"Aos 37 anos, o médio que conquistou um título de juniores e de seniores pelo Benfica, assume que continua a aproveitar a reforma dos relvados e que o bichinho do futebol não voltou a atacar. Vai todos os dias ao ginásio, dorme a sesta, anda a descobrir o mundo dos vinhos e continua a preferir um noite de poker, em casa com os amigos, a saídas para discotecas. Das passagens pela Escócia e pelo Chipre, recorda sobretudo os adeptos, por razões distintas, e sobre assuntos "cor de rosa", recusa falar.
Fale-me das suas origens, onde cresceu, quem é a sua família…
Nasci em Lisboa, cresci no bairro Bairro do Grilo nos Fetais, Camarate. O meu pai trabalhava com móveis mas depois passou para o táxi e ainda hoje continua a ser motorista de táxi. A minha mãe sempre foi empregada de balcão. Tenho duas irmãs, sou o irmão do meio.
Quais as vantagens e desvantagens de ser o irmão do meio?
A minha irmã mais velha não vivia muito connosco, porque é filha de uma outra relação que o meu pai teve. Ele é mais velho 11 anos do que a minha mãe. Por isso estive mais tempo com a minha irmã mais nova, mas sempre tivemos uma boa relação.
Da escola, gostava?
Até ao 7º ano era um dos melhores da minha turma mas o futebol começou a ficar sério e dispersei um bocadinho.
Já havia alguém na família ligado ao futebol?
Não.
O futebol começa quase sempre na rua. E depois?
Sim, como cresci num bairro passava o dia todo a jogar futebol na rua. Com 7 anos já jogava com os mais velhos de 12, 13 anos e safava-me. Tudo começou no dia em que o meu pai como prenda de anos levou-me a treinar ao Benfica, em Novembro de 1989 se não me falha a memória.
Fazia quantos anos?
9.
Foi a prenda de anos que pediu ou foi iniciativa do seu pai?
Foi dele, se calhar viu que eu tinha qualidades e que gostava de jogar à bola. Desde pequenino que ia ao estádio ver a bola com o meu pai.
Quem eram os seus ídolos?
Nessa idade não me recordo, mas mais para a frente, em 1993/94 começou a ser o Rui Costa.
Qual é a primeira recordação que tem de um estádio de futebol?
É no Benfica, aquelas tardes de domingo. Lembro-me de ver jogar o Isaías... . Em 1990/91, ano em que o Benfica foi campeão, eu já estava no relvado, sou um dos que estava de mão dada com os jogadores, porque as Escolinhas entraram com eles. Lembro-me do Vítor Paneira também... Mas o meu ídolo era, e ainda é, o Rui Costa.
Vamos voltar ao dia em que o seu pai o levou à Luz.
Não me recordo muito bem. Lembro-me de ir primeiro à loja do Benfica para o meu pai comprar-me o equipamento que era obrigatório levar, mas do treino propriamente não me recordo.
Do que é que se lembra?
Lembro-me de treinar no Benfica com as aulas pagas pelo meu pai, lembro-me de treinar no pelado. Lembro-me do meu primeiro treinador que se chamava André, nunca mais o vi. Depois mais à frente, nos infantis já começo a lembrar mais coisas.
Fez a formação toda no Benfica.
Sim, até ser emprestado ao Gil Vicente. É a primeira vez que saio porque ia ter o Torneio de Toulon e o Agostinho Oliveira veio ter comigo e disse que era importante eu jogar na primeira liga.
Isso com quantos anos?
18 ou 19.
Desses 10 anos de formação quais as memórias mais fortes que tem?
Lembro-me que adorava ver o treino dos seniores, às vezes nem tinha treino mas ia para lá só para os ver. Com 12,13 anos já ia sozinho para o estádio, ia duas horas antes e muitas vezes ficava debaixo do placar electrónico a sonhar um dia poder estar lá em baixo. Lembro-me de dizerem que eu era bom jogador mas que era muito pequenino e com 14, 15 anos o Benfica decide emprestar-me. O treinador que lá estava na altura, já não me lembro quem era, gostava de jogadores mais altos. Eu tinha sido campeão nesse ano, nos iniciados, e fui emprestado ao Alverca. Passei uns tempos em que pensei “pronto, acaba aqui”. Mas não.
