"Um lance alcandorado a 'escândalo' pelos mesmos que, amnesicamente, libertaram da memória o que sucedeu durante o campeonato
1. No próximo fim-de-semana termina o campeonato. Ainda não há campeão, embora a normalidade permita dizer que será o Benfica. Mas isso será assunto que bem desejo tratar para a semana. Por agora as certezas: o Feirense é definitivamente o último, embora o seu futebol até tenha sido melhor do que clubes que ficam na primeira divisão. O Nacional não tinha hipóteses, tal a manifesta insuficiência do seu plantel. Notáveis são os lugares do Moreirense e do Santa Clara. O Sporting e o Sp. Braga ficaram nos lugares que, previsivelmente, lhes estavam destinados.
O encontro em Vila do Conde foi um excelente jogo de futebol. Vibrante, com as duas equipas a querer ganhá-lo. Num dia em que Bruno Lage fez os mesmos anos que a minha filha mais nova vai fazer no dia em que o meu (e dela) Benfica se pode sagrar campeão nacional, o jogo foi bem ganho pelo Benfica, que, desta vez, fez uma primeira parte não para empatar, mas para vencer.
Domingo à noite foi um festim de FIFO memorial por parte de alguns habituais comentaores da coligação APSSU (Alguns Portistas e Sportinguistas Sempre Unidos). Tudo por causa de um golo encarnado (o segundo), que poderia não ter sido validado, fazendo fé no que foi dito e escrito por quem sabe mais do que eu sobre estes assuntos (fora-de-jogo de João Félix). No entanto, os justiceiros da Ordem Dominacanos-à-Noite logo determinaram o pleno, concluindo que o Benfica (que, recordo, estava a ganhar por 1-0) deveria não só ver anulado o tal golo, como ser punido com um penálti, aspecto este por demais forçado, pois que quando muito seria um livre fora da área. Isto, apesar de Freitas lobo, o comentador de serviço ao norte, sempre tão omisso ou hesitante quando se trata de outros, ser tão assertivo com o Benfica, logo sentenciando ter sido um claro penálti...
Volto ao sistema FIFO do stock da memória, que, no futebol, é usado quando convém. FIFO é um acrónimo inglês usado na gestão e que significa first in, first out, ou seja, o que primeiro entra é o que primeiro sai. Por isso, o lance agora referido (da 33.ª jornada) é alcandarado a escândalo pelos mesmos que, amnesicamente, liberaram da memória - aqui relativamente ao FC Porto - o que sucedeu durante o campeonato. Recordemos apenas alguns mimos arbitrais com provável influência nos resultados:
1) marcação de penálti forçadíssimo no último minuto contra o Belenenses (2.ª jornada) que transformou um empate numa vitória;
2) claros off-side nos jogos com o V. Guimarães (que este acabou por vencer), Feirense e Desportivo das Aves (quando havia 0-0);
3) no Bessa, minuto 70, havia 0-0, manifesto derrube de Brahimi sobre um atacante boavisteito que deveria ter dado penálti;
4) Nos Açores, o golo que dá a vitória do FCP por Soares foi precedido de falta dele;
5) em Braga, um penálti sobre Wilson Eduardo, perto do fim, quando o FCP vencia por 3-2.
Isto para não falar no recorde imaculado de, até agora, o FCP ser a única equipa do campeonato sem qualquer jogador expulso, seja por acumulação de cartões amarelos, seja por cartão vermelho directo de Felipe & Companhia (lembro, só a título de exemplo, que, no Bonfim, ainda na primeira parte, Felipe placou um jogador setubalense que seguia isolado directo à baliza). Então, de repente, tudo isto é branqueado e só fica a tal jogada de Vila do Conde?
Quem não disfarçou a benficofobia foi um jogador que foi reabilitado pelo agora por ele odiado Benfica e, em consequência, prendado com salários milionários no Real Madrid. Questão básica de falta de gratidão e de amnésia parola de um - voltando às origens - caceteiro selectivo.
2. Estamos no fim da época e, pelo que é publicamente conhecido, a continuidade de Samaris jaz em banho-maria. Não têm sido fáceis estes últimos anos da vida do grego. Desde logo, com a inexplicável, direi mesmo absurda, ostracização a que foi sujeito nos últimos anos, e que, em boa hora, terminou com Bruno Lage. Samaris foi suplente de suplentes ou alternativas de segundo plano e jogadores no máximo sofríveis (se exceptuarmos, evidentemente, Fejsa), como Filipe Augusto, Danilo e Alfa Semedo. Recentemente - e, em minha opinião, extemporaneamente, numa altura decisiva do campeonato com Samaris agora titular - o presidente do SLB disse que «quem não gosta de estar cá, não está cá, o Benfica não incomoda ninguém. O Benfica trata toda a gente bem, oferece as condições que pode oferecer, mais do que isso o Benfica não irá fazer». Gasta-se tanto dinheiro com barretes de jogadores, com outros que nem alguma vez se sentaram no banco do Benfica, com renovações milionárias de atletas que possam parte das temporadas a enfermaria e é pena ver-se arrastada a decisão sobre o atleta grego que tão decisivo tem sido nesta caminhada para o título. Acresce que jamais se ouviu um queixume ou se leram declarações suas sobre o tal desterro a que foi sujeito, demonstrando ser um excelente profissional que até fala melhor português que a maioria do plantel. Para mim, Samaris deve continuar no seu e meu Benfica.
3. Enquanto o Brexit político se transformou num labirinto obscuro e de difícil previsão, eis que, no futebol europeu, o Continente caiu aos pés do New Remain inglês. Nas taças europeias, duas finais vão acontecer entre quatro equipas inglesas: Liverpool, Tottenham, Arsenal e Chelsea. Dos maiores clubes, só lá não estão os dois de Manchester, o que também não deixa de ser surpreendente. Em finais de campeões, não está lá nenhum campeão nacional. Desde logo, porque falta o City que venceu a Premier League do ano passado e deste ano. Dos agora finalistas da Champions, o Liverpool já não é campeão há 29 anos (desde 1989-90) e o Tottenham há 58 anos (desde 1960-61)! E mesmo os finalistas da Liga Europa também não vencem a prova nacional há 4 anos (Chelsea) e 15 (Arsenal).
O futebol inglês na ilha britânica merece esta notável fase de supremacia. É lá que se joga o melhor, ou, pelo menos, o mais excitante futebol mundial. Foi lá que, inteligente e eficazmente, se erradicou a fase mais funesta do hooliganismo e de mentalidades de ódio, vingança e violência gratuita. É também lá que os direitos de transmissão são mais propensos à igualdade de oportunidades para todos os clubes. É o seu futebol que melhor exporta qualidade para todo o mundo, sabendo melhor do que os outros conciliar a indústria com o desportivismo e o entusiasmo. É lá que ninguém perde tempo a queixar-se de jogos a mais e a esmiuçar ad mauseam as arbitragens que, na maioria das vezes, passam despercebidas. É lá que a justiça é mais justa, desde logo porque é fulminantemente rápida, preventiva e dissuasora, sem manobrismos de contestação ou apelo. É lá que os estádios estão cheios, onde não se vêem atitudes cretinas de adeptos e onde se canta na vitória e na derrota. É lá que os estádios estão cheios, onde não se vêem atitudes cretinas de adeptos e onde se canta na vitoria e na derrota. É lá onde qualquer jogo pode ter qualquer resultado, em que se corre que até cansa ver o onde se joga o primeiro e o último minuto com a mesma vontade, sem fitas teatrais e tempos escandalosamente queimados.
É de assinalar que as equipas inglesas não têm muitos jogadores britânicos. Como é curioso verificar que os principais treinadores não são ingleses. Por exemplo, os treinadores finalistas são um alemão, um italiano, um argentino e um espanhol! Mas tudo isto não impede - pelo contrário, robustece - um futebol à inglesa feito de vibração, fulgor físico, eficácia, dinamismo, velocidade. Por outras palavras, não é o futebol inglês que se adapta aos parâmetros continentais, mas os treinadores e atletas continentais que se entregam à cultura e tradição futebolísticas britânicas.
Os jogos das meias-finais, particularmente os da Champions, foram memoráveis. Jurgen Klopp sem Salah, Firmino e até Keita, vindo de um injusto 0-3 de Barcelona, não se queixou e vergou a equipa de Messi. O que seria por cá de lamechice num contexto como este? Esta partida também veio reforçar a idade de um Barcelona velho que apesar de ter o genial argentino ainda em grande plano, deixou de ter que me lembro na construção de futebol: Messi, Iniesta e Xavi. A saída destes dois fantásticos, inteligentes e discretos jogadores não tem, agora, solução à altura. Já o encontro em Amesterdão foi divinal como espectáculo que consagra a beleza do melhor futebol. Tive pena da eliminação do Ajax, até pelo dramatismo de que se revestiu, mas reconheço a crença e a força do Tottenham - que eliminara antes o Man. City e o Dortmund, tal como o Ajax tinha mandado para casa o Real Madrid e a Juventus - que nunca desistiu e sempre se achou no justo direito de sonhar. O golo decisivo da equipa inglesa aconteceu precisamente decorridos os 5 minutos de compensação dados pelo árbitro. Imagino o que seria entre nós: 5 minutos? Deveriam ser 3 ou, no máximo 4, o árbitro tirou-nos a final...etc., etc. Lá em uma palavra. Até nisso o jogo foi exemplarmente belo!"
"Fez-se uma barulheira por causa de uma situação de jogo que na Champions ou na Premier League é lida e interpretada de outra forma para respeitar o contacto
Se o Benfica alcançar o objectivo que corajosamente persegue, o 37.º título de campeão nacional, deve ter a consciência plena que o conseguirá por mérito absoluto, sem uma pontinha de favor, sobretudo desde a sua vitória no Dragão.
Na verdade, por razões que enxergo mal, a partir de determinada altura quase todos os opositores que lhe deparam deram a ideia de estarem a cumprir o jogo mais importante das vidas deles e sentiu-se essa motivação reforçada, não pelas dificuldades que criaram aos encarnados, porque é legítimo querer ganhar aos melhores, mas, principalmente, pelas reacções sucedâneas que oscilaram entre o elegante e o sensato e a exaltação e a relice, assim, em jeito de um retrato simples para enquadrar as diversas participações dos restantes actores.
O jogo de Vila do Conde correspondeu apenas à última viagem de uma sequência de oito que o Benfica teve de fazer durante a segunda volta do campeonato e todas de elevado grau de complexidade. A tal ponto que vozes experimentadas no comentário e sábias opiniões na área do treino ou de antigos praticantes não anteviram animador futuro à empreitada que Bruno Lage aceitou levar por diante.
De facto, havia imensos e justificados motivos para explicar tamanho volume de reticências, em função de um calendário adverso que obrigou a águia a exibições categóricas nos palcos mais problemáticos, por esta ordem: 18.ª jornada, Guimarães (1-0), 20.ª, Alvalade (4-2), 22.ª, Aves (3-0), 24.ª, Dragão (2-1), 26.ª, Moreira de Cónegos (4-0), 28.ª Feira (4-1), 31.ª, Braga (4-1) e, 33.ª, Vila do Conde (3-2).
Em oito jogos realizados fora na segunda volta, o Benfica obteve oito vitórias e marcou 25 golos que correspondem a uma média superior a três golos por jogo. Notável.
O resto é falatório para enganar o tempo e alimentar cenários alternativos que outro fim não têm se não o de encher de pecados a casa do vizinho para desviar as atenções do que passa dentro da nossa própria casa. É um hábito enraizado, muito tuga...
Ainda sobre o jogo de Vila do Conde quero dizer que o Rio Ave teve um desempenho colectivo de grande qualidade e com uma riqueza individual muito interessante, em contraposição a uma equipa do Benfica que acusou como nunca os efeitos de pressão encaniçada (lá está a confusão entre rivalidades e ódios, como alertou Abel Ferreira) com que a têm massacrado, por força das circunstâncias, algumas naturais, outras... especiais, nada fáceis de descodificar.
Em relação ao lance que agitou as almas (sim, porque as almas agitam-se em todos as jornadas) trago à colação três notas:
1 - Fez-se uma barulheira por causa de uma situação de jogo (Florentino/Gabrielzinho) que, por exemplo, na Liga dos Campeões ou na Premier League é liga e interpretada de outra forma para respeitar a importância do contacto, enquanto por cá continua a gerar gritaria durante toda a semana, em claro prejuízo dos clubes que nos representam na UEFA, onde aí sim, verdadeiramente, carregam o peso da diferença.
2 - O golo de João Félix, segundo os peritos, foi apontado em posição irregular que a intervenção do guarda-redes vila-condense não diluiu.
3 - No resto, assistiu-se a um «grande jogo de futebol de parte a parte, uma partida digna em que jogámos para ganhar» (Daniel Ramos) ou a «jogo de doidos com muitos golos e com bons momentos das duas equipas» (Bruno Lage).
No essencial, é esta imagem que importa realçar, sendo certo que, numa prova de longa duração a linha de meta é o melhor e, apesar da desbragada campanha antiBenfica que já vai em segunda época de frenética actividade, em matéria de merecimento desportivo os resultados são esclarecedores.
Já o escrevi umas três vezes, mas escrevo outra vez, por ser a única conclusão séria que pode extrair-se: quem chega à penúltima jornada com mais 27 golos marcados do que o segundo e 28 do que o terceiro, quem no confronto directo com o outro candidato a campeão regista duas vitórias (seis pontos contra zero) e quem no conjunto de oito jogos como visitante na segunda volta é cem por cento vitorioso, além de merecer ser campeão, é porque também é mais forte. Mas para ter o proveito falta-lhe conquistar um ponto.
Não adivinho o que acontecerá na derradeira ronda, a não ser que, como era previsível, vai ser conhecido o campeão. Enquanto o Benfica recebe o competente Santa Clara, no Dragão há o clássico FC Porto - Sporting, espécie de aquecimento para a final da Taça de Portugal. Esperemos, pois, serenamente, pelo menos."
"Não será relevante procurarmos num jogo de futebol justiça ou a injustiça, o mérito ou o demérito de todo um campeonato de 34 intensas jornadas. Mesmo que a diferença entre o campeão e o segundo classificado seja de um único ponto, ou de um único golo.
É verdade que, este ano, a corrida tem sido tão disputada que a poucos metros (ou minutos) da meta, ainda não se conhece o campeão. Suspeita-se quem será, isso sim, mas não há confirmação de papel passado. E isso significa apenas que o FC Porto foi mais forte, mais poderoso e mais competente na primeira fase da prova, independentemente de muitos jurarem que estava ser protegido por arbitragens que ajudavam aos resultados. Tal como não há erro de árbitro que se possa sobrepor ao facto do Benfica ter sido claramente superior na era Bruno Lage. Os resultados e os factos são evidentes que desmancham qualquer teoria que aponta eventuais razões externas com decisivas na espantosa recuperação de um triste e até invulgar quarto lugar, virado do avesso numa liderança isolada.
Benfica e FC Porto tiveram, ambos, ao longo da época, momentos bons e maus, lutaram bravamente pelo título e foram, indiscutivelmente, as duas melhores equipas do campeonato. Em nenhum caso se poderia falar de injustiça na conquista do título. Ambos foram dignos e ambos (falamos essencialmente desse conjunto não divisível treinador-jogadores) tiveram o enorme mérito de tornar absolutamente irrelevantes as penosas estratégias que se criaram, ao longo da época, para desvalorizar aqueles que, de facto, têm valor.
"Há 25 anos faleciam em Lisboa os rins de Budimir Vujacic, aos pés de um Pequeno Génio envergando a camisola rubra do Sport Lisboa e Benfica, que neste mesmo dia se preparava para hibernar, não sem antes encher a dispensa com um expressivo resultado, a que durante 11 anos, se foi agarrando de cada vez que as coisas tomavam novamente, o rumo errado.
Tendo sido um dia pródigo em efemérides, aquele 14 de Maio de 1994, ficou também marcado pelo escaqueiranço da maior bazófia que o mundo futebolístico alguma vez viu, com uma semana de promessas contínuas de atropelamento encarnado naquela espécie de banheira às riscas, culminadas com sonoros gritos de "olés" como jingle de fundo de trocas de bola lagartas, que teve como triste epílogo envergonhados festejos do 3º golo da casa, que a 5 minutos do final da peleja o Visitante contrapunha com 6 belos tentos, potenciados por Carlos Queiroz que sem ter um Bernardo Silva à mão, decidiu jogar 45 minutos sem lateral esquerdo.
E como estamos numa maré de celebrações, comemora-se hoje o nascimento, daquele a que Dias da Cunha apelidaria uns meses mais tarde, de "salto de borboleta" do guardião que o Sporting CP apresentara 1 ano antes com a pompa e circunstância de ter sido roubado ao rival, que escancarou as portas do Inferno por onde o SL Benfica se escapuliria uma semana mais tarde, deixando ao Sporting CP os Gloriosos títulos de Ultima Equipa a Sucumbir ao Benfica e Primeira Equipa a Sucumbir ao Benfica, conquistas que os do Lado Errado da Segunda Circular obtiveram com um hiato de 11 penosos anos."
"O campeonato português ainda não acabou. Reconhecem-no Bruno Lage e Sérgio Conceição, entre outros actores principais da Liga 2018-19, e recomendam o bom senso e o respeito que assim seja. O que também não acabou, e não tem fim à vista, é o jogo do empurra. Para quê assumir erros próprios quando se pode apontar o dedo a terceiros? Para quê moderar o discurso quando se pode facilmente desviar atenções, incendiando os ânimos? Não há ninguém mais expedito do que um dirigente (salvo honrosas excepções) a pôr em causa, a cada fracasso, a solidez do edifício do futebol, ignorando deliberadamente que é essa desresponsabilização estrutural que lhe vai enfraquecendo os alicerces.
“O preço da grandeza é a responsabilidade”. A máxima professada por Winston Churchill aplica-se entre as quatro linhas do relvado e também nesse plano circular da comunicação que gravita fora delas. Para o sucesso interno, poderá bastar a competência de gestão e a qualidade das decisões tomadas durante e no final de cada época, mas para a saúde da indústria é imperioso que essa capacidade de análise e autocrítica transborde para o domínio público.
Quando se trata de digerir o êxito alheio, no topo da pirâmide do futebol português não há vencidos impolutos. Reconhecer mérito a um rival, numa modalidade que se desdobra em apelos ao fair-play, parece ser reiteradamente interpretado como um sinal de fraqueza. Mas que fraqueza maior existirá do que negar sistematicamente a competência de quem indirectamente contribui para que sejamos quem somos?
