não podemos fazer aquilo que queremos, mas dentro das regras que nos impõem, dá para termos uma estadia agradável», garante o avançado, que diz ainda que a impressão geral que teve foi de estar «num país civilizado».
Já Bernardo Tavares sentiu que estava «num planeta diferente», sobretudo porque «as pessoas não têm acesso à internet». «Por exemplo, na conferência de imprensa de antevisão, as perguntas que os jornalistas me faziam eram sobre o que é o Benfica de Macau, quem era o Bernardo Tavares, quem era o jogador A ou o jogador B… Coisas que facilmente se podem pesquisar, mas eles, como não têm acesso à internet, perguntavam-nos a nós».
E o Maisfutebol também sentiu que o jogo tinha sido num planeta diferente. Quisemos acompanhar o jogo e consultámos por várias vezes o site oficial da competição, e outras fontes habituais de resultados, mas nada. Só várias horas após o fim do encontro conseguimos saber como ficou o marcador. Situação insólita, já que em todos os outros jogos era possível acompanhar em real time o resultado.
Na Coreia do Norte, o jogo foi televisionado em directo e no final a equipa recebeu um dvd com as imagens do jogo, acompanhado por um pedido: «Usufruam, mas agradecemos que não partilhem».
O facto de não haver internet é visto agora como uma vantagem, pelo treinador e pelos jogadores. «Obrigou os jogadores a falarem entre si. Acabou por ser um retiro. Porque noutras alturas as pessoas acabam agarradas ao telefone. Vi-os a conviver de uma forma como nunca tinha visto», confessa Bernardo Tavares.
O maior estádio do mundo
Este foi apenas um dos dois jogos que a equipa vai fazer em terras de Kim Jong Un, já que o campeão norte-coreano, 25 de Abril, é outro dos adversários do Benfica de Macau. Um adversário teoricamente mais forte, que venceu os dois jogos até agora, que é campeão há vários anos, que dá a maioria dos jogadores à selecção, e que, segundo a internet, é a equipa do exército norte-coreano. Bernardo Tavares quis confirmar in loco esta informação, mas sem sucesso: «Ficaram a olhar para mim e não me responderam. Só consegui saber que era a equipa que tem mais adeptos».
O jogo, marcado para dia 11 de Abril, vai ter lugar no May Day, o maior estádio do mundo, com lotação para 114 mil pessoas, onde se esperam ainda mais adeptos do que no jogo com o Hwaebul.
Outra prova de fogo para a semi-profissional formação macaense, com alguns jogadores que acumulam o futebol com profissões como bombeiro, polícia judiciária e jornalista.
Equipa à chegada a Macau
«Por vezes temos que treinar em espaços de 20x40, que nem são relvados naturais, nem sintéticos… parece mais uma carpete. São as condições que temos. Mas temos conseguido optimizar o potencial dos nossos jogadores e conseguir estes resultados, mostra que temos jogadores com grande ambição e grande entrega. Muita gente acreditava que nós nem um ponto íamos fazer, mas já temos seis em dois jogos, é um feito enorme», frisa o treinador Bernardo Tavares.
Carlos Leonel, em maré de pé quente, e já apelidado herói da equipa nesta campanha na AFC Cup, sente que está «a viver um sonho» e mostra-se otimista para o encontro com o 25 de Abril. «As coisas estão a correr bem e sinto que isto é apenas o começo de algo muito grande para nós. Estamos com estrelinha de campeão, num momento muito positivo. Eles têm realmente uma equipa muito forte, mas nós acreditamos que vamos sofrer, mas vamos ganhar. Temos fé»."
PS: Esta reportagem foi publicada no dia 22 de Março, portanto chegou ao Indefectível com algum atraso(!!!), mas acho que o interesse dos testemunhos, ultrapassa o facto de estar 'desactualizada'!!!
Já agora, o Benfica de Macau terminou a fase grupos em 2.º lugar, atrás dos tais Norte-Coreanos do 25 de Abril!!! Sendo que nesta competição, só os vencedores dos grupos passam para a fase a eliminar...
Excelente estreia nas competições continentais do 'nosso' Benfica Macaense!!!
Mensagem a quem ainda ampara BdC
"Confirma-se que é muito mais fácil convencer Tony Carreira de que o plágio é uma contrafacção ilegítima do que persuadir Bruno de Carvalho (BdC) a largar o cadeirão de Alvalade – algemar-se-á a ele, se for preciso. Desde logo porque BdC nunca irá perceber que o poder já degenerou em tirania quando deixa de respeitar as regras mais elementares da democracia e dirige a sua mira apenas para o bem pessoal de quem o exerce. Já se sabe que, tal como na política, no futebol é sempre difícil distinguir os homens capazes dos homens capazes de tudo. Mas, mesmo assim, é cada vez mais misterioso que uma parte importante dos sorumbáticos apoiantes que teimam em manter-se do lado de BdC não tenham ainda fisgado que até a bateria do meu telemóvel dura mais tempo do que que os verbosos comprometimentos do presidente do Sporting. E ainda mais indecifrável é que esses resistentes não vejam que estão a dar suporte a algo tão peçonhento e autodestrutivo. Como é possível que não percebem sequer que BdC está tão obcecado e precisa tanto de se manter na presidência que, se for preciso, não hesitará em levar com ele o Sporting para o fundo do poço? Para BdC, o Sporting é um mundo em que os príncipes e as princesas podem, a qualquer momento, ser transformados em sapos ou abóboras, ou vice-versa. E, para ele, o trabalho de equipa é apenas a garantia de que, se algo der para o torto, tem sempre alguém a quem atribuir as culpas.
Recorrendo apenas à memória, recordo-me de um presidente do Sporting que conseguiu, em cerca de quatro meses, arrasar animicamente uma equipa competitiva e ambiciosa. E que conseguiu minar e zangar-se com o treinador, cenário que repete pela terceira vez desde que foi eleito. E que dizer das suas mensagens desvairadas no Facebook e das entrevistas alucinadas, que pareceram ser escritas e dadas cirurgicamente nos momentos mais inoportunos (designadamente na véspera de jogos importantes)? Alguém tem dúvidas de que desestabilizaram o balneário e concorreram para acirrar ainda mais os ânimos junto de alguns membros da claque e de outros adeptos mais susceptíveis, como se viu no episódio em que Patrício teve de fugir da baliza para não ser atingido pelas tochas? BdC conseguiu ainda ser desmentido pela Procuradoria Geral da República e por uma associação de polícias (quando procurava convencer-nos de que já havia relatórios daquelas duas entidades a inocentá-lo da autoria moral da vergonhosa e não menos criminosa invasão a Alcochete). Viu ainda o Sporting envolvido na "Cashball", investigação policial relativa à possível viciação de resultados no andebol e no futebol (e não apenas uma notícia do Correio da Manhã, como BdC nos tenta vender). Em resultado disso, aquele que era visto como braço direito do presidente foi constituído arguido, continuando por explicar os milhares de euros encontrados no seu armário que indiciam a possibilidade da existência de um "saco azul" para actividades, digamos, "extracurriculares". Num estalar de dedos, evaporou-se a superioridade moral que, nesta área, o Sporting sempre pôde ostentar. Seguiram-se as demissões de dirigentes em catadupa nos diversos órgãos, só restando hoje aquele círculo restrito do conselho directivo, que tem o condão de ser bem remunerado e ficará para a história como corresponsável pelo maior ataque alguma vez feito à honra do Sporting. Porque não pode haver outra leitura para uma direcção e uma administração que parecem ter rasgado os estatutos do clube e não respeitam o presidente da AG nem os mais de quatro mil sócios que exigem votar a destituição da direcção – sendo que, na SAD, o maior accionista individual pede a destituição de uma administração acusada de violação dos seus deveres, de desviar dinheiro para o clube e de desvalorização dos activos. Finalmente (e após mais um episódio em que ficou evidente por que razão para um artificioso vale sempre mais uma carta na manga do que um baralho inteiro sobre a mesa), dois futebolistas rescindiram os seus contratos, um deles Rui Patrício, que levava 17 anos em Alvalade e já fez mais pelo Sporting do que o presidente e todos os seus capatazes alguma vez farão. E há a possibilidade de outros tomarem a mesma atitude, o que pode ameaçar de insolvência uma SAD que ainda não conseguiu garantir o empréstimo obrigacionista de que parece depender até a gestão corrente – o que desmente boa parte dos elogios a uma gestão financeira que já antecipou muitos milhões de receitas televisivas futuras.
Quem continua a fechar os olhos a tudo isto não está apenas a dar suporte a um BdC que parece nutrir-se da bagunça e anarquia que ele próprio foi criando. Está a sustentar um presidente que se confunde com um kamikaze e a alinhar numa trágico-comédia demasiado perigosa.
