Últimas indefectivações

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A realidade não foi apanhada de surpresa. Nunca pareceu que seria


"O primeiro de dois obstáculos no caminho para a Liga dos Campeões foi ultrapassado pelo Benfica que, no Estádio da Luz com gente, voltou a ganhar (2-0) ao frágil e quase inofensivo Spartak de Rui Vitória. Viu-se, mais uma vez, muito de João Mário no ordenamento da bola e o próximo adversário é holandês: o PSV Eindhoven será o adversário no play-off

Esperar, desta terça-feira, mordomias capazes de espantar seria o diametralmente oposto a, neste momento, estalar os dedos e esperar que aparecesse à nossa frente um maço de notas de quinhentos euros enroladas por um elástico, nem nós dominamos a alquimia da fantasia, nem o Paris Saint-Germain engana quem seja com emojis de ampulhetas a legendarem os vídeos provocatórios do sublime futebolista que vai contratar. Surpreenderia era se, por obra e graça do acaso, fosse de outra forma.
De pasmar também seria se, nem uma semana depois, um mesmo treinador com horas de vídeo, treinos para dar, palestras nas quais falar e conversas para ter com os jogadores, não cuidasse de prevenir a repetição dos erros do jogo anterior. Por alguma razão ouvimos banalidades como a de não existirem jogos iguais e Rui Vitória reforça essa razoabilidade com o zelo que, a surpreender, talvez apenas pelo excesso.
Em Moscovo, o Spartak era a casa das autoestradas de espaço dadas pelas alas, onde o Benfica o machucou insistentemente, mas, na Luz, os russos jogaram durante 45 minutos a precaverem-se contra a projeção que Grimaldo e Diogo Gonçalves voltaram a ter no campo, ainda mais quando terão percebido que Larsson e Bakaev, os extremos, os acompanhavam até bem perto da linha dos quatro defesas. Muitas vezes, esse eixo ficava com seis homens. Eram um alinhamento de receio contra a possível reincidência de um desmantelamento.
Que se conceda o sucesso vindo da não-surpresa: na primeira parte, por apenas uma vez o Benfica teve alguém a correr atrás de uma bola posta nas costas de defesas (tabela de Grimaldo com Rafa) e a acelerar uma tentativa na terra de ninguém conhecida por profundidade. Mas, focando-se tanto em corrigir o que de tão falível teve em Moscovo, o Spartak encurtou a equipa e retirou-lhe duas opções de passe úteis para os momentos em que recuperasse a bola. A cabeça que cada russo levantava nessas alturas só via um dos dois avançados, o que facilitou as reações do Benfica às bolas que acabava de perder.
A bola e a relva foram dois monopólios da equipa de Jorge Jesus, que jogou quase sempre na metade russa do campo, teve quatro remates entre Pizzi e Rafa bloqueados por corpos e gozou de ataques com quatro, cinco fases seguidas a entrarem na área. Excetuando um par de tentativas do pequeno, rápido e barbudo, porém, o Benfica quase nada conseguia ligar pelo centro nos últimos 30 metros, onde, mesmo bombardeando a área com cruzamentos insistentes, era capaz de assustar o encolhido bloco russo.
Também seria assim que Diogo Gonçalves correria atrás de uma bola quase até à beira da linha de fundo, onde adornou o pé a colocar rasteira na área e para trás, no dito mais atarefado dos cruzamentos para quem defende - apanha essa gente em contra pé, obriga-a a ter de virar o corpo. O primeiro remate de Rafa ainda voltou para trás, batendo no corpo de um adversário. O de João Mário também faria ricochete, mas seguiria baliza dentro (58’) para o médio que trocou de margens na 2.ª Circular se estrear a marcar.
Nem com o prejuízo ainda mais avolumado o Spartak perturbou o conforto do Benfica no jogo, surpreendente também seria se o tivesse feito, porque as pouco mais de duas horas de eliminatória já vistas resumiam-se com o retrato desta equipa russa: pouco capaz de ousar no ataque sem destapar a organização defensiva; sem uma estrutura ordeira para os jogadores mais hábeis inventarem bons rodeios com a bola; e sem qualidade per capita para beliscarem muita gente até nestes primórdios da Liga dos Campeões.
Todo um contrário do que, neste contexto, já é o Benfica. Mesmo que só tenha, depois, ameaçado a baliza russa com um remate brusco de Everton, sozinho na área, a equipa controlou o volante da partida até ao fim. Os três centrais a filtrarem sempre a saída de bola (Lucas Veríssimo voltou a ligar-se com os médios ou extremos com passes interiores, Weigl e João Mário a serem o escorredor constante de jogo ao centro e um avançar no campo que com facilidade deixava os alas só com o lateral adversário pela frente.
Haveria tempo, ainda, para o Yaremchuk ter uns minutos, o ucraniano não teve pré-época, tempo para treinar tão pouco, mas no seu perfil grandalhão e musculado há um avançado com tendência para não existir só na área. Ele esquiva-se dos centrais, foge do retângulo e dá-se a tocar na bola e a deixá-la em quem esteja de frente para a baliza. É um tipo com pés leves e assim picou à colherada uma tabela com João Mário, que lhe tentou devolver a bola na área. Um ressalto depois, a sobra foi de Yaremchuk, cuja realidade do remate também teria um ricochete (90’+2). A intervenção do ucraniano seria um auto-golo de Gigot.
O total de 4-0 é surpresa nenhuma, jamais um coletivo que tem agora maior fôlego a respirar por em João Mário estar o entroncamento preferido da bola pareceu, sequer, poder ser ameaçado por um Spartak de Moscovo que ainda pareceu sustido por arames mais típicos de pré-época."

Um silêncio de morte para Ottavio...