O campeonato português ainda não acabou e o presidente do FC Porto, hoje mais recatado que nunca, decidiu vir a público atribuir às arbitragens o impulso decisivo de um eventual fracasso nesta maratona. Em entrevista ao jornal O Jogo, passa uma esponja sobre a derrapagem dos “dragões” e menoriza a recuperação do Benfica, preparando terreno para aplacar as críticas dos adeptos mais voláteis, mesmo que no balneário se dissemine a ideia de que o título ainda é possível. É como se estivesse a atirar a toalha ao chão contra a vontade de um atleta que ainda sente forças para lutar. É a estratégia a sobrelevar tudo o resto.
O que a direcção do FC Porto faz hoje, consciente de que muitos dos seus adeptos não perdoam a derrota no clássico e a vantagem que a equipa foi deixando cair do bolso ao longo do trajecto, é sensivelmente o mesmo que fez o Benfica no final da temporada passada. Não nos iludamos: já não há nada a inventar no futebol quando a prioridade é aplacar o desagrado das massas. E é também por tomadas de posição como esta, com este tipo de exemplos, que chega a ser irónico ouvir os apelos anti-violência pré-formatados que são disparados na hora em que chegam os danos colaterais.
“Jogo sujo. Campeonato sujo. Uma arbitragem que envergonha o futebol”. Foi assim que vociferou o Benfica depois do clássico com o Sporting, na jornada em que o FC Porto foi campeão, em Maio de 2018. Agora, a dias do derradeiro e decisivo fim-de-semana da Liga, Pinto da Costa reage desta forma quando questionado sobre se os “encarnados”, a confirmar-se a vantagem que detêm na liderança, serão justos campeões: “Não. Justiça tendo na memória o que se passou em Santa Maria da Feira, Braga e Vila do Conde? Os portistas que viveram isto vão lembrar-se daqui a 20 anos.”
A consequência imediata desta posição foi uma reacção do Benfica, que provavelmente desencadeará uma nova reacção do FC Porto, num ciclo vicioso que já se arrasta há demasiados anos e que atenta contra o adepto/espectador que se interessa verdadeiramente pelo jogo. Aquele que sofre com as derrotas e exulta nas vitórias. Aquele que espreme até à última gota o sabor do êxito precisamente porque tem noção de que não se pode ganhar sempre. Aquele que faz acelerar o negócio por impulso. Sem tacticismos."
"Confesso que existem alturas em que a tristeza que me assola por ser adepto de futebol em Portugal. Sinto que nada nem ninguém tem respeito por mim, pelo meu filho, pelos meus amigos. No fundo, por todos aqueles que amam o futebol e acompanham o seu clube, em função das suas possibilidades, seja em casa seja nos tão desejados “Aways”.
E vem este assunto a propósito do quê? De várias coisas que, por si só e em conjunto, tornam o “adepto da bola” em Portugal num privilegiado, num cliente e num perigoso delinquente. Sim. Nisto tudo. Senão vejamos: Somos privilegiados porque para uns, normalmente aqueles que ou não gostam de futebol ou que não entendem que se façam 500-800 km num dia para ver o nosso clube, é coisa de malucos ricos. Coisa de quem ama o seu clube e abdica de outras coisas, digo eu. Há quem goste de comprar mais e melhor roupa, ter este ou aquele telemóvel, este ou aquele gadget, frequentar mais ou menos restaurantes caros, e por aí fora. É tudo uma questão de escolhas. Todas são válidas. Nenhuma é criticável.
Depois somos “um cliente”. Somos um cliente do Benfica e da Liga de Futebol. Para eles temos direito às melhores promoções de camisolas, a descontos em gasolineiras, oculistas, viagens e até funerárias, mas depois temos 5 minutos numa manhã para conseguir comprar online bilhetes para um jogo... e isto se conseguirmos entrar no website. Para a Liga temos direito a estádios de futebol, cheios de conforto e condições para ver o nosso clube. Ainda recentemente uma directora da Liga se vangloriava disto num jornal. Confesso que não sei que estádios é que a senhora frequenta, mas nunca deve ter passado de Lisboa ou Porto porque alguns dos estádios a que vou as casas de banho não têm água corrente, noutros só existe uma porta para entrarem e saírem milhares de pessoas (ou existem mais mas estão - algumas vezes criminosamente - fechadas), e chego a perder golos da minha equipa porque não há condições nem gente suficiente para serem feitas as revistas.
Imaginem que nos estádios a que vou, inclusive o meu, os ARD chamam a polícia para tirar uma bandeira ou uma faixa com o nosso símbolo porque está a tapar publicidade. Podíamos também falar das marcações de jogos: quero e tenho o dever de exigir que marquem os jogos com a antecedência necessária para poder organizar a vida pessoal e familiar, incluindo deslocações com amigos ou família.
Olho para o futebol inglês e até holandês e penso que nunca lá chegaremos. Depois de tudo isto ainda somos tratados como criminosos pela polícia e pelos Assistentes de Recintos Desportivos (ARD) dos diversos clubes. Quando entro num estádio sou revistado, ou por um polícia mal encarado ou por um ARD, e se a este ainda concedo o benefício da dúvida de não saber de leis já com a polícia a coisa muda de figura. Aqui teríamos muito que falar e cada ponto seria assunto para uma tese de mestrado em direito ou um doutoramento em magistratura.
Vamos elencar as coisas para facilitar:
▶ Adereços não admitidos nas bancadas:
Alguém de leis que me explique como é que um plano de segurança de um estádio ou uma decisão de uma direcção se pode sobrepor a uma portaria, lei ou à própria Constituição? Quem é que me pode impedir de entrar numa determinada bancada de um qualquer estádio por estar de vermelho, verde ou azul? E como é que as forças policiais atropelam os direitos fundamentais dos cidadãos de modo tão flagrante em vez de zelarem pelo nosso bem estar e direito a estar vestido como queremos? Pelo contrário, obrigam-nos a retirar a camisola ou cachecol ou a não entrar... está tudo virado do avesso.
▶ Revistas:
Porque não sou revistado num estádio de futebol da mesma maneira que sou revistado num concerto, num museu ou numa catedral? Em Inglaterra as revistas são feitas todas de igual modo e com modos. Cá pelo burgo não, somos tratados como potenciais criminosos ou terroristas.
Resumindo: quero, simplesmente, ser adepto de futebol. Gritar pelo meu clube. Saltar e cantar na bancada. Ok. Se calhar já estou a ser muito exigente neste futebol moderno..."
"Em Espanha há pelos porteros o mesmo fascínio que existe pelos toreros. Talvez por causa da sua solidão. Uns na arena; outros na grande área. O guarda-redes é o único jogador que se abandona. Quando a equipa sai numa horda de ataque desenfrada, ele não é tido nem achado. Fica lá atrás a tomar conta da trincheira. E é esquecido na comemoração do golo: está lá não estando. E, muitas vezes, só damos por ele porque é tão, tão diferente que até veste de outra cor.
Em Espanha, os grandes porteros ficaram escritos. Leiam-nos como se os vissem voar com aqueles braços que não passam de asas que algum Deus menor se esqueceu de acabar. Zamora e Iribar, Urruti e Ramallets, Ariquistáin e, de todos o meu favorito, Guillermo Bonifacio Eizaguirre Olmos, o legionário.
Em 1936, Guillermo era guarda-redes do Sevilha. Chamavam-lhe ‘El Ángel Volador’. Tinha um dom inexplicável de dominar os ângulos com a precisão de um geómetra euclidiano. O émulo de Ricardo Zamora, ‘El Divino’. «Si Zamora era santo y seña en el Madrid F.C., Eizaguirre era poco menos que el héroe de un equipo sensacional. El líder de una pandilla de artistas, fiel legado de la ya famosa escuela sevillana». Ficaram em lado diferentes da História. História com maiúsculas.
La Legión’ também ficou conhecida como ‘Tercio de Extranjeros’. Desde 1920 que se batia nas regiões controladas por Espanha no Norte de África, tal e qual como a Legião Estrangeira dos franceses. Quando a Guerra Civil de Espanha eclodiu, ‘La Legión’ optou por apoiar o ‘Bando Sublevado’ que levaria Francisco Franco ao poder em 1939. Eizaguirre escolheu ficar do lado dos vencedores, embora ainda não o soubesse quando abandonou de vez as balizas do Sevilha para se tornar num militar. Optou pela farda sorumbática, ele que equipava geralmente com uma camisola espampanante de riscas castanhas e amarelas com uma espécie de quadriculados nas faixas mais escuras. Um ano antes, no dia 12 de maio de 1935, a Espanha tinha ido a Colónia, ao Estádio Müngersdorfer, bater a selecção da Alemanha nazi por 2-1, com dois golos do asturiano Lángara, ‘El Cañonero de Oviedo’, que já havia marcado cinco a Portugal no terrível terramoto de Chamartín de 1934: 0-9. Isidro Lángara era uma alma livre. Foi perseguido pelo regime do Caudilho e teve de se refugiar na América Latina. Também ele optou por qual dos lados quis combater.
Em Colónia, perante mais de oitenta mil fanáticos que acreditavam que a Alemanha era pura e simplesmente invencível, os espanhóis registaram o escândalo da tarde: Eizaguirre estava sob os postes; Zamora sentava-se no banco. Um jornal escreveu, solene: «Al banquillo, inmóvil en el asiento, semblante serio. Ahí estaba. Zamora. El Divino. El mito. El gran portero español de los tiempos pasados y de los que habrían por venir. Insignia del poderoso Madrid Fútbol Club. El hombre que en sí mismo movía ascendencias en el fútbol patrio factótum del Gobierno cedista». A CEDA era um partido de simpatias fascistas comandado por Gil Robles, aglutinando as Juventudes Católicas de Acção Popular.
A suplência de Zamora e a titularidade de Eizaguirre ganhou contornos políticos. O governo de Alejandro Lerroux tirou proveito da tranquibérnia. Enquanto o país se desfazia e caminhava para uma das grandes carnificinas de todos os tempos, havia os que enfunavam a pena na defesa de ‘El Divino’ e os que idolatravam ‘El Ángel Volador’. Em Sevilha, por uma, outra e outra vez saía de campo em ombros. O público ia buscá-lo ao centro do relvado do Estádio de Nervión e era como se tivesse tido direito a rabos e orelhas.
Se Zamora criou as zamoranas, saídas aos pés dos adversários esperando que lhe desviassem a bola para um dos lados e, no último segundo, sacudi-las com o cotovelo, Eizaguirre foi o autor de las palomitas, pinchos súbitos por entre os defesas, na horizontal, corajosas e sofisticadas. Estudou Direito, foi tenente durante a Guerra, terminou a vida como militar em 1986, com 77 anos.
Em Espanha, Iker Casillas está na companhia dos grandes. Faltou-lhe sempre aquele momento de desarrumação que o levasse a sublevar-se contra a imagem de bom rapaz que é apenas o desalento dos que se esperam que sejam loucos. Devia ter escutado Victor Jara:
«Hoy es el tiempo que puede ser mañana
Líbranos de aquel que nos domina».
E saltar aquele risco de giz que serve de fronteira em a normalidade e a lenda. Até à passada semana, fugira ao drama dos guardametas.
De um momento para o outro foi obrigado à defesa que todos temem: a defesa da sua vida. Talvez não volte a ocupar o espaço de uma baliza. Mas escutará o grito da existência:
"O jornal oficial do Sporting, Record, já deixou o aviso: o Sporting CP vai poupar jogadores no Dragão. Tudo normal neste País, onde houve um “escândalo nacional” quando o Marítimo fez gestão dos amarelos na Luz, mas onde é normal o Sporting ir poupar jogadores ao Dragão.
Como seria se fosse um Benfica - Sporting e se passasse a mesma situação? Ou, o que aconteceria caso o Santa Clara viesse jogar à Luz com os suplentes? Ficam as questões no ar.
Afinal, nada disto surpreende. Falamos de um clube vassalo da Torre das Antas e de uma comunicação social totalmente amestrada."
"O maior escândalo, farsa ou mancha negra deste campeonato é chegar-se a esta fase decisiva e o FC Porto ainda estar na luta pelo título.
Seja na Liga Real, na Liga da Verdade ou em qualquer painel de análise, a conclusão é a mesma: sem os 10 pontos a mais que resultaram de erros de arbitragem a favor do FC Porto, a única coisa que estaria em jogo no próximo sábado seria a luta para se saber quem ficaria em 2.º e 3.º lugar. No fundo, para se saber quem ainda poderia ter acesso à Liga dos Campeões.
Por isso, chega a ser penoso assistir à nuvem de fumo e areia para os olhos que representa a espécie de entrevista/monólogo do presidente do FC Porto, que ensaia uma desculpa que só surgiu precisamente a partir do momento em que o Benfica foi ganhar ao Dragão: a criação de uma ficção que passa por responsabilizar a arbitragem caso venha a perder este campeonato.
Na realidade, já nem ele acredita nas suas próprias palavras.
Mas o mais incrível é o novo sinal que dá de desespero e sobretudo de desrespeito pelos seus próprios profissionais (equipa técnica e jogadores). Ou seja, na semana em que verdadeiramente tudo se decide, o suposto líder do clube, para salvar a pele de mais um previsível desaire, prepara uma inédita fuga para a frente, dando como garantida a derrota no campeonato e inventando a mais ridícula das desculpas para uma época como esta – as arbitragens.
Percebe-se melhor agora o estado de desorientação que levou a equipa a ter de sujeitar-se a humilhações públicas perante as claques.
No ciclo dos últimos seis anos (mesmo ainda com o campeonato e a Taça de Portugal desta época por decidir), o FC Porto só ganhou uma Liga e uma Supertaça, encontra-se sob intervenção da UEFA, tem mais de metade da equipa principal em debandada sem terem sido devidamente acauteladas as renovações de forma atempada e, pelo meio, apostou tudo num regresso ao passado de ameaças, coações, pressões, a que ainda se acrescenta o crime do acesso e divulgação indevida de informação interna de um seu concorrente.
Perante o risco de mais um insucesso (apesar das muitas ajudas) e sem resposta para justificar o trabalho que não foi feito, ensaia-se agora este penoso exercício de invenção de desculpas que nem o mais fanático dos adeptos convence.
Da nossa parte, o rumo há muito está traçado.
Prioridade total à Reconquista!
Para isso, o foco só pode estar no jogo de sábado. Nada está ganho e sabemos bem que a qualidade da equipa do Santa Clara exige máxima concentração de todos.
Continuamos a contar, obviamente, com o apoio dos “Incansáveis” – os nossos milhões de adeptos que, por todo o mundo, estarão ao nosso lado nesta derradeira final. Só faltam 90 minutos!"
"Primeira edição da Taça Benfica-Sporting, disputada no Campo das Amoreiras, serviu de comemoração para a implantação da República: teve lugar em 5 de Outubro de 1925. Houve mais cinco edições antes de os clubes se zangarem...
Se me dão licença, vou perder algum tempo a falar sobre uma competição que o tempo deixou cair no poço fundo do olvido: a Taça Benfica - Sporting.
Para já, o nome é sugestivo, convenhamos.
Há que convir que a relação entre os clubes era pacífica, nem de outro modo poderia ser para que tal prova tivesse pernas para andar. Acertou-se que era preciso uma data comemorativa na qual encaixar o dérbi que teria periodicidade anual. Muito bem. Venha daí a República! Seria um Benfica - Sporting republicano, marcado para o dia 5 de Outubro.
Definido o calendário, acertou-se que a primeira edição teria lugar 1925.
E assim foi.
A imprensa sublinhava o facto de ser, também, uma forma de fomentar a rivalidade. Ora vejam: 'Sporting e Benfica, velhos rivais, procuram a cada ano novas energias e novos motivos para alimentar a sua emulação de sempre!'
Ou seja, rivais que queriam ser mais rivais ainda.
Não inimigos: apenas rivais.
A Taça Benfica - Sporting rolou nos relvados como a bola que a impulsionava. Durou exactamente seis anos. Acabaria mal, mas haverá um dia em que virei a estas vossas páginas falar sobre o assunto. Em sua substituição surgiu uma Taça B-S-B (Benfica - Sporting - Belenenses) que ganharia foros de torneio de pré-época. Lá está, outras histórias. Há sempre histórias infinitas para contar... Que haja tempo e saúde. E memória, já agora.
O descarado!
No dia 5 de Outubro de 1925, no Campo das Amoreiras, o jogo foi um bocado para o xapoposo. Toda a gente o reconheceu e sublinhou. Ora, afinal nem todos os dérbis podem viver resplandecentes de emoção. 'O grupo do Lumiar alcançou, ao fim dos noventa minutos de jogo, que não foram brilhantes, ou sequer regulares, uma vitória que nada indica e não pode, de forma nenhuma, ser usada à guisa de prognóstico para a época que vai iniciar-se'.
Sábias palavras, as do cronista que as assinou.
O Benfica tinha ente como Vítor Hugo, com aquele seu nome de romancista fascinante, Francisco Vieira na baliza, Vítor Gonçalves, o avô daquele Gonçalves que viria a ser primeiro-ministro depois do 25 de Abril, e Mário de Carvalho e Jesus Crespo, Artur Travaços e Hugo Leitão.
Já no Sporting pontificavam o enorme Jorge Vieira, Francisco, Torres Pereira, Jaime Gonçalves e Emílio Ramos. Portela tinha dado o lugar a Martinho, Ramos seguira para o FC Porto...
Farta concorrência, eis uma frase vulgar naqueles tempos. Muita gente nas Amoreiras. Mesmo muita gente: um Benfica - Sporting é um jogo de gente, popular como nenhum outro. 'O jogo terminou com uma vitória de 3-1 do Sporting. Nada diremos dele, e dos jogadores nada desejamos dizer também. A eloquência, neste caso duvidosamente sugestiva dos números, é a única coisa que podemos deixar à consideração dos leitores'. Homessa! Então, de repente, o cronista foge às suas responsabilidades? Pura e simplesmente afirma que nada tem a dizer sobre o jogo e sobre os jogadores, emala a máquina de escrever e vai para o café de esquina escorropichar um capilé? Esta é de truz! É do quilé!
Posso, agora, confessar-vos que não trouxe à baila este Benfica - Sporting e uma taça nova. Fascinei-me com este descaramento jornalístico que bem merece, por si só, uma crónica. Diria Raposão, de A Relíquia, do imarcescível Eça: É um descaramento divino!'
