"O basco de sangue quente pode tornar-se o primeiro treinador portista em 25 épocas a falhar e todas as frentes (eram quatro). FCP arrisca 'zerotitoli' o os jogos em Lisboa voltam a ser 'tabu'...
Julen Lopetegui perdeu um bocadinho as estribeiras no final do chatíssimo Benfica-FC Porto, mas Jesus desvalorizou a picardia. Compreender-se. O treinador do Benfica sabe muito bem o que é (estar na iminência de) perder tudo, que é precisamente o risco que correr o treinador basco que Pinto da Costa escolheu e quer «ver muitos anos» no Dragão. Pouco importa o motivo que levou Lopetegui a embirrar com Jesus no final da aborrecidíssimo Benfica-FC Porto. O que fica para a posteridade é que o Basco se comportou de acordo com o velho guião portista que manda ter más maneiras e fazer cara feia em Lisboa, sobretudo no Estádio da Luz. Nesse particular, Lopetegui parecia mesmo um portista da velha guarda. Logo após o arrufo com Jesus, as câmaras televisivas ainda o apanharam à entrada do túnel numa pose desafiante, provocadora, peito feito para Jorge e para a multidão encarnada - quantos são?, quantos são? Ainda com as imagens de Helton abraçado a Júlio César e Quaresma abraçado a Jesus (que sacrilégio!) a passarem nos ecrãs, todos ouvimos Julen dizer que o FCP teve «várias ocasiões» (?!?) e que foi a única equipa que jogou para ganhar. Um discurso à Porto de um treinador com lábia, desplante e nervo; e a quem só falta começar a ganhar títulos para poder ser levado a sério pelos próprios adeptos.
O problema é que Lopetegui dificilmente conseguirá ganhar qualquer coisa nesta época, uma vez que as hipóteses do FCP no campeonato passavam muito pela vitória na Luz. Assim, só um milagre - ou uma grande trapalhice do Benfica - impedirá Julen Lopetegui Argote de terminar a campanha de mãos a abanar. Não é detalhe de somenos se nos lembrarmos que o FC Porto é a única equipa europeia que ganha títulos há 25 épocas consecutivas (última campanha em branco: 1988-89, com Quinito de início e Artur Jorge a fechar), um registo absolutamente fabuloso cuja muito provável interrupção vai certamente penalizar Lopetegui aos olhos dos adeptos. Que tem uma mania lá muito deles: não gostam de perder - e gostam ainda menos de perder tudo. Não será Julen o único penalizado, caso o FCP termine de mãos vazias. Também o homem que o escolheu, Jorge Nuno Pinto da Costa, responde pelos resultados... quer esteja para aí virado ou não. Foi o presidente ad eternum da nação portista quem apostou forte no inexperiente Basco nascido em Asteasu, província de Guipúzcoa, para conduzir uma equipa recheada de reforços - excelentes e dispendiosos reforços! - e impedir o Benfica de alcançar o primeiro bicampeonato em 30 anos. Estava Pinto da Costa longe de imaginar o desfecho que se avizinha... ele que terminou vitorioso (quer dizer: com algum título) 30 das 32 épocas do brilhante consulado. Prepara-se então o quase octogenário líder portista para um terceiro exercício de jejum e penitência depois das brancas de 1982-83 (com José Maria Pedroto) e 1988-89 (Quinito e Artur Jorge). Acontece a todos. Tem acontecido imenso aos presidentes do Sporting. E aconteceu muitas vezes ao presidente Luís Filipe Vieira... nomeadamente há dois anos, de forma particularmente dolorosa (Campeonato, Liga Europa e Taça de Portugal, tudo para o galheiro no espaço de 15 dias!). Lembre-se a resposta de LVF aos que lhe exigiam - e foram muitos - a cabeça de Jorge Jesus numa bandeja. O resultado dessa teimosia está à vista.
Pinto da Costa vai reforçar a confiança no treinador - o contrário seria ilógico. Mas o treinador tem de perceber de uma vez por todas que só há um grande na equação FCP-Lopetegui: o clube. Não sei se Julen Lopetegui Argote tem consciência disso, mas a tirada mais célebre do grande poeta romano Virgílio aplica-se-lhe na perfeição - «Felix qui potuit rerum cognoscere causas» (felizes aqueles que conhecem a causa das coisas). É uma frase bonita e faz um vistão numa conferência de Imprensa. Como convém a um treinador portista com trejeitos da velha guarda, menos naquele aspecto acima citado.
Volta a 'bruxa' lisboeta
Nulo na Luz com sabor a desaire, décimo jogo consecutivo do FC Porto sem ganhar em Lisboa (seis empates, quatro derrotas). Contas feitas, o FCP não ganha na capital desde 2 de Março de 1012 (3-2 na Luz com o tal golo decisivo de Maicon em fora-de-jogo), e ainda tem uma visita para fazer: ao Restelo, onde empatou na época passada (1-1). Eu sou do tempo em que o FCP perdia a maior parte dos jogos em Lisboa, mas também sou do tempo - este - em que o FCP ganhar frequentemente na capital, especialmente no Estádio da Luz. Não sei se a descaracterização progressiva do plantel portista e a falta de jogadores-referência com forte ideário anti-capital têm alguma coisa a ver com isto; se calhar, sim. A verdade é que este FC Porto estrangeirado, de valores amolecidos, deixou de vir à capital com espírito de cruzada. E logo reapareceu a malvada bruxa que começava a atacar logo à saída da ponte D. Luís.
(...)"
André Pipa, in A Bola