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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Portugal de supercampeões

"Portugal é campeão da Europa! Finalmente, temos a recompensa do tanto que já contribuímos para o futebol com o imenso talento e a enorme paixão que sempre alimentámos. Dez de Julho de 2016 passa a ser uma data histórica para Portugal. Paris, que já era uma cidade especial para os portugueses, tornou-se agora a capital da nossa maior conquista. Não poderia haver local mais simbólico para uma proeza desta dimensão.
Queremos lágrimas de alegria foi o apelo que o Record fez no dia em que Portugal jogou a segunda final da sua história. No fim, o desejo cumpriu-se mas primeiro ainda vimos lágrimas de dor na face de Cristiano Ronaldo. O 'homem máquina' cedeu após uma entrada intimidatória de Payet e, de repente, a Selecção ficava órfã da sua superestrela. Se o desafio era enorme, ali tornou-se gigantesco. E, seguramente para muitos, parecia ser impossível vencer. Pensar numa final sem Cristiano Ronaldo era inimaginável. Acreditar que seria possível ganhar sem ele, era simplesmente inadmissível. No entanto, se perdemos o melhor jogador, ficámos com mais um líder no banco e reforçámos o espírito solidário de uma equipa que teve no compromisso total e na capacidade de superação duas armas que nenhum adversário foi capaz de igualar.
Naquele pontapé de Éder que nos deu um título histórico não ia apenas o destino de uma bola rematada por um herói improvável. Ia a força de um passado carregado de ilusões e desilusões e de um presente cheio de ambições.
Foi Fernando Santos o primeiro a colocar a fasquia no ponto mais alto. Abriu as portas ao sonho mas os portugueses tiveram dificuldade em sonhar com ele. Talvez por estarmos tão marcados por adversidades e fatalismos que na esquina da glória nos privam da felicidade plena. Talvez porque apesar do empenho e da generosidade, o nosso fado parece que tem de ser sempre triste. Aos poucos, porém, acendeu-se a chama da crença. Diria mesmo, a chama da fé. E ontem ela esteve presente não apenas no relvado do Stade de France, mas em todo o mundo português. As imagens e os testemunhos do dia de ontem assim o comprovam.
Há muitos heróis nesta aventura. Os jogadores os treinadores, os adeptos. Mas ninguém pode esquecer também muitos dirigentes e no caso particular, o presidente da FPF, Fernando Gomes. A escolha arriscada que fez revelou argúcia, convicção e visão. É o que distingue um líder."

António Magalhães, in Record

Éder: o caráter venceu a técnica

"Durante três décadas, Portugal nunca largou o violino, mas só lá chegou quando pegou na enxada. A última da fila

O jogador mais depreciado da selecção mais depreciada do Europeu é o herói desta segunda-feira. E o futebol mais "aborrecido" que Portugal jogou nos campeonatos da Europa foi o que permitiu, finalmente, levar a Taça. Há uma lição nestas surpresas e eu suspeito que seja a mais evidente: Portugal sempre quis ser violino, mas o seu papel no mundo é ser, primeiro, enxada. Nasceu para ter calos antes de usar luvas de pelica. Foi preciso que chegasse um treinador com olhos de engenheiro para trazer a selecção à terra e tirar dela as virtudes que Éder também tem, se calhar até em maior volume do que a maioria dos colegas. Humildade, capacidade de sacrifício, carácter e camaradagem são termos simplórios que enrolam nas nossas línguas sofisticadas e que são recém-chegados ao dicionário da selecção, e não me refiro ao que se usa dentro do balneário, mas àquele que usamos todos. Ao longo dos anos fomos sempre de uma presunção insuportável. Nenhum jogador servia; as segundas linhas eram miseráveis; as novas gerações sem futuro; o trabalho dos clubes inqualificável; e, finalmente, a selecção seria patética se não houvesse Cristiano Ronaldo. Até que não houve Cristiano Ronaldo e o campeonato da Europa acabou arrancado das mãos da França por Éder, o último dos últimos, símbolo de todos os maus tratos que fomos dando à estirpe de jogadores que, afinal, é o grosso do futebol português. Os geniais também existem e existirão - João Mário, Pepe e Raphael Guerreiro, por exemplo -, mas só para ajudar. Se tiverem carácter para isso."

Campeões. E depois?

"Admirável esta equipa portuguesa que, é verdade, apenas ganhou um jogo no período dos noventa minutos no Euro-2016, mas soube sempre como sair de algumas situações difíceis que se lhe depararam. E o futebol também é isto.