E é mesmo!
Ainda assim, acrescentou o plumitivo: 'Quanto à arbitragem, entre a José Fonseca, supomos que é do pior que tem aparecido'. Depois desapareceu."
"Fernanda Simões foi determinante para a continuidade da modalidade no Benfica
O desporto esteve presente desde muito cedo na vida de Fernanda Simões. Ainda não andava e o seu pai já a tinha feito sócia do Benfica. Aos oito anos, era fascinada por basquetebol, não perdia uma partida. Aos treze anos, jogou o seu primeiro encontro oficial, afirmando: 'já nessa altura, envergava a camisola «encarnada», não a do Clube, mas a da sua filial, o Sport Lisboa e Beira'. Em 1961, com a mudança para Lisboa, a hipótese de actuar de 'águia ao peito' estava mais próxima. Contudo deparou-se com a inexistência da prática da sua modalidade predilecta nos 'encarnados'.
O basquetebol feminino no Benfica foi praticado por um curto período na década de 1930. Introduzido em 1933/34, desfrutou de algum sucesso, conquistando a primeira edição do Campeonato de Lisboa. No entanto, sofria um interregno desde 1938.
Fernando Simões não se frustrou e foi no seio da sua família que partiu o lançamento para que as benfiquistas voltassem a encestar. O seu pai, Fernando Simões, sócio dos 'encarnados', lançou a ideia do regresso do basquetebol feminino 'e a direcção acolheu-a da melhor maneira'. O Clube reuniu um conjunto de jogadoras que, apesar de bastante jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, eram muito talentosas. As 'encarnadas' venceram o Campeonato de Lisboa nessa temporada e repetiram o feito nas duas seguintes. Fernando Simões destacou-se por ser uma das melhores marcadoras da equipa e também pelo sentido de liderança como capitã.
A época 1971/72, a sua última ao serviço do Benfica, começou de forma conturbada, voltando nessa altura e desempenhar um papel fulcral. 'Sem treinador, sem ter efectuado um único treino, e sem saber até, se tinha jogadoras em número e condições suficientes', o Clube foi obrigado a suspender a actividade do basquetebol feminino e a decretar a não participação no Campeonato de Lisboa.
Tudo parecia indicar um novo interregno. Todavia, a opção de Eduardo Monteiro, treinador da equipa masculina, assumir também o comando técnico do plantel feminino foi o início da solução do problema.
O técnico optou por estruturar 'a nova equipa à base de três antigas praticantes (Fernando Simões, Fernando Onofre e Helena Cabrita)' e o resultado foi surpreendente. Num conjunto equilibrado pela experiência destas três jogadoras e pela rapidez das mais jovens, qualificaram-se para o Campeonato Nacional da II Divisão e venceram a competição. Feito inédito no Clube!
Fernando Simões terminou da mesma forma como começou a reactivar a modalidade e a conquistar títulos.
Saiba mais sobre esta brilhante atleta e sobre o basquetebol feminino na área 3 - Orgulho Ecléctico do Museu Benfica - Cosme Damião."
PS: Vários Benfiquistas têm 'comparado' o lance do Tino com esta jogada no Moreirense - Corruptos. Mas eu noto um grande 'pormaior': o Tino nunca coloca o braço no peito do adversário, algo que o Militão fez...
"Carlos Xistra ou Jorge Sousa. Um deles estará na Luz no próximo Sábado (desta vez a fonte habitual não abriu totalmente o jogo).
E amanhã e Quarta-feira, o cabecilha da corrupção, Pinto da Costa, vai dar duas entrevistas ao jornal do clube de nome O Jogo. A coação vai atingir limites nunca antes alcançados. Vai valer tudo!
Como já alertámos, vão tentar tudo até ao fim para o golpe de teatro. Alerta Máximo!"
"1. Simulação de qualidades, pensamentos, convicções ou emoções que não são verdadeiras; dissimulação; fingimento
2. Carácter do que é hipócrita, que não tem sinceridade; falsidade
Etimologia
Do grego: hypokrisía
É esta a palavra que melhor assenta em todos os vermes que assinam a cartilha do clube da fruta e do café com leite nas redes sociais e comunicação social.
Tenham um pingo de vergonha na cara e estejam mas é calados. Só em Portugal se vê este tipo de fanatismo, facciosismo e hipocrisia em todos os programas desportivos e em horário nobre. Em vez de se apelar ao desportivismo e cultura desportiva, todos os canais de notícias contribuem semanalmente para o esgoto de céu aberto que é o futebol português. O ódio ao Sport Lisboa e Benfica gera audiências e audiências significam cifrões. Nós sabemos.
Não obstante, como uma mentira repetida centenas de vezes não se torna necessariamente numa verdade, fica aqui novamente o verdadeiro filme da época, para relembrar todos aqueles que sofrem de Alzheimer ou de cegueira aguda.
E uma nota final: se não fossem as ajudas ao clube da fruta, o Sport Lisboa e Benfica já seria campeão há muito tempo atrás. Mais, se não fossem os 15 (Quinze!) pénaltis, o Sporting Cashball de Portugal ainda estaria a lutar com o Braga pelo 3º lugar.
Liga Real: https://i.imgur.com/nhNwat5.jpg
Benefícios do Futebol Clube do Porto: https://i.imgur.com/vNi5lZo.jpg
Pénaltis a favor do Sporting Clube de Portugal: https://i.imgur.com/jo4naFp.jpg
Tabela com maior taxa de pénaltis a favor: https://i.imgur.com/MKiAgvH.jpg
Melhor marcador por pénaltis: https://i.imgur.com/fBSDLXK.jpg
O notável trabalho de Bruno Fernandes no Sporting merece todos os elogios e mais alguns e será unânime que o oito do Sporting foi o melhor do campeonato português.
Mas se a Premier League já separa os rapazes dos homens, ela também diferencia os verdadeiramente capazes dos outros, como facilmente percebeu o FC Porto nas eliminatórias com o Liverpool.
Naquela primeira frase, está entendida essa questão de dimensão.
Jogar basquetebol no Real Madrid ou na Euroliga ainda não é a mesma coisa que estar num qualquer franchise da NBA, ainda que, tal como Luka Doncic, também Bruno Fernandes chegará, eventualmente, ao melhor dos campeonatos e mostrar valor.
Dito isto, voltemos a Inglaterra onde, imagine-se, há uma equipa que pode dizer: «Nós somos melhor do que o Liverpool.»
A afirmação por ela própria é tremenda, mas a demonstração em campo foi ainda maior pelo Manchester City, liderado por Pep Guardiola do banco e por Bernardo Silva em campo. O português pode ter de seguir o conselho de Vincent Kompany na postura no balneário, mas na ambição em campo ninguém quis este campeonato mais do que ele.
Esta batalha entre Liverpool e Manchester City teve momentos decisivos. A jornada 24 foi uma delas. Trouxe a última derrota dos citizens, que aconteceu num sábado. No domingo, em Anfield, o Liverpool desperdiçou uma vantagem e empatou frente ao Leicester: os reds lideravam com mais cinco pontos.
Nessa altura, Guardiola percebeu que tinha de vencer os jogos todos até ao final da Premier League. Aproveitou que na jornada 25 o Liverpool empatou 1-1 com o West Ham e teve fé que os rivais dos reds dessem uma ajuda: nulos com Everton e Manchester United.
Ultrapassagem consumada na ronda 29, com nove encontros por disputar. O golo de Vincent Kompany frente ao Leicester anunciou um bicampeonato que esteve em sério risco em Burnley. O ManCity venceu em Turf Moor por três centímetros (foi essa a distância de a bola não tocar na linha de golo no 1-0 final de Aguero) e por três centímetros saiu campeão.
Também saiu campeão pelo pedaço de jogador que os 173 centímetros de Bernardo Silva são.
Não haveria festa blue em Manchester se não fossem as inúmeras exibições de qualidade do português. E certamente não existiria este bicampeonato inédito na história do clube sem a brilhante performance de Bernardo Silva no Manchester City, 2 – Liverpool, 1.
Um encontro também ele decidido por centímetros, com Stones a evitar o 1-0 para os reds com muito da bola para lá da linha de golo e o suficiente dela para que a tecnologia não apitasse no pulso do árbitro.
No melhor dos jogos que fez, Bernardo Silva não marcou qualquer golo, mas as decisões com bola e a abnegação sem ela foram de um autêntico campeão e até disputar lances aéreos com o gigantesco Van Dijk tentou Bernardo.
Os campeonatos podem vencer-se por centímetros, mas os futebolistas nunca se medem pela altura. Por esta hora, qualquer português já o devia saber, se é que me entendem."
"Numa altura em que o campeonato parece entregue, interessa reflectir sobre o futebol português. Nunca se tendo falado tanto de futebol como agora, dir-se-ia que ele está pujante e vigoroso. Mas não está: o futebol está doente.
Ouço muita gente dizer que já não acredita no futebol em Portugal, o que é estranho tendo em conta a introdução do VAR. Além disso, em termos de espectáculo, o campeonato português deixa muito a desejar. Isto mesmo pudemos confirmar esta semana nos dois jogos das meias-finais da Champions. Foram espectáculos soberbos! Em ambos houve a recuperação de 3 golos de atraso, com emoção a rodos até ao fim.
Ficou aí claríssimo que o futebol não se joga só com os pés. Em termos de pés, de virtuosismo, o Barcelona é melhor do que o Liverpool. Mas em termos de cabeça o Liverpool revelou-se mais forte. Tendo perdido por 3-0 em Barcelona, o seu sonho dir-se-ia terminado. Restava-lhe resgatar em casa a honra do convento, ganhando o jogo, ainda que pela margem mínima.
Mas desde o início se percebeu que, embora sem alguns dos melhores jogadores, o Liverpool acreditava na qualificação. A enorme montanha de 3 golos que tinha à frente não era suficiente para o fazer desistir. Acreditou. Encheu a alma. E foi com ela que marcou uns inacreditáveis 4 golos ao Barcelona e não sofreu nenhum, vencendo a eliminatória.
Em Amesterdão sucedeu algo semelhante – mas ainda mais improvável. O Tottenham fora derrotado em casa pelo Ajax, tendo de ir ganhar à Holanda. Mas ao intervalo já estava a perder por 2-0, com um total de 0-3 na eliminatória.
Logo no início da 2ª parte, porém, toda a gente percebeu que as coisas não estavam resolvidas. Os jogadores ingleses acreditavam – e transmitiam essa força às bancadas e aos que os viam pela TV.
A certa altura, todos pressentiam que a eliminatória ia virar – até o Ajax! Que se assustou, sofreu 2 golos seguidos, e na última jogada do desafio sofreu o terceiro. Foi azar. Mas o Tottenham, pela sua crença, mereceu o prémio.
O futebol português precisa disto. De crença, de vitalidade, de emoção. Os jogadores não podem atirar-se para o chão a cada empurrão, os árbitros não podem marcar penáltis por tudo e por nada, os jogos não podem estar sempre a parar.
Uma palavra final para a resistência física. Estes dois jogos acabaram com um mito. O Barcelona não jogou no fim de semana com os mesmos jogadores para os ter frescos para este embate, enquanto o Liverpool não só jogou com os mesmos como teve um jogo dificílimo, em que perdeu o melhor avançado. Pois foi o Liverpool que se mostrou mais fresco.
Na Holanda, o campeonato parou para deixar o Ajax descansar, enquanto em Inglaterra o Tottenham não deixou de jogar. Pois foi este que atacou até ao fim, ganhando a eliminatória no último segundo!
Não são os pés nem o físico que ganham os jogos – é a cabeça."
"Colocando-se numa posição de baloiço socrático (pensamos na comédia grega de Aristophanes, Les Nués, onde se representa a personagem de Sócrates num “cesto” (baloiço) suspenso no ar, e que tem a pretensão de se colocar acima do ponto de vista do comum dos mortais), o barão Pierre de Coubertin (1863-1937), considerado o pai do olimpismo moderno, apresenta uma definição de desporto, persuadido que estava da excelência da educação corporal britânica e que militava pela introdução dos desportos ingleses nos estabelecimentos escolares franceses. Para si, o desporto “é o culto voluntário e habitual do exercício muscular intensivo, incitado pelo desejo do progresso e não temendo o risco” (Coubertin citado em Rioux, 1972, p. 2). Examinando o ponto de vista complexo, mas evolutivo, do renovador dos JO Modernos, que deixou milhares de páginas escritas sobre o desporto, este conceito tem em consideração cinco aspectos: iniciativa, perseverança, intensidade, aperfeiçoamento e assunção do risco.
Assumindo como “slogan” ou palavras de ordem para o Comité Olímpico Internacional (CIO), citius, altius, fortius (mais rápido, mais alto, mais forte), para o animador da chama olímpica e senhor dos anéis (Coubertin) são cinco aspectos “essenciais e fundamentais” e decorrem de três consequências. Primeira consequência: o desporto não é natural ao homem, isto é, ele está em contradição com a nomos (lei) animal do “menor esforço”. Não é suficiente fornecer-lhe as facilidades materiais. É preciso paixão e cálculo (estratégia). Segunda consequência: o carácter desportivo é susceptível de se sobrepor a todo o exercício muscular. A técnica desportiva abrange todo o domínio do exercício físico, desportivamente praticado (ginástica, esgrima, equitação, futebol, etc.). Terceira consequência: o desporto apela ao sangue-frio e à observação, isto é, faz apelo à psicologia e à fisiologia. Ele é um agente de aperfeiçoamento moral e social. A seus olhos, o valor moral do desporto é exemplar (escola de vontade, fortificador das almas e representação da versão moderna do estoicismo).
Afinando as suas análises, para o ecléctico aristocrata Coubertin, o desporto comporta três fases sucessivas. Toda a prática desportiva exige uma determinada ginástica que adapta o corpo aos movimentos necessários e cria o hábito muscular desejável. Depois, ele torna-se uma ciência: o desporto experimentado permite adquirir conhecimentos. Por fim, o desporto pode ser uma “arte” (produtor e proporcionador), pelo qual o Homem se liberta de si mesmo e liberta o seu semelhante das piores coisas, das menos dignas, das mais pesadas. Uma arte que varia segundo o grau de aperfeiçoamento daquele que o pratica. Uma arte com um lugar à parte de todas as outras. O desporto produz a beleza, pois o atleta é a escultura viva. Ele é a ocasião da beleza dos edifícios que o consagram, os espectáculos e as festas que ele provoca.
Nos propósitos gerais de Prouteau (1948, p. 207), o “desporto é o único meio de conservar no homem as qualidades do homem primitivo. Ele assegura a passagem da idade da pedra para a idade da pedra futura, da pré-história à pós-história”. As artes são sempre um bom barómetro da importância de um fenómeno no coração da civilização. Assim sendo, o desporto é um meio de expressão artística. Para além da inspiração, o desporto incute o gosto pela força, mas pela força cultivada, trabalhada, controlada e honestamente utilizada.
Na sua mensagem radiofónica (04 de Agosto de 1935), pela ocasião dos JO em Berlim, em 1936, Pierre de Coubertin associa desporto e religião, enquanto fronteira entre o sagrado e o profano. As críticas ao criador dos cinco anéis olímpicos vão-se fazer sentir. O humanismo (regeneração dos indivíduos, sobretudo dos franceses) e o universo moral proposto na sua obra Pédagogie sportive (1922) “falhou”. A necessidade de afirmação do eu, pela via competitiva, é dominante da cultura ocidental. O desporto favorece esta afirmação, no entanto, os meios para a satisfazer são de acesso cada vez mais difícil.
O desporto não é apenas portador de um ideal ético e moral. Ele é susceptível de produzir os melhores e os piores efeitos, representando um meio de cultura ou, pelo contrário, um retorno aos instintos de agressividade e ao chauvinismo. Ele pode ser o “ópio do povo”, num universo de evasão onírico.
Concentramo-nos sobre as proezas, os resultados sensacionais ou catastróficos, os recordes inacessíveis ou que são batidos, no seu humanismo, na sua mensagem de amor, na sua missão pacificadora, mas fala-se pouco sobre as suas imperfeições (excessos, lesões, violência – física, institucional e simbólica –, corrupção, dopagem, discriminação, exclusão, morte, etc.), com medo, talvez, de quebrar o “belo sonho”."
"Não é preciso ser um engenhoso documentalista, para rapidamente deduzir que o José Mourinho e o Cristiano Ronaldo não têm par na História do Futebol: são, respectivamente, o único treinador de futebol e o único jogador de futebol, que já alcançaram vitórias, nos campeonatos das mais famosas ligas do mundo todo: Inglaterra, Espanha, Itália. Do Leo Messi a linguagem usada por muitos jornalistas é essencialmente em espiral, pois que, quanto mais valorizam a sua singularidade, mais realçam, com forte convicção, que o argentino, como jogador de futebol, tem especiais poderes, que a Natureza lhe concedeu. José Mourinho, no programa On the Touchline, da RT, recorreu a um elemento simbólico, a jaula, para poder jogar-se, como adversário, com o Messi. “Quando ele tem a bola, no um contra um, estás morto. Para parar Messi, tens de criar uma jaula”. Enfim, todos os argumentos em prol da excepcionalidade futebolística do Ronaldo e do Messi ganham corpo com a indiscutível excelência dos seus desempenhos desportivos. Com alguma (ou muita) ousadia, já são variadíssimos os críticos que opinam, sem temor nem tremor, que o Ronaldo e o Messi são os dois melhores jogadores da história do futebol.
