"Uma das manhãs mais negras da história do Benfica - 5 de Dezembro de 1966. Uma descarga eléctrica ceifa a vida de Luciano Fernandes e por pouco não mata Eusébio, Cavém, Santana, Carmo Pais, Camolas e Mata da Silva. Vale o sangue frio de Jaime Graça.
Dia 16 de Outubro de 1966. Estádio da Tapadinha: Atlético-Benfica para a 5.ª jornada do Campeonato Nacional.
Pouco depois dos 15 minutos, Luciano sofre uma distensão muscular e o Benfica fica reduzido a dez jogadores. Não era ainda o tempo das substituições.
Coluna recua para o lado de Jacinto, com Cruz e Cavém nas laterais.
A equipa bate-se e não se deixa abater pelo azar.
O Benfica venceria por 2-1: dois golos de Eusébio.
Luciano sai de campo desgostoso. Ganhara a titularidade desde o início do campeonato e soubera mantê-la até aí, ora fazendo par com Raul. Parecia ter a confiança do treinador Fernando Riera.
O destino ditou: não voltaria a jogar! Nunca mais! Ingrato Destino no qual não se pode confiar...
No dia 5 de Dezembro estava morto.
Luciano Jorge Fernandes: nascido em Olhão a 6 de Agosto de 1940. Um dos mártires da história do Benfica. É preciso lembrá-lo. Eu recordo-o aqui, nesta página.
Foi como se um raio apagasse a Luz.
Vários jogadores submetiam-se nesse dia ao trabalho de recuperação do jogo da véspera (3-1 em São João da Madeira). Cumpriram sessões de massagem e banhos de imersão. Eusébio, Jaime Graça, Cavém, Santana, Carmo Pais, Camolas e Malta da Silva estiveram no centro da tragédia.
Mergulhado na água daquela espécie de jacuzzi de tempos idos, um aparelho de hidromassagem recentemente adquirido pelo Benfica, Luciano morre electrocutado. Coisa primária: um simples objecto que se colocava na água e se ligava à electricidade de forma a provocar uma certa agitação.
Vale o sangue frio de Jaime Graça para que o desastre não seja de incomensuráveis dimensões.
Ele próprio recordou, na altura: «Senti o primeiro choque e reagi. Com a ajuda de um dos representantes da casa que instalou os aparelhos, tomámos as indispensáveis providências».
E lamentava-se: «Estávamos todos alegres, fazendo o barulho habitual. Noutras condições e mais despreocupados teríamos sido atingidos sem solução. Pobre Luciano...».
Também Cavém escapou à morte por uma unha negra: «Foi tudo vertiginoso. Uns momentos mais e ninguém se salvava. O que me valeu foi agarrar-me ao varão da escada».
De imediato, a Polícia Judiciária investiga. Os aparelhos e o restante material eléctrico foram requisitados para posterior apuramento de responsabilidades.
Confirmou-se que o cabo de ligação era curto e fora necessário impor-lhe uma extensão:apesar de vedada não resistiu à condensação que havia no ar.
Malta da Silva, o mais abalado dos restantes jogadores, dá baixa no Hospital da Cruz Vermelha.
Luciano teve morte quase instantânea: o Dr. Azevedo Gomes ainda procura fazer-lhe uma punção directamente ao miocárdio, mas debalde.
Caí o luto sobre o vermelho vivo.
O Benfica está em choque.
Chamaram-lhe o novo Germano
Luciano tinha 26 anos: era um companheiro estimado por todos.
O clube decreta luto de oito dias em todas as suas actividades.
Chegara ao Benfica em 1963, vindo do Olhanense. Ameaçava ser o novo Germano e ele usava um bigodinho a condizer, à Clark Gable.
As manifestações de desgosto foram enormes. Junto à sede da Rua Jardim do Regedor multiplicaram-se as visitas pesarosas. Sporting, Belenenses, Atlético... todos os clubes fizeram questão de estar representados.
Chovem telegramas aos milhares.
Uma enorme delegação do Benfica acompanhou o cortejo fúnebre até Olhão. Ao longo da estrada, pelas povoações, em Alcácer, Grândola, as pessoas saíram à rua para ver passar a urna do infeliz jogador.
Junto do Barranco Velho, a sua cidade recebeu-o para sempre.
Entretanto, «em Lisboa tudo na mesma, isto é, a vida corre»...
O Benfica recebe a CUF ainda envolto na amargura da perda. Vence por 3-0 - golos de Eusébio(2) e Yaúca - mas não exibe a alegria contagiante dos grandes tardes. Não havia motivos para isso.
A vitória no campeonato é surpreendentemente assegurada à custas da Académica que fica em segundo lugar a apenas três pontos do primeiro.
Mas será na realidade surpreendente? É que nessa mesma época a Académica chega à final da Taça de Portugal - perderá para o V. Setúbal (2-3) - e elimina o Benfica nos quartos-de-final com 2-0 em Coimbra e 1-2 na Luz. Obra do «Velho Capitão».
José Augusto estava no balneário naquele dia de morte: «Só quando ouvi gritos é que fui a correr perceber o que se passava. Mas nada havia a fazer... No final dessa época fui a Olhão depositar um ramo de flores na campo do Luciano em nome de todos os companheiros de equipa».
Luciano Fernandes morreu, portanto, campeão. Não fez muitos jogos pelo Benfica, exceptuando a primeira época de águia ao peito, a de 1963/64, em que actuou vinte vezes para o campeonato, quatro para a Taça e três para a Taça dos Campeões. A concorrência era muita. E forte.
Ficaram-lhe os títulos: três. Coisa de que muitos não se podem gabar.
E resta uma saudade própria daqueles que desaparecem cedo demais...
Uma vida de raio: apaga-se mal de acende..."
Afonso de Melo, in O Benfica