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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Os «Diabos Vermelhos» e o «Diabo Negro»

"O primeiro encontro entre o Benfica e o Manchester United teve lugar em Old Trafford em Setembro de 1962. Encontro particular que terminou com um empate (2-2) graças a dois golos de Eusébio.

Vamos a Manchester no ano de 1962. Setembro, 24. Era a terceira vez que o Benfica jogava no Reino Unido. As duas anteriores tinham sido para a Taça dos Campeões Europeus, frente ao Hearts of Midlothian (vitória por 2-1) e no campo do Tottenham Hotspurs (derrota por 1-2).
Desta vez o jogo era amigável, como se dizia na altura. E o adversário o Manchester United, que, apesar de estar a fazer um campeonato medíocre, viera de Madrid com uma vitória brilhante face ao Real.
Embora entrando em campo com alguns suplentes, o Benfica não deixou dúvidas em Old Trafford em relação ao seu real valor.
O estádio estava praticamente à pinha: 60 mil pessoas, no mínimo.
UNITED - Gregg (depois Gaskel); Brenan, Dunne (Cantwell), Stiles e Foulkes; Lawton, Giles e Law; Quixall, Crisnall e MacMillan (Moir);
BENFICA - Barroca; Jacinto e Cruz; Cavém, Raul e Humberto; José Ausgusto (Augusto Silva), Eusébio, Águas (Torres), Coluna e Simões.
Os jogos entre Manchester United e Benfica tornar-se-iam clássicos europeus. Houve mesmo entre ambos uma final da Taça dos Campeões.
Mas, na altura, encontravam-se pela primeira vez.
Não alargo o 'suspense': a contenda acabou empatada - 2-2.
Dennis Law fez o 1-0 aos 36 minutos; Eusébio empatou no minuto seguinte; Quixall adiantou os ingleses, de 'penalty', aos 44 minutos; Eusébio fechou as contas aos 79 minutos.
Cavém e Coluna foram outros dos encarnados em destaque. Bem como Raul.

Eusébio - uma e outra vez
O Benfica lançou-se ao ataque desde cedo porque era assim a mentalidade dessa equipa Bicampeã da Europa. Foram vinte minutos de futebol encantador que entusiasmou o público inglês, sempre pronto a valorizar a qualidade do jogo, venha ela de onde vier.
Por isso, o golo de Law foi sentido como uma injustiça. E não o foi mais porque Eusébio tratou de empatar no minuto imediato, concluindo um lance típico dos seus com um remate indefensável.
Chegados aqui, a bola distribui-se mais equitativamente por um e outro campo.
Não fora a atrapalhação de Humberto, em cima do intervalo, que o levou a cometer um 'penalty' tão evidente como desnecessário, e o empate (mais do que justo) teria transitado para o segundo tempo.
Assim, saiu o Manchester em vantagem.
Cabia, então, ao Benfica puxar dos galões. Não esquecer que nesse tempo a equipa de encarnado com a águia no peito dominava o Continente. Ninguém voava mais alto do que ela. E também não foi neste jogo que isso aconteceu.
O jogo resplandeceu. De um lado e do outro movimentos correctos, bonitos, bem pensados. O Benfica atacava mais, não queria sair de Old Trafford derrotado, lutava pelos seus pergaminhos e pela sua honra como um cavalheiro num duelo. Golpes afinados falhavam por pouco o alvo da baliza de Gaskell, que entrara para o lugar de Gregg. Simões, na esquerda, baralhava os ingleses com dribles, José Augusto, na direita, insistia na sua velocidade, Coluna e Cavém apoiavam Eusébio e Águas de forma consistente.
Remates atrás de remates. Nem todos com pontaria certeira. Eusébio era rei do pontapé. Fortíssimo. Assustador. Mas infelizmente sem resultados práticos senão o de atemorizar a defesa contrária.
O jogo caminhava para o fim e parecia que o Manchester United iria obter uma vitória nada merecida.

Mas havia Eusébio. Havia sempre Eusébio!
Eusébio que recebe uma bola redonda, a preceito, que parece pedir-lhe que a chute. E ele chuta. Com força e colocação. É golo! É golo de Eusébio!

Os «Diabos Vermelhos» de Old Trafford rendem-se ao «Diabo Negro» que lhes impõe o empate a poucos minutos do fim.
Uma enorme ovação despede o Benfica.
Manchester recebeu-o com orgulho e despediu-se dele comorgulho
É assim com aqueles que são grandes..."

Afonso de Melo, in O Benfica

Quem mais tem mais quer

"1. A UEFA está sem governo há longos meses e seja lá quem for que vier a substituir Platini vai ser confrontado com uma exigência da Associação Europeia dos grandes clubes (ECA), comandada por Rummenige, do Bayern: a criação de uma Superliga Europeia em que só entrarão clubes das cinco maiores Ligas (Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e França) ou, no mínimo, o alargamento da quota de clubes daqueles mesmos países, em prejuízo das restantes Ligas. Mais concretamente: Portugal em vez de ter acesso directo de dois clubes à fase de grupos terá apenas um. É a ditadura capitalista dos ricos a ditar as regras à estrutura orgânica do futebol, ou seja, à UEFA e FIFA. Não nos iludamos, mais ano menos ano é isto mesmo que vai acontecer. Vem a propósito dizer que o modelo actual também é mau. Alguém entende que no play-off de ingresso à fase de grupos deste ano se possam defrontar FC Porto - Roma ou Villarreal - Mónaco e, ao mesmo tempo, Ludogorets - Viktoria Plzen e Dundalk - Legia?

