"Conheço Angola há muitos anos, e habituei-me a ter com o país uma relação estreita de amizade e cooperação. Formo com regularidade quadros nas áreas da comunicação e do audiovisual, e reconheço em alguns cidadãos angolanos os meus melhores amigos.
Dito isto, que tanto serve como declaração prévia de interesses como de elemento agregador para sustentar o que vou escrever a seguir, sublinho que o adepto angolano de futebol sempre teve características especiais: apaixonado, dedicado, interessado pelos seus clubes e pela sua seleção, mas igualmente crítico e, por vezes, ácido na sua postura questionante, que não é mais do que a imensa vontade de ver o seu país evoluir e marcar pontos no cotejo dos melhores conjuntos africanos.
A seleção A de Angola esteve no Mundial de 2006, após uma qualificação disputada até ao último minuto, e pela mão sabedora e muito conhecedora da matéria prima existente do meu bom amigo Oliveira Gonçalves, o Senhor Futebol que projetou os Palancas Negras para o mundo, na competição realizada na Alemanha.
Fê-lo pelo conhecimento profundo do jogo e dos seus meandros, mas também fruto do aproveitamento exemplar de uma geração dourada de jogadores, que ansiavam pela presença numa grande prova internacional, e tudo fizeram, juntamente com a entourage da Federação Angolana de Futebol, para o conseguir.
Angola organizou, entretanto, a fase final da CAN (Taça de África das Nações), em 2010 — não ultrapassando os quartos-de-final — e conseguiu, em 2024, idêntico desfecho na edição realizada na Costa do Marfim. Aí, com Pedro Gonçalves ao leme, os Palancas revelaram ambição, qualidade no seu jogo e capacidade de concretização de objetivos.
E logo se levantou, de novo, uma imensa onda de apoio popular. Porque o angolano é assim: muitas vezes tem de ser a equipa a puxar pelo suporte das bancadas, muitas vezes a onda favorável sai do relvado e invade o coração do adepto. Porém, o desafio seguinte era (e foi) extremamente complexo. A qualificação africana para o Mundial, embora reforce (e muito!) a presença do continente na principal montra planetária do futebol — de cinco para nove países automaticamente apurados — é cada vez mais complexa.
Há um equilibro latente entre formações mais cotadas no ranking (ou com histórico de maior prestígio) e seleções emergentes, de países até há poucos anos com representatividade condicionada e que souberam evoluir no espaço e no tempo, por forma a serem, agora, parceiros respeitados e respeitáveis no âmbito continental africano.
Por isso, Angola teve um papel muito complexo no grupo D de qualificação para o Mundial das Américas, no próximo ano. A derrota, em Luanda, frente à Líbia (anteontem, por 1-0), não é mais do que a confirmação de um conjunto de dificuldades internas e externas.
A nova direção do organismo gestor do futebol angolano, com o experiente Alves Simões ao leme, não teve, desde o início da sua gestão, a capacidade agregadora e a perspetiva integrada de garantia de todas as condições para a continuidade do trabalho da equipa técnica e do grupo de jogadores habitualmente chamados ao combinado nacional.
Pormenores logísticos não foram acautelados da melhor forma, preferindo-se, por exemplo, confirmar (por determinação política e, portanto, governamental), um jogo amigável com a Argentina para as datas FIFA de novembro, quando a seleção angolana ainda lutava pelo apuramento para o Mundial, e quando essas datas eram (são) justamente as previstas para o play-off africano entre os quatro melhores segundos classificados dos nove grupos da fase de qualificação.
Isto é, com o anúncio desse jogo, a FAF enviou uma mensagem de descrença nas capacidades do combinado angolano para, eventualmente, atingir essa possibilidade de luta por um lugar no Mundial 2026, preferindo o mediatismo fácil de noventa minutos, no estádio 11 de novembro, frente ao conjunto de Lionel Scaloni. Ademais, este compromisso (muito bem pago, e a gerar natural onda de questionamento e contestação popular no território angolano, em face dos valores envolvidos), não é sequer o ideal, do ponto de vista desportivo, para servir de preparação com vista à CAN 2025, que se inicia a 21 de dezembro, em Marrocos, com a presença dos Palancas Negras.
Agora, que a qualificação para o Mundial está praticamente interdita, não faltará quem volte a questionar os méritos do selecionador e da sua equipa técnica. Os mesmos, é importante reforçar, que conduziram o combinado nacional angolano ao excelente desempenho na CAN 2023 (realizada em janeiro e fevereiro de 2024), e que ajudaram a retomar uma umbilical ligação entre o povo do futebol e a sua máxima representação nacional, até porque, entretanto, também outros sucessos regionais surgiram, como a vitória na Taça COSAFA (competição que agrupa os países da África Austral).
Angola não estará no Mundial. Que este desenlace sirva para preparar, programar, dar condições, perceber ambientes, organizar internamente, orçamentar, despistar valores, potenciar oportunidades, dignificar o jogador angolano.
E garantir, na base de todo o trabalho (a estrutura da federação) a qualidade suficiente para que, num futuro próximo, o país e o seu futebol possam voltar a orgulhar os herdeiros de 2006 e a levantar a sua bandeira nos relvados do planeta.
CARTÃO BRANCO
Começa hoje o percurso da seleção portuguesa de futebol na qualificação para o Mundial 2026. Começa na Arménia e terá na Hungria a principal dificuldade na caminhada para as Américas. A Portugal, o que o planeta futebol exige é a presença na fase final. Menos do que isso seria um descalabro desportivo, considerando o passado recente e a qualidade dos eleitos às ordens de Roberto Martinez. Não se trata, apenas, de uma importante empreitada financeira para a FPF. É muito mais do que isso, sabendo o lugar que Portugal ocupa no ranking da FIFA, estável, aliás, de há vários anos a esta parte. Só é preciso jogar. Então, que role a bola.
CARTÃO AMARELO
Depois de Jessica Silva, eis que Andreia Faria deixa o Benfica, transferida para o Al Nassr, da Arábia Saudita. Já não bastava a hemorragia no masculino, eis que um país que, até há bem pouco tempo, não respeitava os direitos mais elementares das mulheres se aventura na componente feminina. É no mínimo estranho, embora se compreenda pelos valores envolvidos nos contratos de Jéssica e Andreia. Aliás, só se compreende assim. Mas é pena ver as duas internacionais portuguesas tomarem esta decisão."