"Ottavio Bottechia foi o primeiro italiano a vencer o Tour. Meio-analfabeto, encantou-se pela propaganda anti-Mussolini

Até hoje não há quem nos consiga contar todos os pormenores da morte de Ottavio Bottechia. Cada um atira aos sete ventos a teoria que lhe agrada e isso é tão típico do género humano como o visco é próprio dos batráquios. Oitavo filho de uma família indigente de nove irmão, Ottavio praticamente não frequentou a escola. A fome grassava lá por casa e cada um tinha de contribuir como pudesse. Era ainda um menino de seis anos quando se tornou aprendiz de sapateiro. Como era de têmpera rija e alargava a olhos vistos, o pai empurrou-o para a construção civil. É por essa altura que aprende a andar de bicicleta e fica absolutamente fascinado com aquela ideia de equilíbrio em movimento que lhe marcará a vida para sempre.
A I Grande Guerra atira Ottavio Bottechia para os bersaglieri e para os ideais socialistas. Criados no Reino da Sardenha, onde o dinheiro abundava tanto como em casa dos Bottechia, em San Martino de Colle Umberto, não longe de Veneza, os bersaglieri, como os seus chapéus largos, de penacho orgulhoso, ganharam o respeito de toda a Itália, sobretudo no período da Unificação, quando entraram em Roma pela Porta Pia, no dia 20 de Setembro de 1870, exibindo um garbo soberbo, de fazer inveja a qualquer outro grupo militar.
Na I Grande Guerra, dos 210 mil elementos dos bersaglieri enviados para a frente de combate, 32 mil foram mortos e 50 mil ficaram estropiados, o que serviu para que o respeito em seu redor crescesse à velocidade com que o sangue se espalhava pelas trincheiras. Ottavio viveu peripécias durante o conflito dignas de fazer inveja a Miguel Strogoff e Rocambole juntos. O facto de se sentir tão confortável em cima de um selim como na sala lá de casa, fez com que fosse nomeado correio. As bombas rebentavam à sua volta e as balas silvavam-lhe aos ouvidos enquanto Bottechia pedalava furiosamente por entre cadáveres e moribundos que gritavam de forma lancinante. Apanhou malária, chegou a ser capturado, foi suficientemente expedito para escapar aos seus algozes e pôs-se ao fresco, regressando às linhas italianas onde foi tido como um herói e medalhado a preceito.
De volta ao conforto do lar, que não era tão confortável como isso, convenhamos, voltou à sua função de carregador de de tijolos, vivendo uma existência sem história junto da sua mulher e dos seus três filhos. Mas a sua fama de ciclista emérito já não lhe permitia uma existência sossegada como seria sua vontade. Certo dia, bateu-lhe à porta um certo Teodoro Carnielli, presidente de um clube da região do Venetto. Trazia-lhe uma oferta: uma bicicleta moderna, nova em folha. E trazia-lhe um desafio: participar em provas velocipédicas.
Em 1923, Ottavio Bottechia participa na Volta à Itália. Não tem equipa, corre sozinho, obtém um espantoso quinto lugar. Num abrir e fechar de olhos, convidado pelo grande ciclista francês Henry Pélissier, junta-se à equipa do Automoto-Hutchison.
Ottavio tem 29 anos e um mundo inteiro na sua frente. Finalmente, consegue aprender a ler e a escrever, coisa que a escola não lhe dera. Deixa-se encantar pelo panfletos de propaganda anti-Mussolini, desperta a sua alma revolucionária, está disposto a lutar novamente, agora em nome da Liberdade. Nesse mesmo ano, garante o segundo lugar na Volta a França, logo atrás de Pélissier, e a sua fama percorre toda a Itália como uma aragem fresca do Adriático. O próprio Mussolini está encantado com Ottavio, representante dessa classe que fez de Roma dona de meio mundo.
No ano seguinte, Ottavio foi supersónico: ganhou a Volta a França carregando com a camisola amarela da primeira à última etapa. Nunca um italiano ganhara o Tour. Bottechia ganhou novamente, na edição seguinte. E, de um momento para o outro, a vida começou a correr-lhe mal.
No dia 23 de maio de 1927, o seu irmão Giovanni foi atropelado enquanto pedalava na sua bicicleta. Morte imediata. No dia 3 de junho, Ottavio é encontrado por um camponês. Enfiado num fosso macabro, com dificuldade em exprimir-se, está gravemente ferido e completamente ensanguentado. Tem vários ossos fraturados além de um fortíssimo traumatismo craniano. Supõe-se, a principio, que lhe terá sucedido a mesma coisa do que a Giovanni, mas, encontrada não muito longe, a bicicleta de Ottavio não apresenta qualquer dano. É carregado para a taberna mais próximas, mas não se consegue exprimir. O padre da terra dá-lhe a extrema-unção. Segue para o hospital de Gemona mas só para morrer embrulhado em lençóis limpos e num mistério para o qual ninguém tem resposta. Uns anos mais tarde, um mafioso italiano de Nova Iorque, confessou no leito de morte ter assassinado os dois irmãos Bottechia, Ottavio à pedrada. «Estava a roubar uvas», justificou, embora não haja uvas em Junho.
No seu funeral não apareceu ninguém. Havia demasiado medo. Sussurrava-se a cada esquina que fora eliminado pelos fascistas. Tornara-se demasiado incómodo com a sua popularidade."

Jogos Olímpicos "misturados"