Jogou sempre como médio?
Não, comecei como avançado, depois passei para médio esquerdo e foi o mister Bastos Lopes que me meteu a médio centro.
É a posição em que se sente mais confortável?
É, porque gosto de ler o jogo, de ter bola e de organizar o jogo. Gostava (risos). Mas aí foi uma fase complicada, pensei que tinha acabado. Tinha que ir para a escola, o treino acabava às 11 da noite, no Alverca, e nessa altura vivia em Massamá, mas tive força suficiente e consegui dar a volta por cima.
Regressou ao Benfica.
Sim. Voltei a fazer treinos de captação porque quem era emprestado tinha que fazer jogos de captação. As coisas correram super bem, eu tinha qualidade, não tinha era altura. Mas por acaso ainda nesse ano dei um salto e fiquei. Fui campeão de juniores, já não o éramos há 11 anos. Na altura um dirigente do Benfica, veio ao balneário dizer que o Vale e Azevedo prometia um prémio de 300 contos caso fossemos campeões. Fomos campeões e não recebemos nada. (risos)
Quando assina o primeiro contrato?
Assinei um contrato com o Benfica, nos juvenis, ganhava 25 contos, mas era um contrato de formação. O primeiro contrato profissional assino aos 17 anos, nos juniores onde fico 3,4 anos. O contrato a seguir já foi com o José Mourinho. Ele foi ver-me jogar contra o Sporting B, as coisas correram-me bem e no treino a seguir disse-me “Vi o teu jogo e gostei muito do que vi” e depois deu indicações para me renovarem o contrato. E renovei por 5 anos. Nessa altura comecei a treinar com a equipa sénior e a jogar pela B.
É chamado pela primeira vez à equipa principal pelo Mourinho?
A primeira vez que fui chamado a treinar com os seniores ainda foi pelo Heynckes, mas convocado para um jogo foi pelo Mourinho, fiquei no banco, não cheguei a jogar porque o Miguel foi expulso e o Mourinho teve de meter um defesa. No final do jogo o Mourinho agarrou-se a mim “Tiveste azar”, mas pronto, valeu a intenção.
Lembra-se da sensação que teve quando foi chamado pela primeira vez para treinar com os seniores?
Lembro que foi para um treino à porta fechada porque o João Pinto tinha-se desentendido com um jogador do Estrela da Amadora, houve ali qualquer coisa. Foi o concretizar de um sonho. Sempre foi um sonho estar ao pé dos seniores. Eu delirava quando os via. Fui, fiquei caladinho, muito no meu canto.
Quem são os amigos que fez durante a formação?
No Benfica tinha um grande amigo que andava comigo na escola, era da mesma turma, o Arménio, só que ele nos juniores foi dispensado. Tenho mais dois, o Hélder Ramos e o Jorge Ribeiro, irmão do Maniche, que me acompanharam. Esses foram os mais importantes nessa altura.
Como se dá a ida para o Gil Vicente?
Entretanto o Mourinho sai, íamos ter selecção, Torneio de Toulon ou Europeu, já não me recordo e o Agostinho Oliveira ligou-me, disse que era importante que eu jogasse e que o mister Vítor Oliveira tinha perguntado por mim. Queria levar-me para o Gil Vicente e fui emprestado durante quatro meses.
Foi a primeira vez que saiu da casa dos pais.
E não foi fácil. Parece que fui para 300 mil quilómetros fora de Portugal (risos). Foi tudo muito rápido. Falei de manhã e à noite estava a viajar. Enchi o carro com as coisas mais importantes. Vou para cima, fico num hotel dois dias e depois encontrei uma casa num condomínio.
Como foi a experiência?
A primeira semana foi muito difícil. Ia comer fora. Mas depois a minha mãe foi lá passar um tempo.
Nessa altura já havia namoros?
Não, estava solteiro.
Foram só 4 meses. Gostou?
Infelizmente não correu muito bem porque lesionei-me no isquiotibial e não tive muitas oportunidades de jogar. Só no último mês é que comecei a jogar.
Com que opinião ficou do Vítor Oliveira?