Para os que acreditam que o trabalho e a fé movem montanhas, a vitória da selecção portuguesa tornando-se assim no novo campeão da Europa, é um acontecimento revestido de alguma naturalidade.
Fernando Santos é o principal artífice desta ideia, que soube adaptar a um grupo com o qual estabeleceu, desde o início, uma relação séria, sem subterfúgios, e que por isso ficou fadada a permitir chegar ao objectivo maior que levou até França um grupo de 23 jogadores que ficam na história do futebol português.
Admirável esta equipa portuguesa que, é verdade, apenas ganhou um jogo no período dos noventa minutos no Euro-2016, mas soube sempre como sair de algumas situações difíceis que se lhe depararam. E o futebol também é isto.
Parece injusto tratar à parte alguns dos nomes que fizeram parte desta noite mágica, porque o sucesso é, acima de tudo, uma obra do colectivo.
Mas, em boa verdade, merecem referência especial Rui Patrício, para nós o jogador português mais valioso na final de Saint Denis, de uma utilidade inigualável, e Eder, a que muitos se habituaram a chamar de “patinho feio”, mas que obteve o golo da noite, e que por isso fica justamente para a história.
E, claro, Cristiano Ronaldo está também em primeiro plano.
Roubado ao jogo por uma lesão contraída muito cedo soube ser sempre, não obstante essa contrariedade, mais um pela confiança que foi capaz de transmitir a todos os seus companheiros.
Um campeão como CR7 merece estar a caminho da conquista de nova Bola de Ouro, a premiar também o futebol português por ter conseguido chegar a um patamar que para muitos parecia inalcançável.
A partir de agora, a Europa e o mundo vão passar a olhar o futebol português de uma maneira diferente: somos campeões da Europa, mesmo contrariando algumas aves agoirentas que com frequência se faziam ouvir por cá e lá fora.
Depois do melhor jogador do mundo, melhor treinador do mundo, melhor árbitro do mundo, melhor empresário do mundo, chegar ao título de campeão da Europa, é atingir o cume da uma imponente pirâmide."

As lições da nossa seleção para as equipas nas empresas

"O desporto sempre foi um dos campos onde as organizações procuraram exemplos, conhecimento e modelos para identificar, transferir e adaptar para as suas equipas de trabalho. Especialmente a liderança do treinador e de equipas, um dos campos mais fascinantes, num ambiente altamente competitivo, cooperativo e onde o trabalho individual e colectivo dos jogadores estão interligados. 
Esta selecção, até pelo modo pouco convencional como foi sendo construída e moldada à imagem do seu treinador e daquilo que o líder considerou ser o mais indicado para o objectivo e com os recursos que tinha ao seu dispor, possibilita a todos nós retirar algumas ilações importantes para o nosso dia-a-dia. Especialmente para as equipas empresariais, sempre em busca de boas práticas para conseguir elevar o seu patamar de desempenho.
As equipas devem estar em constante aprendizagem e desenvolvimento para se manterem competitivas. E a nossa selecção demonstrou isso mesmo. Conseguiu que o seu ciclo de existência para este campeonato assumisse um ritmo de crescimento. A formação e o treino permitiram que se conseguisse adaptar, competir, produzir, ser mais segura, melhorar e alcançar os objectivos.
A selecção liderada por Fernando Santos, ao contrário de outras equipas desportivas, foi sempre pouco autónoma. Mas foi aí que o seleccionador português encontrou o equilíbrio desta equipa. No entanto e ao contrário do que a investigação refere, estes processos mais controladores implicaram constantemente processos colectivos e que foram reforçados, especialmente, porque o seu funcionamento era de coesão, com uma dinâmica simples mas suportada por um controlo emocional elevado.
Retiraria três lições em especial para as empresas:
1- Predisposição interpessoal: Esta é uma das características que os CEO’s mais referem que gostariam que as suas equipas de trabalho alcançassem. E que na opinião deles faz diferenciar uma equipa de elevado desempenho de outras equipas menos competitivas. E a nossa selecção demonstrou que é mesmo uma das características que suporta o sucesso. O talento é importante, bons executantes, objectivos ambiciosos, etc. Mas a capacidade de os vários elementos de uma equipa estarem predispostos para ajudar os outros, estarem atentos se o colega vai realizar a tarefa com sucesso ou não, e estar lá sempre que seja necessário colmatar o erro, permite que um erro seja constantemente solucionado e mais do que isso, reforça o espírito de união e coesão da equipa.
2- Coesão e espírito colectivo: Mais do que palavras, vários exemplos foram-nos dados especialmente a partir dos jogos a eliminar. Suporte de alguns jogadores a outros. A capacidade de quando alguém parecia cair, ir outro colega levantá-lo. A capacidade que os jogadores demonstraram juntamente com o líder para colocar a clubite de lado. Importante, se não mesmo, essencial.
3- Abnegação da zona de conforto: Talvez a característica que mais surpreendeu nesta selecção. Mérito da sua liderança. A capacidade que o líder demonstrou para colocar dois, três ou quatro jogadores a jogarem fora da sua zona de conforto e que nem mesmo assim, retirou o espírito de luta, entrega e compromisso."