O aliado duplamente útil
Mais do que deixarem-se intoxicar nas infindáveis sessões de esclarecimento de Bruno de Carvalho (que mais não são do que comícios propagandísticos à boa moda sul-americana e cuja logística é, quase de certeza, paga pelo próprio clube, no que parece ser um despautério enorme), os adeptos do Sporting deviam forçar-se por perceber, por exemplo, por que razão o FC Porto raramente critica o Sporting e o seu presidente Bruno de Carvalho. E esta percepção é ainda mais nítida quando se observa boa parte dos comentadores televisivos ligados aos portistas, que se destacam pela forma, mais ou menos evidente, como fazem a defesa do presidente leonino, como se lhes desse muito jeito a sua manutenção no poder. A explicação é muito simples: para o FC Porto, o Sporting é visto como um aliado duplamente útil. É o correligionário que ajuda nos ataques ao Benfica (que, de facto, não consegue justificar suficientemente as injuridicidades de que é acusado…), designadamente quando o FC Porto quer atirar a pedra e esconder a mão. E é também o prosélito que dificilmente incomodará desportivamente. Ou melhor, mesmo que pareça em condições de o fazer em determinados momentos e circunstâncias, há sempre a garantia de que Bruno de Carvalho pode mudar de discurso, mas nunca mudará de carácter e não resistirá a dar um tiro no próprio pé nos momentos mais determinantes. Ou seja, é uma aliança em que o FC Porto parece sair sempre a ganhar…"
Os náufragos e a crença bíblica
"O Sporting está, infelizmente, na vanguarda do novo surrealismo português, pelo menos no que respeita à esforçada tentativa dos seus desesperados náufragos, que resistem ao racional num barco que dia a dia mais se afunda.
Podemos, todos, encontrar explicações mais ou menos lúcidas, mais ou menos elaboradas, para tentarmos perceber o que vai na cabeça dos elementos que restam do penoso Conselho Directivo dos leões. A maioria, percebe-se pelo que se lê e pelo que se ouve, acredita que se trate, única e exclusivamente, de uma vontade surda e cega de manter o poder a qualquer custo. Admita-se, porém, que não é assim, que lá no fundo dos pensamentos destrambelhados que têm dado à costa, haja uma ideia verdadeira, uma crença bíblica de que o grupo sobrevivente foi eleito para encontrar os caminhos da salvação e que se apoia na maioria dos cidadãos leoninos com quotas em dia. Assim sendo, para quê prolongar esta desastrosa agonia? Por que ter medo de ir a votos, de provar ao pequeno universo dos incrédulos que a esmagadora maioria continua a estar com o presidente e com os seus tão fervorosos discípulos?
Sim, vamos supor que por uma qualquer ironia da História do Sporting, há uma maioria silenciosa a favor do que resta dos remendados corpos sociais. Pois não será óbvio que se devem criar condições para que os sócios manifestam democraticamente a sua vontade? E haverá forma mais escorreita, honesta, universal, disciplinada e digna do que um acto eleitoral? O que assusta, então, Bruno de Carvalho? Provar o seu próprio pressentimento de ter perdido o apoio do povo leonino?"
Vítor Serpa, in A Bola
Corromper à vez?
"Tem-se tornado difícil – e também custoso – acompanhar a sucessão de notícias com acusações e suspeições em torno dos jogos dos três grandes. Há, contudo, algumas regularidades na forma como as notícias são recebidas. Os adeptos acreditam no que é sugerido, à vez: quando os casos envolvem o Porto, os benfiquistas dão tudo como certo; quando toca ao Sporting, os benfiquistas logo garantem ser crime. Naturalmente, quando é o Benfica que está na berlinda, para portistas e sportinguistas não restam dúvidas: estamos perante evidências inequívocas de corrupção. Ou seja, notícias semelhantes podem passar, num ápice, de um escândalo sem paralelo no futebol português para uma montagem vergonhosa, promovida por jornalistas a soldo, assente numa mão-cheia de nada e sem qualquer sustentação.
A banalização de casos, casinhos e demais variações tem tido vários efeitos – lança lama sobre todos, degrada a imagem de um sector de excelência em Portugal e questiona a verdade desportiva. Há, contudo, um efeito que se sobrepõe a todos os outros: hoje, ninguém tem capacidade para escrutinar o teor das acusações. Nuns casos porque estas assentam em depoimentos de cara tapada e voz distorcida, noutros porque partem de violações grosseiras do segredo de justiça, por definição descontextualizadas e feitas à medida de uma das partes ou, ainda, porque são construídas a partir de denúncias anónimas ou de declarações de personagens com pouca ou nenhuma credibilidade.
Perante o ruído branco e permanente, ao adepto que não tenciona deixar de acompanhar com paixão o seu clube e as competições nacionais, só resta mesmo uma solução: esperar por eventuais acusações promovidas pelo Ministério Público que, uma vez públicas, todos teremos capacidade para escrutinar, independentemente das sentenças que se poderão (não) seguir. No fim, nada poderá ficar como até aqui no futebol português e, das duas uma, ou haverá mão muito pesada para os caluniadores ou terá de ser feito um refresh profundo no dirigismo. A bem da memória, convém recordar, trata-se de fazer exactamente o que os sócios do Porto não fizeram, mantendo, até hoje, em funções uma direcção, no mínimo, manchada eticamente e que agora, com um cinismo intolerável, se quer ver alcandorada em arauto da moral.
Desde já, contudo, é possível identificar outra regularidade na forma como as notícias são recebidas. É que, como lembrava o sempre certeiro João Vale no twitter, "o nervoso miudinho que todos os adeptos sentem quando se ouve falar de que há um novo escândalo a abalar um dos três grandes, mostra bem a confiança que temos nos dirigentes dos nossos clubes"."
PS: O Pedro continua incapaz de criticar os seus amigalhaços da SIC/Expresso... mesmo com todas as evidências públicas! É pena...
A voz do povo
"Sucedem-se as páginas de um capítulo negro da história do Sporting. A manifestação de ontem em Alvalade, no melhor espírito cívico e democrático, foi mais um momento inusitado da vida de um clube que se encontra num clima de guerra civil. A voz do ‘povo’ leonino pretende fazer-se ouvir alto e bom som mas para ter algum efeito precisa necessariamente de ser escutada no espaço próprio: a assembleia geral. Não está fácil lá chegar e aguarda-se por desenvolvimentos sobre esta vontade.
A par da batalha jurídica institucional, os jogadores acertam com as suas estruturas de apoio saídas profissionais que lhes permitam garantir o futuro noutros clubes. Qualquer futebolista quer ter a certeza de que não correrá riscos e nessa perspectiva irá sempre preferir uma saída limpa do que litigiosa. Compreende-se que assim seja e se já restam poucas esperanças de que os melhores activos permaneçam no clube então o melhor mesmo é negociar dentro dos valores ‘possíveis’. O mal está feito.
Jesus prepara a saída. Uma despedida ingrata, penosa e triste. O sonho de ser campeão no clube de coração pode tornar-se uma impossibilidade – pelo menos para já... – para um treinador que conseguiu segurar o grupo num dos momentos mais críticos da história do Sporting. Pode sair sem glória, mas sai com honra."
A vida não tinha direito de nos fazer certas coisas
"Dez anos se passaram desde que Rui Costa deixou os relvados. Desde aí estamos órfãos do 10. Ou talvez não do 10 mas daquela maneira única que ele tinha de mandar um pássaro levantar o céu.
10.
10 para um 10. Ou melhor 10 para o 10.
Há dez anos que Rui Costa deixou os relvados. Ele, o 10 esplêndido inigualável.
Sinto saudades de ver o 10.
Rui Costa, era como aquele poema de Alexandre O'Neill:
'De um momento para o outro pode entrar
Um pássaro que levante o céu'.
O 10 levantava o céu.
Vi-o tantas e tantas vezes levantar o céu. Um pouco por todo o mundo, da Inglaterra à Coreia, da Itália à Luz. E à luz. Havia no seu futebol uma luz difícil de explicar, como uma aurora boreal que está lá mesmo não estando. Sempre, sempre pronta a levantar o céu.
Na vida, como no futebol, há pessoas que são o 10.
Tive a sorte de conhecer muitos 10: na música, na escrita, na alma.
E Rui, o 10, desde menino, tantos anos antes, ainda não titular do Benfica mas o 10 de uma selecção que não apenas levantou o céu como subiu ao topo do mundo.
Ser 10 exige muita coisa. Em primeiro lugar exige coragem: o 10 assume-se; é o 10 e ponto final. Há 10 que levam mais do que ponto final; levam ponto de exclamação! Na vida, como no futebol, o 10 está lá quando é preciso. Às vezes não se nota, não se pressente, e de repente é ele próprio: a frase, o gesto, a decisão; o passe, o remate, o golo. Quando falo em coragem, também quero dizer: o 10 tem de ser 10 para si próprio e para os outros. E, se for necessário, contra os outros e contra si próprio.
Rui, o 10, foi muitas vezes 10 contra si próprio.
Depois vinha um pássaro, e ele levantava o céu.
Continuo à espera!
Todos os números têm o seu tamanho, e o tamanho dos números não corresponde ao seu lugar na tabela dos algarismos. Na vida, como no futebol, há números que são bem maiores do que outros, embora não pareçam. Vou dar um exemplo: o 9 é maior do que o 55. O 9 é avançado-centro, o 55 pode ser qualquer coisa e coisa nenhuma. O 9 pode até nem marcar golos e não lhe dar nem de bico. Mas a gente tem-lhe respeito. É o 9. O 55 pode dar toques de calcanhar e pontapés de bicicleta. Mas não passa do 55. É anónimo e não inspira confiança. Quem usa o 55 tem mais no que pensar do que em fazer o seu trabalho dentro do campo.
Dir-se-ão: há jogadores que fazem os números. Pois há. O 14 só passou a ser número depois do Cruyff, e o 13 depois do Eusébio. Absorvem apenas a personalidade de quem os usa. Na história do futebol, pode escrever-se capítulos inteiros sobre o Cruyff ou o Eusébio. Pode escrever-se capítulos inteiros sobre o 10. Mas dificilmente se escreverá mais do que um parágrafo sobre o 14 ou o 13.