Francamente, vi jogar o Di Stéfano e o Pelé e o Garrincha e dos cinco jogadores não sei qual é, para mim, o melhor de todos. E o Maradona que, na Argentina, tem por ele um culto que o idolatra, como se de um deus se tratasse? E o Cruyff, que o Maurício Pochettino, treinador do Tottenham, que o viu jogar e com ele conviveu, o institui como um génio, tanto nos estádios como a falar com aqueles que o procuravam, mercê de uma sedutora estrutura argumentativa? E, após “o maior jogo da história do Ajax, na Johan Cruyff Arena” que permite ao emblema inglês possa disputar a “final” da Liga dos Campeões, Maurício Pochettino não resistiu ao forte dramatismo daquele jogo, ajoelhou-se no relvado e, de lágrimas nos olhos, com voz gritada e comovida, afirmou: “Os meus jogadores foram heróis e o Lucas Moura, feliz autor do hat-trick, foi um super-herói”. E olhava o céu estrelado, donde o Cruyff o contemplava, com a mesma expressão sincera da sua personalidade livre e combativa…
Quando, entre os 40 e os 70 anos, mas a denunciar ainda o vigor da juventude, percorri a Europa e a América Latina, ao serviço dos mais díspares sectores da minha profissão de técnico da D.G.D. e de professor universitário, pedia sempre informações nos hotéis, onde me hospedava, no intuito de poder ver um jogo de futebol, rico de significado e palpitante actualidade. No entanto, um jogo com a ardente combatividade e a galhardia sentimental do Ajax-Tottenham do dia 7 de Maio de 2019, ou do Liverpool-Barcelona do dia anterior, que eu vivi, pela televisão, só raramente se contempla. Acerca do Ajax-Tottenham, A Bola titulava assim a reportagem do jornalista Pedro Soares: “Um hino à loucura do futebol”. E o Pedro Soares, de coração aberto, cantava genuíno e franco o seu Te Deum: “Antes de mais, agradeçamos aos deuses do futebol, por nos presentearem com meias-finais da Liga dos Campeões, assim, em que o que parecia garantido, na primeira mão, deixou de o ser, na segunda. Meias-finais que nos fizeram ver, pela “enésima” vez, neste fantástico desporto, que nada está perdido até estar e que os jogos só acabam, quando o árbitro apita pela última vez”. Erik Ten Hag, treinador do Ajax, a sua figura ficara incandescente como o rescaldo daquele jogo que lhe foi adverso mas, de cabeça levantada e olhos cerrados, não deixou de dizer: “Perdemos e estivemos perto da vitória. No último segundo, no entanto… foi cruel. Não tenho outra palavra: foi cruel”. O Ajax, na primeira meia-final, vencera na casa do Tottenham, por 0-1. Na segunda meia-final, na Johan Cruyff Arena, ao intervalo, já o Ajax, garboso e convincente, vencia por 2-0. Afinal, inspirado pelo que de melhor tem um avançado (a velocidade e o remate certeiro) Lucas Moura faz três golos e, com inquieta irreverência, “ressuscitou” o Tottenham e iluminou-lhe o caminho do jogo final da Liga dos Campeões. Christian Eriksen, médio dos londrinos, fala do seu colega de equipa com afecto e gratidão: “Uma estátua para Lucas! Jogar tanto só está ao alcance dos eleitos!”. Lucas Moura foi, para o Tottenham, o que o Ronaldo e o Messi são, habitualmente, para as suas equipas. Só que ambos estão fora da Liga dos Campeões!
De facto, o cerne rijo que sustenta a frondosidade do futebol do Ronaldo, o ímpeto criador que irrompe, natural e vivo, do futebol do Leo Messi – nem um, nem outro, que deixam os seus admiradores, horas esquecidas, a relembrar a beleza dos seus golos, chegaram para superar a força de uma imparável vontade dos seus adversários. Demais, tanto o Ronaldo, como o Messi, embora pessoas superdotadas à prática do futebol, embora o vento forte e arrebatador da publicidade, nos “media” e nas redes sociais, tanto o Ronaldo como o Messi são seres humanos, nada mais do que seres humanos! Também o fracasso, a dor, o sofrimento, a morte, a solidão, o desespero, a penumbra discreta e melancólica de uma grande tristeza, a piada áspera e a vis azeda do treinador, tudo isto eles sofrem e tudo isto pode tornar-se insuportável e condicionar a sua prática de profissionais de futebol. Os homens, os animais, as coisas estão sujeitos às leis que regem o universo. No cristianismo, porém, o ser humano é mais do que a morte. Muitos pensadores, porém, como K. Marx, E. Bloch, J.-P. Sartre, S. de Beauvoir e outros, mesmo numa prosa temperada em lume brando, não têm quaisquer dúvidas na supressão total, radical, com a morte, da existência humana. Em Le Myte de Sisyphe, Camus interroga e interroga-se: “Que liberdade pode haver, em sentido pleno, sem a garantia de eternidade?”. A Gabriel Marcel, no seu Homo Viator, um existencialista cristão, sobrou-lhe vagar para escrever: “Se a morte fosse a realidade última da vida, os valores seriam pura e escandalosamente anulados e a realidade perderia qualquer significação e sentido”. Teilhard de Chardin não esconde que a morte fisiológica acontece como um elemento fundamental da evolução. Mas como, para ele, o sentido da evolução situa-se no movimento da transcendência da Natureza para o Homem e do Homem para Deus, a morte do Homem, sem ressurreição para um novo ser, também seria a morte da evolução.
Escutemos o falar pausado e pensado do Padre Manuel Antunes: “Na civilização de reflexos condicionados e condicionantes que é a nossa e que, cada vez mais, será a nossa, se o homem não desenvolver em si aquele “suplemento de alma”, de que já falava Bergson, ele crispar-se-á no gesto de repetir Sísifo. Mas pode Sísifo ser feliz? O mito diz-lhe que não e a experiência diz-lhe também que não” (Compreender o Mundo e Actualizar a Igreja, Gradiva, Lisboa, 2018, p. 33). O profissional de um futebol altamente competitivo, nos clubes de “inesgotáveis” possibilidades económico-financeiras, tem de transformar-se (assim o exigem, ansiosos, os dirigentes, os adeptos e a larga maioria dos comentaristas) no “homem-máquina” repetitivo, obediente, servil, submerso numa existência sempre intranquila, tensa e intensa. Sim, materialmente nada lhes falta, nem dos mais belos exemplares da profissão mais antiga do mundo, mas faltam-lhes muitas vezes, demasiadas vezes, razões válidas de viver, quero eu dizer: o sentido último da vida! E sem ninguém que lhes recorde, para além de um vago “amor ao clube”, o culto da dignidade humana. Ansiosos e frenéticos, lançados numa competição que muitos dirigentes julgam sem limites (os dirigentes, suprema contradição, que os aconselham) – o Ronaldo e o Messi e os seus colegas de equipa e os seus colegas das outras equipas, que praticam o mesmo desporto, vivem uma realidade marginal que não resiste ao tempo. Porque aqueles atletas são vistos, observados, estudados, avaliados, sobretudo como homens-máquinas e não como pessoas. Pedro Pablo Pichardo, exilado cubano e atleta do Benfica, bateu o recorde português de triplo-salto, que o Nelson Évora ostentava. Saltou 17,95 m. e já sonha ser campeão do mundo e olímpico, com as cinco quinas no peito. O pai, que também fugiu à ditadura cubana, é o treinador. E é o próprio Pichardo que assim responde à pergunta do jornalista: “costumo dizer à minha família que eu sou como um robô que o meu pai foi construindo peça por peça. Quando o mecânico do robô não está, o robô funciona, mas não funciona bem” (revista do Expresso, 2019/5/11). O Pichardo é filho do treinador, mas não deixa de ser robô. É assim, quase sempre, o desporto altamente competitivo!
Depois, há que ter também em conta, principalmente no espectáculo desportivo, o predomínio da imagem sobre a realidade: “O predomínio da imagem, da tentativa de mostrar tudo, incluindo a intimidade do sujeito, tem outra consequência perversa: o esvaziamento da intimidade. O “voyeurismo” atual de todas as câmaras indiscretas, que querem captar as pessoas, na sua intimidade (…) o que consegue é que a interioridade e o segredo da pessoa desemboque na trivialidade. Dá-se uma aparência de autenticidade e intimidade, que acaba na exploração frívola e comercial do mórbido, sem que a imagem exprima algo do mistério do sujeito. A hiperrealidade termina na alienação” (José Maria Mardones, in Anselmo Borges, coord., Deus no século XXI e o futuro do Cristianismo, Campo das Letras, Porto, 2007, p. 145). E, após o programa televisivo, principalmente sobre a vida de um artista ou de um conhecido desportista, fica, na lembrança dos espectadores, um desfilar de banalidades, que não são pensadas, mas aceites como óbvias, como verdadeiros axiomas. Não há tempo para uma crítica cientificamente fundamentada, antes de emitir-se um juízo. Na televisão, são poucos os programas acompanhados de uma séria reflexão. Aliás, eles não estão aí para estimular o pensamento, mas para seduzir. Aliena-se mais facilmente, através da sedução do que da coerção. E do Ronaldo e do Messi e dos demais jogadores que os querem imitar surgem ídolos, fruindo uma vida almofadada de regalos, ou seja, surgem ídolos imersos num individualismo muitas vezes aviltante. Mas não é verdade que o Desporto é um dos aspectos do movimento intencional da transcendência? E onde está a transcendência numa Informação interessada em gerar consumidores abúlicos, esquecidos da sua identidade de seres conscientes, solidários e livres? Quem não se transcende não vive. E a transcendência é bem mais do que futebol…
É conhecida a frase de Lacan: “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Por isso, porque somos nós e a nossa circunstância, a palavra que nos habita chega-nos também de muitos outros lugares. A nossa vida emocional, intelectual, espiritual resulta da conjugação do que é nosso com o que é interpessoal. Para Ernst Bloch, a essência não é tanto o que já existe, mas o que ainda não existe, mas o que aguarda, no cósmico processo da evolução e pela força da nossa vontade, o momento exacto para nascer. Viktor Frankl, ao adentrar-se no conceito de “inconsciente”, encontra, nele, não só uma impulsividade inconsciente, mas também uma espiritualidade inconsciente. O inconsciente é uma desafogada varanda, para surpreendentes panoramas. Também do inconsciente, portanto, se descortina a transcendência, como a realização inteira de cada um de nós. E, na sequência de Teilhard de Chardin, uma transcendência como caminho para Deus. “Somos todos seres desejantes. Talvez o desejo seja a nossa experiência mais imediata e, ao mesmo tempo, mais profunda. Coisa que já Aristóteles vira e que Freud colocou como eixo fundamental para entender o motor interno humano. A nossa estrutura de base é o desejo. E faz parte da dinâmica do desejo não ter limites (…). Não queremos só viver muito, queremos viver sempre. Desejamos a imortalidade” (Leonardo Boff, Tempo de Transcendência, Sextante, Rio de Janeiro, 2000, p. 60). Por isso, identificar um desejo infinito com um objecto finito, quero eu dizer: identificar o existencial anseio de “ser-mais” com automóveis e mansões de luxo e com faraónicas mordomias e com um coração trespassado pela seta do amor, é confundir o infinito, o ilimitado, com o finito, o limitado, ou Deus com a idolatria de falsos deuses. O Ronaldo e o Messi são dois homens e dois nomes imorredoiros na história do futebol. E é a sua humanidade que vai perdurar, quando o futebol acabar, para eles. E ser politicamente livre é pouco, se não soubermos para que serve a nossa liberdade."
"O Benfica entrava em campo pressionado pela vitória do rival na Madeira e sabendo que a decisão do título estaria obrigatoriamente adiada para a última jornada. Na verdade, este jogo foi inglório para o Rio Ave porque já entraram a perder 0-1. Aquela recepção incrível ao nosso autocarro e o apoio esmagador vindo das bancadas benfiquistas garantiram que o factor casa fosse nosso e acredito que isso tenha dado a tranquilidade necessária à equipa para entrar no jogo com confiança.
Felizmente a pressão extra de saber de antemão o resultado do adversário directo, graças à organização deficiente da inenarrável Liga de Proença, nunca se verificou em campo, pelo menos não mais que o demonstrado nos últimos jogos, e aos 3min já estávamos a vencer aproveitando um corte defeituoso de um defesa da casa. Os registos históricos dirão que este foi mais um golo marcado por Rafa, mas estou perfeitamente convencido que, na verdade, foi de todos os benfiquistas presentes em Vila do Conde. Enormes!
Assistimos a um jogo interessante, apesar de muitas vezes mal jogado. Tanto o Rio Ave como o Benfica criavam perigo através de transições rápidas aproveitando o desnorte do meio-campo contrário. Este tem sido o grande defeito da nossa equipa desde a lesão do Gabriel: perdemos capacidade de passe, posicionamento defensivo e ofensivo, e a pressão é feita de modo um pouco anárquico. Assumo que meti as mãos à cabeça mais do que uma vez ao assistir às investidas contrárias entrando pelo nosso meio como uma faca quente em manteiga… mas felizmente tudo correu bem e acabámos por aproveitar também o enorme espaço concedido pelo adversário.
De resto, registo para mais um golo do João Félix e outro de Pizzi, este culminando uma bela jogada colectiva. Pelo meio sofremos 2 golos perfeitamente evitáveis que tiveram origem em dois erros defensivos básicos: num o Galeno centra à vontade no meio de 3 jogadores nossos que estavam marcar com os olhos; no outro o Rúben Dias saiu disparado da sua posição para fazer pressão mais à frente, deixando corredor livre para o eterno Tarantini fazer um golo fácil.
Mas vamos à análise individual dos nossos jogadores:
▶ Vlachodimos – 7/10
Na semana em que se falou da contratação de Cillessen, o nosso Odysseas deu uma resposta à altura com 2 ou 3 defesas de grande nível que evitaram outros tantos golos do Rio Ave. Visto que só falta uma jornada, acham que dá para contratar outro GR para o motivar mais um jogo? Pensem nisso. O Varela não vale. Nem o Roberto.
▶ André Almeida 6/10
Jogo certinho, como é seu apanágio, mas escusava de ter feito um Bergessio apenas com o GR vila-condense pela frente. Desta vez não fez nenhuma assistência, o que é estranho tal a cadência de ofertas aos companheiros durante esta época.
▶ Grimaldo 5/10
Andou meio escondido e sentiu dificuldades perante adversários rápidos e fortes, mas fez mais uma assistência para golo e por isso tudo fica perdoado.
▶ Rúben Dias 5/10
Regresso do rei do carmageddon à titularidade com responsabilidade directa no primeiro golo do Rio Ave. Não sei bem o que lhe passou na cabeça para ter saído disparado da posição deixando um adversário livre de marcação nas costas… às tantas imaginou que estava a conduzir na rotunda da Luz e o Nuno Santos era um adepto do Benfica!
▶ Ferro 6/10
Jogo certinho, transmite muita segurança aos colegas de sector e é cada vez mais o patrão da defesa. Aquela imagem de punho cerrado para motivar os companheiros diz tudo!
▶ Florentino 4/10
Custa-me criticar o nosso diamante africano, mas tem demonstrado que ainda está verdinho para estas andanças. Ainda sente muito os momentos do jogo: afunda-se quando a equipa está a sofrer e transforma-se em super Tino quando estamos em cima do adversário. Temos de ter paciência, vale a pena esperar por ele.
▶ Samaris 7/10
Já renovou? Não? Então do que estão à espera?
Fez ao Coentrão aquilo que qualquer um de nós faria na mesma situação e reza a lenda que o carocho ainda está de mão estendida à espera que o ajudem a levantar. Not in Samaris watch!
▶ Pizzi 7/10
Foi dos mais esclarecidos em campo e antes de marcar o 1-3, um belo golo diga-se, já tinha feito 2 remates perigosos que obrigaram o GR contrário a defesas apertadas. Os grandes jogadores aparecem nos momentos decisivos e o nosso tropa disse presente!
▶ Rafa 7/10
Até cansa só de ver, mais um belo jogo a todos os níveis! Fez o 0-1 e foi sempre uma dor de cabeça para os adversários que só o conseguem parar com falta. É o Salah dos pobres mas com um pentado mais estiloso! Fica ela por ela.
▶ João Félix 6/10
Um dos mais novos em campo, mas um dos mais esclarecidos. O nosso Félix joga de maneira tão adulta que devia começar a pedir nudes a mulheres acima dos 30, as pitas já não são para ele! Marcou mais um golo e foi sempre o elo entre o meio-campo e o ataque com os seus toques de primeira e desmarcações milimétricas.
▶ Seferovic 5/10
Jogo de esforço e sacrifício em nome do colectivo. Podia ter marcado mais um golo mas foi roubado na hora H pelo Rúben Semedo. Perceberam a dica? Roubado. Rúben Semedo. Ok, adiante.
▶ Gedson -/10
Não fez grande coisa para além de ajudar a conter o adversário nos últimos minutos, mas era isso que se pedia.
▶ Cervi -/10
Mais um que entrou nos descontos para queimar tempo.
▶ Jonas -/10
O Rei é do caraças. Foi o jogador que esteve menos tempo em campo mas ainda foi a tempo de tourear os adversários no meio-campo e quase marcar o golo 100 no campeonato, mas também ele foi roubado pelo Rúben Semedo. Esta já não explico, amanhem-se!
Nota Final: Belo jogo do nosso ex-jogador Nuno Santos. Justifica-se um olhar atento à sua evolução.
Já é tradição o Benfica levar as decisões do campeonato para a última jornada. Que me lembre já aconteceu três vezes desde 09/10, mas nem assim me consigo habituar à situação e ter a calma necessária para pensar objectivamente. É 100% sofrimento, mas vale sempre a pena!
No papel o Benfica é superior a todos os adversários em Portugal, na prática isto continua a ser um desporto imprevisível e tudo pode acontecer. Felizmente a coisa tem corrido bem e só nos falta um ponto para festejar um campeonato que será mais que merecido.
Está quase, vamos a isso!
Que acharam do jogo e quem foi o MVP? Deixem as vossas opiniões nos comentários."
"Aos 37 anos Carlos Martins explica na primeira pessoa como foi duro vir para Lisboa, sozinho, aos 11 anos, jogar no clube do coração, o Sporting. Confessa também que dois anos depois, pediu para voltar para casa por não aguentar as saudades dos pais e irmãos. E explica como as lesões constantes na perna direita, uma consulta na Alemanha e o departamento médico do clube de Alvalade acabaram por levar à sua saída, pela mão de Paulo Bento. Amanhã é publicada a segunda parte desta entrevista onde fala da doença do filho Gustavo, que precisou de um transplante de medula, do Benfica e de como Jorge Jesus foi o melhor e o pior treinador que teve.
Comece por fazer um retrato do sítio onde nasceu e da sua família?
Nasci numa simples aldeia, Gavinhos de Cima. onde habitavam umas 300, 400 pessoas. Antigamente havia muitos jovens, mas hoje desapareceu tudo, é quase uma aldeia deserta. A minha mãe, Maria de Fátima, sempre trabalhou em casa e cuidou dos filhos. O meu pai, António Carlos, é engenheiro de automação eléctrica. Tenho mais três irmãos, um mais velho, o Nelo, outro abaixo de mim, o João, que também foi jogador, e uma irmã, Joana Beatriz, mais novinha, tem agora 16 anos. O meu pai sempre quis ter uma menina. Uma família simples, muito feliz, que ainda hoje é muito unida. Há muito amor entre todos, quando um está mal, estão todos mal. Os meus pais ensinaram-me muita coisa boa que tento passar aos meus filhos.