CR desprezou Hollande e gozou o prato

"Acabou o jogo. Portugal é campeão europeu. Está na hora de ajustar contas. Foi bestial ver os nossos rapazes a passar na bancada de honra por François Hollande - sim, o presidente francês empertigadote - e praticamente nem o cumprimentar. Deram-lhe com desprezo um aperto de mão suado e cheio de ranhoca (não faz mal, os franceses, “como se sabe, são todos porcos”, vem no Google). Digo isto assim porque temos contas a ajustar. Representa uma nação humilhada. França, de joelhos. Olha que bom. Olha que bem que sabe. É nisto que o futebol é genial.

Hoje viu-se na TV jogar uma série de estratégias de portugalidade. A frase parece pomposa. Não é. 

Vimos um Ronaldo lesionado a comandar de fora do campo. A dar ordens, naquela ânsia de querer ganhar. Ao Ronaldo aceitamos e desejamos que tenha essa ambição desmedida. Queremo-la nossa. 

Noutro jogo, as imagens de uma televisão espanhola revelaram um Cristiano a ir buscar o lado tímido e inseguro do tuga Moutinho e a empurrá-lo para a auto-confiança. E agora, no jogo da final, a ir buscar o Éder dizer-lhe palavras secretas que o levaram a marcar o golo que os franceses, com violência, negaram ao nosso melhor jogador. Cristiano Ronaldo é o modelo-base de um português “perfeito” que construiu o seu destino.

Mas entre as brumas das traças, umas horas antes, e Ronaldo dividia as primeiras páginas dos jornais franceses com outro português de alto perfil internacional: Durão Barroso. A nova contratação da Goldman Sachs foi ao Stade de France pavonear-se e falou à RTP na zona VIP sobre futebol. Só que quando lhe perguntaram o que achava do facto de os jornais franceses estarem a qualificar a sua personalidade (toque de calcanhar do jornalista) com o mesmo epíteto do futebol de Portugal ele respondeu: “Nojento”

Sibilino, Barroso indignou-se, como se ser ambicioso e querer ganhar tudo e ainda se dizer patriota fosse o mesmo que ser o Ronaldo. Não é. Gozemos pois o pratinho. Para os portugueses, grosso modo, Ronaldo é um herói e Barroso é assim como que o fulano que trata das cavalariças dos vilões. 

Mas foi durante a tarde que as TV's mostraram uma tensão que a polidez urbana, a estratificação social e o bom senso quotidiano têm mascarado durante décadas. E as virtudes da União Europeia nunca libertaram. Os franceses, tanto quanto se pode generalizar, desprezam os emigrantes portugueses. Ora isto é algo que até sabemos. Mas esta final do Euro em França, entre os dois países, a ansiedade, a tensão em Paris, a emoção e os insultos e bebida fizerem com que as bocas se abrissem em frente às câmaras de TV. E quem viu ficou perplexo.

Na tarde de 10 de Julho, os emigrantes portugueses em França decidiram assumir que não são bem tratados pelo comum dos franceses. São os pedreiros, os “petit portugais”, é o desprezo, o chauvinismo diário, as ideias feitas, os preconceitos. Um disse que era chamado de “filho de escravo” e só uma situação de crescendo de multidão permitiu tanto depoimento similar em tanta TV diferente.  
Ora, o absurdo repetido banalizou-se e levou a que os jornalistas passassem a assumir que os portugueses eram todos mal tratados. Ponto. E as perguntas às vezes já eram: “Acha que que a vitória vai vingar o que os emigrantes portugueses sofrem em França às mãos dos franceses?” ou “A sua vida vai melhorar em França se Portugal ganhar”.