"Após a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, disputados até há dois dias, recebi uma mensagem de um amigo brasileiro pelo WhatsApp: "Você viu? A delegação da Alemanha tem mais negros do que nós!" Eu não tinha visto. Também não me preocupei em apurar se tal informação era rigorosamente factual ou apenas impressão à primeira vista, provocada pela (ainda) relativa surpresa que é descobrir que a Alemanha, afinal, também tem negros. Mas, por curiosidade, passei a prestar uma atenção particular à composição "cromática" de todas as delegações.
Essa minha curiosidade só era superada por poucas outras: os resultados do andebol feminino angolano; o desempenho geral dos africanos; o desfecho das provas de atletismo, em particular as corridas e os saltos; e as conquistas do Brasil.
Como não me anima nenhum tipo de fanatismo, confesso que, de um modo geral, fiquei satisfeito com os resultados no campo desportivo, embora desiludido com um ou outro. Mas já passou.
Entretanto, pude confirmar, com agradável surpresa, que os Jogos Olímpicos encerrados no passado domingo na capital japonesa terão sido, com toda a certeza, os mais "misturados" da história dessa emblemática prova. É verdade, pelo simples facto de contar com a participação de todas as nações do mundo, a mesma sempre espelhou a diversidade que caracteriza a humanidade, mas, em Tóquio, a mesma foi visível em praticamente todas as delegações presentes. Era como que uma diversidade "interna" à maioria dos países concorrentes, logo, transversal aos Jogos.
Desde logo, fiquei particularmente surpreendido e agradado com os exemplos dessa "mistura" nas delegações de países como o próprio Japão, país anfitrião, e até a China, pois, como se sabe, as nações asiáticas tendem a ser mais homogéneas etnicamente do que a maioria dos países, embora uma análise mais acurada permita confirmar que tal homogeneidade está muito longe de ser absoluta. Mas cito igualmente como "novidades" mais ou menos relativas os exemplos de países como o Qatar, a Espanha, a Alemanha, a Itália e mesmo a Holanda, onde a conhecida diversidade do seu futebol parece ter chegado, por fim, às modalidades olímpicas.
Todos esses e outros exemplos juntam-se ao caso dos países cuja diversidade "cromática" e étnica (não é a mesma coisa) é constitutiva, como os Estados Unidos, o Brasil ou a África do Sul, assim como os países africanos de língua portuguesa, mas também ao daqueles que começam agora a discuti-la e a assumi-la (vantagem estratégica da tão necessária reescrita da história), como, só para dar esses exemplos, a França, a Inglaterra, Portugal e outros.
A mudança demográfica e epidérmica que está a ocorrer presentemente em vários países do mundo (ou começa a ser assumida agora) deve-se em grande medida, embora não só, à emigração africana, em particular para a Europa e a América e provocada por várias razões. O supremacismo branco não gosta, como se observou com a reação de alguns portugueses à vitória do afro-cubano naturalizado português Pedro Pichardo na prova de triplo salto dos Jogos de Tóquio. É preciso recordar aos seus defensores os milhões de europeus (brancos) que emigraram durante séculos, como "conquistadores" ou simplesmente à procura de melhores condições de vida, para África ou para as Américas?
A maior diversidade das delegações desportivas dos diferentes países do mundo, em todas as modalidades e em todas as competições, é, sem dúvida, um facto interessante e estimulante para a consolidação de uma verdadeira "humanidade compartilhada". Mas, como é óbvio, não basta. São imprescindíveis outras medidas, em todas as esferas. Parafraseando o poeta angolano António Jacinto, esse é "o grande desafio" pelo qual vale a pena lutar."

Obrigado, Pichardo


"A medalha de oiro do atleta português Pedro Pablo Pichardo em Tóquio, triunfando de forma categórica no triplo salto, gerou animado debate. Porquê? Porque Pichardo não nasceu português, é naturalizado. Ao que se somou o picante político de Pichardo ser cubano e um dissidente desportivo do regime de Fidel Castro.
Este foi o motivo para um dos ataques mais infelizes que lhe foram feitos. Soube-o, nas redes sociais, por um amigo, João Pedro Dias, aveirense, democrata, personalista. Miguel Viegas, professor auxiliar da Universidade de Aveiro, cabeça-de-lista pelo PCP nas eleições autárquicas de Aveiro, atingiu os patamares inferiores da baixeza no seu Facebook, Página Miguel Viegas. Logo a seguir à vitória de Pichardo, escreveu assim: "Mérito do atleta que treinou, da escola que o criou e do clube que o comprou! Mas esta não é seguramente uma medalha 100% portuguesa!" Dias antes, assinalara o novo feito de Fernando Pimenta na canoagem (K1 1000): "Uma medalha 100% portuguesa!" E, ao final do mesmo dia, também na canoagem, vibrou com a vitória de uma dupla cubana, em C2 1000: "Cuba vencerá!" Com isto, ficou tudo dito.
Miguel Viegas, em Abril, já atacara a Universidade de Aveiro de "anticomunismo primária", por ter colocado no exterior um pedaço do Muro de Berlim. Agora, entrou pelos Jogos de Tóquio como guarda avançada do regime comunista de Cuba. Merecidamente fustigado na sua página, viria refugiar-se, depois, numa alegada crítica à política desportiva. É desculpa tola, pois Pichardo, todos o sabem, não é um "campeão pronto-a-vestir" recrutado - tem uma história pessoal e desportiva credora do maior respeito ético e social. Não há nada de errado, aliás, em atrair selectivamente técnicos e atletas para ajudar ao desenvolvimento de certas modalidades, ensinando e puxando por outros. É linha que pode seguir-se (e sempre se seguiu), desde que não para fins de propaganda, nem de forma excessiva, antes limitada, nem prejudicando a educação e formação desportivas da juventude. D. Dinis também foi buscar um almirante genovês para criar a nossa Marinha.
Mas este não é sequer o caso de Pichardo. E o pensamento real de Miguel Viegas gera mais dúvidas, ao não ter uma só palavra para as medalhas, brilhantes, de Jorge Fonseca e Patrícia Mamona, dois grandes nomes actuais do desporto nacional. Não nos elucidou sobre a percentagem de portugalidade que atribui aos títulos de ambos. O que são êxitos "100% portugueses"? Que efeitos pretende tirar disso? E, quanto aos atletas que não atingem as medalhas, que bitola tem para eles? Terão os candidatos a medalha que apresentar "cadastro étnico-racial" (de que falou André Ventura), acrescentando ainda (na versão Viegas/PCP) um certificado ideológico, para aferir do grau percentual de portugalidade a atribuir aos êxitos de cada um? Coisa pobre... medíocre... confrangedora...
O foco em Pichardo como originário de outro país é despropositado. Para mais atingindo alguém que tem tido comportamento exemplar, como soube confirmar neste contexto sensível, exigente e de forte exposição. Na equipa olímpica que nos representou em Tóquio, havia 19 atletas que não nasceram em Portugal: quatro em Cuba, três no Brasil, dois na China e ainda naturais de Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, EUA, França, Geórgia, São Tomé e Príncipe, Suíça e Ucrânia. Nestes, há alguns casos de emigração portuguesa, mas a maioria é como Pichardo: estrangeiros que escolheram Portugal para seu país. São milhares os que o fazem todos os anos, por razões da sua própria vida e nos termos das nossas leis. No futebol, já houve vários casos. Nada de novo. O problema de Pichardo foi ganhar a medalha de oiro.
Para ele, só há duas palavras: obrigado, parabéns. Tudo o que vá além ou fique aquém da gratidão e do aplauso a Pichardo, é muito mau exemplo. Muito inferior ao exemplo que nos deu."