2. Embora o mercato prometa continuar efervescente até ao fim deste mês, é já no próximo domingo que tem início a Série A e não são necessárias grandes análises matemáticas ou complicados ensaios laboratoriais para se poder garantir que a quem vai conquistar o scudetto será a Juventus. É verdade que perdeu Pogba, cujo o cartellino lhe rendeu 105 milhões limpos (chegou a custo zero do Manchester United quem agora foi vendido!!!) mas, em compensação, chegaram Higuain, Dani Alves, Pjanic, Pjaca, Benatia... e ficou mais forte.
Os dois rivais milaneses, Inter e Milan, foram vendidos a fundos de investimento estatais chineses e estão no estaleiro em obras de reparação. Em todo o caso, os nerazzurri já começaram a fazer pela vida: substituiriam Macini por Frank De Boer e adquiriram João Mário por 45 milhões (10+35). Desta vez, Bruno de Carvalho esticou a corda e ficou a ganhar."

Manuel Martins de Sá, in A Bola

Phelps: o lado negro

"Michael Phelps é o mais medalhado atleta olímpico. Ganhou 28 medalhadas, sendo 23 de ouro. É seguido como modelo, admirado à escala planetária, inspirou desportistas. Este é o lado brilhante.
Mas há um reverso negro. O do sofrimento psicológico quase insuportável. Um dia enviou uma mensagem ao seu agente dizendo não querer viver mais. Após os Jogos de Pequim sentiu que tinha realizado o maior sonho possível e que nada lhe restava cumprir na vida. Bowman, seu treinador, concluiu que tinha ajudado a criar um monstro desde que, aos 10 anos, perante tão grande potencial, o envolvera num treino exigente e bidiário. Afunilara-lhe a vida na natação, proibira-o de praticar outros desportos de que também gostava e, com acordo da mãe, contrariara a vontade do pai de tentar coordenar os treinos com uma vida de criança e adolescente que nunca teve. Abandonou os estudos. Apanhado numa bola de neve que nem Phelps, nem Bowman controlavam, os Jogos de Londres foram uma inevitabilidade, apesar da falta de interesse no treino e da preparação reduzida ao mínimo. Para o público ficava o lado brilhante: 2 medalhas de ouro e 2 de prata.

Depois viveu profunda depressão. Não distinguia a auto-imagem da sua imagem pública. Vivia em função dos outros. Foi preso alcoolizado e em excesso de velocidade. Já o tinha sido por consumo de droga. O internamento para recuperação psicológica depois de 2012, quando tocou no fundo, confrontou-o com o verdadeiro sentido para a vida. Constituiu família e tem um filho de meses. Diz que já não vê nas medalhas o seu único propósito existencial. Teve de se afastar do desporto para ver a vida. O mesmo sucedeu a Anthony Ervin, aos 35 anos, repetiu no Rio. Afastou-se alguns anos, tentou o suicídio, foi sem-abrigo. Também o mítico Ian Thorpe viveu depressão profunda e tentou suicidar-se. E não se passa só na natação. No alto rendimento há muitos cuidados com as lesões físicas, mas ignora-se as psicológicas!"


Sidónio Serpa, in A Bola

Autor e intérprete em enttevista

"A história de dois homens e uma canção. Uma ligação para a posteridade. Um êxito intemporal.

A 12 de Novembro de 1956, o fotógrafo Roland Oliveira registou a entrevista de Paulino Gomes Júnior a Luís Piçarra. Porém, esta fotografia retrata muito mais do que um episódio do trabalho do então director do jornal O Benfica. Nela, estão autor e intérprete de um dos maiores êxitos musicais de exaltação clubista de que há memória.
O tenor Luís Piçarra (1917-1999), 'um dos mais populares e cosmopolitas cantores portugueses do século XX', foi um homem com uma carreira repleta de êxitos, tendo actuado nas principais salas do país e em palcos de todo o mundo. Mas o homem que se orgulhava de ter gravado 999 canções gravou uma que ainda hoje se canta por esse mundo fora. É essa a canção que o unirá para sempre a Paulino Gomes Júnior.
Tudo começou cerca de três anos antes dessa entrevista quando, no II Sarau da Comissão do Novo Parque de Jogos, a 11 de Abril de 1953, no Pavilhão dos Desportos, Luís Piçarrra interpretou pela primeira vez em público a canção 'Ser Benfiquista', com letra e música de Paulino Gomes Júnior. O êxito foi 'tão clamoroso, que o público ovacionou longamente, de pé, autor e interprete' e pediu bis.
No momento da entrevista registada pela lente de Roland, Luís Piçarra tinha acabado de chegar de Angola, para onde partiu 'contratado por mês e meio e esteve lá seis, que não se prolongaram porque a «saudade mata a gente»...'.  As perguntas foram variadas: 'Como foi recebido', 'E os benfiquistas, Luís, os benfiquistas de Angola?'. Mas a pergunta que pululava na boca de Paulino não tardou, o que o entrevistador mais queria saber era se a sua música tinha sido cantada em terras angolanas. 'E a resposta, risonha, feliz, disse (...) tudo - Se a cantei? Cantei-a sempre, mesmo nos espectáculos organizados pelos sportinguistas. Não sei porquê, mas chegou a parecer-me que todos, sem distinção de clubismos, queriam ouvir a sua canção - Bem, a nossa...'.
Hoje, sessenta anos depois, 'Ser Benfiquista' é tida por muitos como o hino do Clube, está na ponta da língua de todos os benfiquistas e é presença assídua no Estádio da Luz, em todos os jogos.
Poderá encontrar esta e outras fotografias na exposição Roland Oliveira, até 15 de Outubro na Rua do Jardim do Regedor, em Lisboa."

Mafalda Esturrenho, in O Benfica

Benfiquismo (CXCV)