Há quem diga que teve mais gozo ganhar a jogar mal. Que teve mais gozo ganhar sem Ronaldo. Esta coisas das vinganças e humilhações só servem se for dos fracos contar a história. Vamos ajustar contas.

Gozo mesmo foi humilhar os franceses. Devemos isso ao Ronaldo e seus muchachos. Mas o resto – as crises de confiança de Moutinho, as cenas de Barrosos sem espinhas, as fraquezas e complexos - temos que resolver nós com o espelho.

Somos campeões. Os franceses tomaram um banho de humildade. O que neles ainda é mais raro do que de água."

Cá se fazem, cá se Payet

"O que se viu no Stade de France foi história a ser concretizada - uma história com três 'F' e um 'E', de Éder, o homem que deu a Portugal o seu primeiro título de campeão europeu
Esta é uma história de Futebol, Fátima e Fado. Assim, por esta ordem. Porque Portugal é um país com uma tradição futebolística imensa, especialmente quando olhamos para o número de habitantes que tem, mas, nas grandes competições, raramente chega lá. Lá, ao momento arrepiante a que chegou esta noite, no Stade de France, porque os portugueses têm muito talento, pois têm, mas jogar bem não é ganhar e nem jogando bem Portugal alguma vez conseguiu ganhar o que quer que fosse.

Vai daí, Fernando Santos puxou da fé (ou da fezada) que tem de sobra e deu a Portugal o que Portugal não tinha: muita crença - começando naquele França-Portugal de 2014 em que disse aos jogadores que iam voltar para jogar a final - e muito pragmatismo - pensando primeiro em não deixar os outros marcar e só depois sermos nós a marcar -, porque se é para jogar bem, ouvir uns elogios e perder, então mais vale jogar mal, engolir umas críticas e ganhar.
Só que isto do Fado é como uma força que ninguém pode parar. Não foi possível pará-la em 2004, quando um miúdo de 19 anos chamado Ronaldo acabou a final dos nossos sonhos a chorar, nem foi possível pará-la esta noite, quando um capitão com coração acabou a final dos sonhos dele, aos 31 anos, a chorar. Cristiano Ronaldo não merecia a entrada dura de Dimitri Payet que o deixou a coxear logo nos primeiros minutos e nós também não, porque foi impossível não chorar quando o capitão chorou, saiu, reentrou, chorou e saiu. De vez.
Aos 24 minutos, Portugal ficou sem a sua referência ofensiva e a final do Europeu ficou sem a sua estrela - até porque nem Griezmann fez a diferença pela França. Se a selecção já tinha entrado no relvado tão inconsistente quanto a música de David Guetta que abriu a final, pior ainda ficou sem o capitão. Os jogadores juntaram a desorientação ao nervosismo e mesmo com a passagem do 4-4-2 inicial para um 4-3-3 (às vezes mais 4-5-1), já com Quaresma numa ala e Renato no meio, a equipa demorou a conseguir ter a bola e a acalmar os franceses, que entraram embalados pelo apoio dos adeptos, obviamente em maioria no estádio.
Só que a França não é uma selecção que se sinta confortável a assumir o jogo - é-o mais quando joga na expectativa e parte para ataques rápidos e contra ataques, como fez com a Alemanha - e só ia criando perigo quando a força física de Sissokho se fazia sentir. Só que, nessas alturas, Portugal teve um gigante na baliza, que defendeu tudo, tanto na 1ª como na 2ª parte - e mesmo quando Rui Patrício não defendeu, no prolongamento, teve o poste a defender por ele.
É verdade que, tirando uma dupla ocasião de Nani e Quaresma, Portugal também não teve grandes oportunidades de golo antes do prolongamento, muito por culpa (da pressão?) dos passes falhados na saída para o ataque. Mas esteve sempre seguro na defesa - Pepe mais uma vez em grande - e foi aproximando-se cada vez mais da baliza oposta, especialmente depois de Fernando Santos ter posto em campo o tão criticado Éder, que foi segurando todas as bolas que pôde - até àquela última bola. Aos 108 minutos.
Raphaël já tinha enviado um livre directo à trave e já se sentia um cheiro a Portugal no ar (entre os milhares de traças que invadiram o relvado porque alguém ontem não desligou as luzes do estádio), por isso quando Éder pegou na bola e embalou para a baliza, todos nos levantámos, todos rezámos, todos gritámos "chuta,
Éder!" - até Ronaldo, que já estava no banco de um lado para o outro a fazer de adjunto de Fernando Santos. Éder chutou, a bola entrou e esta história não poderia ter um final mais épico do que este. É uma epopeia portuguesa, com certeza - que já tinha começado esta manhã com as grandes vitórias dos atletas lusos no Europeu de atletismo. Há dias assim, em que é tudo nosso. Chama-se Fado. E o nosso está a mudar."