Foi muito importante, foi com ele que me estreei na 1ª Liga, foi ele o meu “padrinho”. Mas já não recordo contra quem jogamos. É um treinador muito organizado, sabe o que faz e todos os jogadores percebem o que quer de cada um. Muita disciplina, mas para mim fundamental foi a organização que ele tinha, os métodos de trabalho, já naquela altura, estamos a falar de há quase 20 anos. E tem provas dadas, é o rei das subidas.
Entretanto vem para baixo outra vez.
Sim, entretanto volto e sou emprestado ao Alverca.
Ficou chateado por ser emprestado novamente?
Não, a selecção tinha corrido bem e sabia que ia ter equipas interessadas em mim. Também sabia que não ia ser titular no Benfica, optei por sair e jogar. Fiz duas boas épocas no Alverca. Na última o Benfica começa a observar-me mais e o Luís Filipe Vieira liga-me e diz para preparar-me que no ano seguinte iria regressar a casa.
Quando regressa de Barcelos para Lisboa, volta a casa dos pais?
Não, já tinha um apartamento em Massamá, perto dos meus pais. Antes de ir para Barcelos, já lá vivia, só que como era a 100 metros dos meus pais, ia lá comer, levava a roupa para lavar ( risos) era como se estivesse em casa, só que tinha o meu espaço.
Ainda o tem o seu primeiro apartamento?
Tenho, está alugado.
No Alverca onde esteve dois anos, quem é que apanhou como treinador?
O José Couceiro que foi muito importante para mim. Principalmente pela maneira como me motivava. Ele sabia que eu era emprestado do Benfica. Estava ali para valorizar-me, para ajudar a equipa, mas sabia que tinha que jogar bem para poder concretizar o sonho de regressar ao Benfica e ele foi fundamental para que isso acontecesse.
Em que aspecto?
Nas conversas que tínhamos, na maneira como ele me metia a jogar, da liberdade que me dava. Tudo isso foi importante. E depois voltei a renovar com o Benfica. Já tinha feito aquele contrato de dois anos com o Mourinho e depois renova mais três.
Nessa altura já tinha largado a escola?
Já. Penso que larguei aos 17 anos, quando vou com a selecção 15 dias para a África do Sul. As coisas começam a ficar sérias no futebol, comecei a perceber que não dava para conciliar. Desisti no 11º ano.
Regressa ao Benfica em 2004/05, e é logo campeão. Isso é que foi sorte.
Eu tenho essa estrelinha. Já nos juniores foi a mesma coisa.
Com quem disputava o lugar na equipa?
Petit e Manuel Fernandes. O Manuel Fernandes estava numa forma monstra, aliás, ele ainda hoje está, mas eu não fiquei resignado. Eu fazia o meu trabalho, tentava dar o meu melhor. Tínhamos um bom espírito de grupo.
Quando começa a sair à noite?
Por volta dos 19. Eu tinha na cabeça que tinha de ser jogador profissional, lembro-me de aos 17 anos sair com os meus colegas juniores do Benfica e eles beberem álcool e eu ficava a beber Coca-Cola. Eles ficavam “cegos” comigo (risos), só que eu era completamente focado. Não fazia por obrigação, era uma coisa minha. Era de bairro, mas beber álcool e sair à noite nunca me chamou muito à atenção. Conheço pessoas que começaram a sair aos 15, 16 anos, eu não, não ligava a isso. Preferia ir para casa ver futebol, estava muito focado naquilo que queria e felizmente, não sei se foi por causa desses sacrifícios, as coisas correram bem. Claro que com os anos, de vez em quando bebia um copo com os amigos, faz parte da vida. Mas tentei saber fazer as coisas. Por exemplo a seguir a um jogo gostava de ir jantar, beber o meu copo de vinho.
Começa a ser mais reconhecido e abordado na rua quando?
Em 2004/2005, a jogar nos seniores. Cada vez que ia a um restaurante ou shopping era muito abordado, para fotos ou autógrafos, porque jogar nos seniores do Benfica, acho que é a visão máxima que se pode ter em Portugal.
Qual é a sensação de ganhar o primeiro título sénior e ainda por cima pelo clube do coração?