Era um miúdo traquina?
Dizem-me que sim. A escola era ao lado dos bombeiros e quando ouvia a sirene saia logo a correr da sala e a professora tinha de ir atrás de mim (risos). Eu não me recordo, é o que me dizem. Sempre fui agitado, sempre gostei de desporto.
O que dizia que queria ser quando fosse crescido?
Eu queria ser igual ao meu pai, sempre.
E da escola, gostava?
Gostava, era bom aluno.
Quando era pequenino lá em casa torcia-se por que clube?
Sporting. Só a minha mãe é que era benfiquista, mas acho que já mudou também (risos). De resto era tudo do Sporting.
O primeiro clube onde joga é o Sporting?
Não. O meu primeiro clube é o Tourizense. O meu irmão Nelo é dois anos mais velho do que eu e só havia equipa para o escalão dele, mas como as pessoas viam que eu já dava uns toques, deixaram-me entrar na equipa dos mais velhos. Tudo começou aí, com 8 anos, jogava sempre com os colegas da idade do meu irmão. Até que fomos fazer jogos à Associação de Coimbra e alguém reparou em mim: dois olheiros, um queria que fosse fazer testes ao FCP e outro ao Sporting. O meu pai, sportinguista como é, disse: “vamos para Lisboa”.
Foi a Lisboa só com o seu pai?
Fomos todos, a tropa toda. Lembro-me que o meu pai estacionou o carro em Entrecampos e disse: “o campo é já aqui” (risos). Fartámo-nos de andar, andar . “Ó pai onde é que fica o campo?”, “é já aqui! Vocês não querem andar pá, andem lá” (risos). Ainda hoje é risota lá em casa esse episódio porque o meu dizia que ia estacionar o carro ao lado do campo.
Quando chega a Alvalade como foi o primeiro impacto?
Eu estava muito envergonhado. Para já, vi muitas pessoas, em Gavinhos habituado a ver 10 famílias, pouca gente na rua; chegar à capital e ver tanta gente... estava meio atordoado. Felizmente, as coisas correram bem. Fiz um treino em que disseram logo que me queriam. Cheguei a fazer um segundo treino, mas foi só para me dizerem que podia voltar para a terra e que iam entrar em contacto com os meus pais.
Qual foi a reacção dos seus pais?
O meu pai diz em casa que quer falar com a família toda. Diz que o Sporting me quer e pergunta-me o que quero fazer. A minha mãe chorava. "Não, ele é menino, só tem 10 anos". O meu irmão Nelo, que sempre dormiu comigo até ali - era o mais velho mas eu é que o protegia - chorava e dizia que não queria que eu fosse embora porque iria dormir sozinho e que eu era a companhia dele (risos). O meu pai achava que eu devia ir, que era uma oportunidade. O meu irmão João, que tem menos 6 anos do que eu, não se apercebia ainda do que se passava.
O que lhes disse?
Eu, forte, disse: "Ó pai eu quero ir por ti, mas não quero ir pela mãe". Então decidimos que eu vinha cá e no dia em que eu quisesse sair, bastava ligar ao meu pai que ele nesse mesmo dia ia buscar-me.
Foi viver para onde?
Vim para casa de uns tios para Pinheiro de Loures, porque na altura o Sporting não deixava que meninos tão pequenos ficassem no centro de estágio. Tinha de esperar dois anos para poder entrar no centro de estágio.
Como foi a primeira noite sozinho, sem o seu irmão e restante família?
Duríssimo. Fui para casa desses meus tios, que tinham cerca de 70 anos. Mesmo à antiga: tinha que comer o que me punham na mesa, não tinha ninguém com quem brincar. Ao início, andaram uma ou duas semanas comigo, só para me dizer: é aqui que sais, é este o número do autocarro. Depois, tive que me virar. E com 10,11 anos, sair da aldeia e levar logo com isto tudo, esta confusão, foi difícil. Os meus pais tentavam vir o máximo de vezes que podiam, de 15 em 15 dias. Nas despedidas era terrível. Toda a gente a chorar. Lembro-me que nunca chorei à frente deles, mas quando eles saíam, era uma choradeira terrível. O meu irmão Nelo sempre a dizer: "Ó pai, estamos a abandonar o mano". Quando se saía de casa dos meus tios, havia uma subida e o meu irmão sempre virado para trás a esticar os braços na minha direcção a chorar, e eu forte, ao olhar para aquilo tudo, a minha mãe a chorar. O meu pai, também forte como eu, mas depois era uma choradeira também. Cresci nisto, cresci forte.
Alguma vez ligou para casa e pediu para o virem buscar?
Tive muitas vezes vontade, mas só o fiz uma vez, com 13 anos, porque já não aguentava mais. Foram dois anos. O primeiro, passei em casa dos meus tios, e no segundo queria abandonar tudo, porque em casa dos meus tios não tinha ninguém para brincar e eles não eram pessoas que me levassem a comer um gelado ou a passear devido aos anos que já tinham. Agradeço-lhes por tudo, pelo favor, mas a idade não era apropriada para fazerem passeios comigo. No final desse ano apareceu o senhor Costa e a dona Bé, que são como uns segundos pais. Eles também têm raízes em Oliveira do Hospital. O senhor Costa sempre trabalhou para núcleos e disse-me: "vais para minha casa". No segundo ano, fui para casa do senhor Costa e foi totalmente diferente.
Porquê?
Têm um afilhado que tem mais 3 ou 4 anos do que eu, o Bruno Madeira, que foi o meu grande parceiro, com quem brincava todos os dias. Ele hoje chama-me “Elifoot” porque eu só queria jogar “Elifoot”, o que agora é a Playstation. Esse segundo ano foi bom, sentia-me acarinhado. Depois, começou o terceiro ano. O meu irmão nunca aceitou que eu tivesse saído. Eu, que estudava em Telheiras, um dia em novembro pedi à professora para ir à casa de banho e liguei ao meu pai. Pedi para me vir buscar porque já não aguentava mais. Tentei sempre aguentar o máximo possível. Mas as vindas e idas dos meus pais eram muito dolorosas, sentia a minha família a sofrer. O meu filho vai fazer 11 anos, para mim é um bebé, e eu vim com essa idade, sozinho, para Lisboa. Liguei ao meu pai que, três horas depois, estava na escola para me levar.
O que ele lhe disse?
Perguntou-me :“É isto que queres filho, queres ir para ao pé de nós?”. Disse que sim e senti uma alegria tão grande que parece que tinha renascido. Foi uma sensação de alívio. Parece que estava enclausurado, nem sei explicar bem. No Sporting estavam a par do quanto me estava a custar e decidimos, entre todos, que eu iria fazer metade dessa época em Oliveira do Hospital; isto aconteceu em novembro, e no final dessa época, se estivesse com outra motivação, outra força, poderia voltar. O que acabou por não acontecer logo. Ainda estive mais um ano emprestado ao Oliveira do Hospital. Voltei com 15 anos e nessa altura já vinha preparado para o que queria.
Conseguiu conciliar bem a escola no meio disso tudo?
Consegui. Depois, fui eu que pedi ao meu pai para vir para baixo. Vim mais tranquilo, o meu irmão já aceitou, a minha mãe também.
E aí sim vai viver para o Centro de Estágio do Sporting. Outra realidade.
Sim, sim. Apesar de hoje em dia os meninos estarem num hotel de cinco estrelas e nós não. Mas só o convívio, o amor que havia entre nós. Eram 4 camas num quatro de 15, 20 m2. Fiz o contrato profissional com 16 anos.
Foi nessa altura que começou a ganhar dinheiro?
Foi.
Lembra-se do valor do seu primeiro ordenado?
Quando vim com 11 anos o Sporting ajudava a minha família com 20 contos (100€). O meu primeiro contrato profissional foi de 360 euros, tinha 16 anos.
Recorda-se o que fez com esse dinheiro?
Não, eu não mexia nele.
Não havia nada que quisesse muito ter?
Um telemóvel, porque toda a gente tinha. Eu vim de um lado social e de uma terra em que nós éramos felizes com uma bola. Roupa? Nem sabia o que era. Vim para aqui, para este lado social em que tinha colegas que já compravam brincos, relógios, e mais não sei o quê, mas isso foi-me passando ao lado. Tive uma gestora muito grande na minha vida, a minha mãe. Todo o dinheiro que recebia ela guardava-o. Dizia-lhe preciso disto e ela dava-me. Lembro-me de ir à Springfield comprar t-shirts e ficava todo feliz da vida por ter comprado uma coisinha (risos). A partir daí, quando fiz o primeiro contrato profissional, começo a treinar com a equipa sénior do Sporting, no tempo do Jozic. As pessoas do Sporting começam a dizer que vou ser mesmo uma aposta para a equipa principal.
Saiu do centro de estágio nessa altura?
Sim, com 17 anos. Estive dois anos no centro de estágio.
Que brincadeiras e partidas faziam uns aos outros?
Na primeira fase, em que cheguei a viver com o Simão, o Nuno Santos, para quem olhava com respeitinho, eles é que faziam partidas à gente. As nossas mães levavam bolachas para comermos à noite, porque quando passava a hora de jantar, acabou. Eles iam lá: “Ó miúdo, o que tens aí? Tens bolachas que eu sei, a tua mãe esteve cá este fim de semana. Abre lá isso” (risos).
Depois fez o mesmo aos outros?
(risos). Quando tinha 17 anos, e era dos mais velhos, também fazia. Mas o pior daquilo era quando queríamos ver televisão. Só havia uma televisão para todos e quando chegava um mais velho e dizia: “Ó miúdo está na tua hora”. Nós, caladinhos, íamos embora (risos). Depois, claro, também fazíamos isso aos outros.
Fugas nocturnas, não havia?
Fizemos uma fuga e correu-nos tão mal, tão mal, tão mal...
Conte lá.
Tínhamos um amigo chamado António que nos disse: “Pá, vamos a uma discoteca que abriu agora e é espectacular”. Era a minha primeira saída, estava nervoso. Tínhamos de sair antes da meia noite, que era quando a porta fechava, depois só abria às 7 da manhã. A tal discoteca ficava para os lados da Avenida da Liberdade, não sei o nome. Saímos todos contentes, contentes e com medo que alguém reparasse em nós, porque éramos um grupo de oito ou nove. Chegávamos a uma rua e o António dizia “chegámos”, mas afinal “ah, não é aqui”. Ou seja, ele não sabia, quis armar-se, dizia que sabia tudo mas não sabia nada. Até que chegamos a uma esquina e ele “É esta, é esta”. Eu tive logo um daqueles feelings...Vejo um senhor à frente, todo muito bem vestido a olhar para uma cambada de miúdos, com 15, 16 anos com ar desconfiado. O António diz que queremos entrar. O senhor vira-se: “vocês sabem para onde vão entrar?”. O António mais uma vez, na tanga, a armar-se “sei, eu frequento isto”. Eu como sou muito cauteloso, sou dos últimos a entrar. Lembro-me de estar eu e o Paulo Ribeiro, um moço do Porto, mais recuados. Entramos na primeira porta, depois vamos para um hall e nesse hall havia uma porta blindada lá para dentro. Só que nesse hall vejo umas pessoas e digo assim: “Eh pá, acho que isto é um bar de gays”. O homem que está no hall da entrada faz entrar os primeiros, eu e o Paulo Ribeiro quando estamos para entrar vejo logo dois tipos a dar beijos um ao outro, virei-me para o Paulo e disse-lhe que ia embora. Fiquei assustado, entrei em stress. O senhor ia a fechar a porta, eu ponho a mão na porta e o homem“ai não querem?”. “Não, não, esperamos lá fora” (risos). E ficamos lá fora. Eles depois saíram, disseram que foram obrigados a consumir bebida e só depois é que saíram. Foi a minha primeira saída (risos).
Estava a contar que estava nos juniores nessa altura e começa a treinar com a equipa sénior. A primeira vez que é chamado à equipa sénior, como foi?
Estava com um nervoso maluco, quase não podia olhar para a cara deles. Oceano, Pedro Barbosa…
Houve praxe?
Não, nessa altura eles só nos mandavam ir buscar os cestos da roupa. E uma pessoa ia toda contente, mas nem sequer falava para eles (risos). Lembro-me de, com 17 anos, querer fazer um banho de imersão como todos faziam e ia entrar no jacuzzi, estava lá o Pedro Barbosa, o João Pinto e disseram: “Ó miúdo onde é que tu vais? Não tens idade para fazer isto, sai já daqui” (risos). E lá fui eu, caladinho, a olhar para baixo. Eu a pensar que já tinha direito a massagens e jacuzzi (risos).
Quando sai do centro de estágio fica a viver sozinho?
Os meus pais decidem que é melhor fazer um acompanhamento, porque as pessoas estavam a depositar confiança em mim e a minha mãe veio viver comigo. Fomos viver para um apartamento pago pelo Sporting, no Alto da Faia. Estive lá com ela um ano.
Era muito controlado pela sua mãe?
Era, mas ainda bem. Também nunca fui muito de saídas à noite para discotecas. Hoje em dia gosto mais de estar num restaurante do que sair para discotecas. Sempre tive medo das coisas na noite. Pode acontecer em qualquer lado e em qualquer altura, mas há sítios mais propícios do que outros, e eu sempre tive na minha cabeça que para ser jogador, ou tentar ser jogador, temos de nos privar de certas coisas. Eu privava-me mas não ficava triste, fazia porque queria.
Estreou-se na I Divisão com 18 anos pela mão do Inácio, certo?
Sim. Num jogo com o Alverca. Empatámos um igual.
Foi titular ou substituiu um colega?
Entrei. Estávamos a ser massacrados e o Inácio mandou-me para o fogo, literalmente. Estávamos a ser assobiados. Eu estava muito nervoso. Hoje um miúdo com 16, 17 anos é preparado para chegar a esses momentos com outra maturidade. Na altura, lembro-me que estávamos a ganhar e estávamos a ser assobiados, e eu só pedia na minha cabeça "que não me ponha neste jogo". Estava completamente nervoso. Quando um miúdo entra, podia ser eu ou podia ser outro, se a equipa não ajuda, se alguma coisa de mal acontece, foi o que aconteceu, empatámos o jogo em casa contra o Alverca, a culpa é do miúdo. O miúdo entrou, o que é que foi para lá fazer, isto e aquilo...
Lembra-se de ouvir isso de alguém?
Não, mas foi o que saiu na imprensa. Recordo terem dito que não tinha capacidade para jogar na equipa A. Mas aos olhos de hoje, os miúdos entram, e entram preparados. Quando o Inácio chegou ao pé de mim, fechou-me no gabinete dele e disse: “miúdo estás preparado para jogar contra o Real Madrid, na Liga dos Campeões?”. Eu quase que engoli em seco, mas claro que disse que sim. Não havia preparação nenhuma. Hoje é diferente, fala-se diariamente com os jogadores, há apoio psicológico, etc. Naquela altura ninguém falava nada, era ir lá treinar, tens qualidade vai ao jogo e acabou. Para um miúdo vingar... era preciso uma grande percentagem de sorte, de estar no momento certo, à hora certa, com a pessoa certa. Para vingar e ser mais fácil a sua projecção, a equipa tem de estar bem, tem de transpirar confiança. Coisa que não existiu na minha altura. O Inácio, por exemplo, nunca mais me pôs a jogar. Claro que se tivéssemos ganho e se tivéssemos jogado bem, provavelmente era chamado novamente.
Jogou bem?
Não, ninguém jogou. Vai um miúdo com 18 anos no meio daqueles tubarões fazer o quê? Não sou nenhum Maradona, não sou nenhum Cristiano Ronaldo.
Entretanto, é emprestado ao Campomaiorense.
Vou ao Torneio de Toulon e estou a falar com um jornalista que me diz que está em off e eu digo-lhe que fui prejudicado pelo Sporting, que me sentia injustiçado, que nunca mais me chamaram à equipa sénior por causa daquele jogo e que as pessoas não se portaram bem comigo; prometiam uma coisa e depois não faziam. Por um lado tenho culpa, por ter falado muito, por não ter experiência, que hoje os miúdos já têm porque há alguém por trás a dizer: “não fales, está calado, deixa-me falar a mim”. Isso é muito importante e eu não tive esse acompanhamento. Saiu no Record uma página completa a dizer: “Fui prejudicado pelo Sporting”. Aquilo caiu como um bomba. Disseram-me que tinha de ser emprestado porque o Sporting estava triste comigo, porque era uma entrevista forte.
Quando lhe disseram que ia para o Campomaiorense, qual foi a sua reacção?
Eu próprio também quis ir porque, se não me engano, na época anterior o Campomaiorense tinha estado na primeira divisão. Era o meu último ano de júnior, ou o primeiro de sénior, e tinha a possibilidade de jogar. Portanto, juntaram-se as duas coisas. Agora, fiquei triste por me ter estreado no Sporting, as pessoas estarem a pensar que viam em mim alguma coisa e depois, de um momento para o outro, ter ido parar ao Campomaiorense. Mas é assim a vida.
Foi para Campo Maior sozinho?
Fui com outros colegas, fomos uns 5. Eu fiquei a viver com um colega, o Vasco.
Como correu essa época?
Em termos desportivos foi bom, porque joguei, marquei e fiz muitas assistências.
Era Diamantino o treinador.
Sim. Depois veio um espanhol, Fabio Gonzalez que... meu Deus...
Então?
Maluco. No primeiro treino da semana metia-nos a jogar futebol. Em termos tácticos, tinha umas tácticas que não eram comuns. Foi difícil porque veio substituir o Diamantino quando estávamos em 2º lugar; a partir daí foi sempre a descer. Quando estamos a descer todos os problemas vêm ao de cima. A mim acusavam-me que só jogava bem na selecção, que não queria jogar no Campomaiorense porque era jogador do Sporting. Isso acaba por acontecer com qualquer jogador que vai de uma equipa para outra e as coisas correm mal: “Ele tem contrato com os outros, quer lá saber disto”. Lembro-me do Paulo Vida, um jogador fantástico, um ponta de lança que fazia golos a todos de todas as formas e feitios, também o acusaram de não querer marcar golos porque estava lixado, bom... Foi o ano que também ficou na história porque o clube acabou. Não foi positivo em termos de clube.
Regressa para a equipa B do Sporting?
Sim.
Ficou chateado por não ir para a equipa principal?