Perguntei à noiva se podemos chamar Éderzito ao segundo filho

"Aqui se reconta o que aconteceu no França-Portugal que deu o título à equipa das quinas
Bom, tenho muito pouco tempo para vos falar sobre o que se passou hoje. Como seria de esperar, acabei de perguntar à minha futura mulher se podemos chamar Éderzito ao nosso segundo filho, colocando em risco o nosso noivado. Isso e tenho ali mais 27 minis no frigorífico que não se vão beber sozinhas. Posso vir a tornar-me um pai solteiro, mas uma coisa já ninguém me tira: A TRAÇA É NOSSA.

Sem vos roubar demasiado tempo: ainda o jogo não tinha começado e já o Stade de France tinha sido atacado por uma praga de traças e uma inundação de azeite provocada pela música de David Guetta. Temia-se o pior, e assim foi.

Num jogo até então sem grande história, com Portugal moderadamente borrado e a França a comportar-se como favorita, um filho de uma meretriz, primeiro nome Dimitri, resolve espetar um joelho no Cristiano que mais pareceu um pontapé nas partes podengas de um país inteiro, que instantes depois cairia prostrado aos pés da República Francesa: Liberté, Egalité, Payet. Ronaldo fez uma cara de chorão que já tinha feito no Euro a propósito de situações menos importantes, mas desta vez não se parecia dever a uma jogada mal interpretada por Nani.

Não. Desta vez todos chorámos com a lesão que obrigaria Ronaldo a abandonar o campo. Dirigimos mais alguns nomes às mães dos franceses entre soluços, mas estão a ver aquele tipo de soluço quando um gajo já bebeu bastante que transita involuntariamente para arroto do almoço e quase nos faz vomitar? Esse tipo de soluços. Complicado. Porém, num assomo de consciência colectiva, lembrámo-nos que teríamos de crescer com esta adversidade e que aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes. Estou a brincar. Na verdade pensámos todos que já tínhamos ido com o c”#$%&.

O jogo prossegue a ritmo acelerado, que é como quem diz, vamos lá encurtar a crónica que eu não estava a brincar em relação àquelas minis e ainda tenho de ir ao Parque Eduardo VII trepar aquela estátua do Cutileiro (isto dito assim parece uma piada extremamente sexual, e não no bom sentido). Mas dizia: entram mais alguns indivíduos em campo. Quaresma ocupa o lugar de Ronaldo, seguido por Moutinho no lugar de Adrien, até William ocupa o lugar de William, mas todos eles, por entre um ou outro lance menos bem conseguindo, foram safando como sabiam e podiam, numa obstinação que só poderia ser coroada com um empate no fim do tempo regulamentar, como se o adversário fosse mais ou menos indiferente.

Pouco para contar, então. Mais uma exibição austeritária da selecção portuguesa, que lentamente foi recuperando a sua e a nossa confiança, uma equipa de quem hoje aceitaríamos o congelamento de pensões, a extinção da ADSE, 50 horas na função pública, a corrupção total do estado, ou até Durão Barroso na Goldman Sachs, desde que isso nos garantisse uma vitória igual no mundial de 2018. O nosso antigo capitão Luís Figo disse tudo aos 43 minutos, com um bocejo de quem já só queria que chegasse o prolongamento. Só uma nota importante: ao longo de todo este entretanto, Rui Patrício foi-se mantendo entretido num divertido jogo-treino com a selecção francesa que, se aos 45 minutos já parecia destinado a coroá-lo como melhor em campo, atingiu os 90 com Rui Patrício como novo proprietário do Stade de France. Aquela merda ainda não era toda nossa, mas já era toda dele. Apenas deixou escapar uma bola, quase no final do jogo, mas Nossa Senhora faz uma excelente dobra a Pepe e desviou na direcção do poste. Tudo isto aconteceu logo após a melhor gravata realizada neste Europeu. Não se lembram? Claro que se lembram. Um pouco por todo o país indivíduos alcoolizados já treinam o nó à Quaresma nos seus amigos. Qual Windsor, qual quê. Como executar na íntegra umQuaresma knot? Simples. 1. Escolher uma pessoa. 2. Disputar um lance com essa pessoa. 3. Assim que a bola sair do seu alcance, agarrar o adversário pelo pescoço. 4. Manter a passada e apertar um pouco mais o nó. 5. Verificar níveis de incómodo do adversário. 6. Se o adversário vos parecer confortável, apertar um pouco mais. 6. Desatar o nó e dar uma palmadinha na cara do adversário como se a situação tivesse sido agradável para ambos. 7. Ser aclamado por um país inteiro.

