"Benfica e Bayern de Munique - que vai ser adversário dos lisboetas nesta Liga dos Campeões que se aproxima - defrontaram-se pela primeira vez em Paris, no Estádio de Columbes, num desafio amigável, no dia 2 de Abril de 1972. Vitória benfiquista (2-1) antes de uma eliminatória europeia frente ao Ajax. Coincidências...
Paris é uma cidade muito portuguesa. Nem vale a pena carregar de novo na tecla dos emigrantes que há muitos, muitos anos demandam a capital da França. Há nela uma espécie de chamado. Ou um encanto, se quiserem. E foi também um local que marcou a história do Benfica.
No dia 2 de Abril de 1972, os encarnados estavam em Paris. Veja-se como o destino marca determinadas horas da nossa existência: no Estádio de Colombes, o Benfica defrontava o Bayern de Munique, num desafio particular, com a cabeça virada para a eliminatória próxima frente ao Ajax para a Taça dos Campeões Europeus. Curiosa coincidência, não acham?
O público acorreu, numeroso. Havia um ambiente festivo.
Nunca os dois clubes haviam estado frente a frente.
E, acrescente-se, a primeira meia hora de jogo foi absolutamente sensacional: ao primeiro toque, sem arrebiques desnecessários, uma vertigem absoluta do golo.
Na véspera, os jornais franceses duvidavam do sucesso do empreendimento levado a cabo por um português. Porque, como já dissemos, o Benfica estava à beira de uma eliminatória de exigência máxima frente aos holandeses do Ajax, porque o Bayern viera a Paris apenas para cumprir contrato.
Previsões arrasadas logo ao minuto número dois: Nené já tinha dado o mote quando Adolfo fez o 1-0. Nove minutos mais tarde foi a vez de o jovem Jordão assinar um remate violento à barra de Sepp Maier - na recarga, Vítor Baptista fez o 2-0.
Parecia que vinha aí uma goleada. Os alemães queixar-se-iam, depois, que o facto de terem aterrado em Paris apenas umas horas antes do inicio da partida não lhes permitira estar nas suas melhores condições. Udo Lattek, treinador dos bávaros, lamentava-se: 'Não queríamos vir aqui jogar, mas ao compromisso estava assinado há bastante tempo. Tivemos de defrontar o Benfica e o resultado foi este. Há que dizer que o Benfica jogou muito bem, mas este não é o verdadeiro Bayern. Os golos que sofremos foram muito consentidos, Jordão é muito bom e Eusébio continua um perigo, embora já sem a velocidade de outros tempos.
Jimmy Hagan, o treinador do Benfica, podia ter um confronto decisivo daí a três dias, em Amesterdão, mas não brincou em serviço. Alinhou com os mais fortes: José Henrique; Artur, Humberto Coelho, Zeca e Adolfo; Jaime Graça, Eusébio e Vítor Marques; Nené, Vítor Baptista e Jordão. Entrariam no segundo tempo Messias, Toni, Diamantino e Artur Jorge.
Do outro lado, havia nomes sonantes como Beckenbauer, Breitner, Schwarzenbeck, Roth ou Muller. Um luxo!
A arte de Jordão e Eusébio...
Humberto Coelho emulava o capitão do Bayern, Beckenbauer: a sua exibição foi perfeita! Não se limitou a ser central, foi também médio e avançado. 'Cedo descobri que Muller tentava rodar sempre pela esquerda e não fui na fita dele', diria no final. Os minutos iniciais do Benfica foram avassaladores e mais golos poderiam ter surgido. Em seguida, os alemães responderam, segurando-se naquele orgulho arrogante próprio dos Nibelungos.
Jordão enchia os olhos aos espectadores: as suas arrancadas, mudanças de velocidade, os seus dribles e as suas tabelinhas com Eusébio, que jogava solto por todo e campo, encantaram toda a gente a atiraram-no para o paroxismo dos aplausos sentidos.
Também Muller, o Bombardeiro, se lamentava: 'Não costumo falhar golos como os que falhei. Mas jogámos cansados e desinteressados. Já não muitos desafios consecutivos'.
Roth, aos 40 minutos, fixaria o resultado final.
Nada que abalasse a firme vitória benfiquista.
O Miroir du Foot faria a sua primeira página com Jordão: 'Um jovem mágico que segue na peugada de Eusébio! Aquilo que ambos fizeram ontem no relvado de Colombes é digno do melhor futebol que alguma vez Paris já viu'.
Os pontos de exclamação eram mais do que merecidos.
Pela primeira vez, Benfica e Bayern tinham estado em frente a frente a todo o comprimento e largura de um relvado. Dois clubes enormes com jogadores enormes.
No dia seguinte, os encarnados partiram para Haia, onde começaram a preparar a eliminatória frente ao campeão da Holanda. Seguir-se-ia outro confronto de gigantes.
O grande futebol exige a excelência. Quem a não tem tomba no precipício do olvido..."
Afonso de Melo, in O Benfica