Ambiente de conquista


"Finalmente a equipa voltou a ter os Benfiquistas junto de si na Catedral e que diferença se fez sentir em todos os que tiveram o privilégio de marcar presença no Estádio.
Uma noite abrilhantada pela estrondosa ovação, durante o intervalo, aos medalhados olímpicos, Pedro Pichardo e Fernando Pimenta.
Os Benfiquistas foram incansáveis no apoio, importantíssimos para o ambiente de festa, superação e qualidade e impressionou a despedida após o término do encontro, com o cântico "Eu amo o Benfica" a ser cantado em uníssono em todas as bancadas.
Jorge Jesus sublinhou a importância dos adeptos no futebol, em particular "os do Benfica, porque parece que jogamos com mais um". O autor do nosso primeiro golo, João Mário, considera que a presença dos Benfiquistas "faz diferença para a equipa e isso nota-se em campo". E o recém-chegado Yaremchuk, estreante e envolvido na jogada do segundo golo, confessou a sua felicidade por representar o Benfica e agradeceu também aos adeptos.
Quanto à partida, a vitória por 2-0, repetindo o resultado da primeira mão, refletiu a superioridade da nossa equipa nesta eliminatória. O nosso treinador afirmou que "fomos mais competentes e melhores nos dois jogos" e realçou o cumprimento do primeiro objetivo da temporada, que passava por chegar à ronda de play-off de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.
Já se conhece o próximo adversário, o PSV, dos Países Baixos, que chega a esta fase da prova depois de eliminar os turcos do Galatasaray e os dinamarqueses do Midtjylland. Frente a estes adversários, o PSV goleou em casa, assim como o fez na partida com o Ajax, relativa à Supertaça do seu país, pelo que se perspetiva um embate difícil.
Mas antes, já no próximo sábado, na Luz às 18 horas, o Benfica será o anfitrião do Arouca. Como não poderia deixar de ser, é com a conquista dos três pontos no horizonte que a nossa equipa abordará o jogo, na sequência da estreia positiva na presente edição da Liga.
Só o Arouca interessa ao longo dos próximos três dias.
O tempo entre desafios neste início de época escasseia, mas a ambição de vitória, característica do nosso Clube, mantém-se.
Força, Benfica!"

Bastidores: Spartak...

Cadomblé do Vata


"1. Se alguém conhecer uma boa bruxa, por favor passe-me o contacto que estou a precisar... vejo uma boa joga do SLB, bom resultado, tudo a correr bem, os adeptos começam a cantar "eu amo o Benfica" e buuum, entra-me um cisco para o olho... puta de sorte...
2. Dois secos lá, dois secos cá... quatro golinhos para homenagear o confronto entre os Treinadores do Tetra.
3. "Tenho de aprender português. Eu quero aprender português"... Yaremchuk a revelar a primeira coisa que JJ lhe disse quando chegou ao Glorioso...
4. Não quero parecer pessimista, mas FCP e SLB vão lutar claramente pelo 2° lugar... se o SCP não precisa deste João Mário é porque tem de estar super fortíssimo.
5. Venham de lá então esses rapazinhos da Phillips... para aprenderem de vez quem é o Povo da Luz."

SL Benfica 2-0 FK Spartak Moscovo: Voo marcado para o play-off


"A Crónica: Águia Domina e Vence Com Naturalidade
Respondendo em campo à provocação do FK Spartak Moscovo nas redes sociais, o SL Benfica mostrou‑se saída da gaiola logo na primeira mão da terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões. As águias traziam da Rússia uma vantagem de 2-0 que lhe dava conforto para o segundo desafio.
No entanto, qualquer ave de rapina deixada de asas abertas ao pairar do vento sobrevive cruelmente menosprezando a honra da presa e novo 2-0 aplicado nesta segunda mão ao Spartak, no Estádio da Luz, foi o suficiente para manter a águia guarnecida e a deixar continuar a voar até ao play-off.
Frente ao Moreirense, Jorge Jesus resguardara ao esforço de 90 minutos algumas das principais figuras do Benfica. É assim na vida, é assim no futebol: um passo mal dado hoje pode ter repercussões no amanhã.
Assim, o treinador dos encarnados preservou a frescura física de alguns jogadores, deixando clara a importância que dá à luta pela entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões. Para este jogo frente ao Spartak, recuperou a tropa de elite para quem missão dada foi missão cumprida. Jogadores como Grimaldo, João Mário, Weigl, Rafa e Pizzi voltaram a ser balas apontadas às trincheiras inimigas. No lado do Spartak, Lomovitskiy e Ponce foram as grandes novidades.
Rui Vitória, antigo treinador do Benfica, recebeu tímidos aplausos antes do jogo e igualmente acanhada foi a entrada da equipa russa.
A equipa da casa entrou no jogo afirmativa, controlou a posse de bola e não deixou os moscovitas ousarem desenvolver uma jogada com pés e cabeça que pudesse gerar um golo que fizesse abanar a eliminatória.
Numa das muitas investidas que as águias foram fazendo, Pizzi tentou visar a baliza na ressaca de um remate que ele próprio tinha desferido e, com a colaboração das pernas da defesa, quase estreava o marcador.
Foi esta a melhor hipótese da primeira parte para o marcador mexer. De resto, o caudal ofensivo que ia encantando os cerca de 20 mil espetadores não se traduziu propriamente em ocasiões claras de golo para os encarnados. No entanto, o Spartak, que era quem precisava de correr atrás dos erros cometidos na Rússia, só perturbou com remates inofensivos de fora de área.
O início da segunda parte confirmou o que a primeira vinha mostrando. Devo confessar, quando viajo de comboio, lanço o olhar pela janela e vejo uma paisagem. Noutro dia, faço a mesma viagem, mas sento-me no corredor oposto, a olhar para outra janela e, consequentemente, a paisagem muda tanto que parece que o trajeto não é o mesmo da primeira vez.
A minha experiência de viagem reflete aquilo que o Benfica sente com João Mário. A forma como se orienta quando recebe a bola fá-lo ver coisas que indicam rotas diferentes de chegada ao golo com uma qualidade de passe e receção de quem estudou para ser cirurgião, mas acabou a usar o bisturi nos campos de futebol. Ainda assim, João Mário não precisou de mostra nada a ninguém, ele próprio se encarregou do que até à hora de jogo não tinha sido feito, o golo.
Já com o 1-0 no bolso (3-0 na eliminatória), Jorge Jesus lançou Yaremchuk. Em ritmo de gestão, Everton ainda podia ter ampliado o desgosto do Spartak, mas atirou por cima. O Benfica seguiu no controlo das operações e não pôs em risco, em circunstância alguma, a vantagem. Aliás, ainda foi a tempo de fazer o segundo, com Gigot, central francês do Spartak a colocar a bola na própria baliza.
Rui Vitória é o segundo treinador que Jorge Jesus mais vezes defrontou. Entre mindgames e Ferraris, jogaram, a contar com o encontro de hoje, 23 vezes um contra o outro e Jesus somou 15 vitórias, quatro empates e quatro derrotas.
Fazer glu glu glu pode não ser notícia, mas avançar para o play-off da Liga dos Campeões certamente que o é. Na próxima fase da prova, o Benfica vai encontrar os holandeses do PSV Eindhoven. O Spartak somou a quarta derrota em cinco jogos sob o comando técnico de Rui Vitória e caiu para a Liga Europa.