Três letras; dois algarismos: Rui, 10. Dificilmente outras letras e algarismos ficariam melhor juntos.
Em 1991, na final do Mundial, em Lisboa, o Rui tinha o 5 e, apesar disso, já estava cinco números acima. No segundo em que partiu para a bola e marcou o penalty decisivo já era o 10.
A vida não devia ter o direito de fazer certas coisas connosco. Mas faz.
Uma das coisas que não tinha o direito de nos fazer era tirar-nos o 10.
O 10 devia estar lá, em campo, para sempre.
Sem o 10 ficámos órfãos. Não sei se órfãos do 10 se de outra coisa qualquer que parece impossível escrever.
Se calhar, ficámos órfãos do pássaro. Daquele pássaro que faz levantar o céu.
Eu sei, escrevo tanto tanto, todos os dias, todas as horas, que às vezes fico com a sensação de que me repito. Algo que um 10 não sabe fazer. O 10 não se repete: reinventa-se.
Uma vez, em Itália, em Parma, vi o Rui desfazer o adversário como se fosse d'Artagnan, a golpes de espadachim.
O Corriere dello Sport fez uma manchete dizendo: 'Rui Costa Divino'.
Nessa tarde, o 10 foi perfeito. E a perfeição do seu futebol foi aumentando a um ritmo insustentável, duplicando-se para aí de quinze em quinze minutos. Ou talvez mais, a 300 mil quilómetros por segundo, que é a velocidade da luz.
Eu escrevi uma crónica sobre esse jogo. Chamei-lhe: 'Um deus passeando pela brisa da tarde'.
Sem qualquer vergonha, com o maior descaro, roubei o título ao Mário de Carvalho. Ele que me perdoe.
Dos pés do 10 libertaram-se milhares de pássaros que levantaram o céu.
Depois veio a notícia: o 10 não joga mais.
E há dez anos que o 10 não joga, e eu sempre aqui na espera teimosa da brisa da tarde pela qual passeará um deus que tem luz nos pés e sabe todos os segredos sobre os pássaros e o céu."
Afonso de Melo, in A Bola
"A quem coube o burro?"
"Os leilões da Secretaria e um 'célebre animal' que renderam 'uns milhares de escudo para o Fundo do Construção' do Estádio da Luz
Havia muito que os benfiquistas desejavam um novo estádio e, em 1952, com a assinatura da escritura dos terrenos da Luz, o sonho ganhava forma. A partir dessa data, a massa associativa uniu-se em torno de um objectivo comum: a angariação de fundos para a construção do novo Parque de Jogos!
Uma das mais interessantes iniciativas partiu de um grupo de benfiquistas dedicados. Reunindo-se todas as noites na Secretaria, junto da maquete do novo Estádio que a Direcção ali colocara em exposição, sócios e simpatizantes puseram à prova 'toda a gama dos seus recursos de organizadores e propulsores de uma ideia' e iniciaram os leilões da Secretaria. A Comissão Central do Novo Parque de Jogos deu-lhe todo o apoio, 'acompanhando e iniciando os homens que, sem desfalecimentos, leiloavam tudo o que lhe aparecia', enquanto os sócios ofereciam, 'em ritmo cada vez maior, objectos para serem leiloados'.
Em Outubro de 1953, os leilões haviam já ultrapassado os '200 contos', mas as ofertas individuais continuavam a chegar. Uma das mais curiosas foi... 'um burro!'. Oferecido pelos sócios Romão Martins e Alfredo Peres da Silva, o burro - 'um nédio e anafado jerico que foi a cobiça de quem o viu espinotear, brincalhão, no Campo Grande' - foi rifado pelos leiloeiros. O sorteio, agendado para o dia do jogo Benfica - Atlético, a 8 de Novembro, decorreu no intervalo da partida. A senha premiada foi o n.º 4849 e o feliz contemplado, alertado através do jornal O Benfica, 'lá foi todo contente com a sorte que o bafejou!'.
Algumas semanas depois, o burro voltava a ser assunto. Os ofertantes iniciais, 'decididamente empenhados em serem largos contribuintes para o Fundo de Construção do Estádio', haviam resolvido comprá-lo ao 'felizardo a quem ele coube... e oferecê-lo de novo à Comissão Central'. Os homens dos leilões voltaram a vender senhas para o mesmo burro e sortearam-no pela segunda vez a 27 de Dezembro. Coube desta vez a sorte à senha n. 5324, ao sr. Jaime Albuquerque, que 'levou o jerico, com os parabéns de quem assistiu à entrega!'. E foi assim que o 'célebre animal' rendeu 'uns milhares de escudo para o Fundo de Construção do Novo Parque de Jogos'.
Pode saber mais sobre a construção e inauguração do Estádio da Luz na área 17 - Chão Sagrado do Museu Benfica - Cosme Damião."
Rita Costa, in O Benfica
Certamente, esta foi a melhor defesa de sempre. Pelé que o diga
"No Mundial de 1970, Gordon Banks estirou-se para a história ao opôr-se a um remate de cabeça de Pelé que parecia mais que destinado a entrar. Não fosse a ponta dos dedos da mão direita do guardião inglês.
Gordon Banks era titular indiscutível da Inglaterra e campeão do mundo em título quando chegou ao Mundial 1970. Mas os últimos dois anos não tinham sido fáceis para o guardião de 33 anos, com o Leicester a "dispensá-lo" para o Stoke e muitas dúvidas sobre a sua capacidade em adaptar-se às condições de altitude e calor tórrido do anfitrião México. Por incrível que pareça, não estavam completamente enganados. Só que no intervalo das dificuldades houve espaço para um momento mágico
A Inglaterra mantinha o seleccionador e a base que lhe tinha dado o título mundial em 1966, o que a colocava entre as favoritas à conquista do troféu. Após uma vitória sofrida perante a Roménia, seguiu-se o grande teste, o Brasil. Não um Brasil qualquer, mas a equipa que hoje em dia é vista como, provavelmente, a melhor equipa nacional de sempre, já era então considerada uma coleção de estrelas sem igual, com um nome acima de todos os outros, Pelé.
Tal como se previa, o jogo começou com uma pressão intensa por parte dos canarinhos, que rapidamente impuseram o seu futebol de posse, truques e técnica individual que, não poucas vezes, deixava os europeus sem resposta. Após ter sido algumas vezes chamado a intervir, o momento de Banks estava prestes a chegar.
Foi a meio da primeira parte quando Jairzinho ganhou a linha de fundo pela direita e fez um cruzamento teleguiado para a cabeça de Pelé. O resto, como costumam dizer, é história.
O brasileiro executou um cabeceamento perfeito, com força, colocado, de cima para baixo e que em 99,9% dos casos daria golo sem qualquer hipótese. Tanto que, segundo conta o próprio Banks, Pelé terá gritado golo quando viu a direcção da bola. Tudo aconteceu então em fracções de segundo. "No treino, apercebi-me que naqueles relvados a bola saltava ligeiramente mais que o normal", contou ao "Daily Mail." Foi esse treino extra que o levou a mandar-se da única forma possível para chegar à bola. Aí ainda havia a questão da bola poder sobrar para ressalto, o que levou a esticar-se com a mão direita curvada para tentar mandar a bola por cima da barra. Ainda assim, era uma hipótese num milhão, mas os astros alinharam-se.
O guardião só se apercebeu que tinha defendido a bola quando viu a reação de Pelé e, segundo reza a lenda, o capitão inglês Bobby Moore, terá mesmo dito ao seu colega: "estás a ficar velho Banksy, antes costumavas agarrá-las." Jairzinho ainda deu a vitória ao Brasil na segunda parte. Ficou na sombra do outro feito.
Depois de ter ajudado a Inglaterra a passar aos quartos-de-final da competição, um vírus alimentar e a influência do calor acabariam por retirá-lo do jogo que acabou com a eliminação aos pés da Alemanha por 3-2. Já o Brasil sagrar-se-ia campeão do mundo. Para a memória, entrou aquela que para muitos, é a melhor defesa de sempre."
Um Guerre(i)ro vai ao Mundial
"Discordo frontalmente da ideia do “cumpre já e discute juridicamente depois”. Esperamos que venham tempos de mudança também para o plano nacional.
São conhecidas as aversões crónicas do associativismo desportivo à possibilidade de os agentes desportivos (como são os atletas) poderem submeter os seus litígios a um tribunal estadual. Também não é indiferente o receio de sanções por parte de federações desportivas, as quais servem de dissuasor da propositura de uma acção num tribunal estadual.
Efectivamente, deveu-se ao embaraço causado por um conjunto de litígios que desafiaram as fronteiras da regulação interna do desporto ao terem sido colocados perante tribunais estaduais que surge, em 1984, o Tribunal Arbitral do Sport (TAS), sediado na Suíça. Das decisões deste tribunal arbitral – a quem cabe, por exemplo, analisar as acções propostas contra entidades do associativismo desportivo – cabe um controlo muito limitado por parte do Tribunal Federal Suíço (TFS). Este facto tem sido muito criticado por diversas razões, mas verdade é que todo o contexto de clausura do associativismo desportivo se encontra em profunda erosão (v. sobre este ponto, Artur Flamínio da Silva, A Resolução de Conflitos Desportivos, 2017, pp. 530).
Por outro lado, já muito recentemente me pronunciei sobre o tema da necessidade de um efeito suspensivo – ainda que possam existir excepções – no Direito Administrativo do desporto português, demonstrando a sua grande importância prática, dando conta de uma decisão histórica no plano nacional.