Não. Eu fiz uma boa época em Campo Maior. As pessoas diziam: “Eh pá tu és maluco, mas és grande jogador”.
Porque é que diziam que era maluco?
Se calhar porque eu falava as coisas. Nunca fui de me calar e no futebol há que saber calar, mas nunca faltei, nunca mandei um treinador para o outro lado.
Era um refilão.
Isso sim. Era refilão e admito que muitas vezes devia ter estado calado. Eu adorava ganhar, ficava doido se perdia. Isso sempre me caracterizou e é uma coisa que levo com agrado. Sempre dei tudo e por vezes as pessoas interpretavam mal ou eu esticava mais um bocado, mas a minha essência é aquela que os meus pais me ensinaram, sempre a respeitar todos.
Depois é chamado pelo Bölöni à equipa principal. O que achou dele?
Muito severo, um bom treinador, penso que fez um bom trabalho, mas rotulou-me logo na primeira conversa. Disse-me: “eu sei que tu és maluco, és um grande jogador, mas à mínima coisa que faças aqui comigo, vais-te embora.” Foi assim, nunca ninguém me deu nada. Há aqueles jogadores que caem na graça de Deus, sei lá, mas nunca tive essa hipótese, nem essa sorte. Nunca ninguém me disse: “Eh pá, calma. Ele fez isto, mas vamos perdoá-lo", ou seja o que for, nunca. O João Pinto lesiona-se no ombro, penso eu, e faço 6 ou 7 jogos seguidos. Penso que é assim. Ganhei alguns créditos, as pessoas começaram a acreditar mais em mim. Mas de repente, o Bölöni vira-se e diz: “Tu tens um problema, não podes ser jogador do Sporting assim”. Do nada.
Por causa do feitio?
Não. Volta e meia estava num jogo ou no treino e saltava-me o ombro, tanto que fui operado. O Bölöni do nada chega-se: “Tu não podes ser jogador do Sporting com esse problema, tens de tratar.” Respondi-lhe: “Não vou ser tratado agora porque consigo jogar. Tento evitar alguns movimentos que me fazem saltar o ombro”. Mas ele já não me queria mais, dizia que eu não estava apto para ser profissional do Sporting. É então que me aparece a Académica, que estava na 1ª divisão. O treinador era o Artur Jorge que me quis logo lá.
Que tal o Artur Jorge?
Espectacular, dava-me muita atenção e ensinava-me, tinha paciência, porque para jovens é preciso ter paciência. Temos de ver a essência do jovem primeiro. Se for uma essência maldosa, há que apertá-lo de maneira diferente. Se for uma essência boa, mas de sangue quente, é preciso perceber. Hoje em dia todos os que querem ser treinadores são, mas só quem tem uma relação humana com os jogadores é que vai longe. Não são aqueles que estudam e depois tratam mal os jogadores. Sei que estive lá dois meses e recebi um telefonema do Sporting a dizer para regressar mais cedo, para ser operado, para começar bem a época seguinte.
Já com o Fernando Santos.
Espectacular também. Aliás todos eles, todos eles.
Não houve um treinador que o tenha marcado mais?
Em termos pessoais o José Peseiro, sem dúvida. A minha melhor fase no Sporting é com ele. Deu-me total liberdade para jogar, cometi alguns erros,mas ele nunca foi tão duro. Aí sim, se tenho de destacar alguém é o Peseiro. Acho que é bom demais para ser treinador ao nível de um clube grande. O que quero dizer com isto é que há pessoas e há jogadores que tendem a abusar quando encontram uma pessoa que é boa. Ele é nosso patrão, é o nosso treinador. E naquelas alturas em que devia ser rígido nunca o era, porque era a essência dele. Levava sempre as coisas a conversar, encontrava sempre um ponto ou outro para que tudo ficasse calmo. E na alta competição às vezes a coisa não pode ser assim.
Pela negativa, houve também algum que o tenha marcado?
Pela negativa, mas sem ter nada contra ele porque não sou rancoroso, o Jorge Jesus. Mas mais à frente falamos disso.
Como lhe corre a época com o Fernando Santos?
Mais ou menos. É preciso não esquecer que eu tinha o João Pinto na minha posição. Por mais que fizesse tinha aqueles tubarões todos ali e eu era sempre um menino. Totalmente diferente da visão de hoje em dia. Hoje, um puto joga com 18 anos e ninguém acha anormal. Naquela altura jogar com esta idade no meio destes tubarões…(risos).
Depois, vem o Peseiro e no ano a seguir o Paulo Bento. É a primeira vez que tem um treinador que foi seu colega de balneário. É uma situação complicada?
Não, não foi difícil. Quando o Paulo assumiu a equipa disse logo: “Para aquelas pessoas que já trabalharam comigo e foram meus colegas não quero que me tratem por mister”. Para ele não fazia sentido. Sabíamos diferenciar as coisas.
Mas as coisas não correm bem com o Paulo Bento.
Não. É ele que dita a minha saída.
O que aconteceu?
O Paulo Bento fica marcado com a minha saída do Sporting única e exclusivamente por ser o treinador nessa altura, mas nada tem a ver com ele. Tem a ver com as minhas lesões na perna direita, que eram constantes, sempre na mesma perna. Nesse período pedi para ser observado por outro médico. Fui ao médico do Bayern de Munique e da selecção alemã, o Müller [Hans-Wilhelm Müller-Wohlfahrt]. Ele manda-me fazer um exame que nunca ninguém se tinha lembrado: um raio-x às costas. E o meu problema estava no ilíaco, tinha uma perna mais curta do que a outro e daí as minhas lesões serem sempre na perna direita.
Qual era a solução?
O Dr. Müller disse-me que para ficar curado tinha de fazer no mínimo três tratamentos. Só eu sei que tratamentos eram… Com agulhas enormes a perfurar-me as costas e a perna por dentro, para ir às fibroses e descalcificar as fibroses. Era já tanta fibrose que eu tinha que, claro, ninguém podia jogar como eu estava. O departamento clínico do Sporting, não o Paulo Bento, desde o primeiro dia nunca foi de acordo que eu fosse lá. Hoje isto também já está mudado, mas antigamente, meu Deus. Antigamente fazia-se mas tinha de ser às escondidas, ninguém podia pedir uma autorização ao clube. Eu pedi.
O departamento médico não quis que fizesse o tratamento?
O departamento clínico disse que eu estava hipocondríaco, que era da minha cabeça, que eu estava maluco por dizer que tinha coisas na perna. Inclusive o médico, o Gomes Pereira, não quero falar muito desse senhor, ele nunca mexia muito nos jogadores, mas a única vez que me mexeu na perna, esteve 15 segundos e disse que eu não tinha nada. Eu tinha a perna cheia de fibroses calcificadas, isso via-se na ressonância, enfim. Compreensivelmente eu não aceitei bem a decisão do departamento clínico do Sporting. O Paulo Bento teve de se pôr ao lado da direção e do departamento clínico. E diz-me: "Carlos se tu lá vais mais alguma vez ao estrangeiro, não jogas mais comigo.” Fiquei chateado por ele me estar a dizer aquilo e respondi: “Olha Paulo, não me interessa que não jogue mais. Eu quero é tratar da minha saúde. Preciso de lá ir mais uma vez, fica ao teu critério se me pões ou não a jogar”.
E foi?
Fui lá mais uma vez. Tudo pago do meu bolso. Graças a Deus que fui. Fui tratado e fiquei bem. E é aí que se rompe a ligação que tenho com o Sporting e com o Paulo Bento. Sei que estive dois meses sem jogar e sei que o Paulo também é uma pessoa convincente: aquilo que diz, faz. Achava ele que estava a defender o departamento clínico, que dizia mais uma vez que eu era maluco, que eram as noitadas, que era droga, o que não disseram de mim. E eu quando ia à Alemanha, ia com o Carlos Gonçalves, que era o meu empresário na altura. Só eu sei os tratamentos que me fizeram lá, mas sabia que aquilo era para o meu futuro. A dois meses de acabar a época, fui lá uma última vez e tive uma conversa com o Paulo. Disse-lhe que já estava bem, mas ele disse-me que já tínhamos falado sobre o assunto. Respeito. Mas foi muito doloroso ter saído do Sporting assim.
Quando falavam que eram noitadas, droga...
...Senti uma revolta muito grande. Mas sempre cresci assim. Se chegar ao pé de alguém do Sporting, que se lembre de mim naquela altura, e perguntar pelo meu percurso, vão dizer: “Eh pá, o Carlos, grande jogador mas cheio de lesões, era só noites, era só mulheres, era não sei o quê”...
Era mentira?
Claro que sim, eu comecei a namorar com a minha mulher tinha 22 anos, antes tinha uma namorada, sempre fui uma pessoa pacata, fiz as minhas coisinhas, mas sempre muito responsável. Isso foi uma imagem que se criou e tive de levar com isso até sair do Sporting. Quando fui para o Benfica a visão que tinham de mim mudou um bocado, mas no Sporting sempre foi assim. Um talento imenso, mas tinha muitas lesões porque a vida não era compatível.
Era o seu clube de coração, o clube onde cresceu e onde se tornou profissional.
Quando fui fazer a desvinculação, chorava que nem um bebé e o Carlos Freitas também. Custou-me horrores sair do Sporting, mas foi por causa disso. Eu não abandonei o Sporting, o Sporting é que quis que eu saísse. Porque o Paulo ia continuar, ele já não me queria lá porque tinha dito aquilo, que eu tinha infringido uma regra dele. Tinha-me dito cara a cara. Assumi a minha decisão em prol da minha saúde.
Porque é que na altura não tornou isso público? Porque não se quis defender?
Porque fui aconselhado a não falar.
Pelo seu empresário?
Também.
Vai para o Recreativo do Huelva. Não houve interesse de outros clubes, do Espanhol de Barcelona, do AEK, do Panathinaikos?
E do Benfica, já na altura. Eu tive contrato ainda era jogador do Sporting. Na altura foi público e dizia-se que estava em conflito com o Paulo Bento. Mas as pessoas não sabiam que o que gerou o meu conflito com o Paulo não foi por não jogar ou por ter sido mal criado, mas sim por uma declaração do posto médico. Na altura, o meu empresário reuniu-se comigo e com o Fernando Santos em casa do Veiga. Vimos qual era a melhor maneira de eu sair do Sporting e ir para o Benfica, discutimos isso. Achamos por bem que tinha sempre de fazer uma ponte fora, nunca podia sair directamente para o Benfica, porque o Sporting nunca deixaria um jogador ir directamente. Apareceu o Recreativo do Huelva porque o Beto estava lá. Eu tinha sido companheiro do Beto, ele ligou-me: “Vem para aqui, é um clube da primeira liga, estamos perto de Portugal”. Sempre rejeitei muita coisa por não querer estar longe, não tinha aquela coisa de ir à aventura por muitos países. Em Huelva podia vir de carro a Portugal, não gosto muito de andar de avião. Era um clube que ia apostar mesmo em mim, iam formar equipa à minha volta e foram estas condicionantes que me fizeram optar por Espanha.
"A vida do meu filho dependia de um saco de sangue de medula. Chorei, desenhei o nome dele em corações na areia, não fui ao Euro por ele"
A ida para o Benfica e as palavras de Jorge Jesus que o magoaram e fez questão de registar numa agenda, são recordados nesta segunda parte da entrevista, onde Carlos Martins se emociona várias vezes ao falar do drama que viveu por causa da doença do filho Gustavo, que precisou de um transplante de medula. O "homem bomba" também conta como destruiu o primeiro carro, aos 18 anos.
Antes de continuarmos com o futebol, quando deixa os estudos?
No 10º ano quando faço contrato profissional e já tenho as selecções a sério. Lembro-me de frequentar o 10.º ano por duas vezes e chumbar por faltas. Já ganhava bem, as pessoas estavam a apostar em mim, foquei-me exclusivamente no futebol.
Quando é chamado pela primeira vez a uma selecção?
Logo nos sub-15. Fiz todas as selecções. Sub-15, sub-16, sub-17, sub-19, sub-20, sub-21, olímpica e selecção A.
Era também um sonho.
Sempre foi um sonho. Tenho 17 internacionalizações, não fui ao Europeu para que estava convocado devido ao problema do meu filho, não estava em condições e pedi ao Paulo para sair, depois posso contar a história. Sou chamado à selecção A quando estava no Huelva, com 26 anos, era Scolari o seleccionador.
Adaptou-se bem ao Recreativo de Huelva e aos espanhóis?
Amei jogar em Espanha, adaptei-me bem ao campeonato espanhol. Os estádios sempre cheios. Mesmo um jogo pequeno tinha 25 mil pessoas a assistir. Sempre com muitas câmaras de televisão à volta o que torna a coisa mais estimulante para o jogador. As coisas correram-me de feição, fiz 7 ou 9 golos, sendo médio, e não sei quantas assistências. É quando recebo a chamada do Rui Costa a dizer que quer que o vá substituir. Foi em Huelva, ainda.
O que ele lhe diz em concreto?
Reconheci logo a voz. "Foge, não estou a acreditar, o Rui". Sempre foi um ídolo para mim, ele e o Zidane. O Rui ainda jogava, aposentou-se nessa época. “Estamos a seguir-te, já sei que houve contactos na época transacta mas não foi possível. Quero que sejas meu jogador, que me venhas substituir. És uma pessoa que se enquadra no meu perfil”. Nunca imaginei jogar no Benfica. Estive vários anos ligado ao Sporting e sempre disse à minha mulher: "Nunca hei de jogar no Benfica, tudo menos o Benfica". Uma pessoa cresceu a jogar contra, era o rival, queria partir as portas quando lá ia, essas coisinhas que se incutem. A minha mulher dizia: “Ainda vais jogar no Benfica”. (risos). Mas nem ela imaginava também.
Como conheceu a sua mulher?
Conheci a Mónica numa discoteca, em Lisboa. Ela não me quis dar muita bola lá dentro (risos). Mas acabamos por conversar à saída da discoteca e aí ganhámos logo uma afinidade grande, até ao dia de hoje.
Ela era viúva de um ex-jogador de futebol não era?
Sim, mas eu não sabia. Aliás, sempre disse que se soubesse que era ex-mulher ou mulher de um colega de profissão nunca tinha olhado para ela nunca tentava meter-me com ela, jamais. Só soube depois com quem tinha sido casada e que tinha uma filha, a Bruna, que na altura tinha 4 anos e hoje tem 19. Mas foi uma coisa... Nunca mais nos largámos. Passado 3 meses estávamos a viver juntos. Acompanhou-me para todo o lado.
Foi consigo para Huelva?
Foi.
Assina por 4 anos com o Recreativo de Huelva mas só fica uma época.
Sim. Eu não queria o Recreativo por mais que merecesse e merece toda a consideração. Aquilo era curto para mim. A seguir tinha o Valência que me queria, tinha vários clubes, em Espanha. Só que quando o Rui me liga, aquele ícone, a dizer que me quer… Tinha o FCP, podia ir para o Porto também. O que me trouxe ao Benfica foi o Rui Costa, ponto final. Era um ídolo e imaginar que estava a falar com o Rui, andava doido de contente. Por outro lado, preferia vir para Lisboa, para a nossa base, do que ir para o Porto.
Quando vem para o Benfica os adeptos estavam desconfiados, como é que foi a entrada no Benfica?
Em termos pessoais não foi fácil, parece que estava anestesiado. Estava habituado a ver verde desde sempre e de um momento para o outro começo a ver tudo vermelho. Lembro-me que referia-me ao Seixal como a Academia e o Nuno Gomes passava-se com isso (risos). “Academia é dos outros, dos verdes, pá. Aqui é o Seixal”. Mas eu dizia aquilo porque me saía espontaneamente. Ao início foi muito complicado, eu tinha comprado uma casa na Atalaia para estar perto da Academia e depois sair de lá para ir para o Seixal.... A vida que estava habituado a fazer durante alguns anos estava a fazer ao contrário. O lado profissional foi espectacular. As pessoas pensaram o mesmo que pensavam todas, bom jogador, mas é maluco, vamos ver o que é que ele dá aqui.
Essa imagem nunca descolou de si, a do gajo maluco.
Nunca. Mas eu tinha períodos bons que não me importava, sabe porquê? Porque naqueles jogos da garra, em que é preciso lá deixar tudo dentro, essas pessoas que me chamavam maluco, o maluco era isso, era que toda a gente devia ser como ele. Há 2 fases do maluco. Há aquelas pessoas que querem denegrir e o maluco é noites, é mulheres, tudo e mais alguma coisa que não seja compatível com o futebol. E há o maluco da garra, de ir a cada lance para ser o melhor, etc, e esse maluco eu não me importo que me chamem. Ainda hoje me dizem, tomáramos nós que fossem 11 como tu. Mas ao início eu senti que havia ali... "É do Sporting, vamos ver". Posso dizer que tenho muito gosto, muito gosto mesmo em ter jogado no Benfica. Fui campeão pelo Benfica, ganhei alguns troféus pelo Benfica e fui muito acarinhado até hoje.
Nunca ouviu nada que lhe tivesse caído menos bem?
A seguir ao lance do Estoril, em que fui expulso, há muitos que dizem que eu é que sou o culpado do Benfica ter perdido o campeonato. Aí custou-me porque toda a gente começou a tratar-me mal: "És lagarto, sempre foste lagarto, estás aqui a enganar, perdemos o campeonato por tua causa". Não merecia ter ouvido isso. Por tudo o que fiz pelo Benfica, por toda a entrega que dei. Sempre quis ganhar pelo Benfica, mesmo contra o Sporting.
Lembra-se do 1º jogo contra o Sporting, já com a camisola do Benfica?
Não. Lembro-me de ter conquistado a Taça contra o Sporting e de ter marcado o penálti que deu essa Taça.
Mas custou-lhe mudar de clube.
Custou. Nos primeiros jogos tudo me fazia confusão. Ir ao estádio do lado rival, estar a jogar no Benfica contra o clube que me formou, onde me tornei homem e de que gosto, tudo isso, mas depois de entrar esquecia tudo. E tem de ser mesmo assim, somos profissionais. Sempre quis ganhar pelo Benfica e festejava. É a minha profissão, são os meus colegas, é a instituição que me paga. Hoje em dia já se lida melhor com isto. Lembro-me de ter festejado muito esse golo porque era o primeiro troféu que ia ganhar pelo Benfica e porque sou uma pessoa emotiva e não consigo esconder as coisas. Lá está, se calhar o maluco é isso. "Eh pá, esteve não sei quantos anos no Sporting e foi festejar assim". Saiu-me, estava feliz, queria festejar.