A Figura
João Mário Weigl joga de retrovisores e controla tudo o que se passa à sua volta, João Mário joga de pantufas e mete técnica em tudo o que faz. Nunca pensei que partes de um carro e elementos do inventário do meu quarto ficassem tão bem num meio-campo. Que bem jogam estes dois lado a lado no Benfica. O golo pesou na hora de escolher João Mário como o elemento de maior destaque no jogo.

O Fora de Jogo
Roman Zobninas exigências táticas que Rui Vitória deixa ao seu encargo exigem mais do internacional russo que esteve no Euro 2020. Nem o conforto de ter Umyarov nas suas costas o soltou para que pudesse ser o fio condutor do jogo do Spartak, bem como também não conseguiu chegar ao último terço em apoio ao processo ofensivo.

Análise Tática – SL Benfica
Se da primeira vez surpreendeu, ao terceiro jogo oficial consecutivo a jogar da mesma forma o espanto já não é tão grande. O Benfica quer amadurecer o 3-4-3 e a prova disso é que voltou a utilizar esse sistema.
Diogo Gonçalves e Grimaldo deram largura e muita profundidade à direita e à esquerda, respetivamente, compondo, no momento defensivo, uma linha de cinco junto de Lucas Veríssimo, Otamendi e Vertonghen. A dupla de médios contou com Weigl e João Mário que conferiram à equipa segurança com bola e controlo dos ritmos do jogo. Na frente, tal como quase tinha prometido Jorge Jesus, Gonçalo Ramos apresentou-se como o homem mais adiantado, apoiado por Pizzi e Rafa nas faixas.
A equipa foi constantemente rigorosa na pressão que realizou à tentativa de saída baixa do Spartak. Deste modo, assumiu referências individuais para anular à partida os ataques dos visitantes. Na frente, não faltou mobilidade para ludibriar a defesa contrária.

11 Inicial e Pontuações
Odysseas Vlachodimos (6)
Diogo Gonçalves (7)
Lucas Veríssimo (6)
Nicolás Otamendi (7)
Jan Vertonghen (6)
Álex Grimaldo (7)
Julian Weigl (8)
João Mário (8)
Rafa Silva (7)
Pizzi (6)
Gonçalo Ramos (6)
Subs Utilizados
Morato (6)
Everton (6)
Roman Yaremchuk (6)
Gilberto (5)
Adel Taarabt (-)

Análise Tatica – FK Spartak Moscovo
No jogo do Campeonato Russo, em que acabou derrotado por 2-1 diante do Nizhny Novgorod, o Spartak Moscovo apresentou, na fase final da partida, um sistema de 3‑4‑3 com que a equipa se deu bastante bem. Perante o 3-4-3 do Benfica, poderia fazer sentido nova aposta nessa fórmula. Ainda assim, Rui Vitória voltou a utilizar o 4-2-3-1.
O Spartak alinhou com uma linha defensiva de quatro elementos, constituída por Rasskazov Gigot, Dzhikiya e Ayrton. Ao contrário do que costuma ser habitual, ambos os laterais, Rasskazov, pela direita, e Ayrton, pela esquerda, projetaram-se equilibradamente. Em circunstâncias normais, o brasileiro costuma ser quem mais sobe no terreno. No meio-campo, Umyarov foi o jogador mais recuado e com maior responsabilidade ao nível da construção.
Zobnin foi mais um elemento envolvido no processo ofensivo, fazendo, por vezes, o sistema confundir-se com um 4-3-3. Como criativo destacado, Larsson. Sem poder contar com a verticalidade de Victor Moses e Quincy Promes, apareceram descaídos nas alas Lomovitskiy e Bakaev na direita e na esquerda, respetivamente. A opção para referência ofensiva recaiu sobre Ponce que lateralizou muitas vezes a posição para fugir à marcação cerrada dos três centrais do Benfica.
Para tentar trancar a baliza, defendendo a largura com rigor, o que normalmente é um problema para esta equipa, o Spartak fez baixar os seus extremos no acompanhamento aos laterais benfiquistas, formando, em certos momentos, uma linha de seis atrás. O recuo de alguns homens que podiam ajudar a equipa no ataque reduziu muito o pendor ofensivo dos comandados de Rui Vitória.