No dia 31 de Maio de 2018, a questão que suscitei colocou-se, igualmente, no plano transnacional perante o TFS. O contexto é, de um modo simplista, o seguinte: (i) um atleta foi punido pela FIFA com uma determinada pena de suspensão da actividade profissional de seis meses; (ii) em recurso, o TAS aumenta a suspensão do atleta para 14 meses; (iii) o atleta propõe uma acção junto do TFS, de modo a obter, o que fez com sucesso, o efeito suspensivo da sanção disciplinar.
Sem dissertar sobre os fundamentos jurídicos da acção, cumpre-nos aqui deixar as razões que levaram o TFS a admitir a sua urgência, admitindo a existência de um efeito suspensivo, o que permite o jogador participar no Mundial de 2018 na Rússia. Nas palavras do TFS: “[n]a admissão de um efeito suspensivo (...) tiveram-se presentes as diversas desvantagens, nomeadamente, aquelas que o atleta de 34 anos sofreria, no caso de não poder participar numa competição que significa a coroação da sua carreira futebolística. Teve-se ainda em conta que o atleta não agiu de um modo negligente ou doloso, como se retira do comunicado de imprensa do TAS respeitante ao caso em apreço. Acresce, ainda, que do comportamento da FIFA e da AMA se pode retirar que não pretendem categoricamente que o autor da acção não participe no campeonato do Mundo de futebol. Finalmente e como foi evidenciado pela acção proposta pelo futebolista, está preenchido o critério de urgência, uma vez que a lista dos 23 jogadores que irão participar no Campeonato do Mundo de Futebol deve ser entregue até ao dia 4 de Junho à FIFA”.
Quem entende que os conflitos desportivos se resolvem somente no seio do associativismo desportivo perde, em grande medida, razão quando confrontado com a realidade, que mostra diametralmente o contrário. O dia 31 de Maio foi uma vitória. Não sobre a questão de saber se o atleta se dopou ou não, mas para perceber que a denominada ética desportiva não pode servir-se de um funcionalismo torpe que mais não é do que uma promoção do árbitro.
Com efeito, sem estar completamente resolvida a questão jurídica que envolve a punição de um atleta, não pode admitir-se que este possa vir a cumprir uma sanção disciplinar, podendo, mais tarde, vir a verificar-se que, afinal, a cumpriu ilegalmente. Discordo frontalmente da ideia do “cumpre já e discute juridicamente depois”. Esperamos que venham tempos de mudança também para o plano nacional.
O fim da linha
"Cerca de cinco centenas de adeptos assumiram a coragem de um protesto baseado na ideia segundo a qual deixou de haver condições para que a situação vigente se mantenha.
Em mais um capítulo do já longo folhetim protagonizado por um grupo de dirigentes do Sporting Clube de Portugal, com o seu presidente na vanguarda, ficou a sensação de que o percurso de Bruno de Carvalho está rapidamente a atingir o limite.
Quando, até aqui, permaneceu a ideia de que os seus opositores não ousavam dar a cara ao descontentamento que os invadia há muito tempo, eis que, junto às instalações de Alvalade, cerca de cinco centenas de adeptos assumiram a coragem de um protesto baseado na ideia segundo a qual deixou de haver condições para que a situação vigente se mantenha.
Poucos minutos antes, um dos seus, até há pouco, mais fervorosos apoiantes, o distinto médico, Dr. Eduardo Barroso, deixara no canal SIC um apelo lancinante para que o líder leonino, e seus pares, abandonem os cargos a que se têm mantido agarrados por razões que, segundo alguns, vão muito para além da defesa dos superiores interesses do Sporting.
O primeiro dia desta semana deixou assim bem à vista o fim de uma linha já muito ténue há demasiado tempo.
Fica agora por saber quais serão os próximos capítulos do tal folhetim.
O espaço de Bruno de Carvalho está agora reduzido à expressão mais simples.
Às rescisões de dois jogadores do plantel leonino, e do mais que provável abandono de Jorge Jesus, junta-se a ausência de preparativos, a todos os níveis, para a próxima temporada o que pressagia um futuro complicado se, entretanto, a situação na se alterar a curto prazo.
Cabe aos sportinguistas decidir o que pretendem para o seu clube.
Por isso, a hora é de acção e não de contemplação. E ontem foi dado o sinal mais claro nesse sentido nos tempos mais recentes."
O capitão voltou
"Com a chegada do Cristiano Ronaldo à selecção, o grupo dos 23 guerreiros que irão representar Portugal no mundial fica completo. A presença do Cristiano é importante, não só por ser o melhor do mundo e o nosso capitão de equipa, mas pela energia e espírito positivo que contagiará os demais colegas.
O futebol português não vive tempos auspiciosos. Esta tem sido uma das épocas mais conturbadas dos últimos anos. Além da situação no Sporting, as investigações criminais relacionadas com actos de corrupção, as suspeições sobre a conduta de jogadores e o dano causado à sua imagem, assim como os actos de violência a que temos assistido reiteradamente, em diferentes contextos, só podem levar-nos a lamentar o estado da arte.
Ainda sobre o tema da violência no desporto, não restam dúvidas do enormíssimo problema que o Estado e as organizações desportivas têm em mãos, para o presente e futuro. Que desporto teremos em Portugal se não conseguirmos dissuadir as condutas violentas que têm emergido, a permanente guerrilha e apologia do ódio?
Sem esquecer o muito que é preciso fazer para proteger este sector de actividade e evitar o descrédito de quem o acompanha e financia, o momento da época exige união e apoio à selecção nacional. Em França aprendemos que fado português é sofrer até ao fim, mas temos o engenho para chegar muito longe e superar qualquer desafio. Acima de tudo, desejo que a participação neste campeonato do mundo traga para Portugal o alento de que o país desportivo precisa.
Finalmente, Parabéns ao Miguel Oliveira pela brilhante e emotiva corrida que, certamente, provocou em todos nós o orgulho de ser português. Nem tudo é futebol, nem tudo é fado, seja qual for o desporto ou competição em que estejamos envolvidos, é um orgulho vencer Portugal."
Teilhard de Chardin: a ciência, a filosofia, a teologia...
"O Padre Teilhard de Chardin, que uma oligarquia da mediocridade conseguiu expulsar da vida universitária, na Europa (Teilhard de Chardin faleceu, no dia de Páscoa de 1955, em Nova Iorque) é um dos que, hoje, mais se destaca, entre os autores que me aproximam, com inesperada pujança crítica, do cristianismo. Nasceu, em 1 de Maio de 1881, em Puy-de-Dôme (França) e, aos 18 anos, já na Companhia de Jesus, decidiu especializar-se em Biologia e Paleontologia. Cumprido o serviço militar, durante a Primeira Grande Guerra, onde deu provas de extraordinária laboriosidade e coragem, defendeu a sua tese de doutoramento em Biologia, sendo nomeado, de imediato, professor de Biologia, no Instituto Católico de Paris. As suas aulas eram de tamanha erudição e de tão ampla visão prospetiva que alunos e meros ouvintes as ouviam com interesse, as discutiam com prazer e as analisavam com minúcia, o que irritou sobremaneira a esclerose dos integristas, o vácuo mental dos medíocres e a histeria dos invejosos. Enfim, foi tão barulhenta a chinfrineira que os seus “superiores”, alarmados com as notícias que o davam como um perigoso herético, o afastaram de Paris e o enviaram para a China. Doravante, passará a vida em expedições longínquas, intervaladas de rápidas visitas a Paris, que os seus “superiores” abreviavam sempre, com receio da difusão das suas ideias, que aliás já corriam, policopiadas, pelas mãos ávidas dos estudiosos, dos admiradores e dos antigos alunos. A Segunda Grande Guerra surpreendeu-o na China, onde ficou bloqueado até 1946, o ano em que os seus críticos começaram a “engolir” muitas das injúrias e dos despeitos, diante da monumentalidade dos aplausos que rodeavam Teilhard de Chardin, também distinguido, em 1947, com a promoção a Oficial da Legião de Honra. Mas, mesmo assim, os seus “superiores”, cega e teimosamente, obrigaram-no a recusar uma cátedra, no Colégio de França. E Teilhard de Chardin exilou-se nos USA…
“Hoje, Teilhard de Chardin é uma grande figura do pensamento mundial. Do domínio do reservado ele passou ao domínio público e, mesmo, do grande público; de interdito ele passou a ser aceite, se não pela totalidade, ao menos pela maioria; de expressão estranha, a sua linguagem, através de algumas das suas expressões chave (planetização, socialização, personalização, centração, convergência, etc.) a sua linguagem tende a converter-se na linguagem de uma época. Existiu até um fenómeno sócio-cultural Teilhard a que nem os sociólogos, nem os historiadores das ideias e das mentalidades colectivas podem subtrair-se” (Manuel Antunes, Grandes Contemporâneos, Editorial Verbo, Lisboa, 1973, p. 93). Após, durante a sua vida física, ter sido varrido pela inclemência, desabrida e dura, da inveja e da incompreensão, ninguém, nos nossos dias, deixa de reconhecer a inteligência e o esforço de Teilhard de Chardin a encontrar sentido no destino do ser humano, por tantos entendido como absurdo. O Padre Teilhard, nascido de família religiosa e ordenado, por vocação, sacerdote católico, considerava-se, como cristão, “Filho de Deus” e, por natureza, “Filho da Terra”. Mas, para ele, a evolução é uma subida constante para o espírito. Há, de facto, momentos de descontinuidade, mas que não são obstáculos à continuidade do movimento ascensional. Desde a Litosfera (ou esfera mineral), passando pela Biosfera (ou esfera da vida) até à Noosfera (ou a esfera do psiquismo humano); desde o infinitamente pequeno (ou o domínio do Quântico), passando pelo infinitamente grande (ou o domínio da Relatividade) até ao infinitamente complexo, toda a sua obra pretende explicar a relação Matéria-Homem-Deus, a partir dos ditames da “lei de complexidade-consciência”.