É algo indescritível. Só quem lá está. Por tudo aquilo que vivi, porque comecei no Benfica com 9 anos, ia sozinho para o estádio, acompanhava o treino dos séniores, aquele sonho de criança, e passados uns anos estar ali a jogar, não há palavras, é a felicidade máxima mesmo.
Quando conquista o título já namorava?
Namorava com a minha ex mulher. Andamos juntos na mesma turma. Mas não quero falar disso.
A seguir as coisas não correm bem no Benfica.
Depois vem o Koeman e fiz uma fractura de stress no pé, só comecei a treinar em Outubro e em novembro aparece o Hearts, da Escócia, interessado em mim. Em Janeiro de 2006 saio para ir para o Hearts.
Tinha empresário?
Tinha, o Paulo Barbosa desde os 15 ou 16 anos.
Quando há o interesse do Hearts queria ir? Era já um objectivo sair do país?
Sim. Apesar de ter participado em 21 jogos, não fui titular absoluto na época em que fui campeão e quando entra o Koeman estava lesionado e apanhei o comboio tarde. Entretanto o Benfica quer trocar-me pelo Manduca, para o Marítimo. O meu empresário já me tinha dito que caso eu conseguisse sair livre do Benfica tinha aquele contrato à minha espera. Fiz para que pudesse sair em Janeiro de 2006 só que como o Benfica queria trocar-me e como o Paulo Barbosa não se dava muito bem com o Benfica na altura, o clube colocou uns entraves e tive que pagar uma parte ao Benfica para poder sair. Em Janeiro vou para a Escócia.
Foram três épocas e meia na Escócia. Foi sozinho ou levou a sua ex mulher Vanessa Rebelo?
Nas duas primeiras semanas vou sozinho e depois ela foi ter comigo. Quando cheguei não sabia falar inglês (risos). Tive a sorte de apanhar o Fyssas e o Jankauskas, que também estavam lá. À tarde, no estádio, porque havia muitos estrangeiros, tínhamos aulas de inglês e foi assim que comecei a falar.
Quando chegou já tinha casa à sua espera ou teve de ir à procura?
Quando cheguei houve uma situação caricata, porque quando o director desportivo me viu quis que eu treinasse primeiro. Na altura o Paulo Madeira era o braço direito do Paulo Barbosa e ainda estivemos lá quase duas semanas, porque eu não ia treinar, sem assinar. Estava livre e era o que estava acordado, mas passado uma semana chegamos a acordo e pude ir à procura de casa. Encontrei um apartamento no centro da cidade.
Gostou da Escócia?
Adorei. A única coisa menos boa é o clima, de resto é fantástico, adorei.
Qual a melhor recordação que tem de lá?
Os adeptos. O carinho que têm por nós. Era muito acarinhado e isso é o que mais recordo. Os estádios cheios, o ambiente. Se há sítio de onde tenho saudades de jogar futebol é ali. Gostava de voltar.
E a nível de futebol, muito diferente do português?
A mentalidade do Reino Unido é totalmente diferente. Em Portugal, Grécia, Chipre, Turquia há uma mentalidade muito fervorosa, em que liga-se muito ao que os jogadores ganham e há um pouco de inveja, e isso às vezes, torna-se não é em ódio, mas numa frustração das pessoas, parece-me. Por exemplo, o que aconteceu com o Sporting recentemente, faz-me parecer isso, é inveja de os jogadores ganharem muito dinheiro e de não ganharem em campo. Lá as pessoas vêem que somos profissionais, cada um fez o seu contrato e dá o seu melhor. Quando perdíamos eles assobiavam 10 segundos e passava. Saiamos do estádio e já nos estavam a dar palmadinhas nas costas “Vá para o próximo jogo é que é”. É isso que eu acho que deve ser o futebol. A não ser que se vá para a discoteca até às tantas, mas aí estamos a falar de situações diferentes.
O que é que fazia nos seus tempos livres?
Tinha televisão portuguesa o que era uma boa ajuda, mas estava com os amigos, tinha acabado de chegar o Pinilla e juntávamo-nos muito em casa, a jogar poker, playstation, ia passando assim o tempo. Íamos comer fora, visitar os castelos, é um país bonito. A comida não é nada de especial. Como tinham outro tipos de restaurantes ia muito ao italiano. Mas provei de tudo, aquele folhado com carne por dentro que eles comem nos intervalos dos jogos, etc., mas da comida não tenho muitas saudades, até porque em casa cozinhava comida portuguesa. Levava daqui bacalhau e outras coisas que não havia lá.
