Eusébio está em Lisboa, já se passaram quatro anos sobre a sua saída do Benfica, estamos em 1979, e ele está cansado da América, quer instalar-se em Portugal com a família, quer que as suas duas filhas, Carla e Sandra, que já são agora, umas meninas, tenham um futuro português. Chegou ao Estádio da Luz no seu Saab amarelo, saiu do carro e foi um rodopio de abraços, de palmadas nas costas, de sorrisos.
- Acho que chegou a altura de ficar por cá -, assume Eusébio.
- Quero regressar ao Futebol português -, admite Eusébio.
- Não como jogador, claro!, esse tempo já passou, mas como treinador de Futebol, numa equipa da I Divisão, ou mesmo da II, desde que tenha aspirações a subir. É esse o meu sonho -, sonha Eusébio.
Continua a marcar golos: nada o conseguiria deixar longe dos golos. Marca golos na «Seita do Olho Vivo», no Torneio do CIF, joga na mesma equipa do José Augusto, do Oliveira Duarte, do Messias, do Palmeiro Antunes. Começou a marcar golos n'«Os Brasileiros» da Mafalala, acabará a marcar golos na «Seita do Olho Vivo»...
- Se tudo dependesse só de mim, ainda estaria no Benfica -, confessa Eusébio.
- Poderia ainda estar no Benfica como jogador ou como técnico. Mas as coisas nunca dependeram, nem dependem, infelizmente, só de mim... -, amargura-se Eusébio.
- Continuarei a ser sempre do Benfica! É o meu Clube! -, afirma Eusébio.
- Quando regressei dos Estados Unidos pela primeira vez, sabia que estava em condições de poder jogar ainda no Benfica -, vai desfiando Eusébio.
- E vim até cá dizer isso, precisamente, aos dirigentes do Benfica, mas eles não me quiseram... O Sr. Romão Martins disse-me que eu precisava de fazer alguns jogos particulares para o treinador, John Mortimore, ver como é que eu estava. Isso era o limite do que poderia suportar! O Eusébio à experiência no Benfica?! Simplesmente incrível! Chocante! Nem sei explicar o que senti! -, revolta-se Eusébio.
- Sou um profissional, queria continuar a jogar, surgiram-me propostas do Beira-Mar e do Belenenses, as do Beira-Mar foram melhores, eu aceitei... -, explica-se Eusébio.
- Mas, com o Benfica teria feito um contrato diferente, até ao final da época, por exemplo; com o Beira-Mar ficou acertado que se me aparecesse uma proposta interessante eu poderia sair logo. Foi o que aconteceu -, conclui Eusébio.
Romaria de gente nas margens da Ria
Eusébio em Aveiro: uma romaria de gente para o ver treinar-se no Estádio Mário Duarte; uma romaria de gente para assistir à estreia de Eusébio, num jogo particular contra o Feirense - mais de 7.000 pessoas, 250 contos de receita.
Manuel Oliveira, treinador do Beira-Mar: «Eusébio vai ser o 'pivot', o 'cérebro' da equipa; o homem que irá 'mexer os cordelinhos' e pôr todos os companheiros a jogar... Não consigo perceber como é que o Benfica não quis o Eusébio...».
Eusébio na Venezuela, com o Beira-Mar, enchendo páginas dos jornais venezuelanos.
«El Universal»: «Beira-Mar com Eusébio, iniciará en Caracas su gira por Latinoamérica...».
«Meridiano»: «Eusébio bordó maravillas... lleva 900 y tantos goles...».
«Ultimas Noticias»: «Los Lusitanos superaron 2-1 al Alianza Lima del Peru en el mejor partido del año em el Olímpico y la 'Pantera Negra' Eusébi también se revindicó».
Eusébio defrontando o Sporting agora com a camisola amarela do Beira-Mar, a camisola que os antigos chamavam de «americanos» por causa do tempo em que os tecidos vinham da América.
Beira-Mar, 1 - Sporting, 1: golo de Eusébio.
Golos ao Sporting: um vício que nunca perdeu.
Eusébio defrontando o Benfica: talvez ninguém jamais o imaginasse. Nem ele próprio, com certeza.
Foi no dia 5 de Janeiro de 1977, no Estádio Mário Duarte, em Aveiro: o jogo impossível.
Beira-Mar, 2 - Benfica, 2: Eusébio jogou no meio-campo, ao lado de Manuel José e Manecas; na sua frente estiveram Sousa, Abel e Rodrigo; a camisola n.º10 do Beira-Mar foi sua, a sua camisola n.º10 do Benfica foi de Chalana.
- Nunca tinha pensado em vir um dia a defrontar o Benfica -, diria Eusébio no final do jogo.
- E quando assinei contrato com o Beira-Mar, pensei seriamente em colocar nele uma cláusula que me permitisse não jogar contra o Benfica... Mas tenho de ser profissional e, além disso, o Beira-Mar veio para este jogo muito desfalcado...
5 de Janeiro de 1977: Eusébio não marcou nenhum golo; aos 75 minutos, queixoso, deu o seu lugar a Paco; há quem diga que, uns minutos antes, se tinha recusado a marcar um livre directo por ter a certeza que faria golo - Eusébio nunca o confirmou; os registos do jogo são claros: Eusébio rematou mais à baliza do que toda a equipa do Benfica.
5 de Janeiro de 1977: Eusébio faria 35 anos vinte dias depois.
Benfica - Eusébio: o jogo impossível.
5 de Janeiro: exacto dia da sua morte.
Talvez não existam coincidências tão profundas com esta..."
Afonso de Melo, in O Benfica