Esta lei assim pode resumir-se: quanto maior for a complexidade de um organismo, mais elevado será o grau de psiquismo que o anima e norteia, bem patente, no ser humano, no fenómeno da cefalização, ou cerebralização. Se não laboro em erro grave, Teilhard é um dos pioneiros (o primeiro deles?) a conceber uma génese do Homem e da Vida, através de dados científicos e da sua fé religiosa, no Filho de Deus, Jesus Cristo. Com efeito, a Noosfera, ao complexificar-se, supõe o espírito e anuncia Deus. Englobando, num só traço, em permanente cosmogénese, a matéria, a vida e o espírito, isto é, a quimiodiversidade, a biodiversidade e a humanidade, a evolução prossegue, porque se sabe irreversível, imortal, a caminho do Ponto Omega. No ímpeto matinal de todo o seu ser, o Homem tende irresistivelmente para o Ponto Omega, ou seja, para Deus. Com o advento da humanidade, o social toma o lugar do biológico e a sociodiversidade substitui a biodiversidade e a teoria de Teilhard finda com um ato de fé num Ser Transcendente, Deus. Portanto, neste paleontólogo, o ser humano é um ser natural, pode e deve ser objeto de análise científica mas, nele, a matéria destila espírito, ou seja, em cada grão de matéria germina uma energia espiritual que o conduz ao termo Omega. Mas, se a evolução, em Teilhard, termina com um ato de fé, não deixa, nesse momento, de ser científica? Convém notar que, para Teilhard, a fé no Ponto Omega não sofre de irracionalidade porque é simplesmente transracional, do domínio da intuição, ou seja, para lá da razão, sem a dispensar ou negar. A matéria é una na cosmodiversidade; a vida é una na biodiversidade; a humanidade é una na sociodiversidade. E, por fim, todos seremos um, no Ponto Omega, como Corpo Místico de Cristo. Uma “fenomenologia” onde cabem perfeitamente a Razão e a Fé…
Ocorre-me, neste passo, a reflexão de Galileo (1564-1642): “A filosofia está escrita nesse grande livro que se encontra constantemente aberto diante dos olhos (refiro-me ao Universo), mas ela não pode ser apreendida se, primeiro, não apreendermos a sua língua e se ignoramos até os caracteres em que se encontra escrita. Esta filosofia está escrita em língua matemática. Os seus caracteres são os triângulos, os círculos e outras figuras geométricas, sem os quais é humanamente impossível apreender uma só palavra e sem os quais apenas se erra de forma vã, num obscuro labirinto”. Esta citação evidencia que, para Galileo, só a matemática nos pode oferecer uma descrição exacta do real. Tanto ele, como afinal também Isaac Newton (1643-1727) não poderiam supor que um cientista, Ilya Prigogine, Prémio Nobel da Química, escrevesse, mais de três séculos depois: “O universo clássico, infinito pelas suas dimensões espaciais, não deixa de ser fechado, no sentido em que a evolução e a novidade estão dele excluídas e de que qualquer evolução deve idealmente ser reduzida ao modelo dos movimentos periódicos” (Entre o Tempo e a Eternidade, Gradiva, Lisboa, 1990, p. 206).
Antes de Ilya Prigogine, já Teilhard de Chardin tinha adiantado uma dialéctica da natureza, onde a vida é e não é matéria, porque é espírito, e é e não é espírito, porque é matéria. Figura poliédrica, não só pela diversidade de géneros que abrange, mas também pela variedade e natureza das implicações que envolve, Teilhard de Chardin tudo (desde a ciência à religião) nos oferece restaurado, redivivo, dizendo-nos que, com o surgimento da Noosfera, a evolução biológica cedeu o passo à evolução cultural, por outras palavras: tudo sobe para o espírito – que se organiza, em virtude da força da simpatia e do amor. Competição? Sim! Mas uma competição-diálogo, que não se compraz obstinadamente no ataque labrego e feroz que por aí se vê, no nosso futebol."
"Nos juniores, Vale e Azevedo prometeu-nos 300 contos de prémio caso fôssemos campeões. Fomos e não recebemos nada"
"Aos 37 anos, o médio que conquistou um título de juniores e de seniores pelo Benfica, assume que continua a aproveitar a reforma dos relvados e que o bichinho do futebol não voltou a atacar. Vai todos os dias ao ginásio, dorme a sesta, anda a descobrir o mundo dos vinhos e continua a preferir um noite de poker, em casa com os amigos, a saídas para discotecas. Das passagens pela Escócia e pelo Chipre, recorda sobretudo os adeptos, por razões distintas, e sobre assuntos "cor de rosa", recusa falar.
Fale-me das suas origens, onde cresceu, quem é a sua família…
Nasci em Lisboa, cresci no bairro Bairro do Grilo nos Fetais, Camarate. O meu pai trabalhava com móveis mas depois passou para o táxi e ainda hoje continua a ser motorista de táxi. A minha mãe sempre foi empregada de balcão. Tenho duas irmãs, sou o irmão do meio.
Quais as vantagens e desvantagens de ser o irmão do meio?
A minha irmã mais velha não vivia muito connosco, porque é filha de uma outra relação que o meu pai teve. Ele é mais velho 11 anos do que a minha mãe. Por isso estive mais tempo com a minha irmã mais nova, mas sempre tivemos uma boa relação.
Da escola, gostava?
Até ao 7º ano era um dos melhores da minha turma mas o futebol começou a ficar sério e dispersei um bocadinho.
Já havia alguém na família ligado ao futebol?
Não.
O futebol começa quase sempre na rua. E depois?
Sim, como cresci num bairro passava o dia todo a jogar futebol na rua. Com 7 anos já jogava com os mais velhos de 12, 13 anos e safava-me. Tudo começou no dia em que o meu pai como prenda de anos levou-me a treinar ao Benfica, em Novembro de 1989 se não me falha a memória.
Fazia quantos anos?
9.
Foi a prenda de anos que pediu ou foi iniciativa do seu pai?
Foi dele, se calhar viu que eu tinha qualidades e que gostava de jogar à bola. Desde pequenino que ia ao estádio ver a bola com o meu pai.
Quem eram os seus ídolos?
Nessa idade não me recordo, mas mais para a frente, em 1993/94 começou a ser o Rui Costa.
Qual é a primeira recordação que tem de um estádio de futebol?
É no Benfica, aquelas tardes de domingo. Lembro-me de ver jogar o Isaías... . Em 1990/91, ano em que o Benfica foi campeão, eu já estava no relvado, sou um dos que estava de mão dada com os jogadores, porque as Escolinhas entraram com eles. Lembro-me do Vítor Paneira também... Mas o meu ídolo era, e ainda é, o Rui Costa.
Vamos voltar ao dia em que o seu pai o levou à Luz.
Não me recordo muito bem. Lembro-me de ir primeiro à loja do Benfica para o meu pai comprar-me o equipamento que era obrigatório levar, mas do treino propriamente não me recordo.
Do que é que se lembra?
Lembro-me de treinar no Benfica com as aulas pagas pelo meu pai, lembro-me de treinar no pelado. Lembro-me do meu primeiro treinador que se chamava André, nunca mais o vi. Depois mais à frente, nos infantis já começo a lembrar mais coisas.
Fez a formação toda no Benfica.
Sim, até ser emprestado ao Gil Vicente. É a primeira vez que saio porque ia ter o Torneio de Toulon e o Agostinho Oliveira veio ter comigo e disse que era importante eu jogar na primeira liga.
Isso com quantos anos?
18 ou 19.
Desses 10 anos de formação quais as memórias mais fortes que tem?
Lembro-me que adorava ver o treino dos seniores, às vezes nem tinha treino mas ia para lá só para os ver. Com 12,13 anos já ia sozinho para o estádio, ia duas horas antes e muitas vezes ficava debaixo do placar electrónico a sonhar um dia poder estar lá em baixo. Lembro-me de dizerem que eu era bom jogador mas que era muito pequenino e com 14, 15 anos o Benfica decide emprestar-me. O treinador que lá estava na altura, já não me lembro quem era, gostava de jogadores mais altos. Eu tinha sido campeão nesse ano, nos iniciados, e fui emprestado ao Alverca. Passei uns tempos em que pensei “pronto, acaba aqui”. Mas não.
Jogou sempre como médio?
Não, comecei como avançado, depois passei para médio esquerdo e foi o mister Bastos Lopes que me meteu a médio centro.
É a posição em que se sente mais confortável?
É, porque gosto de ler o jogo, de ter bola e de organizar o jogo. Gostava (risos). Mas aí foi uma fase complicada, pensei que tinha acabado. Tinha que ir para a escola, o treino acabava às 11 da noite, no Alverca, e nessa altura vivia em Massamá, mas tive força suficiente e consegui dar a volta por cima.
Regressou ao Benfica.
