"Grupo Desportivo Riopele - dos clubes mais curiosos que passaram pela I Divisão, fundado pelos trabalhadores da fábrica de têxteis. Equipava de verde e só se manteve uma época entre os grandes - 1977/78. Um dos seus jogadores era o actual treinador do Benfica.
Pousada de Saramagos: freguesia do concelho de Vila Nova de Famalicão. Hoje falo do Riopele - Grupo Desportivo Riopele. Apenas uma época na I Divisão, a de 1977/78.
Era um clube empresa. Um clube empresa de outros tempos, como o foram a CUF ou o Alba, por exemplo. Foi fundado no dia 14 de Setembro de 1954 pelos trabalhadores da têxtil Riopele e assentou arraias na Pousada de Saramagos, num campo pelado que tinha uma parede atrás de uma das balizas.
Calhou ao Benfica, que fora Campeão na época anterior, defrontar o recém-promovido nas últimas jornadas, ou seja, na última jornada da primeira volta e na última jornada do Campeonato.
Já lá vamos: aos jogos, quero dizer.
Garantida a subida à divisão principal, trataram os dirigentes do Riopele de reforçar a equipa o melhor que podiam. Chegaram Matos e Padrão, guarda-redes, e outros como Garcez, Sacramento e Jesus - exactamente, Jesus, Jorge Jesus.
Não serviu de muito. O Riopele bateu-se como pôde mas acabou por voltar à II Divisão, ficando no décimo quinto lugar da classificação, só à frente do Feirense. Uma queda fatal. Alguns anos depois ver-se-ia relegado para a III Divisão e, finalmente, em Assembleia Geral, os associados decidiram extinguir o clube. Estávamos em 1985 e não tinham passado dez anos ainda sobre a maravilhosa aventura de 1977.
O Riopele equipava geralmente de verde. Recordo-me de ir ao Parque de Jogos José Dias de Oliveira. O ambiente era entusiástico. E valeu à equipa da casa vitórias interessantes - 1-0 ao Belenenses; 2-0 à Académica; 2-1 ao Vitória de Setúbal.
O povo da Pousada de Saramagos alegrava-se com as exibições de Pio, Fonseca, António Luís, Piruta e Ary.
E o futebol desse tempo era mais puro, mais limpo, mais lavado. Embora não por muito mais tempo.
Os frente-a-frente entre o Riopele e os três grandes não foram felizes para os minhotos. Contra o FC Porto, duas derrotas: 0-2 em casa; 0-6 nas Antas, Contra o Sporting, outras duas: 2-4 em casa; 1-2 em Alvalade.
Acrescente-se que no Parque de Jogos José Dias de Oliveira, além de Sporting e FC Porto, só Vitória de Guimarães ganhou. Nada mal.
Calhou, por via dos inevitáveis sorteios, que o Riopele visitasse o Estádio da Luz na última jornada na primeira volta. Dia 28 de Janeiro de 1978. Estava o Benfica de malas feitas para a Arábia Saudita em mais uma daquelas digressões por todos os cantos do Mundo que fizeram dele um clube único.
John Mortimore fez jogar: Bento; Bastos Lopes, Humberto Coelho (Mário Wilson), Eurico e Alberto; Toni, Shéu; Nené, Vítor Baptista, Chalana e Cavungi (Pereirinha).
O inglês depositava grandes esperanças em Pereirinha (cujo nome prenunciava de forma bem particular) e no filho do «Velho Capitão». Infelizmente, um e outro saíram da estrada do grande futebol. Tal como Cavungi, aliás.
Eram tempos de mudança. O Benfica chegaria ao fim desse Campeonato sem derrotas, mas perderia o título para o FC Porto - empate em pontos e nos resultados entre ambos (dois empates, 0-0 e 1-1), melhor «goal-average» para os portistas.
Por seu lado, Ferreirinha fez a sua equipa jogar assim na Luz: Matos; Joca, Ederson, Vitorino e Teixeira; Piruta, Luís Pereira (Jó), Pio e Jorge Jesus; Garcez (António Luís) e Fonseca II.
Tempos esses em que ainda havia os II para distinguir jogadores do mesmo nome.
O Benfica ganhou fácil, em ritmo baixo. Nené, aos 12 minutos, fez o 1-0. Depois o Riopele jogou ao seu estilo, muito certinho, de passe e repasse, embora pouco agressivo no momento do remate, com Jesus e Piruta a darem nas vistas. Ainda assim, Fonseca (o II) atirou uma violenta bola ao poste direito de um atónito Bento. Chegara o momento de o Benfica resolver de vez a questão - um toque precioso de Shéu para a entrada da área e pontapé certeiro de Toni: 2-0. Vítor Baptista fechou a contabilidade: 3-0.
O Campeonato deu uma volta completa e o Benfica iria, pela única vez na história da prova, ao Parque de Jogos José Dias de Oliveira, na Pousada de Saramagos. Não foi. Por via de uma interdição federativa, o Riopele recebeu o Benfica em Braga, no Estádio 1.º de Maio.
Ainda havia uma ténue esperança 'encarnada' de chegar ao título. O FC Porto recebia o Braga nas Antas e o 0-0 mantinha-se. Nené aos 9 minutos já colocara o Benfica na frente. Rui Lopes fazia o 2-0 (23 minutos) com uma tremenda cabeçada, e os encarnados pairavam por momentos no topo da classificação isolados.
Eis que se esfuma o sonho. Oliveira e Octávio marcam no Porto (o jogo terminara 4-0), resta aos encarnados despedirem-se do campeonato de forma segura. Ao passar da meia-hora, António Luís reduz para 1-2. Na segunda parte, José Luís (76 minutos) e Rui Lopes (79 minutos) encerram o resultado: 4-1.
O Riopele está condenado à descida. Precisaria dos dois pontos para ultrapassar o Espinho, mas havia espinhos a mais na tarefa de defrontar um Benfica ainda crente.
Nessa tarde do dia 31 de Junho, com um calor abrasador em Braga e já com o Campeonato do Mundo de 1978 a decorrer na Argentina, as equipas subiram ao relvado com estas composições:
RIOPELE: Padrão; Joca, Vitorino, Ederson, Teixeira; Piruta, Pio, Luís Pereira (Abreu); Luís António, Jorge Jesus, Fonseca II.
BENFICA: Bento (Fidalgo); Bastos Lopes, Humberto Coelho, Eurico, Alberto; Shéu, Pietra, Toni; Chalana, Nené (José Luís), Rui Lopes.
O Grupo Desportivo Riopele despedia-se da I Divisão para sempre e nada como o Benfica para selar a despedida, esse Campeão que se despedia do seu título."
Afonso de Melo, in O Benfica