Qual foi a situação mais caricata que viveu na Escócia?
Um dia perdemos um jogo e o treinador que era o Valdas, da Lituânia, mandou-nos treinar às sete e meia da manhã. Estava a nevar, o relvado era pedra e ele mandou-nos correr à volta do campo tipo castigo. Recordo-me dessa. Às vezes quando perdíamos, a cena era “Vá, vão correr”.
Entretanto teve uma lesão feia.
Tenho uma lesão gravíssima lá. Isso é uma história engraçada. Em 2007 /2008 levei uma porrada de um colega num treino. Não sei se foi de propósito ou se foi sem querer...
De quem?
De um francês que lá estava. Pensava-se que era uma entorse. Estive um mês parado, tinha o pé todo negro e voltei a treinar mas sentia como se tivesse uma faca espetada. Fiz muitos exames, vim a Portugal, fui operado pelo Dr. António Martins, voltei, fiz a pré-época e continuava com as mesmas dores. Felizmente o Hearts tinha um fisioterapeuta novo e que conhecia um doutor em Londres que era especialista em tornozelos. Fiz uma biópsia e tinha um tumor no pé, mas era benigno e fui operado. Ele tirou-me osso aqui de cima, da zona da anca, preenche lá em baixo e no final da operação vira-se para mim e diz: “Olha, a operação correu muito bem, mas não te garantimos que possas continuar a jogar futebol”. E eu com 28 anos. Caiu-me tudo.
O que fez?
Disse “Seja o que Deus quiser. Vou treinar, pode ser que não seja nada. Vai tudo correr bem.” Pensei que se calhar ele também estava a dizer aquilo para o caso de correr mal ele tinha avisado. Voltei aos treinos e coincidência no primeiro jogo depois da lesão, faço um golo de livre directo num derbi equivalente ao Benfica-Sporting e empatamos 1-1, o que é histórico. Acabei por fazer nesse ano, o melhor ano da minha carreira, fiz 7 golos.
É por isso que surge o interesse do Omónia, do Chipre?
Não. Acabei o contrato e como o Hearts estava a passar dificuldades financeiras, eu com 28 anos queria fazer um contrato que fosse vantajoso para mim. Até gostava de ter lá ficado, só que os valores que ganhava na altura eles já não podiam pagar. Entretanto e porque tinha feito uma boa época, ainda recebi feedback do Celtic e do Rangers. O Rangers queria mesmo mas eu tinha que esperar que eles vendessem o Ferguson, que era o capitão, que foi para o Birmingham City. Só que ele só foi vendido em Agosto. Entretanto depois de falar com eles no final de maio, recebi uma proposta do Chipre.
Não hesitou?
Tive que jogar pelo seguro. Ainda recusei a primeira oferta do Omónia, e estamos a falar de bons valores, porque estava seguro da boa época que tinha feito na Escócia e que o Rangers me queria, mas o Omónia voltou à carga e pronto, tinha que decidir. Estávamos no início de Junho, assinei.
Essas decisões foram tomadas sozinho?
Não, quando se recebe uma proposta de um país diferente têm que se por várias coisas na balança. Eu pus na balança a questão financeira, não há aqui dúvidas.
Não tinha propostas de Portugal?
Tinha, mas os clubes que me abordaram não tinham hipótese de chegar àqueles valores.
Quais foram os clubes que o abordaram?
Lembro-me de ter ligado o presidente do Marítimo. Aliás já me tinha ligado antes de ter ido para a Escócia. Ainda falei com ele por telefone a agradecer o contacto, mas disse-lhe que não me passava pela cabeça ficar em Portugal. Penso que foi só o Marítimo porque nas entrevistas que dei na altura, dizia que queria continuar fora.
Quando vai para o Chipre a sua ex mulher já vai grávida.
Sim.
Vai consigo ou fica em Portugal?
Vai comigo.
Como foi o impacto no Chipre?
A primeira vez que lá fui, foi para assinar o contrato, cheguei às duas e meia da manhã e estavam 27 graus. Tinha vindo de um país que nem no verão havia essas temperatura. E se às vezes estavam 25 graus, havia pessoas que morriam (risos).