Sim. Voltei a fazer treinos de captação porque quem era emprestado tinha que fazer jogos de captação. As coisas correram super bem, eu tinha qualidade, não tinha era altura. Mas por acaso ainda nesse ano dei um salto e fiquei. Fui campeão de juniores, já não o éramos há 11 anos. Na altura um dirigente do Benfica, veio ao balneário dizer que o Vale e Azevedo prometia um prémio de 300 contos caso fossemos campeões. Fomos campeões e não recebemos nada. (risos)
Quando assina o primeiro contrato?
Assinei um contrato com o Benfica, nos juvenis, ganhava 25 contos, mas era um contrato de formação. O primeiro contrato profissional assino aos 17 anos, nos juniores onde fico 3,4 anos. O contrato a seguir já foi com o José Mourinho. Ele foi ver-me jogar contra o Sporting B, as coisas correram-me bem e no treino a seguir disse-me “Vi o teu jogo e gostei muito do que vi” e depois deu indicações para me renovarem o contrato. E renovei por 5 anos. Nessa altura comecei a treinar com a equipa sénior e a jogar pela B.
É chamado pela primeira vez à equipa principal pelo Mourinho?
A primeira vez que fui chamado a treinar com os seniores ainda foi pelo Heynckes, mas convocado para um jogo foi pelo Mourinho, fiquei no banco, não cheguei a jogar porque o Miguel foi expulso e o Mourinho teve de meter um defesa. No final do jogo o Mourinho agarrou-se a mim “Tiveste azar”, mas pronto, valeu a intenção.
Lembra-se da sensação que teve quando foi chamado pela primeira vez para treinar com os seniores?
Lembro que foi para um treino à porta fechada porque o João Pinto tinha-se desentendido com um jogador do Estrela da Amadora, houve ali qualquer coisa. Foi o concretizar de um sonho. Sempre foi um sonho estar ao pé dos seniores. Eu delirava quando os via. Fui, fiquei caladinho, muito no meu canto.
Quem são os amigos que fez durante a formação?
No Benfica tinha um grande amigo que andava comigo na escola, era da mesma turma, o Arménio, só que ele nos juniores foi dispensado. Tenho mais dois, o Hélder Ramos e o Jorge Ribeiro, irmão do Maniche, que me acompanharam. Esses foram os mais importantes nessa altura.
Como se dá a ida para o Gil Vicente?
Entretanto o Mourinho sai, íamos ter selecção, Torneio de Toulon ou Europeu, já não me recordo e o Agostinho Oliveira ligou-me, disse que era importante que eu jogasse e que o mister Vítor Oliveira tinha perguntado por mim. Queria levar-me para o Gil Vicente e fui emprestado durante quatro meses.
Foi a primeira vez que saiu da casa dos pais.
E não foi fácil. Parece que fui para 300 mil quilómetros fora de Portugal (risos). Foi tudo muito rápido. Falei de manhã e à noite estava a viajar. Enchi o carro com as coisas mais importantes. Vou para cima, fico num hotel dois dias e depois encontrei uma casa num condomínio.
Como foi a experiência?
A primeira semana foi muito difícil. Ia comer fora. Mas depois a minha mãe foi lá passar um tempo.
Nessa altura já havia namoros?
Não, estava solteiro.
Foram só 4 meses. Gostou?
Infelizmente não correu muito bem porque lesionei-me no isquiotibial e não tive muitas oportunidades de jogar. Só no último mês é que comecei a jogar.
Com que opinião ficou do Vítor Oliveira?
Foi muito importante, foi com ele que me estreei na 1ª Liga, foi ele o meu “padrinho”. Mas já não recordo contra quem jogamos. É um treinador muito organizado, sabe o que faz e todos os jogadores percebem o que quer de cada um. Muita disciplina, mas para mim fundamental foi a organização que ele tinha, os métodos de trabalho, já naquela altura, estamos a falar de há quase 20 anos. E tem provas dadas, é o rei das subidas.
Entretanto vem para baixo outra vez.
Sim, entretanto volto e sou emprestado ao Alverca.
Ficou chateado por ser emprestado novamente?
Não, a selecção tinha corrido bem e sabia que ia ter equipas interessadas em mim. Também sabia que não ia ser titular no Benfica, optei por sair e jogar. Fiz duas boas épocas no Alverca. Na última o Benfica começa a observar-me mais e o Luís Filipe Vieira liga-me e diz para preparar-me que no ano seguinte iria regressar a casa.
Quando regressa de Barcelos para Lisboa, volta a casa dos pais?
Não, já tinha um apartamento em Massamá, perto dos meus pais. Antes de ir para Barcelos, já lá vivia, só que como era a 100 metros dos meus pais, ia lá comer, levava a roupa para lavar ( risos) era como se estivesse em casa, só que tinha o meu espaço.
Ainda o tem o seu primeiro apartamento?
Tenho, está alugado.
No Alverca onde esteve dois anos, quem é que apanhou como treinador?
O José Couceiro que foi muito importante para mim. Principalmente pela maneira como me motivava. Ele sabia que eu era emprestado do Benfica. Estava ali para valorizar-me, para ajudar a equipa, mas sabia que tinha que jogar bem para poder concretizar o sonho de regressar ao Benfica e ele foi fundamental para que isso acontecesse.
Em que aspecto?
Nas conversas que tínhamos, na maneira como ele me metia a jogar, da liberdade que me dava. Tudo isso foi importante. E depois voltei a renovar com o Benfica. Já tinha feito aquele contrato de dois anos com o Mourinho e depois renova mais três.
Nessa altura já tinha largado a escola?
Já. Penso que larguei aos 17 anos, quando vou com a selecção 15 dias para a África do Sul. As coisas começam a ficar sérias no futebol, comecei a perceber que não dava para conciliar. Desisti no 11º ano.
Regressa ao Benfica em 2004/05, e é logo campeão. Isso é que foi sorte.
Eu tenho essa estrelinha. Já nos juniores foi a mesma coisa.
Com quem disputava o lugar na equipa?
Petit e Manuel Fernandes. O Manuel Fernandes estava numa forma monstra, aliás, ele ainda hoje está, mas eu não fiquei resignado. Eu fazia o meu trabalho, tentava dar o meu melhor. Tínhamos um bom espírito de grupo.
Quando começa a sair à noite?
Por volta dos 19. Eu tinha na cabeça que tinha de ser jogador profissional, lembro-me de aos 17 anos sair com os meus colegas juniores do Benfica e eles beberem álcool e eu ficava a beber Coca-Cola. Eles ficavam “cegos” comigo (risos), só que eu era completamente focado. Não fazia por obrigação, era uma coisa minha. Era de bairro, mas beber álcool e sair à noite nunca me chamou muito à atenção. Conheço pessoas que começaram a sair aos 15, 16 anos, eu não, não ligava a isso. Preferia ir para casa ver futebol, estava muito focado naquilo que queria e felizmente, não sei se foi por causa desses sacrifícios, as coisas correram bem. Claro que com os anos, de vez em quando bebia um copo com os amigos, faz parte da vida. Mas tentei saber fazer as coisas. Por exemplo a seguir a um jogo gostava de ir jantar, beber o meu copo de vinho.
Começa a ser mais reconhecido e abordado na rua quando?
Em 2004/2005, a jogar nos seniores. Cada vez que ia a um restaurante ou shopping era muito abordado, para fotos ou autógrafos, porque jogar nos seniores do Benfica, acho que é a visão máxima que se pode ter em Portugal.
Qual é a sensação de ganhar o primeiro título sénior e ainda por cima pelo clube do coração?
É algo indescritível. Só quem lá está. Por tudo aquilo que vivi, porque comecei no Benfica com 9 anos, ia sozinho para o estádio, acompanhava o treino dos séniores, aquele sonho de criança, e passados uns anos estar ali a jogar, não há palavras, é a felicidade máxima mesmo.
Quando conquista o título já namorava?
Namorava com a minha ex mulher. Andamos juntos na mesma turma. Mas não quero falar disso.
A seguir as coisas não correm bem no Benfica.
Depois vem o Koeman e fiz uma fractura de stress no pé, só comecei a treinar em Outubro e em novembro aparece o Hearts, da Escócia, interessado em mim. Em Janeiro de 2006 saio para ir para o Hearts.
Tinha empresário?
Tinha, o Paulo Barbosa desde os 15 ou 16 anos.
Quando há o interesse do Hearts queria ir? Era já um objectivo sair do país?
Sim. Apesar de ter participado em 21 jogos, não fui titular absoluto na época em que fui campeão e quando entra o Koeman estava lesionado e apanhei o comboio tarde. Entretanto o Benfica quer trocar-me pelo Manduca, para o Marítimo. O meu empresário já me tinha dito que caso eu conseguisse sair livre do Benfica tinha aquele contrato à minha espera. Fiz para que pudesse sair em Janeiro de 2006 só que como o Benfica queria trocar-me e como o Paulo Barbosa não se dava muito bem com o Benfica na altura, o clube colocou uns entraves e tive que pagar uma parte ao Benfica para poder sair. Em Janeiro vou para a Escócia.
Foram três épocas e meia na Escócia. Foi sozinho ou levou a sua ex mulher Vanessa Rebelo?
Nas duas primeiras semanas vou sozinho e depois ela foi ter comigo. Quando cheguei não sabia falar inglês (risos). Tive a sorte de apanhar o Fyssas e o Jankauskas, que também estavam lá. À tarde, no estádio, porque havia muitos estrangeiros, tínhamos aulas de inglês e foi assim que comecei a falar.