Quando nasce o seu primeiro filho, o Gustavo?
Aos 26 anos. Foi feito em Huelva, mas nasce quando já estou no Benfica.
Assistiu ao parto?
Não. Tive medo. Eu não gosto de ver sangue e o médico, que foi sempre o mesmo a fazer os partos à Mónica, começou a meter-me medo. "Olhe que eu já tive muitos episódios em que em vez de estar a tirar o bebé estava a acudir o pai". Mas depois assisti ao do Martim e ao da Maria Inês. Do da Maria Inês tenho uma história muito gira.
Conte.
Era o 3.º que ia ter, a afinidade com o médico já era grande. Levei máquina, câmara de filmar, telemóvel, ia todo equipado. E disse-lhe: "Ó Dr. quando estiver pronto você diz-me que eu vou gravar, vamos fazer aqui um plano do caraças". Pego no telemóvel e começo a gravar a barriga (a Mónica fez sempre cesarianas), via tudo, ia aos pormenores, aproximava. O Dr. a rir-se, a fazer as coisinhas dele, foram 4 ou 5 minutos daquilo. Ele todo contente: "Ó Carlos mostre-me lá essa gravação". Não é que me esqueci de carregar no rec para gravar? (risos) O médico quase que me batia, senti na cara dele uma decepção (risos). Até hoje ando com isto, como é que fui esquecer de carregar no Rec. Tinha feito uma gravação linda, com pormenores e tudo (risos).
E afinal foi duro, não caiu para o lado.
Não e se soubesse que o do Gustavo era assim... Aquele momento é tão lindo que só estás concentrado que saia o bebé, não ligas a sangue e a mais nada.
Quando entrou no Benfica o treinador era o Quique Flores. Gostou dele?
Boa gente também. Bom treinador, com ideias novas. Na minha opinião tinha uma pessoa ao lado, o preparador físico, Pako Ayestarán, que quis mandar mais do que ele. Gabava-se muito de que foi campeão europeu pelo Liverpool e não sei quê, é esse tipo de pessoa. Incompatibilizou-se com certos jogadores. Não o Quique, mas essa pessoa.
Época seguinte, Jorge Jesus. Como foi o primeiro impacto?
Gostei muito do Jorge Jesus. Aliás é o meu treinador de eleição em termos de futebol.
Foi com ele que aprendeu mais?
Foi. Eu e todos. Quase que falo por todos.
Por que diz isso?
Porque é o maior. Porque é o melhor. Eu não sou bom a descrever pessoas, mas vamos lá a ver se consigo...Para já a forma como ele falava. É um bocado como a minha, às vezes manda umas calinadas e tal, é muito espontâneo, diz as coisas que lhe vão na alma e às vezes não é aquilo que quer dizer, um bocado como eu também. Mas a mensagem passava para o jogador. O jogador prefere que falem assim, não prefere frases elaboradas não sei do quê. O futebol é prático, temos de ser práticos. Ninguém vai inventar nada, aqui o que interessa é passar a mensagem.
Alguns colegas seus dizem que ele era muito minucioso.
Sim, e chato. Muito chato, muito chato. Aquelas palestras eram quase uma hora e meia, por exemplo. Queria passar tanta informação que se estendia no tempo e os jogadores já estavam quase de boca aberta. Era um bocado saturante nisto. Mas em termos de treinador de campo, era uma pessoa que estudava o adversário de trás para a frente, de frente para trás e passava bem a mensagem. Ele fica marcado na minha carreira por outras situações, mas se tenho de dizer alguém com quem aprendi mais, é ele. Aprendi com todos, e esta não é uma frase pré-fabricada, é mesmo assim, aprendi com todos, mesmo estando menos bem uma pessoa aprende sempre. Mas com aquele homem, aprendemos à séria. O Aimar há um tempo deu uma entrevista e disse que dos treinadores que mais o marcaram o Jorge Jesus estava no top 3 dele. E estamos a falar no Aimar que lidou com muitos treinadores top. De facto o homem sabe. Só que depois tem o outro lado.
Que outro lado?
Relações humanas.
Não é bom?
Podia ser melhor. Não estou a dizer que não é bom. Podia ser melhor. Dado aos jogadores que treina, as equipas grandes que treina, ao convívio que tem entre treinadores, acho que devia aprimorar mais. Devia ter outra sensibilidade. Mas como ele é tão bom naquilo que faz dentro de campo, aquilo que deve mudar ele não dá tanta relevância.
Está a querer dizer que o que falta a Jorge Jesus é aquilo que é elogiado no José Mourinho, a capacidade de lidar com o balneário a nível psicológico?
Por exemplo. Eu vejo o Bruno Lage. Aquele rapaz que se vê ali na televisão é boa pessoa. O treinador tem de ir ao encontro dos jogadores. Eu tenho essa visão. É mais fácil mudar perante 25 jogadores do que 25 jogadores de 7 ou 8 nacionalidades diferentes moldarem-se ao treinador. É isto que era o lado menos bom dele, hoje não sei porque já não estou há uns anos com ele. O lado menos bom dele é o lado do contacto directo com os jogadores, o lado mais social. Estes rapazes que estão agora a aparecer já têm outra bagagem nesse sentido. É como os jogadores, no meu tempo eram trabalhados de uma maneira e hoje de outra.
Mas então como surge o conflito com o JJ depois do jogo como Estoril?
Foi no treino a seguir ao jogo com o Estoril, em que empatámos. Estávamos a duas jornadas do fim. Sou expulso. O primeiro cartão amarelo é por falar ao árbitro e o 2.º cartão por causa de uma entrada a meio campo, a 8 minutos do fim. As pessoas e a imprensa, que manda muito pela forma como a notícia é direccionada, culparam-me por o Benfica não ter ganho o jogo e ter perdido o campeonato, quando na realidade fomos perder o campeonato no Dragão, num jogo em que não joguei porque estava suspenso. Recordo-me que no treino após o jogo, o JJ marca uma reunião normal de grupo, em que o único visado sou eu. Disse que eu já não jogo mais enquanto ele lá estiver, que estava riscado. Fez o sinal de cruz com a mão e disse: "puseste em causa todo um ano de trabalho".
Qual foi a sua reacção?
Fiquei parvo a olhar para aquilo, a ouvir. Só pensava: "Eu não estou a acreditar que este homem me está a dizer isto". Ele culpou-me mesmo por aquilo ter acontecido, quando estávamos em 1º lugar ainda. Eu que reajo a tudo fiquei parvo. Lembro-me de ter chegado a casa e de escrever tudo o que ele me disse numa agenda. No outro dia a minha preocupação foi falar com os capitães. Chamei o Aimar, o Maxi Pereira, o Luisão e o Tacuara (Oscar Cardoso) se não me engano. Perguntei-lhes se eles se reviam naquilo que o treinador me tinha dito e todos me disseram que não. "Eh pá, já sabes como é que ele é. Foi um erro? Foi, mas estamos em 1º lugar, falta um jogo, todos nós cometemos erros". Lembro-me de o Luisão ter dado um soco quando fomos ao árbitro, num jogo na Alemanha, portanto, teve um episódio como outros também tiveram episódios menos bons. Todos nós temos de assumir o nosso erro, mas longe dizer que estavas morto e que já não jogas mais no Benfica como ele fez. Eu nesse ano tinha renovado por mais 3 anos. Era jogador da selecção nacional. E ele diz-me aquilo tudo. Mas ali o que contou mais para mim foram os colegas, foi eu perceber se realmente se reviam no que ele disse. Isso é o que me importava mais em termos emocionais, porque foi muito duro. Só eu sei o que eu passei. Ainda hoje alguém passa e diz-me na brincadeira, mas eu respondo logo: "Tu foste perder o campeonato ao Dragão, não foi no Estoril". E não reagi também na altura porque nós a seguir vamos ter a final da Taça UEFA contra o Chelsea e para não estar a criar mais uma situação em que dissessem o Carlos Martins isto e aquilo, calei-me e não disse nada. Recordo-me que fomos à final da Taça de Portugal, perdemos e acontece aquele episódio com o Tacuara no final do jogo em que ele e o Jorge Jesus empurraram-se e o Tacuara queria bater-lhe. Depois disso tudo é que lhe bati à porta.
O que lhe disse?
"Quero falar contigo" e falei. Disse-lhe que não me revia no que ele me tinha dito, expliquei-lhe tudo e mais alguma coisa, o que eu sentia, mas não quero passar a conversa para aqui. Sai de lá de consciência limpa e aliviado.
O que ele lhe respondeu?
"É a tua opinião, mas sou eu que mando. Tu tens as tuas opiniões, eu tenho as minhas." Foi nessa base. E com razão. Ele tem a opinião dele e eu tenho a minha, por isso é que somos todos diferentes. Na época seguinte já sabia que não ia ficar. Antes de irem para a Suíça, fui chamado para me dizerem que ia fazer parte da equipa B, do Benfica. Aí caiu-me tudo. Eu já sabia porque ele me tinha dito, mas daí a viver o momento de ir para a equipa B, desiludi-me completamente com o futebol. Por isso é que dei as minhas coisas todas às pessoas que me iam pedindo. Hoje não tenho uma camisola, umas chuteiras, um equipamento do Benfica, não é pela instituição, atenção, a instituição nada tem a ver. Gostei muito e sou um privilegiado por ter lá jogado. Mas tenho pena de já não ter essas coisas, estou muito arrependido porque os meus filhos agora perguntam por elas. Eu tenho tudo na minha memória, mas para passar para os meus meninos não tenho. Eles pedem-me camisolas, a da final da Taça UEFA, "a camisola com que foste campeão pai? As botas, pai?", etc. Não tenho. É que a partir daí já só joguei por causa da minha família, especialmente por causa do meu Gustavo, porque se não tinha abandonado logo tudo na altura.
Chegou a jogar na equipa B.
Cheguei porque fui obrigado. Mas apanhei um grande amigo, o Hélder Cristóvão, graças a Deus que foi ele, foi antigo jogador e não me complicou a vida, porque eu estava a explodir. Eu era uma bomba atómica, a qualquer momento explodia com tudo. Eu via os meus colegas lá em cima e eu privado daquilo, no meio de meninos com 17 anos que nem falavam para mim com vergonha. Se estivessem a rir numa sala e eu entrasse paravam todos de rir, até era constrangedor para mim. Eu só pensava: "O que é que eu estou aqui a fazer?".
Começou à procura de clube?
Não. Rejeitei tudo, porque o meu filho não devia sair de Lisboa.
Deu aí um salto na história, porque a doença do seu filho é descoberta quando está em Granada, no seu 3.º ano de Benfica, na época 2011/2012.
Sim, no 3º ano de Benfica saio, peço para ser emprestado ao Granada porque havia o Europeu, em que o seleccionador era o Paulo Bento. Uma curiosidade engraçada porque eu tive aquela divergência com o Paulo, mas é ele que me chama à selecção para o Europeu. A minha melhor fase na selecção é com o Paulo Bento precisamente, é preciso que se diga. Então, peço para ser emprestado para jogar, para fazer 40 jogos num ano, para estar bem para o Europeu. Porque no Benfica, com o Aimar, jogávamos metade, metade, e eu queria jogar o máximo de jogos possíveis.
Vai para o Granada e é lá que descobre a doença do seu filho, a aplasia medular.
Sim, passados três dias da minha mulher lá chegar, o meu filho fica internado.
Como tudo aconteceu?
Caiu-lhe uma gaveta em cima da perna e ele ficou com uma grande nódoa negra. A minha mulher manda uma foto a um médico daqui e pergunta-lhe se é normal ele ficar assim passado uns minutos. Ela foi a uma clínica lá em Granada, eu fiquei com a Bruna e o Martim em casa que tinha uns 8, 9 meses na altura. Ela liga a dizer que já não deixam sair o meu filho, que tinha de ser internado.
Dizem logo que doença ele tinha?
Não, dizem que os exames estão todos alterados e que tem de ser internado de urgência. Foi internado num hospital público de Granada. Um grande amigo meu, que hoje é o padrinho do Gustavo e era dirigente do Granada, o Angel Gonzalez, fez sempre o acompanhamento com a Mónica naquela altura. Falei com ela ao telefone, ela só chorava e dizia que ele tinha uma doença grave. Eu dizia: "Não, não pode ser, o menino está bem. Amanhã já está tudo bem". No outro dia dizem que tem de fazer uma punção, falam em leucemia e que o meu filho corre risco de vida e que se calhar precisa de um transplante... Esteve 17 dias internado. Foi muito difícil. Andei três meses anestesiado.
Quando efectivamente tem consciência de que o seu filho corria risco de vida o que lhe passou pela cabeça?
A primeira pergunta que fiz foi: "é preciso pagar o quê para o meu filho estar bem?". Foi quando me explicaram que tinha que dar graças a Deus em encontrarmos um dador. Não era o dinheiro. E tudo aí é uma grande mudança na minha vida, até ao dia de hoje. Eu antes ficava aborrecido, chateado com pessoas. Mudou tudo. Tudo. Hoje em dia já me fizeram mal, mas tudo tem o seu sentido. Já não levo ao limite como levava antes, em que ficava doido, e ficava "ai caraças, apetece-me é partir isto tudo". Não. Nessa altura é que vi que todos nós dependemos uns dos outros. Podemos não nos falar por algum motivo, mas no final de contas se existir alguma coisa essa pessoa se calhar pode ser a salvação da outra. E esses pormenores da tanga com que nos andamos a chatear na vida, esquecem-se, é que não fazem sentido nenhum.
Até aí nunca tinha ouvido falar de aplasia ou transplante de medula?
Jamais. Eu nem sabia o que era isso. Quando me disseram eu perguntei "Ok, é preciso pagar o quê? É preciso ele ir para algum lado para ser curado? Digam-me". Foi quando ele me disse: "Carlos, não é dinheiro. Tem que existir alguém, um dador que seja compatível com o teu filho".
Nenhum membro da família era compatível.
Não. Esse ano para mim desportivamente foi para esquecer. Eu estava a ponto de bala. Eu ia treinar e de repente virava-me para o treinador e dizia-lhe, vou sair para ir ver o meu telefone, vou ligar a minha mulher. Eles nem me diziam nada. Eu disse-lhes: logo vou pegar na minha família e vou já para Lisboa porque não me interessa o futebol. Esse meu amigo, o Angel, é que me aguentou. Eu sou um gajo persistente nas minhas coisas, e ele é um tipo também assim, porque se estivesse a lidar com um tipo mole, tinha abandonado tudo e tinha vindo embora.
A sua mulher entretanto vem para Lisboa?
Numa fase mais adiantada quando decidimos fazer o transplante. Porque até lá, fomos para Sevilha...O que eu fiz! Uma pessoa faz tudo. Ele não podia estar em comunicação com pessoas porque tinha as defesas baixíssimas e era jactos para um lado, era jactos para outro. Existem pessoas com isto que fazem tratamentos ali. É onde? Em Marrocos? Embora para Marrocos. Existem pessoas na Alemanha que não sei quê. Vamos para lá. Uma coisa desesperada. Eu só dizia a eles no Granada que tinha de me ausentar. Se alguém me dissesse um não ou isto ou aquilo, era na hora que me vinha embora. Foram espectaculares comigo.
Que tipo de soluções lhe foram apresentadas?
Em Sevilha chegaram a dizer que com uma gravidez em vitro, fazendo um tratamento para nascer um filho com o tipo de sangue do Gustavo... Mas primeiro que engravidasse, depois o tempo de espera e mais não sei quê, e nós a vivemos a situação. Esquece.
Nessa altura ainda jogou pela selecção?
Sim, sempre que podia. Nunca ia para estágios, ia directamente.
Como é que conseguia jogar?
Porque eu sou muito forte. Eu jogava pelo meu filho. Andei este tempo todo a jogar, a aguentar o que me fizeram na equipa B do Benfica e depois no Belenenses, que foi um clube espectacular, mas motivação e paixão já não tinha nenhuma. Fazia tudo pelo meu filho Gustavo, tudo, só pensava nele. A minha mulher nas alturas em que eu caía: "Olha o teu filho. Vai gostar de te ver na televisão."
De quem foi a ideia de fazer o apelo público para aumentar as hipóteses de encontrar um dador?
Foi minha porque estava desesperado. Eu não aguentava mais. Era transfusões de sangue, de plaquetas (emociona-se)... Muita coisa mesmo. Saía do treino perguntava à minha mulher como é que estavam os resultados, se subisse uma coisinha pouca parecia que o céu tinha aberto só para nós. Se ela dissesse que baixou... .
O seu filho não tinha consciência do que se estava a passar.
Não. Hoje tem consciência porque toda a gente pergunta coisas sobre ele, mas não sabe ao certo o que se passou. Ele já pesquisa na internet, mas ainda não teve a consciência real, contada pelos pais, sobre o que se passou. Um dia, quando ele for maior, hei-de contar.
Qual foi o momento mais critico?
O momento mais difícil foi antes do jogo de Málaga, em que foi feita uma segunda punção às 11 da manhã para ver o estado da gravidade. Eu e a minha mulher estamos sentados à porta do laboratório como dois miúdos... . Falavam em meses, em 1 ano, em 3 meses... . Foi aí que senti o maior desespero. Mas quando chegava à beira do meu filho, que como não sabia onde estava e tinha os pais perto, fazia um grande sorriso, só de ver o sorriso dele eu ganhava forças. Disse à Monica que ia pedir ajuda a todos. Toda a gente sabia, selecção, clubes. Aguentei um bocado antes de tornar público, até que não aguentei mais. Fomos visto em Fevereiro ou Março pelo Dr. Abecassis no IPO de Lisboa e ele diz-nos que é de urgência. Foi a primeira vez que foi visto por portugueses. E quando dizem que é de urgência... Eu disse logo à minha mulher que tinha de vir para Portugal. Eu quis vir, mas o Angel aguentou-me. Sempre que quisesse ir a Portugal eu ia, não me diziam nada. Eu fazia a minha vida para bem ou para mal consoante os resultados do meu filho. Se estivessem bons, ia treinar todo contente, se estivessem mal, havia alturas em que pegava no carro à noite e de manhã estava cá a bater à porta. "O que é que estás aqui a fazer?". Eu só dizia: "Porque preciso. Preciso, só".
Acaba por não ir ao ao europeu.