11 Inicial e Pontuações
Aleks Maksimenko (6)
Nikolai Rasskazov (5)
Samuel Gigot (7)
Georgiy Dzhikiya (7)
Ayrton Lucas (5)
Nail Umyarov (5)
Roman Zobnin (5)
Jordan Larsson (5)
Roman Bakaev (6)
Aleks Lomovitskiy (5)
Ezequiel Ponce (6)
Subs Utilizados
Alex Král (5)
Reziuan Mirzov (5)
Mikhail Ignatov (-)
Aleksandr Sobolev (-)

BnR na Conferência de Imprensa
FK Spartak Moscovo
BnR: O Spartak acabou por baixar simultaneamente os extremos no acompanhamento aos laterais do Benfica, formando, por vezes, uma linha de seis elementos atrás para controlar melhor a largura (que vinha sendo uma dificuldade da equipa). Assim, os extremos estavam longe do local onde poderiam causar perigo ao Benfica. Sente que ao resolver um problema acabou por criar outro?
Rui Vitória: Isso, às vezes, pode acontecer. Não queríamos ter essa linha de seis, queríamos ter uma linha, normalmente de cinco, com um dos alas a baixar mais e o outro ala a estar um bocadinho mais projetado. Era nesse momento em que baixávamos com uma linha de cinco que o outro ala tinha que estar um pouco mais projetado e quando ganhássemos a bola de um lado, ela tinha que sair para o lado oposto para atacarmos em contra-ataque. Não o conseguimos fazer.
Tínhamos dois jogadores alvo, o Ponce e o Larsson, para podermos ligar por dentro, para depois atacarmos pelo lado contrário. É evidente que o Benfica nos coloca esses problemas, porque projetou bem os seus laterais.
Queríamos ser agressivos nessa primeira saída de bola e atacarmos os três defesas e criarmos instabilidade. Essa ligação que é feita quando ganhamos o primeiro passe e o direcionamos para onde queremos para agredir o adversário era fundamental e não o conseguimos fazer.
Às vezes, quando queres tapar de um lado destapa-se do outro. Fundamental era também sermos uma equipa coesa não só para este jogo, mas para sentirmos a equipa ligada, com entreajuda e compacta como base para os próximos jogos.

SL Benfica
Não foi possível colocar questões ao treinador do Benfica, Jorge Jesus."

Seguros – A nova vantagem tática do Benfica no muda aos 2 e acaba aos 4


"A vantagem tática voltou a sentir-se no confronto Benfica vs Spartak. Ao contrário da primeira eliminatória em que a errónea pressão dos russos abriu as avenidas ao jogo ofensivo do Benfica, para o jogo da Luz, a equipa de Rui Vitória veio organizado num ultra defensivo 6x2x2. Não jogou mas também nunca impediu que o Benfica jogasse. Apenas fechou os caminhos da sua baliza numa organização tão baixa que jamais lhe possibilitou qualquer tentativa de sair em contra ataque.

Extremos do Spartak em Linha Defensiva – Espaço nos corredores laterais para Verísismo e Vertonghen invadirem

Novamente sem encaixe nos centrais encarnados que assumiam construção – Veríssimo à direita e Vertonghen à esquerda – os dois avançados do Spartak sempre em inferioridade fartaram-se de correr para tapar progressão aos defesas encarnados, mas chegavam invariavelmente tarde e obrigavam toda a estrutura do Spartak a baixar ainda mais no relvado. O Spartak impediu a criação encarnada – Mas nunca entrou sequer na eliminatória porque sem encaixar defensivamente, não foi capaz de jogar ofensivamente.

Pressão do Benfica – HxH – recuperava rapidamente a posse

Tal como na Rússia, foi a forma definida pelos treinadores sobre como defender na primeira fase – na saída para o ataque do adversário – que determinou que uns tivessem a bola e outros ficassem a ver o jogo.

Organização Ofensiva – João Mário nas costas do trio ofensivo

Se a maior presença na rectaguarda permitiu total controlo defensivo e ofensivo sobre o Spartak, a pouca presença na frente, e ainda mais as dificuldades individuais criativas e de velocidade de execução entre os três mais adiantados, tornaram o jogo do Benfica pouco capaz de criar.
O controlo não encontrou a mesma competência na velocidade de circulação e capacidade para receber e tocar de forma veloz no último terço. Ramos não foi alimentado que não na procura dos espaços nas costas nos corredores laterais, Pizzi não demonstra condições para jogar em espaços curtos pela tremenda dificuldade de velocidade de execução e eficiência técnica que aparenta – Ficando somente em jogo ou fora do bloco – Deixando o Benfica orfão nas zonas criativas – ou surgindo apenas para finalizar, e Rafa Silva traz sempre mais qualidade em espaços abertos do que quando é preciso assumir o jogo em ataque posicional.
Um jogo de total superioridade mereceria mais lances com os que João Mário aproveitou para sentenciar a eliminatória. Jogada bem desenhada, iniciada e definida pela qualidade de Rafa e João Mário que combinaram em zonas intermédias para chegar ao último terço.

Jogo Tranquilo, que ainda assim fez perceber que há problemas para resolver em ataque posicional – Falta aumentar qualidade criativa que alimenta a zona de finalização."

Roman Yaremchuk - análise de Rui Malheiro

Um pequeno exemplo...


"Não são apenas nas grandes penalidades ou expulsões que se decidem os jogos. Moreira de Cónegos foi apenas mais um exemplo. Já alguém percebeu a que se deveram os 8 minutos de tempo extra concedido pelo árbitro no final do jogo?
O Benfica bem pode avisar quem quiser, como quiser e quando quiser. Com o actual quadro de árbitros, vai ser sempre comido deliberadamente porque a maior parte dos árbitros são da AF Porto ou ligados ao Calor da Noite. Não contem por isso com isenção e profissionalismo. Isto é o novo Apito Dourado, ainda mais descarado."