Gosta mais de calor do que de frio?
No Chipre também era demasiado. Por vezes tinha que dormir com o ar condicionado ligado. Ligava uma hora antes nos 16 graus, chegava ao quarto e estava frio, mas tapava-me com o edredão e dormia com os 16 graus. Só assim é que conseguia dormir, detesto dormir a transpirar e com calor. Mas era um país diferente, com praias. Percebi que ia conseguir conciliar o futebol com um tipo de vida que poderia ter em Portugal. O sol trás alegria, dá-nos outro espírito para encarar o dia a dia.
Esteve lá quatro anos e meio. Do que é que se recorda mais?
Que não foi fácil no início mas que depois consegui dar a volta por cima. Também conseguimos ser campeões logo no primeiro ano. O Omónia já não era campeão há 7 anos. E ainda ganhamos mais duas taças.
A passagem do futebol inglês para o que se joga no Chipre, foi complicado?
Foi difícil sobretudo nos primeiros jogos. Por causa do clima, da humidade. Custava-me a respirar ao início. Jogava com 0 graus na Escócia, chego ali a jogar com 35. Não foi fácil ao início. Depois acabei por habituar-me e já era natural.
Estavam lá outros portugueses?
No primeiro ano não, passados 2, 3 anos é que vai o Moreira, o Nuno Assis, o Margaça... . E tinha ido um colega grego que tinha jogado no Hearts e que estava na equipa comigo. Foi muito importante.
Ficou a viver onde?
Aluguei uma vivenda com piscina. Tinha estado três anos e meio na Escócia com aquele clima e quis disfrutar. Felizmente tinha condições para isso.
Foi pai lá do Rodrigo. Assistiu ao parto?
Assisti. Não vi directamente, estava ao lado dela, mas ver o beber a sair é uma sensação esquisita. Ser pai é único. É a melhor coisa do mundo.
Passou por alguma situação menos boa?
Passei lá uma situação má. Os resultados não estavam a aparecer e os adeptos foram ao treino. Entretanto nós estamos a correr à volta do campo e eles invadem o campo, com tochas, a pedir justificações. Comigo por acaso veio falar um cipriota que falava português, disse que nós tínhamos de correr mais. Foi uma situação um bocado...
Sentiu medo?
Senti. Tinham tochas e eram mais de 100.
Qualquer um pode assistir ao treino?
Não. Eles pediam autorização para ir dar apoio à equipa só que entretanto as coisas descambaram e eles intimidaram-nos, tínhamos que ganhar, tínhamos que correr.
Foram violentos?
Não. Acho que houve só um miúdo que levou um estalo, um cipriota, mas não foi mais do que isso. Mas fiquei um pouco traumatizado, não gosto disso.
Veio embora por causa disso?
Não, isso foi no 2º ano. Nesses 4 anos passei por muita coisa. Esse clube, quando não se ganha, é um bocado instável, há sempre problemas, reuniões e chegou uma altura que já estava cansado, já tinha quase com 34 anos e o meu filho e a minha família estava toda cá.
Estavam cá?
Sim eu separei-me em 2012 e a minha ex mulher vem para cá com o Rodrigo. Ainda aguentei dois anos só que o clube estava a passar por problemas, eu já estava saturado de lá estar e decidi vir embora. Não tinha clube e só depois é que surge o Oriental porque o Paulo Sérgio, que eu conhecia, é lá treinador dos guarda redes e surgiu a oportunidade. Como estava perto de Lisboa e do meu filho, fui para o Oriental.
O facto de ter saído do Benfica e de ter regressado para o Oriental, não lhe fez confusão?
Não porque quando rescindi com o Omónia estava consciente daquilo que poderia acontecer. Até podia ter terminado a minha carreira ali, ia fazer 34. Sabia que isso poderia acontecer, por isso tudo o que pudesse encontrar seria melhor do que não ter nada. Foi com todo o gosto que joguei no Oriental. Estava em Lisboa, estava ao pé da minha família, estava em Portugal, estava ao pé do meu filho e fazia o que gostava e as pessoas também me receberam muito bem lá, por isso não me custou nada.
