"Em setenta anos da vida do Jornal oficial do Benfica, talvez seja esta a primeira vez em que nos pronunciamos directamente sobre o fadário dos vizinhos ali do outro lado. Mas os lamentáveis espectáculos de dissensões em que se têm entretido há décadas, com a mesma farronca genética de sempre, no contumaz registo da mais completa incapacidade técnica de gestão e no esbanjamento da dedicada cegueira (e do dinheiro...) dos seus enganados sócios, só podiam tê-los levado onde hoje estão e, pelo andar da carruagem, onde hão-de ficar por muito tempo. São merecidos os enxovalhos por que passam? São. São totalmente merecidos e por exclusiva culpa própria: em vez de se dedicarem ao rigor e à prudência que, há muito, os tempos aconselhariam à curta medida das suas pernas, parece que com o que sistematicamente mais se preocupam é em iludir e iludirem-se, nas basófias de que ali se alimentam órgãos sociais, directores e treinadores e mesmo muitos atletas, passados, presentes (e futuros...)
Grandeza? Glória? Onde é que isso já vai! Agora só lhes vê é miséria, vergonha e desgraça, no negro futuro que têm pela frente. No estado em que se encontram, o que ainda lhes pode vir valer não é nenhum da meia dúzia de proto-candidatos, numas eleições de opereta pontuadas com novas cenas de pugilato. São os bancos. Os bancos vão ter que se chegar à frente e pôr alguma ordem naquilo, porque precisam ver de volta tudo quanto outrora ali foram dando de barato.
O problema é que a impressionante baderna estrutural que os devastou e a vergonhosa ruína competitiva em que mergulharam, não os prejudicam só a eles próprios: contribuem para a lenta desconstrução da estrutura competitiva do país e, pior do que isso, continuam a afectar gravemente o clima de seriedade que, de uma vez por todas, carece ser reposto na indústria do desporto e nas suas envolventes, em Portugal.
É que, ainda por cima, tudo faz supor que, mais a norte, mais depressa do que as pitonisas possam prever, mal se fine o presente consulado, de repente se venha a escancarar um processo idêntico, porventura ainda mais escandaloso, com a explosão de outro albergue espanhol, em que as comadres zangadas acabarão a lavar a roupa suja toda. Nessa altura, finalmente, há-de vir à luz do dia a completa narrativa de podridão das arbitragens, da corrupção e das trafulhices jurídicas, ou, quem sabe, até dos dopings que, em duas décadas, valeram tantas taças e campeonatos ganhos à matroca, cá dentro e lá fora. E só então muitos dos nossos tristonhos vizinhos irão compreender o que verdadeiramente significa o prolongado beijo da morte em que há tanto tempo se enleiam com 'a sede'..."
José Nuno Martins, in O Benfica