"Digo-o a frio, e sem hesitações: a derrota de Braga significou a maior desilusão desportiva de toda a minha vida.
Nem os 7-1 de Alvalade, nem os 7-0 de Vigo, nem mesmo os penáltis de Estugarda, me feriram mais fundo que a dramática oportunidade perdida que esta maldita meia-final representou. Perante a ocasião histórica de, 21 anos depois, voltar a um grande palco europeu, o Benfica soçobrou diante de uma equipa valiosa, mas que, sobretudo atendendo ao contexto internacional em que a eliminatória se realizava, não deixava de ser um adversário relativamente acessível – mais ainda depois da vantagem, ainda que curta, lograda na partida da primeira-mão.
Há derrotas e derrotas. Algumas esgotam-se em si mesmas, ou, no máximo, na temporada em que decorrem. Outras entram, como uma seta, para a eternidade da dor e das lágrimas. Esta meia-final fará doer a alma sempre que vier a ser evocada, e nem daqui a décadas nos esqueceremos dela. Por isso, por se ter passado precisamente numa esquina da história, ela se tornou tão cruel, e tão difícil de digerir. Por isso, os momentos vividos no estádio, no fim do jogo, e perante a festa bracarense no relvado, foram os mais angustiantes que o futebol alguma vez me proporcionou.
Faltou apenas um golo. Com um simples golo (uma bola dentro de uma baliza), estaríamos agora a preparar-nos para discutir o segundo troféu mais importante da Europa, e prontos para tocar nos céus. Esse golo poderia ter acontecido num dos remates aos postes (Cardozo em Lisboa, Saviola no Minho), podia ter ocorrido no cabeçeamento de Kardec tirado sobre a linha, poderia ter resultado do tiro de Gaitán a que o guarda-redes contrário se opôs com brilho, ou do remate em arco de Jara, que saiu muito perto do poste. Em cada uma dessas situações, uns centímetros mais para um lado, ou mais para o outro, dariam um rumo totalmente diferente à história, e desenhariam as cores da nossa felicidade. Como é ténue a linha que separa a felicidade da tragédia…
É necessário, pois, não desprezarmos o grau de aleatoriedade que o fenómeno desportivo sempre incorpora, e que tantas vezes é incorrectamente negligenciado. É necessário, pois, perceber que com os mesmos jogadores, com o mesmo treinador, com o mesmo sistema táctico, com as mesmas substituições, com o mesmo fulgor físico, poderíamos ter sido bastante mais felizes, e poderíamos estar agora a festejar ardentemente. É assim, afinal, o futebol: ora mágico, ora verdadeiramente bárbaro na forma como, a partir de pequenos detalhes, devasta as nossas emoções até aos limites da mais profunda angústia.
Vamos ter muito tempo para chorar. Não devemos, portanto, precipitar atitudes e comportamentos, nem deixar que sejam as emoções a falar por nós. É preciso não esquecermos que o Benfica perdeu numa meia-final europeia, à qual só chegaram 4 dos 200 clubes que participaram na prova. Não há muitos anos atrás estávamos no 91º lugar do ranking da UEFA, terminávamos o Campeonato Nacional em 6º lugar, e éramos eliminados da Taça de Portugal, em nossa casa, aos pés do modesto Gondomar. Não podemos confundir a tristeza de uma oportunidade desperdiçada (por mais difícil que ela seja de suportar), com qualquer sentimento de humilhação, vergonha ou desonra, palavras que não devem, sequer, ser aqui chamadas.
2010-2011 será, inquestionavelmente, uma temporada traumática para os benfiquistas. Mas é preciso manter a lucidez suficiente para perceber que esse trauma se deveu mais ao modo como se foram desenrolando, e aniquilando, as expectativas de vitória nas várias competições, do que propriamente aos resultados finais em si mesmos – pobres, é certo, mas muito longe de serem os piores dos últimos 15 anos.
Esta época trouxe-nos emoções extremamente negativas, mas não foi uma época extremamente negativa. A nossa angústia provém mais dessas emoções, do que dos resultados que lhes deram origem. Provém mais da forma, do que do conteúdo.
Foi, de facto, a forma como nos vimos afastados do Campeonato (vendo o principal rival festejá-lo em nossa casa), da Taça de Portugal (deitando para o lixo uma vantagem de 2-0 obtida fora), e da Liga Europa (com uma equipa portuguesa, teoricamente mais modesta, e depois de um triunfo na primeira-mão), que nos deixou destroçados, pois Campeonatos perdidos houve, infelizmente, muitos nas duas últimas décadas, finais de Taça já não as temos há seis anos, e meias-finais europeias não as disputávamos desde 1994. Sobrou ainda assim uma Taça da Liga, uma qualificação para a Champions, uma subida no ranking da UEFA, um recorde de vitórias consecutivas, e momentos de futebol espectáculo que as últimas semanas não podem fazer esquecer.
Qualquer análise objectiva à presente temporada terá de contemplar todos estes aspectos, e relativizar os estados de alma decorrentes de elevadas expectativas que não se puderam concretizar."
Luís Fialho, in O Benfica