Quando chegou já tinha casa à sua espera ou teve de ir à procura?
Quando cheguei houve uma situação caricata, porque quando o director desportivo me viu quis que eu treinasse primeiro. Na altura o Paulo Madeira era o braço direito do Paulo Barbosa e ainda estivemos lá quase duas semanas, porque eu não ia treinar, sem assinar. Estava livre e era o que estava acordado, mas passado uma semana chegamos a acordo e pude ir à procura de casa. Encontrei um apartamento no centro da cidade.
Gostou da Escócia?
Adorei. A única coisa menos boa é o clima, de resto é fantástico, adorei.
Qual a melhor recordação que tem de lá?
Os adeptos. O carinho que têm por nós. Era muito acarinhado e isso é o que mais recordo. Os estádios cheios, o ambiente. Se há sítio de onde tenho saudades de jogar futebol é ali. Gostava de voltar.
E a nível de futebol, muito diferente do português?
A mentalidade do Reino Unido é totalmente diferente. Em Portugal, Grécia, Chipre, Turquia há uma mentalidade muito fervorosa, em que liga-se muito ao que os jogadores ganham e há um pouco de inveja, e isso às vezes, torna-se não é em ódio, mas numa frustração das pessoas, parece-me. Por exemplo, o que aconteceu com o Sporting recentemente, faz-me parecer isso, é inveja de os jogadores ganharem muito dinheiro e de não ganharem em campo. Lá as pessoas vêem que somos profissionais, cada um fez o seu contrato e dá o seu melhor. Quando perdíamos eles assobiavam 10 segundos e passava. Saiamos do estádio e já nos estavam a dar palmadinhas nas costas “Vá para o próximo jogo é que é”. É isso que eu acho que deve ser o futebol. A não ser que se vá para a discoteca até às tantas, mas aí estamos a falar de situações diferentes.
O que é que fazia nos seus tempos livres?
Tinha televisão portuguesa o que era uma boa ajuda, mas estava com os amigos, tinha acabado de chegar o Pinilla e juntávamo-nos muito em casa, a jogar poker, playstation, ia passando assim o tempo. Íamos comer fora, visitar os castelos, é um país bonito. A comida não é nada de especial. Como tinham outro tipos de restaurantes ia muito ao italiano. Mas provei de tudo, aquele folhado com carne por dentro que eles comem nos intervalos dos jogos, etc., mas da comida não tenho muitas saudades, até porque em casa cozinhava comida portuguesa. Levava daqui bacalhau e outras coisas que não havia lá.
Qual foi a situação mais caricata que viveu na Escócia?
Um dia perdemos um jogo e o treinador que era o Valdas, da Lituânia, mandou-nos treinar às sete e meia da manhã. Estava a nevar, o relvado era pedra e ele mandou-nos correr à volta do campo tipo castigo. Recordo-me dessa. Às vezes quando perdíamos, a cena era “Vá, vão correr”.
Entretanto teve uma lesão feia.
Tenho uma lesão gravíssima lá. Isso é uma história engraçada. Em 2007 /2008 levei uma porrada de um colega num treino. Não sei se foi de propósito ou se foi sem querer...
De quem?
De um francês que lá estava. Pensava-se que era uma entorse. Estive um mês parado, tinha o pé todo negro e voltei a treinar mas sentia como se tivesse uma faca espetada. Fiz muitos exames, vim a Portugal, fui operado pelo Dr. António Martins, voltei, fiz a pré-época e continuava com as mesmas dores. Felizmente o Hearts tinha um fisioterapeuta novo e que conhecia um doutor em Londres que era especialista em tornozelos. Fiz uma biópsia e tinha um tumor no pé, mas era benigno e fui operado. Ele tirou-me osso aqui de cima, da zona da anca, preenche lá em baixo e no final da operação vira-se para mim e diz: “Olha, a operação correu muito bem, mas não te garantimos que possas continuar a jogar futebol”. E eu com 28 anos. Caiu-me tudo.
O que fez?
Disse “Seja o que Deus quiser. Vou treinar, pode ser que não seja nada. Vai tudo correr bem.” Pensei que se calhar ele também estava a dizer aquilo para o caso de correr mal ele tinha avisado. Voltei aos treinos e coincidência no primeiro jogo depois da lesão, faço um golo de livre directo num derbi equivalente ao Benfica-Sporting e empatamos 1-1, o que é histórico. Acabei por fazer nesse ano, o melhor ano da minha carreira, fiz 7 golos.
É por isso que surge o interesse do Omónia, do Chipre?
Não. Acabei o contrato e como o Hearts estava a passar dificuldades financeiras, eu com 28 anos queria fazer um contrato que fosse vantajoso para mim. Até gostava de ter lá ficado, só que os valores que ganhava na altura eles já não podiam pagar. Entretanto e porque tinha feito uma boa época, ainda recebi feedback do Celtic e do Rangers. O Rangers queria mesmo mas eu tinha que esperar que eles vendessem o Ferguson, que era o capitão, que foi para o Birmingham City. Só que ele só foi vendido em Agosto. Entretanto depois de falar com eles no final de maio, recebi uma proposta do Chipre.
Não hesitou?
Tive que jogar pelo seguro. Ainda recusei a primeira oferta do Omónia, e estamos a falar de bons valores, porque estava seguro da boa época que tinha feito na Escócia e que o Rangers me queria, mas o Omónia voltou à carga e pronto, tinha que decidir. Estávamos no início de Junho, assinei.
Essas decisões foram tomadas sozinho?
Não, quando se recebe uma proposta de um país diferente têm que se por várias coisas na balança. Eu pus na balança a questão financeira, não há aqui dúvidas.
Não tinha propostas de Portugal?
Tinha, mas os clubes que me abordaram não tinham hipótese de chegar àqueles valores.
Quais foram os clubes que o abordaram?
Lembro-me de ter ligado o presidente do Marítimo. Aliás já me tinha ligado antes de ter ido para a Escócia. Ainda falei com ele por telefone a agradecer o contacto, mas disse-lhe que não me passava pela cabeça ficar em Portugal. Penso que foi só o Marítimo porque nas entrevistas que dei na altura, dizia que queria continuar fora.
Quando vai para o Chipre a sua ex mulher já vai grávida.
Sim.
Vai consigo ou fica em Portugal?
Vai comigo.
Como foi o impacto no Chipre?
A primeira vez que lá fui, foi para assinar o contrato, cheguei às duas e meia da manhã e estavam 27 graus. Tinha vindo de um país que nem no verão havia essas temperatura. E se às vezes estavam 25 graus, havia pessoas que morriam (risos).
Gosta mais de calor do que de frio?
No Chipre também era demasiado. Por vezes tinha que dormir com o ar condicionado ligado. Ligava uma hora antes nos 16 graus, chegava ao quarto e estava frio, mas tapava-me com o edredão e dormia com os 16 graus. Só assim é que conseguia dormir, detesto dormir a transpirar e com calor. Mas era um país diferente, com praias. Percebi que ia conseguir conciliar o futebol com um tipo de vida que poderia ter em Portugal. O sol trás alegria, dá-nos outro espírito para encarar o dia a dia.
Esteve lá quatro anos e meio. Do que é que se recorda mais?
Que não foi fácil no início mas que depois consegui dar a volta por cima. Também conseguimos ser campeões logo no primeiro ano. O Omónia já não era campeão há 7 anos. E ainda ganhamos mais duas taças.
A passagem do futebol inglês para o que se joga no Chipre, foi complicado?
Foi difícil sobretudo nos primeiros jogos. Por causa do clima, da humidade. Custava-me a respirar ao início. Jogava com 0 graus na Escócia, chego ali a jogar com 35. Não foi fácil ao início. Depois acabei por habituar-me e já era natural.
Estavam lá outros portugueses?
No primeiro ano não, passados 2, 3 anos é que vai o Moreira, o Nuno Assis, o Margaça... . E tinha ido um colega grego que tinha jogado no Hearts e que estava na equipa comigo. Foi muito importante.
Ficou a viver onde?
Aluguei uma vivenda com piscina. Tinha estado três anos e meio na Escócia com aquele clima e quis disfrutar. Felizmente tinha condições para isso.
Foi pai lá do Rodrigo. Assistiu ao parto?
Assisti. Não vi directamente, estava ao lado dela, mas ver o beber a sair é uma sensação esquisita. Ser pai é único. É a melhor coisa do mundo.
Passou por alguma situação menos boa?
Passei lá uma situação má. Os resultados não estavam a aparecer e os adeptos foram ao treino. Entretanto nós estamos a correr à volta do campo e eles invadem o campo, com tochas, a pedir justificações. Comigo por acaso veio falar um cipriota que falava português, disse que nós tínhamos de correr mais. Foi uma situação um bocado...
Sentiu medo?
Senti. Tinham tochas e eram mais de 100.
Qualquer um pode assistir ao treino?
Não. Eles pediam autorização para ir dar apoio à equipa só que entretanto as coisas descambaram e eles intimidaram-nos, tínhamos que ganhar, tínhamos que correr.
Foram violentos?
Não. Acho que houve só um miúdo que levou um estalo, um cipriota, mas não foi mais do que isso. Mas fiquei um pouco traumatizado, não gosto disso.
Veio embora por causa disso?
Não, isso foi no 2º ano. Nesses 4 anos passei por muita coisa. Esse clube, quando não se ganha, é um bocado instável, há sempre problemas, reuniões e chegou uma altura que já estava cansado, já tinha quase com 34 anos e o meu filho e a minha família estava toda cá.
