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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Eis um Benfica-Sporting a vermelho e verde!

"Antes de um Benfica-Sporting, já tinham sido jogados dois Sport Lisboa-Sporting. Mas hoje vamos falar do terceiro dérbi, disputado no velho Campo da Feiteira, em Outubro de 1909. Primeira vitória das 'águias'...

CONFESSO para mim, em Portugal, não há jogo como o Benfica-Sporting. Tem tudo o que um espectador quer de um jogo; tem tudo o que um estudioso do Futebol ou das massas quer de um jogo. Gosto tanto dos jogos entre Benfica e Sporting que, na comemoração dos 100 anos sobre o primeiro Benfica-Sporting, escrevi um livro chamado: «Benfica-Sporting/Sporting-Benfica:... mais que inimigos eram irmãos».
Agora, nesta romagem no tempo, auxilio-me da memória e de algumas páginas desse livro. Para falar de um jogo em especial. Já o escrevi, mais do que uma vez, que os Benficas-Sportings são tão antigos que começaram mesmo antes de haver Benficas-Sportings. Não, não é exagero. É a mais cristalina das verdades: o primeiro Benfica-Sporting não foi Benfica-Sporting, foi Sport Lisboa-Sporting. E, já agora, o segundo também.
No dia 30 de Novembro de 1907, o «Diário de Notícias» noticiava esta possibilidade: «Vida Sportiva. Foot-ball. Desafios da Liga. Devem realisar-se hoje, no campo de Carcavellos, os desafios da Liga entre o Sporting Club de Portugal e o Sport Lisboa e entre o Carcavellos Club e o Club Internacional de Foot-ball». (Respeitou-se, como não podia deixar de ser, a redacção da época).
A possibilidade desse «devem» tornou-se realidade. E os desafios disputaram-se mesmo.
O primeiro Sport Lisboa-Sporting teve lugar no dia 1 de Dezembro de 1907, no Campo da Quinta Nova, em Carcavelos. Ganhou o Sporting, por 2-1, (golos de Cândido Rodrigues e Cosme Damião, na própria baliza para o Sporting, e de Corga para o Benfica). E ganhou também o segundo, disputado no dia 23 de Fevereiro, por 2-1 (golos de António Rodrigues e Meireles, para o Sporting, e de Mocho, na própria baliza, para o Benfica.
Mas, para já, vou deixar cair estes dois jogos.

Já na altura havia queixas
SIGO directamente para o terceiro Benfica-Sporting. Vamos então até ao dia 25 de Outubro de 1908. Aí já não era Sport Lisboa e sim Sport Lisboa e Benfica. Ou seja, estávamos perante o primeiro autêntico Benfica-Sporting. E assim mesmo: Benfica-Sporting, porque jogado no Campo da Feiteira, ali junto à igreja de Benfica.
Disputava-se a segunda jornada do Campeonato de Lisboa, e ambos vinham de vitórias na primeira: a do Benfica mais folgada (6-0 ao Ajudense); a do Sporting mais pragmática (1-0 ao União Belenense).
Sonhavam os de Benfica com a primeira vitória sobre os irmãos fugidos, os Rodrigues, António e Cândido, que juntamente com mais seis jogadores do Sport Lisboa - Cruz Viegas, Emílio de Carvalho, Albano dos Santos, António Couto, Queirós dos Santos e Henrique Costa - tinham aceite o convite de José Holtreman Roquete para se transferirem para o Lumiar. E eles continuavam por lá, do outro lado do campo, agora com as vistosas camisolas bi-partidas, metade verdes, metade brancas, imaginadas por Eduardo Quintela de de Mendonça, conhecido por Farrobo, e importadas especialmente de Inglaterra para todos os atletas de todas as modalidades do clube.
Foi, por isso, também o primeiro Benfica-Sporting a vermelho e verde, já que nos anteriores, ao garrido encarnado do Sport Lisboa, opusera o Sporting um sóbrio equipamento intocavelmente branco, com excepção do oval emblema verde de leão ao centro. Os calções sportinguistas continuavam, para já, brancos. os pretos surgiriam apenas em 1915, por sugestão do jogador Raúl Barroso.
Sobre este Benfica-Sporting visitemos a «História do Sport Lisboa e Benfica», de Mário Fernando de Oliveira e Carlos Rebelo da Silva, e leiamos e prosa bem fornida.
Bom apetite!
«O encontro começou ao meio-dia. Lançada a moeda ao ar, coube ao Benfica o direito de escolha do campo, tendo Cosme Damião optado pelo lado norte do terreno do jogo. Dado pelo Sporting o pontapé de saída, o jogo caiu logo para o campo ocupado pela equipa 'leonina', que se manteve numa defesa denodada, na qual de salientou José Belo, jogador de muito mérito. Não se tornou por isso viável a marcação de qualquer ponto. Ao intervalo o resultado era de 0-0.
No segundo tempo, o Benfica abriu a série de golos e fixou-a em dois tentos, marcado um por Cosme Damião e apontado o outro dos David da Fonseca. O resultado final foi, por de 2-0.
As duas turmas tiveram a seguinte constituição:
SPORT LISBOA E BENFICA - José Persónio; Henrique Costa e Leopoldo Mocho; Artur José Pereira, Cosme Damião e Luís Vieira; António Costa, David da Fonseca, Carlos França, Eduardo Corga e António Meireles.
SPORTING - Augusto Freitas; José Belo e António Neves Vital; Francisco Stromp, António Couto e Albano dos Santos; António Rosa Rodrigues, F. Amorim, Carlos Shirley, Cândido Rosa Rodrigues e Nóbrega e Lima.
Arbitrou Gastão Pinto Basto.
O Sporting reclamou o resultado do jogo, mas a reclamação não foi considerada procedente».
A vingança consumava-se. E tinha requintes de malvadez. O ciclo de êxitos 'encarnados' iria estender-se até 1915.
Já na altura havia queixas leoninas, mesmo sendo um tempo em que o Sporting era indiscutivelmente mais rico do que o Benfica.
Sinal de que muitas vezes a vida muda e os hábitos não."

Afonso de Melo, in O Benfica