"O Benfica no seu todo, tem de, em cada competição e em cada jogo, ignorar o que se passa no 'campus' da justiça
1. O Benfica vive momentos complexos em razão da acusação do conhecido caso e-toupeira. Por razões deontológicas não me vou pronunciar acerca da metodologia do inquérito, de certas premissas - e considerações! - da acusação e da ponderação da pena acessória, lateralmente chamada à colação. O que sei é que, até agora e por ora, foi o tempo exclusivo do Ministério Público. Agora, a partir desta acusação, é o tempo do contraditório, é o tempo em que cada acusado se defende em profundidade e tudo fará para descredibilizar o que se leu na acusação. Agora é o tempo das defesas, com argúcia e minúcia, esgrimirem os argumentos, suscitarem as perplexidades ou afectarem as lógicas imanentes à acusação. Agora é o tempo em que perante a afectação da credibilidade do Benfica importa suscitar, perturbando e muito, os indícios, ditos suficientes e relevantes, do Ministério Público. Pouco importa chamar à colação outros processos, outros momentos e outras circunstâncias. Que, decerto, importa não esquecer e, acima de tudo, não ignorar. Mas também importa entender que vivemos tempos complexos na Justiça no seu todo e no Ministério Público em particular.
Basta acompanharmos a disputa - cheia de subtilezas e com poucos silêncios - ou não - do mandato da Senhora Procuradora da República. Por mim digo que a conheço desde os quinze anos. Estudámos juntos em Viseu e na Faculdade de Direito de Lisboa. E nunca deixámos de ser Amigos. Cumprindo cada um, em instantes diferentes, as nossas responsabilidades profissionais e sabendo sempre não misturar amizade com exercício legítimo e vinculante das nossas actividades. Sem que nenhum acto ou facto perturbasse uma relação forjada no tempo. Mesmo que constatação, consoante os procedimentos, ou uma acção musculada ou até uma bem necessária defesa musculada. E, acreditem, que, pelo menos acção musculada houve e bem a senti! No corpo e na alma. Na pele e até no coração. Sabendo, nesse momento, em quem era amigo e quem se dizia, apenas, e por conveniência, amigo...
A Benfica SAD, agora, tem de se concentrar, estratégica e tacticamente, na sua defesa. Na sua defesa neste concreto processo. Não ignorando, desde já, que vão surgir vários assistentes e não se iludindo quanto ao âmbito de defesa do conjunto dos acusados. Mas ao lado da justiça, do seu tempo concreto e das suas especificidades e, até, dos seus egos - que os há e são muitos - o Benfica, o Benfica no seu todo, tem de, em cada competição e em cada jogo, ignorar o que se passa no campus de justiça, e concentrar-se, com todas as forças e todo o múltiplo talento desportivo, no que importa conquistar no campo relvado. Seja na Liga Nos, seja na Liga dos Campeões, seja na Taça da Liga, seja na Taça de Portugal. E ao longo destes Setembro e Outubro tudo arranca em termos desportivos. E num campus e no outro campo cada jogo é, afinal, uma final. Em que importa tenacidade e sagacidade, unidade e solidariedade, sensibilidade e responsabilidade, fidelidade e personalidade. O que importa, aqui, é que não seja verdadeira a frase de Jean Rotrou: «A justiça é muitas vezes a máscara da irritação»! Mas nunca esqueço - a partir de uma lição com o título deste artigo do saudoso Professor Adelino da Palma Carlos - a «resposta altiva do moleiro prussiano que, ameaçado por Frederico II da expropriação do seu moinho lhe respondeu com frase celébre: 'Ainda há juízes em Berlim'». Por mim digo, aqui, que ainda há juízes em Sintra, em Viseu, em Cascais e... em Lisboa! Sim em Lisboa!
2. Amanhã, no Estádio da Luz, arranca, oficialmente para nós, a nova Liga das Nações. Defrontamos a sempre imprevisível, mar arguta, selecção italiana e sabendo que empatou com a Polónia no arranque desta nova competição. A disputa será entre estas três selecções no denominado grupo A3. Na passada quinta feira empatámos com a Croácia e Fernando Santos teve a ousadia, bem calculada, de renovar a Selecção. E merece um aplauso por tal opção. Pepe, o capitão, chegou aos 100 golos e marcou o golo do empate. Mas gostei de Bernardo Silva e Rúben Dias, de rever Bruma e de André Silva mais João Cancelo, Rúben Neves e Pizzi. E pressenti um renovado William (a 8?), o entusiasmo de Gelson, Bruno Fernandes, Mário Rui e Rony Lopes e, ainda, um sereno Rui Patrício. E também gostei das estreias de Gedson Fernandes e Sérgio Oliveira e do regresso do Renato Sanches. E gostei muito que o Estádio do Algarve tivesse saudado, efusivamente, Modric. Grande lição de desportivismo que ecoou nas bancadas de um Estádio que bem merecia mais utilização. Mesmo mais!
3. Temos de realçar a militância leonina. Que sinal de vida, de vitalidade, de força. Foi uma manifestação impressionante. Ontem o que se viu foi um singular marco de força associativa. Foi uma votação significativa e elucidativa. O novo Presidente do Sporting tem uma imensa responsabilidade. Sabe que tem de ser, apesar das sérias dificuldades, o Presidente destes milhares de mulheres - como a Isabel cheia de alma e de ânimo! - e homens - como o João e o Alexandre - que sentem o seu clube e que mostraram, num marco histórico, o seu fervor e a sua dedicação, a sua devoção e as suas vontades. Múltiplas e diferenciadas. Sabendo que havia seis candidatos e sabendo, desde Maquiavel, que «onde há uma vontade forte não pode haver grandes dificuldades». Mas sendo certo que haverá algumas... nos tempos mais próximos! De diferentes níveis!
4. A UEFA diz-nos que está a avaliar a introdução do VAR nos quartos de final deste edição da Liga dos Campeões. É também aqui uma revolução. Talvez possível depois da saída de Pierluigi Collina da liderança dos árbitros na organização europeia do futebol. E o que é interessante é que Arturo Vidal, sempre polémico, não deixou de assumir que «com o VAR o Real Madrid teria menos duas Ligas dos Campeões»! Contas que nenhuma justiça faz. Só a nossa reconstrução da história. Já que ela, a história, justifica tudo quando se quer."
Fernando Seara, in A Bola