Fizemos o apelo, há uma adesão fantástica e ganhámos um balão de oxigénio. Nós sentimo-nos mais fortes quando temos o apoio das pessoas, ponto final. Quando as pessoas dizem "eu sozinho consigo", isso é tanga, é porque nunca passaste por elas. Nisso fomos uns privilegiados. Só não dou entrevista na televisão, e estão fartos de pedir para falar nisto, porque ainda não chegou a altura de o meu filho perceber. Ele tem 10 anos, mais 1 ano ou 2 para ele perceber porque depois vai para a escola e os putos na escola, não é por mal, mas podem picá-lo "estiveste quase a morrer".
A propósito, como tem sido a aprendizagem dele?
Espectacular. O meu filho está completamente curado. Tem estado num colégio privado, no Ramalhão, em Sintra. Estão todos lá. Lá sabem que era o menino que teve um problema, filho do jogador. Os mais velhos quando me veem perguntam foi este ou foi o outro? Porque ele e o Martim têm 2 anos de diferença. Eu tento protegê-lo ao máximo, até ele ter mais estofo para eu lhe dizer tudo. Mas claro que tem consciência de que se passou algo, não sabe é pormenores, a gravidade e de como em pouco tempo tínhamos de arranjar um dador sob pena de ter de levar cada vez mais transfusões e isso é a pior coisa porque o sistema imunitário pode começar a rejeitar as transfusões. Ele sabe que passou por uma fase difícil, mas nunca tive coragem de lhe perguntar nada (emociona-se), não quero estar a fazer isso ao menino.
Quando recebem a noticia de que há um dador compatível?
Existem dois ou três mas que não eram match, isto é que não eram 100% compatíveis. Havia 7 em 10, 8 em 10. O médico ia dizendo, ele ainda está num processo em que aguenta mais um bocado, vamos tentar encontrar. Porque não foi só Portugal que se mobilizou. Em Espanha foi uma loucura, recebi cartas da China, da Rússia, porque o Danny fez lá o apelo. Foi uma coisa...Isto sim faz sentido na minha vida, não é o resto, o resto é para eu passar o tempo e viver porque tenho de fazer alguma coisa. Agora compro uma casa, agora faço um jardim, agora vendo. Mas aquela foi a minha lição de vida. Já fui testado e estou lá. Ou fomos todos testados e correu bem. Agora é vivermos. Aproveitarmos a vida. Mas, voltando atrás, ligam-me do hospital a dizer que há um dador de 9 em 10 e um de 10 em 10.
Sabem de onde veio esse dador?
De Boston, nos EUA. Sei que tinha 42 anos e que quando soube que era para um menino de 3 anos prontificou-se logo a dar da medula. Normalmente dão o sangue da veia, mas como era para um menino, disse para lhe tirarem mesmo da medula. Mandou não sei quantos sacos. Quando ele foi fazer o transplante a mudança da vida dele estava num saco de plástico. Isto é... Aquele Dr. Nuno Miranda, eu chorava tanto com ele. Foi espectacular. À frente da minha mulher tentava sempre não chorar, mas quando chegava ao pé dele "Ó Dr. ouça, eu tenho a minha vida em si, este menino nunca ninguém me pode levar Dr.". Ele não queria também dar-me muita esperança e dizia-me: "Ó Carlos eu vou fazer o meu melhor"; "Dr. o melhor para mim não chega você tem que se transcender". Sempre a chorar porque o único meio de chorar sem ninguém ver, era junto dele.
Ele fez o transplante em 2012, na altura do Europeu.
Sim, foi descoberto em Setembro de 2011 e a 24 de maio de 2012 foi transplantado.
A Bruna, sua enteada, apercebeu-se de tudo, claro.
Sim, ela é uma mais valia que temos em casa. Deus tirou-lhe o pai numa altura difícil, mas deu-lhe outras coisas muito boas. Tem um coração maravilhoso. Ajuda-nos muito. Tem consciência de tudo.
Pede ao Paulo Bento para não fazer o Europeu antes ou depois do transplante do seu filho?
Recordo-me que quinta e sexta-feira treinamos para a selecção, o meu filho já estava internado na área do transplante. Já lhe estavam a fazer o desmame para levar o transplante da outra pessoa. O Paulo Bento deu-nos o final do dia de sexta, sábado e voltávamos a concentrar no domingo. Quinta-feira depois do treino vou ver o meu filho. Fui passar o fim de semana com o meu filho, dormi lá com ele, só pode dormir lá uma pessoa. E no domingo estou a despedir-me do meu filho. Os meus pais estão lá fora à minha espera porque era um grande orgulho para o meu pai também ver um filho dele num Europeu dado o esforço que eles fizeram. Digo: "Olha filho, agora vais ver o pai durante um tempo ali na televisão. O pai vai fazer um golo para ti, amor". Ele desata num choro: "Ó pai não vás, quero-te aqui, quero-te aqui". Eu hoje tenho uma ligação com o meu filho, não sei explicar de que grau é porque não existe. Agarra-se a mim e eu disse-lhe: "Filho, o pai vai mas amanhã o pai está aqui". Já sabia naquele preciso momento que ia chegar à selecção e ia dizer que não jogava. Entrei no carro com o meu pai e disse-lhe: "Olha pai, tinhas muito gosto em ver o teu filho no Europeu, mas eu venho para o pé do meu". E o meu pai: "Ó filho, não estava à espera de outra reacção tua". Cheguei a Óbidos, chamei o Paulo Bento e disse-lhe para chamar outra pessoa para o meu lugar. Foi chamado o Hugo Viana. Vamos inventar aqui uma história que estou lesionado. Isto foi na altura em que ele fez o transplante e as coisas correm bem.
Fez alguma promessa?
Agarrei-me muito a Deus e à N. Srª de Fátima. Agarrei-me a tudo o que fiz de menos bom na minha vida. Lembro-me que o meu espaço favorito era o Guincho, ia para lá, fartava-me de desenhar corações na areia sempre com o nome dele. Agarrei-me não sei a quê, sei lá. Nunca aceitei que podia dar para o torto. Mas nunca fiz uma promessa. Agora, rezo todos os dias. Antes rezava quando me sentia mal, hoje rezo todos os dias. Agradeço a Deus por me ter dado a bênção de estarmos todos, sempre todos os dias a partir desse momento. A prova da minha vida foi essa, não foi mais nenhuma. Não foi de ter passado do Sporting para o Benfica, isso são historias para contar, para a gente se rir, uns vão gostar mais outros menos. Mas a minha prova, a minha vida, o meu foco centrou-se aí, ponto final.
Quando souberam que já não corria riscos e que já está tudo bem?
Só de há um ano e meio para cá. Isto tem várias etapas. Cinco dias após o transplante as coisas podem mudar. E ele teve recaídas, tanto que se ponderou fazer outro transplante. Mas depois os valores começaram a subir, até que passaram os cinco anos e agora só vai uma vez por ano, para toda a vida. Mas está completamente curado. Até nós, nós percebemos, a minha mulher brinca muito, dá-lhe uma estaladinha de vez em quando e ele fica logo vermelho e nós descansamos.
É a forma de irem controlando se está tudo bem?
Sim. Antes o meu filho não ficava vermelho se lhe tocássemos. São pormenores nossos, que já sabemos agora. Torcemos um pouco a orelha na brincadeira para ver se fica vermelha. Antes não ficava, era sangue mau. Eu amo os meus filhos todos de maneira igual, mas aquele por ter passado o que passou, é normal que quando se constipe uma pessoa entre logo em parafuso, logo. Então lá vêm os testes sem ele saber, uma palmadinha na brincadeira ou torcer de orelha, para ver se fica logo vermelho. Se ficar, pronto, sossega. São os nossos truques.
A seguir ainda tiveram uma filha.
Eu sempre quis ter uma menina. A Bruna é minha filha, mas eu sempre disse que queria ter uma menina com a Mónica. A Maria Inês foi feita na altura em que estávamos a passar por este processo todo. Foi uma menina tão desejada, tão desejada, que veio 100% compatível com o Gustavo. Quando o médico nos diz: "Temos aqui uma novidade para vocês. A sua filha que acabou de nascer é compatível com o irmão". Há coisas... . Nós ainda temos mais um saco, mas só de termos a nossa menina que é compatível com o irmão... E têm uma ligação os dois que nem imagina. Há coisas que não dá para explicar.
Voltando ao futebol. A seguir vem aquela época com o Jorge Jesus, em que é expulso no jogo com o Estoril e ele coloca-o de parte, como o Carlos disse. Alguma vez pensou que por estar a passar o que estava a passar, as pessoas deviam compreender certos comportamentos seus?
Não. Injustiçado, sim, mas não foi pelas pessoas. foi pelo futebol em si por uma decisão de uma pessoa que hoje em dia não o fazia, porque eu já tive oportunidade de falar com o JJ e sei que não o fazia. Quando ele foi jogar ao Belenenses na altura em que eu já lá estava, reunimos numa sala e ele disse-me que não o fazia se fosse hoje. Errou como eu errei noutro lado. Também fez numa altura quente. Foi uma decisão dele, não o crucifixo, só quero que ele ganhe. Só que foi um marco importante na minha vida, porque foi aí que larguei o futebol por assim dizer. Não me interessou mais clube nenhum.
Tinha outras propostas?
Todos a gente me queria. Tinha até para a China a ganhar milhões, tinha Itália, tinha Espanha. Eu foquei-me no meu filho. Na altura, senti-me injustiçado pela atitude daquela pessoa, até pelo que eu já tinha dado ao Benfica, eu era uma pessoa querida no Benfica, sentia isso. Mas depois agarrei-me ao meu filho. O meu filho faz parte de qualquer decisão da minha vida, seja no futebol, seja num negócio. Se tiver uma perda em algum lado, eu seguro-me ao meu filho. Quando algo corre mal e lamentamos, pensamos no que já passámos e abrimos logo a pestana "porra, realmente..."
De qualquer forma custou-lhe muito ir parar ao Benfica B.
Imenso. Só eu é que sei o que sofri. Por outro lado, também abdiquei de sair para outro lado. O meu filho era seguido todos os dias pelo IPO e para estar a viver sem ele, era para esquecer, não conseguia. Para ele ir para fora era arriscado. Então, deixa-me ficar.
Mas esteve para ser emprestado a um clube dos Emirados Árabes unidos, onde estava o José Peseiro, não esteve?
Sim. Mas aí foi o Dr. Nuno Miranda que me disse que era bom levar o meu filho para lá porque era mais quente, menos propício a constipações. Aí sim, vamos todos. Mas não fomos porque entretanto o argentino que estava para sair de lá não chegou a acordo. E como só podiam inscrever um número limitado de estrangeiros, para entrar um tinha que sair outro. Assinei a desvinculação pelo Benfica. Tínhamos as malas feitas, a pensar que íamos para lá e depois... .
Como surge o Belenenses?
Foi um misto de interesses. Na altura o meu empresário era o Pedro Torrão.
Mas o Paulo Barbosa também foi seu empresário não foi?
Quando fui para Huelva e quando acabei no Benfica, na equipa B. Depois como já era uma fase descendente dei oportunidade ao Pedro Torrão de arranjar-me alguma coisa perto de casa. Ou era Estoril ou Belenenses.
Em duas épocas apanhou o Vidigal, o Jorge Simão o espanhol Julio Velázquez e o Sá Pinto. Destes último também foi companheiro de balneário. Como foi o reencontro em posições distintas?
O Sá Pinto sempre foi uma referência para mim, pela garra. Era parecido comigo, revíamo-nos um no outro. Foi muito bom tê-lo encontrado ali. Fomos à Liga Europa com ele e foram momentos bons.
Quando começa a pensar mesmo em pendurar as botas e dedicar-se a outras coisas?
Já no tempo do Benfica gostava de casas. Gosto deste ramo. Gosto de comprar velho e pôr novo. É o que faço. Aí começou o bichinho. Claro que não havia muito tempo porque um clube grande obedece a muitas horas de dedicação, mas quando vou para equipa B tenho mais tempo e foco-me em 2 ou 3 negócios que correm bem. Sozinho, com a minha mulher sempre a ajudar-me em termos de design, mas eu a projetar, a contratar os homens, a planear os jardins, tudo o que implica construir uma casa. E percebi que gostava disto.
É o Carlos que decide sair ou é o Belenenses que o convida a terminar a carreira ou procurar outro clube?
Os dois. Eu tinha mais um ano de contrato. Mas eu já não fazia todos os treinos, tinha miúdos de 20 anos a querer jogar sempre. Eu aborrecia-me ir aos treinos. Se o Gustavo tinha de ir ao hospital, eu fazia questão de ir.
Passou tudo a ser feito em função do Gustavo.
Tudo. Ele é que centrava as coisas e ele é que me dava a possibilidade de eu fazer alguma coisa.
Isso alguma vez foi um peso para os outros filhos ou motivo de cobrança?
Não, porque nós sempre tivemos cuidado. Um exemplo. O Gustavo teve muitos anos em que não podia apanhar sol. Eu pegava no Gustavo e ia fazer qualquer coisa com ele enquanto os outros iam com a mãe à praia. Tentávamos agilizar as coisas, mas nunca metemos todos à volta da mesa e dissemos: "não vamos fazer isto, porque não". Sempre tivemos uma maneira de levar as coisas para que nenhum se sentisse e o Gustavo se tornasse um peso para os outros.
Quando fez a sua primeira tatuagem?
Em Huelva. Foi a cara de Deus com uma cruz e as iniciais da minha família. Todas as outras são relacionadas com a família. Tenho o nome dos meus filhos, datas nascimento, frases, etc. Nos braços e peito.
Teve ou tem alguma alcunha?
Que me lembre não. Sei que me chamavam homem bomba e pé canhão porque o meu filho noutro dia veio dizer-me. Leu em algum lado. Os meus filhos é que têm. O Gustavo é o "papagito", era o que ele dizia quando eu chegava a casa, "o papagito chegou" e ficou o "papagito". O Martim é o "tica-tica" porque não para quieto, anda sempre de um lado para o outro. E a Maria Inês é a minha "prinxêsa". Mas ela tem vergonha, não quer que eu diga à frente dos amigos (risos).
Onde ganhou mais dinheiro?
No Benfica. Mas se calhar já ganhei tanto dinheiro no futebol como nos negócios imobiliários.
Investiu só em imobiliário?
Sim.
Qual foi o seu primeiro carro?
Um BMW 320D, preto. Tinha 18 anos.
Estampou-se com ele?
Sim, em Campo Maior (risos). Por cima de uma rotunda. Tinha ido até Espanha a um jantar de equipa, no regresso, com um copito a mais, não vi a rotunda. Foi uma sorte, nem lhe digo.
O melhor carro?
Eu adoro Porsches. Tenho Porsches por causa do Sá Pinto. Ele sempre foi uma inspiração para mim e ele sempre teve um Porsche e sempre disse que o carro de eleição dele eram os Porsches e eu meti aquilo na cabeça. Tenho um Turbo S.
Ainda joga futebol?
Não. Deixei completamente. Só com os meus filhos. Jogo ténis de vez em quando com um amigo.
Não tem saudades de jogar futebol?
Não. Mas também evito de ir ao estádio porque acho que aí vou sentir saudades. Sinto-me em perfeitas condições ainda, então evito ir. Quando vou ver os jogos dos meus filhos, que estão numa escolinha do Figo, fico irrequieto.
Revê-se em algum deles?
Acho que no Gustavo porque pensa mais no jogo. O meu "tica-tica" é isso "tica-tica", é rápido. O Gustavo é mais cerebral.
Qual foi a coisa que lhe disseram ou chamaram que mais o magoou?
Foi essa conversa que o JJ teve comigo. Magoou-me muito. Estava à espera que me desse cabo da cabeça, sabendo como ele é, estava à espera de tudo menos de dizer que eu nunca mais ia ser jogador do Benfica.
Qual foi a sua maior asneira, do que mais se arrepende?
Não me arrependo de muita coisa. Mas se fosse hoje não tinha contestado muitas coisas que me foram ditas. Nunca faltei ao respeito, mas... É como os meus filhos, eu estou a chamá-los a atenção de alguma coisa e eles têm sempre alguma coisa para dizer. E ou apanhamos uma pessoa que é calma e explica-te que estás mal, não digas isso, ou se não apanhas essa pessoa, risca-te logo. Os meus filhos respondem, mas não são mal educados para mim. Como eu nunca fui para um treinador. Apenas sempre disse o que pensava.
Sente que foi incompreendido.
Não. Simplesmente eu tenho a mania de falar, gosto de argumentar, de dizer o que penso, isso sai-me naturalmente. E hoje em dia o que posso dizer é que se tivesse de não fazer alguma coisa, eu não falava tanto. Engolia mais. Porque muitas coisas avançaram por eu ter falado mais um bocado. Ou por ter dito uma coisa totalmente diferente da que o treinador me estava a dizer. Se fosse treinador, se apanhasse um jogador assim, refilão, se calhar também lhe dizia: "cala-te que já nem te posso ouvir, sai.".
Qual é a sua maior frustração no futebol?
Nunca ter ido a um Europeu.
Quem são as maiores amizades que fez no futebol?
O Miguel Garcia, por exemplo. Desde os 12 anos que nos conhecemos. É o meu confidente e eu sou o dele. Uma relação extraordinária.
Fez um casamento muito pomposo, grande. Porque sentiu essa necessidade?
Eu já sou casado há 10 anos, mas pela igreja só casei agora e essa foi a festa maior. Porque eu, a minha mulher e a minha família tínhamos de viver isto. Não me interessa o dinheiro, desde que não me falte para eu viver. Vou gastá-lo sempre com a minha família. Porque hoje estamos aqui e amanhã posso estar num hospital e ter muito dinheiro, o que me aconteceu, dizer ao Dr. que quero comprar ou fazer qualquer coisa e ele dizer-me que não. Gasto o meu dinheiro nestas coisas. Gasto muito? Gasto. Porque já vivi o contrário, já vivi o que é ter dinheiro e não poder gastá-lo porque na saúde... Hoje estamos bem e daqui a uma hora, um dia uma semana, podemos já nem gastar o que está cá.
Qual foi a maior extravagância que fez com dinheiro?
Não tenho muitas extravagâncias. O casamento foi a maior num só dia. Mas fazia novamente porque foi um momento lindo. Sempre disse à minha mulher: quando o nosso filho estivesse bem, queria que eles vissem os pais a entrar pela igreja. Quando o Dr. Nuno Miranda disse que ele estava bem (estou a arrepiar-me todo), eu disse "vou rebentar com isto tudo". E foi. E fazia hoje novamente. Em prol da minha família faço tudo."