A Gaiola de Faraday


"Michael Faraday, físico e químico britânico (1791-1867), é, sem dúvida, uma das personagens mais populares no meio científico, e duvido mesmo que entre os alunos do segundo ciclo haja quem não tenha retido o seu nome. Afinal, ele é autor de um dos experimentos mais populares da história da ciência moderna: sentado numa cadeira de madeira, no interior de uma gaiola metálica e envolto num isolante, passou totalmente incólume, pois os electrões distribuem-se de forma homogénea, na parte exterior da sua superfície.
Ponhamos a coisa nos seguintes termos: metam, à força ou a bem (em princípio a bem, que à força não há quem), um qualquer ser vivo, que, por absurdo, poderia ser uma águia, no interior de uma gaiola metálica, do estilo daquela que os inefáveis jogadores do Spartak exibiam no suposto e trapaceiro intuito de drasticamente confinar e, quem sabe, electrocutar a águia da Luz e saberão que essa descarga elétrica se dissipará no exterior da dita gaiola, sem atingir minimamente a ave, devidamente isolada, claro.
Como o Benfica: mentalmente isolado o grupo de trabalho dos maléficos intuitos do seu adversário, eis que sobrevoou, com vaidosa altivez, a ridícula gaiola moscovita, sem nela, obviamente, entrar (o seu habitat é o céu, nunca a gaiola) e sem sofrer o mais mínimo arranhão que fosse. Mais: foi quem activou a pretensa descarga elétrica que por ela acabou fulminantemente atingido.
O achado científico da blindagem electromagnética que Faraday nos legou é, a seu modo, a metáfora perfeita a inspirar o trabalho de imunização mental que um bom líder de balneário deve consistentemente empreender.
No caso vertente, o Benfica soube isolar-se dos supostos intentos maléficos do adversário, optando por um tipo endógeno de motivação e centrando-se no núcleo da sua tarefa - e aconteceu tudo ao contrário do que pretendiam os russos, aprendizes de feiticeiro: o feitiço virou-se contra os próprios e foram eles a sofrer os efeitos da electrocussão mental.
É bem conhecido o axioma escolástico: “ actiones sunt suppositorum “ (as acções afectam os agentes, ou, numa tradução mais popular, as acções ficam com quem as pratica).
De facto, não há acções neutras: elas qualificam sempre o sujeito. Em clima olímpico, sejamos claros: a flecha lançada contra alguém atinge, antes do mais, o próprio lançador, por muito afinada que este tenha a pontaria.
Mas, neste aquilino episódio, persiste um evidente equívoco: a águia é, por sua própria natureza, a negação mesma da gaiola, pois é da sua própria essência voar bem alto e solitária - é, com efeito, nas alturas que ela exibe todo o seu poderio!
Não há gaiola que lhe sirva, por mais dourada que seja (numa alusão ao filme de Rúben Alves e que retrata jocosamente aspectos da saga migratória da década de sessenta para França) - seria sempre uma prisão fatal. Os horizontes da águia são demasiado amplos para serem confinados a uma qualquer gaiola.
Gostaria de terminar com uma nota curiosa de carácter pessoal, se tal me for permitido:
A padroeira da minha terra é a Nossa Senhora da Gaiola - assim mesmo. Durante cerca de cinquenta anos, a sua ermida serviu de sede paroquial, enquanto era construída a igreja matriz. Terminada a construção, o bispo de Leiria de 1605 a 1615, D.MartimAfonso Mexia, num gesto de incontinência iconoclástica, ordenou a demolição da ermida, enquanto o orago e demais pertences passavam para a igreja.
A origem desta exótica invocação não está devidamente averiguada, mas reza a lenda que, em tempos idos e para a poupar aos desmandos das hordas que invadiam a Lusitânia, a imagem da Virgem foi escondida num buraco no tronco de uma árvore, imagem que viria a ser descoberta por uns pastores que construíram, em seu redor, uma pequena cabana, que tinha o aspecto de uma gaiola, Daí o nome de Nossa Senhora da Gaiola que se mantém até aos dias de hoje.
É, porém, um dos raros casos em que a gaiola funciona como refúgio - que é como cativeiro que ela é sobretudo experienciada. Por isso, quiseram capturar a Águia: juízo - e que Nossa Senhora da Gaiola os proteja. Além, está claro, do Santo da particular devoção dos moscovitas: São Basílio!"

A ilusão do modelo desportivo


"O desporto possui uma dimensão supra-estatal e funciona como modelo social universal. As regras que o regem aplicam-se uniformemente em todo o mundo. Elas instauram um quadro normativo que preside nas relações sociais. Como referência transcultural, o desporto impõe a sua própria cultura, os seus ritos e os seus princípios.
A justiça e a igualdade de oportunidades são os garantes da constituição de uma hierarquia legítima. A prática desportiva tornou-se o refúgio dos valores democráticos. Este museu vivo dos princípios morais das sociedades modernas tem justificado a sua veneração. Não podemos esquecer que o princípio de equidade comporta duas partes: uma que nos dá conta da forma como nós contraímos as obrigações e a outra na qual se estabelece a questão de ser justo. No caso do desporto, julga-se que se trata de uma instituição justa. Mesmo se os princípios são colocados em causa, a ligação com o público continua. Mas as contradições fazem parte do quotidiano dos homens e das mulheres que vivem nas sociedades capitalistas mundializadas, que apregoam a justiça e a igualdade e que oferecem o espetáculo crescente de desigualdades sociais. O desporto participa dessa mesma ilusão.
O desporto é, por consequência, um facto social portador de princípios morais por uma determinada sociedade, num determinado momento. Ele não pode ser o seu modelo, dado que é a sociedade que o modela. O princípio das transformações das práticas e dos consumos desportivos deve ser procurado na relação entre as transformações da oferta (invenção ou importação de práticas desportivas, equipamentos novos, reinterpretação de desportos ou de jogos antigos, etc.) e as transformações da procura (mudança de estilos de vida)."