Estavam cá?
Sim eu separei-me em 2012 e a minha ex mulher vem para cá com o Rodrigo. Ainda aguentei dois anos só que o clube estava a passar por problemas, eu já estava saturado de lá estar e decidi vir embora. Não tinha clube e só depois é que surge o Oriental porque o Paulo Sérgio, que eu conhecia, é lá treinador dos guarda redes e surgiu a oportunidade. Como estava perto de Lisboa e do meu filho, fui para o Oriental.
O facto de ter saído do Benfica e de ter regressado para o Oriental, não lhe fez confusão?
Não porque quando rescindi com o Omónia estava consciente daquilo que poderia acontecer. Até podia ter terminado a minha carreira ali, ia fazer 34. Sabia que isso poderia acontecer, por isso tudo o que pudesse encontrar seria melhor do que não ter nada. Foi com todo o gosto que joguei no Oriental. Estava em Lisboa, estava ao pé da minha família, estava em Portugal, estava ao pé do meu filho e fazia o que gostava e as pessoas também me receberam muito bem lá, por isso não me custou nada.
Quando voltou veio viver para onde?
Para esta minha casa do Estoril. Já a tinha comprado há uns anos.
Voltou a ser pai.
Sim, entretanto conheci a Lúcia, através de amigos, em 2015 e há um ano nasceu a nossa filha, a Maria Clara. A Lúcia também já tinha uma filha de um casamento anterior.
Duas épocas no Oriental, 2014/15 e 2015/16. Como é que foi terminar a carreira? Foi uma decisão difícil?
Eu sempre fui um bocado massacrado por problemas físicos. O problema no isquiotibial acho que é genético porque quase todos os anos obrigava-me a fazer uma paragem. Inflamava quando os terrenos estavam mais pesados, felizmente consegui ser jogador, mas tive esse problema. O campo do Oriental também não era um campo fácil e depois não queria acabar a arrastar-me e as pessoas a dizer “Este já está fora da idade”. Acho que acabei bem porque ainda fiz muito jogos na última época. Achei que já chegava.
Nessa altura já sabia o que é que queria fazer da sua vida?
Não. E não estou a fazer nada relacionado com o futebol, estou mais ligado ao sector imobiliário. Fiz investimentos e gosto do sector imobiliário. Para já não me vejo ligado ao futebol mas vamos ver. Se o bichinho começar a mexer...
Não se vê como treinador?
Por enquanto não.
Qual foi a maior loucura que fez com dinheiro?
Foi um relógio. E eu que sempre pensei que mesmo que ganhasse muito dinheiro nunca ia gastar tanto num relógio, mas pronto.
Qual o melhor carro que teve?
Um Range Rover e para mim é o melhor carro. Gosto, mas não sou maluco por carros.
Quais são os seus hóbis?
Gosto de jogar poker de cartas com os amigos.
A dinheiro?
Às vezes, só para “adoçar” porque senão não tem piada nenhuma (risos). Adoro ir ao ginásio, vou todos os dias. E adoro estar com o meu grupo de amigos, agora gostamos muito de fazer provas de vinhos. Estou a começar a fazer uma garrafeira. Tenho pouco mais de 100 garrafas. Ando virado para o Dão. Sou muito influenciado pelo meu melhor amigo, Ricardo Soares, costumo ir às provas com ele.
Como é hoje o seu dia-a-dia?
Muito tranquilo. Levo a Matilde, a filha da minha mulher, à escola todos os dias, vou para o ginásio, almoço, depois normalmente durmo a sesta. Entretanto há coisas que aparecem para fazer, depois vou buscar a Matilde à escola ou levo o Rodrigo aos treinos, o meu filho está a jogar no Estoril. E é assim.
Tem ou teve alguma alcunha?
Quando era puto, tinha uns 6 anos, chamavam-me Pepito lá no bairro. Nem sei porque que é que surgiu. Se calhar era por ser rápido.
Qual foi o treinador que mais o marcou?
Tive vários, mas o Chalana nos juniores marcou-me pela pessoa que era. Depois do Eusébio ele era a imagem do Benfica. E a postura dele, ensinou-me certas coisas. Uma delas é sermos humildes, porque no futebol tão depressa estamos lá em cima como no dia seguinte estamos em baixo. Ele era uma pessoa muito humilde, criou um espírito de grupo fantástico e conseguimos ser campeões. Depois o Mourinho, foi pouco tempo mas acabou por marcar pela maneira como falou comigo, como me abordou, como incentivava e treinava. O Couceiro marcou-me imenso numa fase onde às vezes tudo se perde, ele foi muito importante para que eu conseguisse o equilíbrio e não me deixar levar. E motivou-me para conseguir voltar um dia ao Benfica. E o Trapattoni, que apesar de não ter sido titular absoluto com ele, conversávamos muito e ele gostava muito de mim. Foi uma pena ele ter saído da maneira como saiu porque se calhar as coisas tinham corrido de outra maneira no Benfica para mim.
Há alguma coisa que lhe tenham dito que o tenha marcado e que ainda hoje se lembre?
Não foi ninguém que me disse, mas o facto de ser pequenino aos 15 anos, de toda a gente dizer que jogava bem com os dois pés, mas que era baixinho, senti que era uma injustiça. Estar a sair do Benfica por não ter altura marcou-me um bocadinho e deu-me uma certa força, e uma raiva para poder dar a volta e dizer “Não, o futebol joga-se com os pés, não com a altura”. Acabei por estar certo e consegui fazer carreira.
Resuma o seu percurso na selecção.
Fiz as camadas jovens, desde os sub-16 até ao Europeu de sub 21, ganhamos o Torneio de Toulon, fiz a qualificação nos Sub 21 para os Jogos Olímpicos de 2004, onde já não íamos há muitos anos. Eu acabei por não ir porque o Benfica tinha jogo da pré-eliminatória da Liga dos Campeões e não me libertou. E depois ainda fui chamado à selecção B, mas nunca fui chamado à selecção A.
Essa é a maior frustração que tem no futebol?
Não porque eu sabia que para chegar a esse patamar tinha que ser titular absoluto do Benfica. E quando não és, isso nem passa pela cabeça. É óbvio que quando estava nos sub 21 pensei que esse dia podia chegar, mas com o passar do tempo, o não ter sido titular indiscutível do Benfica percebi que não ia ser fácil. Não foi portanto uma coisa em que eu pensasse.
Qual foi a maior asneira que fez enquanto jogador e que hoje tenha a noção de que pisou um pouco o risco?
Foi um vez no Alverca em que fui directo para o treino. Não havia jogo essa semana, tinha havido um aniversário, a noite prolongou-se e fui direto para o treino. Foi a única vez e jurei para nunca mais, porque a seguir ao treino ao vir para casa ia adormecendo.
A amizade com Simão Sabrosa surge quando?
Em 2004/05. Mas eu não vou falar mais sobre esse assunto. Não vale a pena perguntar.
Não quer falar sobre o Simão Sabrosa e o facto dele ter casado com a sua ex-mulher?
Não. É assunto completamente encerrado.
Ficou uma grande mágoa?
Não. É o que é. É a vida.
Não se falam?
Não, é um assunto encerrado. O único assunto é o meu filho ser feliz. O resto é um assunto encerrado, cada um seguiu a sua vida.
Quanto à selecção neste Mundial da Rússia que está à porta. Vai ser mais complicado do que o Europeu?
Sim, porque as pessoas estão com outra perspectiva. Depois de sermos campeões europeus há uma outra exigência, mas é um erro, porque toda a gente sabe que Mundial é Mundial. Acho que a selecção deve ir naquela de passar o grupo e depois é ver o que dá. O principal objectivo é passar o grupo, depois no mata, mata temos 50% de hipóteses e tudo pode acontecer. Agora, dizer que temos hipótese de ser campeões do mundo acho que é muito pesado.
Aquilo que se está a viver no Sporting surpreendeu-o?
Vou ser sincero, com o clima que se está a viver no futebol pensei que pudesse acontecer qualquer coisa, mas nunca que pudesse acontecer nada tão grave. Também tive adeptos descontentes comigo, até no Benfica, aliás, quando perdemos 3-0 com o Anderlecht foram ao aeroporto esperar-nos e ainda levei com um bocado de cerveja na cara. O sermos criticados faz parte, mas não pode acontecer o que aconteceu em Alcochete, é inacreditável, nem num país de terceiro mundo, foi mau de mais, e não é o meu clube, mas senti como se fosse o meu clube.
Foi ouvido no processo da Operação Jogo Duplo...
...Fui ouvido porque fazia parte da equipa do Oriental. Só isso.
Nunca foi aliciado?
Não. Nem no Chipre, onde eles são malucos por apostas.
Não se admira que haja corrupção no futebol?
Não sei. Se formos a ver há em todo o lado na sociedade, é triste. Mas há mais meios, há mais pessoas a tratar desses casos e espero que termine de vez.
Qual a sua maior ambição?
Ser feliz, viver um dia de cada vez, estar com os meus filhos, com a minha família, os meus amigos. Estou bem. Enquanto estiver bem vou estar assim. Se para o ano tiver saudades de estar no futebol, tiro o curso de treinador e hei-de ter a minha oportunidade porque felizmente tive grandes treinadores, grande experiência e nunca se sabe o dia de amanhã. Mas se me perguntarem hoje se é isso que quero, não."
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