Quando voltou veio viver para onde?
Para esta minha casa do Estoril. Já a tinha comprado há uns anos.
Voltou a ser pai.
Sim, entretanto conheci a Lúcia, através de amigos, em 2015 e há um ano nasceu a nossa filha, a Maria Clara. A Lúcia também já tinha uma filha de um casamento anterior.
Duas épocas no Oriental, 2014/15 e 2015/16. Como é que foi terminar a carreira? Foi uma decisão difícil?
Eu sempre fui um bocado massacrado por problemas físicos. O problema no isquiotibial acho que é genético porque quase todos os anos obrigava-me a fazer uma paragem. Inflamava quando os terrenos estavam mais pesados, felizmente consegui ser jogador, mas tive esse problema. O campo do Oriental também não era um campo fácil e depois não queria acabar a arrastar-me e as pessoas a dizer “Este já está fora da idade”. Acho que acabei bem porque ainda fiz muito jogos na última época. Achei que já chegava.
Nessa altura já sabia o que é que queria fazer da sua vida?
Não. E não estou a fazer nada relacionado com o futebol, estou mais ligado ao sector imobiliário. Fiz investimentos e gosto do sector imobiliário. Para já não me vejo ligado ao futebol mas vamos ver. Se o bichinho começar a mexer...
Não se vê como treinador?
Por enquanto não.
Qual foi a maior loucura que fez com dinheiro?
Foi um relógio. E eu que sempre pensei que mesmo que ganhasse muito dinheiro nunca ia gastar tanto num relógio, mas pronto.
Qual o melhor carro que teve?
Um Range Rover e para mim é o melhor carro. Gosto, mas não sou maluco por carros.
Quais são os seus hóbis?
Gosto de jogar poker de cartas com os amigos.
A dinheiro?
Às vezes, só para “adoçar” porque senão não tem piada nenhuma (risos). Adoro ir ao ginásio, vou todos os dias. E adoro estar com o meu grupo de amigos, agora gostamos muito de fazer provas de vinhos. Estou a começar a fazer uma garrafeira. Tenho pouco mais de 100 garrafas. Ando virado para o Dão. Sou muito influenciado pelo meu melhor amigo, Ricardo Soares, costumo ir às provas com ele.
Como é hoje o seu dia-a-dia?
Muito tranquilo. Levo a Matilde, a filha da minha mulher, à escola todos os dias, vou para o ginásio, almoço, depois normalmente durmo a sesta. Entretanto há coisas que aparecem para fazer, depois vou buscar a Matilde à escola ou levo o Rodrigo aos treinos, o meu filho está a jogar no Estoril. E é assim.
Tem ou teve alguma alcunha?
Quando era puto, tinha uns 6 anos, chamavam-me Pepito lá no bairro. Nem sei porque que é que surgiu. Se calhar era por ser rápido.
Qual foi o treinador que mais o marcou?
Tive vários, mas o Chalana nos juniores marcou-me pela pessoa que era. Depois do Eusébio ele era a imagem do Benfica. E a postura dele, ensinou-me certas coisas. Uma delas é sermos humildes, porque no futebol tão depressa estamos lá em cima como no dia seguinte estamos em baixo. Ele era uma pessoa muito humilde, criou um espírito de grupo fantástico e conseguimos ser campeões. Depois o Mourinho, foi pouco tempo mas acabou por marcar pela maneira como falou comigo, como me abordou, como incentivava e treinava. O Couceiro marcou-me imenso numa fase onde às vezes tudo se perde, ele foi muito importante para que eu conseguisse o equilíbrio e não me deixar levar. E motivou-me para conseguir voltar um dia ao Benfica. E o Trapattoni, que apesar de não ter sido titular absoluto com ele, conversávamos muito e ele gostava muito de mim. Foi uma pena ele ter saído da maneira como saiu porque se calhar as coisas tinham corrido de outra maneira no Benfica para mim.
Há alguma coisa que lhe tenham dito que o tenha marcado e que ainda hoje se lembre?