Pedro Pablo Pichardo


"Quando sou bombardeado por ondas de chauvinismo, intolerância, nacionalismo doentio, mentira, intriga, evanescência dos valores de humanismo, racismo auto- e hétero manifestado, pacifico as minhas exaltadas emoções ouvindo o «Imagine» de John Lennon. Esta canção é o único hino universal que coloca os valores no seu devido lugar, é uma verdadeira bússola axiológica. Para nos limparmos de preconceitos deveríamos ouvi-la de vez em quando, algo assim como uma higiene mental e purga afetiva.
Hoje, como homem do desporto que vive nele mergulhado até ao paroxismo, não poderia deixar de dizer o que me vai na alma sobre o processo Pedro Pichardo. Não, não nos focalizemos nos aspetos menores, mesquinhos, conjunturais como um timing de naturalização. Tenho, cá para mim, que todo o cidadão do mundo, ao nascer, deveria ser-lhe atribuída a cidadania portuguesa. Porquê? Porque, para o bem e para o mal, cinco séculos antes da internet Portugal uniu os quatro cantos deste mundo redondo. Fomos nós, com o nosso impulso genético para a viagem que nos lançamos na aventura de dar o mundo ao mundo. Não fomos nisso originais pois recebemos a pulsão para a viagem dos grandes navegadores fenícios, gregos e vikings que, antes de nós, fizeram do mar sepultura para muitos dos seus.
Mas, na pasmaceira europeia do século XV, fomos nós que demos o tiro de partida. Que descobrimos? Além de terras novas em diferentes geografias ou terras conhecidas por novos caminhos descobrimos que o ser humano é uno na sua pluralidade. A riqueza do ser humano é a sua diversidade cultural derivada de uma mesma matriz genética. Hoje não é dia para fazer a mea culpa dos erros fantásticos que cometemos. Talvez o maior de todos tenha sido que os ventos que propulsionavam as caravelas levarem no seu bojo uma forma de pensar o transcendente muito diferente do dos povos que contactamos. Sim, somos culpados de ter levado «civilização» a alguns que dela não necessitavam. O problema não foi o vento que enfunava o velame das caravelas, mas a cruz que as distinguia.
Onde quero chegar? Para já fazer uma petição de princípio assente em dois postulados: (i) Só existe uma raça - a humana; (ii) Todos os ditos brancos nada mais são que pretos esbranquiçados pela lixívia da setentrionalidade. A partir daqui podemos tentar interpretar a medalha de Pichardo. Se a utopia a que almejamos tem a sua bíblia consubstanciada na canção de John Lennon, então os países, malgrado os seus alicerces históricos bem determinados, devem ser considerados como construções humanas com utilidade conjuntural, mas a serem ultrapassados no futuro. Espera-se que em um ou dois milénios o conceito de país seja irrelevante. Façamos figas para que as pulsões hipotalâmicas mais baixas não controlem o neocórtex da humanidade e a reduzam ao pó genésico.
Não, não me chamem nomes. Logicamente que tenho orgulho em ser português como deve ter orgulho em ser papuense nova-guienense (estou a inventar; não sei se é esta a denominação) um habitante da Papua Nova Guiné (já agora, fomos nós portugueses que descobrimos este território em 1511, embora hoje integre a Commonwealth). Hoje, enquanto o conceito de país e nacionalidade ainda perdura, cada cidadão de cada país deve ser patriota. O que significa isso? Significa comungar de uma mesma história, no bom e no mau que essa história outorga, manifestar um sentimento de identidade e solidariedade com os compatriotas, na assunção dos valores básicos que devem reger todos os grupos humanos entre os quais devem sobressair a paz, tolerância e convivialidade.
Ser patriota é estar aberto ao mundo vestido com a roupagem cultural específica do lugar onde se nasceu, mas pode também ser a assunção de um território humano que nos permitiu a realização mais elevada do humano que habita em cada um de nós.
Sim, ser patriota é estar aberto ao mundo e numa sã competição com os outros países aproveitar o ensejo de afirmação das forças intrínsecas do meu país. Isto é verdade no desporto como na engenharia civil, arquitetura, microbiologia, cibernética ou física das partículas.
E regresso ao início desta reflexão. O Pedro Pablo Pichardo é tão português como eu e os meus filhos, com uma vantagem – escolheu ser português. Entre as benesses dos nossos erros, nós, portugueses, espalhamos miscigenação um pouco por todo o lado. Outros povos europeus foram mais parcos na miscigenação. Quem pode dizer que o Pedro Pichardo não tem sangue português? Mas isso não interessa para o caso. Ser humano é integrar um grupo zoológico específico culturalmente denominado humanidade. Esta, não pode ser um conceito abstrato. A humanidade é consubstanciada em indivíduos reais com os seus problemas e idiossincrasias. A história de Pichardo relata-nos uma saga de um homem à procura daquela coisa inefável que se chama liberdade. Que Pichardo tenha escolhido Portugal para ser livre só nos honra. Temos de orgulhosamente o receber de braços abertos.
Ser português é ser guineense, angolano, moçambicano, goês, timorense, macaense e além disso considerar todos os outros bem-vindos quando vierem por bem. Pedro Pablo Pichardo deu-nos uma medalha de ouro, mas, mais importante que isso, deu-nos um filho que devemos tudo fazer para que ele sinta sempre orgulho de ser português, esteja onde estiver.

PS. Avé Campeões, Pichardo, Mamona, Fonseca, Pimenta. Parabéns a todos os atletas que no Japão deram o melhor de si. Parabéns a todos os que dentro de portas deram o seu máximo e que não conseguiram lá chegar. Sem estes aqueles não conseguiriam. Lembremo-nos que ser eleito para uns Jogos Olímpicos é um processo coletivo onde a grande maioria (passe o pleonasmo) fica à porta. Esse esforço continuado dos que não conseguem deve ser exaltado da mesma forma que o esforço dos campeões que nos honram com os seus feitos.
Quero terminar com um abraço muito apertado ao Emanuel Silva. Que carreira, campeão! Quando fui treinador do Náutico de Prado eras uma criança de 10 anos que lutava contra os desequilíbrios na modalidade. Quem diria que farias esta viagem maravilhosa consubstanciada na vivência com tanto êxito de quatro olimpíadas. Já ganhaste um lugar nos maiores deste nosso maravilhoso país, país a que pertencem todos os cidadãos do mundo."