"Oito mil milhões de telespectadores será, acredita-se, a audiência total deste Europeu que na passada sexta feira, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, arrancou em Paris. No próximo mês dez estádios de França acolherão cinquenta e um jogos. E, no final, também em Paris, decerto com um Estádio esgotado, terão sido cerca de oitocentos mil espectadores a terem o privilégio de assistir, ao vivo, os jogos das vinte e quatro selecções apuradas para esta edição de uma prova que, nascida em 1960, vem ganhando crescente atenção e atractividade desportiva global. Daí que a prevista audiência global seja quase que equivalente à actual população deste nosso planeta. O que significa que o futebol se universalizou, conquistou milhões de adeptos e suscita múltiplas paixões. Recordo bem o Europeu de França de 1984. Acompanhei a nossa selecção em França. E o nosso primeiro jogo face à então República Federal da Alemanha - capitaneada por Rummmenigge, o atual principal responsável do Bayern de Munique e, logo, um do artífices da transferência de Renato Sanches! - terminou com um empate a zero. Depois conheci bem Marselha. Lá empatámos com a Espanha. E lá, num sábado, perdemos nas meias-finais, e no prolongamento, frente à França com o golo derradeiro a ser marcado, mesmo no último minuto, por Platini! E foi, nesse Europeu, como recordei anos mais tarde em fraternos convívios e em recordações desportivas que a minha memória jamais apagará, que vi jogar pela Roménia o meu querido amigo Lazlo Boloni - campeão no Sporting - no jogo em que, em Nantes, vencemos a Roménia com um golo, já no final do jogo, do Nené. Não esqueço esse Europeu. Foi o meu primeiro grande momento de acompanhamento da nossa seleção. Só não marquei presença, ao vivo, no Mundial do México e no Mundial da Coreia e do Japão. Em todas as outras competições cantei, com fervor, o hino nacional, abracei quem se sentava a meu lado quando Portugal marcava um golo, sofria quanto a bola entrava na nossa baliza, partilhava a alegria irradiante antes dos jogos, sorria ainda com o meu bigode e com muito mais cabelo no final e, nas horas que antecediam as partidas, sentia nas praças das cidades que nos recebiam as nossas comunhão e identidade como Povo que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa tão bem expressou no seu discurso do 10 de Junho no emblemático Terreiro do Paço. Nesses momentos percebi que, tal como a selecção desse tempo - em que só Vítor Damas, José Carlos e Jordão não pertenciam ao Benfica e ao Futebol Clube do Porto - os clubes ficavam, à porta dos momentos, digo sublimes, de representação da camisola, sempre de cores diferentes, das quinas. Percebi, desde logo com o saudoso Senhor Fernando Cabrita, que a selecção em França se uniu. E, depois, Toni e José Augusto, também membros da equipa técnica - a par do também saudoso Senhor António Morais - ajudaram-me a perceber que nos relvado não havia cores de clubes. Havia a vontade de vencer! Havia um espírito de conquista. Que tão bem me foi retratado, em diferentes momentos de vida, pelo Diamantino e pelo Álvaro, pelo Veloso e pelo Carlos Manuel, entre outros. Sem esquecer a alegria do saudoso Manuel Bento a recordar algumas das suas fantásticas defesas e de não esquecer que o portista João Pinto integrou, nessa competição, e para a UEFA, o onze do Europeu. Mérito igualmente conquistado por Luís Figo no Europeu de 2000, por Ricardo Carvalho no de 2004, por Fábio Coentrão no de Europeu 2012 e, naturalmente, por Cristiano Ronaldo nos Europeus de 2004 e de 2012! Depois de amanhã frente à estreante Islândia iniciamos um novo percurso num Europeu de futebol. Com legítima ambição. Mas tendo presente as palavras que escutei, num canal televisivo, a uma sorridente emigrante ao proclamar que Portugal é a «minha raiz e a minha paixão»! Sim: o futebol, a nossa selecção e os nossos jogadores - por excelência nos últimos tempos Cristiano Ronaldo e, também os nossos principais clubes - motivam orgulho. O futebol ajudou, e muito, a nascer, em muitos lugares, e particularmente em França, uma nova geração descomplexada. Geração que vai para a escola com a camisola da nossa selecção e busca o corte de cabelo ou o penteado equivalente a alguns dos nossos grandes jogadores. E sabendo nós, agora, que a mãe do avançado de França - e do Atlético - Griezmann é portuguesa e o seu Avô jogou no Paços de Ferreira. É neste ambiente que vamos arrancar face à Islândia. Trinta e dois anos depois espero regressar a Marselha, palco de uma meia final. E espero que a 10 de Julho esteja sentado, perto das oito da noite, no Estádio Saint-Denis. E esteja a cantar o hino nacional. Com fé e fervor. E sabendo que esta equipa dirigente da Federação, esta equipa técnica e estes jogadores tudo farão, a cada minuto, para levar bem longe o nome de Portugal. Para sua glória e nosso orgulho. O mesmo, aliás, que, testemunho, leva a nossa respeitada e competente Embaixadora na Noruega e na Islândia, Clara Nunes dos Santos, a ser admirada pelas e pelos seus pares. E o mesmo que sentimos, qualquer que seja a nossa cor ou ideologia, com a presença, bem mais que simbólica, dos nossos Presidente da República e Primeiro Ministro em França nestes dias. E é esta medida de orgulho que, estou certo, Ronaldo e os seus vinte e dois companheiros nos vão proporcionar. Agora, em 2016, em que, ao contrário de 1984, já não tenho bigode, que quase não tenho cabelo, em que os que restam são, em maioria brancos, e sou, de verdade, um verdadeiro Pai com mel - logo Avô - de três lindos rapazes. E, assim com esta minha memória vai um tempo de vida. Desta nossa vida. Em que o futebol tem espaço. O seu espaço! E que, em audiência total, nos pode levar ao oito mil milhões de telespectadores deste Europeu de França! Impressionante!"
Fernando Seara, in A Bola