Não foi ninguém que me disse, mas o facto de ser pequenino aos 15 anos, de toda a gente dizer que jogava bem com os dois pés, mas que era baixinho, senti que era uma injustiça. Estar a sair do Benfica por não ter altura marcou-me um bocadinho e deu-me uma certa força, e uma raiva para poder dar a volta e dizer “Não, o futebol joga-se com os pés, não com a altura”. Acabei por estar certo e consegui fazer carreira.
Resuma o seu percurso na selecção.
Fiz as camadas jovens, desde os sub-16 até ao Europeu de sub 21, ganhamos o Torneio de Toulon, fiz a qualificação nos Sub 21 para os Jogos Olímpicos de 2004, onde já não íamos há muitos anos. Eu acabei por não ir porque o Benfica tinha jogo da pré-eliminatória da Liga dos Campeões e não me libertou. E depois ainda fui chamado à selecção B, mas nunca fui chamado à selecção A.
Essa é a maior frustração que tem no futebol?
Não porque eu sabia que para chegar a esse patamar tinha que ser titular absoluto do Benfica. E quando não és, isso nem passa pela cabeça. É óbvio que quando estava nos sub 21 pensei que esse dia podia chegar, mas com o passar do tempo, o não ter sido titular indiscutível do Benfica percebi que não ia ser fácil. Não foi portanto uma coisa em que eu pensasse.
Qual foi a maior asneira que fez enquanto jogador e que hoje tenha a noção de que pisou um pouco o risco?
Foi um vez no Alverca em que fui directo para o treino. Não havia jogo essa semana, tinha havido um aniversário, a noite prolongou-se e fui direto para o treino. Foi a única vez e jurei para nunca mais, porque a seguir ao treino ao vir para casa ia adormecendo.
A amizade com Simão Sabrosa surge quando?
Em 2004/05. Mas eu não vou falar mais sobre esse assunto. Não vale a pena perguntar.
Não quer falar sobre o Simão Sabrosa e o facto dele ter casado com a sua ex-mulher?
Não. É assunto completamente encerrado.
Ficou uma grande mágoa?
Não. É o que é. É a vida.
Não se falam?
Não, é um assunto encerrado. O único assunto é o meu filho ser feliz. O resto é um assunto encerrado, cada um seguiu a sua vida.
Quanto à selecção neste Mundial da Rússia que está à porta. Vai ser mais complicado do que o Europeu?
Sim, porque as pessoas estão com outra perspectiva. Depois de sermos campeões europeus há uma outra exigência, mas é um erro, porque toda a gente sabe que Mundial é Mundial. Acho que a selecção deve ir naquela de passar o grupo e depois é ver o que dá. O principal objectivo é passar o grupo, depois no mata, mata temos 50% de hipóteses e tudo pode acontecer. Agora, dizer que temos hipótese de ser campeões do mundo acho que é muito pesado.
Aquilo que se está a viver no Sporting surpreendeu-o?
Vou ser sincero, com o clima que se está a viver no futebol pensei que pudesse acontecer qualquer coisa, mas nunca que pudesse acontecer nada tão grave. Também tive adeptos descontentes comigo, até no Benfica, aliás, quando perdemos 3-0 com o Anderlecht foram ao aeroporto esperar-nos e ainda levei com um bocado de cerveja na cara. O sermos criticados faz parte, mas não pode acontecer o que aconteceu em Alcochete, é inacreditável, nem num país de terceiro mundo, foi mau de mais, e não é o meu clube, mas senti como se fosse o meu clube.
Foi ouvido no processo da Operação Jogo Duplo...
...Fui ouvido porque fazia parte da equipa do Oriental. Só isso.
Nunca foi aliciado?
Não. Nem no Chipre, onde eles são malucos por apostas.
Não se admira que haja corrupção no futebol?
Não sei. Se formos a ver há em todo o lado na sociedade, é triste. Mas há mais meios, há mais pessoas a tratar desses casos e espero que termine de vez.
Qual a sua maior ambição?
Ser feliz, viver um dia de cada vez, estar com os meus filhos, com a minha família, os meus amigos. Estou bem. Enquanto estiver bem vou estar assim. Se para o ano tiver saudades de estar no futebol, tiro o curso de treinador e hei-de ter a minha oportunidade porque felizmente tive grandes treinadores, grande experiência e nunca se sabe o dia de amanhã. Mas se me perguntarem hoje se é isso que quero, não."
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