Mais um prolongamento? A sério? Não tenho vida para isto. Será que, em caso de vitória, amanhã é feriado? Porque é que estes frappés nunca mantêm o vinho realmente fresco? Metade do país desloca-se à casa de banho a pensar nestes e em muitos outros temas, hesitando entre fazer apenas xixi ou aquele cocózinho que andava por ali a rondar desde que Sissoko fizera o primeiro sprint do jogo, até porque isto deve ir a penaltis. Acho que dá tempo. Ou será que acontece alguma coisa e não chego a tempo? Da outra vez o Abel Xavier borrou a pintura no prolongamento. Bem, pelo sim pelo não, fico-me pelo xixi e volto para a sala. Se isto correr mal digo que fomos roubados pelo árbitro e vou trocar de cuecas.

Não foi um prolongamento qualquer, na medida em que este nos roubou anos de vida e os devolveria logo depois. Raphael Guerreiro atirou uma bola à trave, os franceses continuaram a ameaçar uma repetição do que nos aconteceu em 2000. Mas o jogo já mudara há muito, designadamente ao minuto 79, com a entrada de Ibrahimovic, perdão, Éder. O nosso ponta-de-lança mal amado (uma espécie de pleonasmo) entrou em campo para fazer aquilo que geralmente se lhe pede mas nem sempre consegue executar. Hoje deixou tudo em campo, pôs a equipa a atacar novamente e veio de lá com uma taça, após um lance que, só de pensar e rever, acabou de justificar mais uma mini de pênalti. Um lance, aos 109 minutos, em que Éder não se liberta apenas dos adversários, mas também de todos os idiotas com ligação à internet que durante anos substituíram a sua cara nas fotografias por um cone. Nisto ajeita o esférico e defere um remate que ficará para a história como a mãe de todas as bofetadas de luva branca. É golo de Portugal. Faltam 10 minutos. Acabem com isto, pelo amor de Deus, Cristiano, Dolores. O jogo prossegue, festejam-se faltas cavadas no meio-campo como se fossem golos. Falta 1 minuto para terminar, já ninguém aguenta isto, vou buscar o champanhe porque isto já não foge. Enquanto isso, Quaresma faz um passe de letra porque Quaresma. 121 minutos, Pepe chuta a bola na direcção do aeroporto. Já lá vou ter.

O jogo acaba. O champanhe continua a ser uma bebida claramente sobrevalorizada, mas estava em promoção. Somos finalmente campeões europeus. Porra. Começo a sentir as mãos pegajosas porque metade não caiu no flute - por flute entenda-se o biberão do meu filho - e começo a lembrar-me, aos poucos, que ainda tenho de escrever esta crónica antes de sair de casa para só depois me perder nos festejos. Isto não foi uma boa ideia. Mas vale a pena. Pelos 23 que lá estiveram, pela equipa técnica, pelos outros milhões todos que estão na rua, e pelos muitos que, ao longo dos últimos 35 anos, me contaram histórias míticas dos jogadores que sempre honraram a nossa camisola, mas a quem faltou uma taça destas. Muitos, os contadores de histórias e os magos da bola, já não pisam o relvado ou não estão connosco. Isto é tudo para todos eles e é uma coisa muito bonita.

No final, o estádio explode de alegria com o primeiro grande título de futebol sénior que todos nós vimos e ouve-se a “A Minha Casinha” dos Xutos. Fernando Santos deve ter ficado intrigado. Merecia a mais solene interpretação de “À minha maneira.” Obrigado Engenheiro. Obrigado Mister. Obrigado Nando. Obrigado Chôr Santos. Obrigado do fundo do coração. A malta gosta de brincar e fazer pouco, mas nunca mais esqueceremos esta noite. Muito obrigado.

EPÁ, QUEM É QUE DEIXOU AS MINIS NO CONGELADOR?!"

Benfiquismo (CLVIII)

Para ti...