"Ser tetracampeão não dá direito, por inércia, a ser pentacampeão. Este início de campeonato demonstra alguns equívocos do Benfica.
O Benfica é tetracampeão, é bom não o esquecer. Desde logo, os nossos adversários, pois até parece que eles que têm ganho quase tudo nos últimos quatro anos. Mas ser tetracampeão não dá direito, por inércia, a ser pentacampeão. Tentando ser o mais racional possível - coisa bem difícil no futebol - julgo que este início do campeonato, para lá das contingências em que o futebol é pródigo, demnstra alguns equívocos do Benfica 2017/18.
As derrotas no Bessa e contra o CSKA não foram tão surpreendentes quando possa parecer. Era cosia que, mais tarde ou mais cedo, se adivinhava. Neste ponto, ao menos vale mais cedo do que tarde. Há questões conjunturais e outras mais profundas. Quanto às primeiras, sempre acontecem momentos menos felizes ou períodos de manifesta má forma colectiva, que a chamada Lei de Murphy potencia. No Benfica ou nas outras equipas. O ponto crítico reside no contexto mais estrutural. Refiro-me à forma aparentemente demasiado confiante e sobranceira como se reconstituiu o plantel, conhecidos que era os jogadores a ser transferidos. Rui Vitória é um treinador sensato e com um perfil de excelente adaptação ao que lhe é posto à disposição. É uma qualidade, sem dúvida, mas nem sempre resulta. A equipa está mais debilitada, não vale a pena fingir que não. No onze que joga e no plantel total. Para alguns lugares-chave deixou de haver substitutos à altura. O caso mais notório é o de Fejsa, ele próprio sujeito a lesões tão longas, quanto recorrentes. A defesa está menos segura e coesa. E não há milagres ou descoberta todos os anos de um craque na formação. Luisão tem mais um ano, Jardel é fisicamente sócia de Fejsa, Lisandro é bom, mas parece, às vezes, um cabeça no ar, Rúben Dias ainda não sabemos. Na lateral-direita temos (e bem) o pronto-socorre André Almeida e veio de Barcelona um tal Douglas para não sei o quê. Pizzi, sem Fejsa, é obrigado a jogar mais recuado e que falta faz para tornar mais clarividente a construção ofensiva. À frente, tudo bem, ainda que, na minha modesta opinião de bancada, teria valido mais deixar sair Raúl Jiménez do que o grego Mitroglou. É que ficámos com um par de excelentes vagabundos (Seferovic e Rául), mas deixámos de ter um ponta-de-lança fixo na área (que falta fez no Bessa!). E, the last but not the least, temos a posição do guarda-redes. Não julgo Bruno Varela pelo peru de sábado. Os melhores também os dão. Acontece que a saída de Ederson foi, na minha opinião, precipitada, tendo o Benfica apenas 50% do passe, para fazer a vontade ao agente e ao jogador. Esta coisa de jogadores contrariados com 21 ou 22 anos é uma treta. Ou melhor, é um amuo de uma ou duas semanas, que depois lhes passa, a pensar na oportunidade para o ano-que-vem. E o que temos agora? Júlio César, imperador, mas agora mais de lesões do que exibições. O actual titular, bom jogador, mas insuficiente para uma posição que, no Benfica, só se está em jogo poucas vezes e tem de oferecer total confiança aos colegas à sua frente. Resta-nos um rapazinho que fez há dias 18 anos (podia ser filho de Luisão...) que vem rotulado de craque, mas que, naturalmente, ainda não pode ser lançado às feras. No sector recuado, tirando Luisão (e Grimaldo, se não se voltar a lesionar), todos os outros - agora titulares - eram suplentes ou 3.ª escolhas.
Deixando de lado o mistério das já 16 lesões (a maioria, musculares), há outro ponto que me preocupa. É a dificuldade em consolidar avanços no marcador. Nestes dois últimos jogos, o Benfica esteve a ganhar e permitiu a reviravolta. No anterior campeonato, tal nunca sucedeu.
Cinco pontos de atraso são irrecuperáveis? Obviamente que não, ainda que sendo face a dois rivais se trate, no conjunto de 10 pontos. Diz a história recente (particularmente a época 2015/16) que nada está perdido. Assim ela se repita, ainda que a sua repetição custe sempre mais do que antes e a sua não repetição possa levar a um rombo financeiro (para o ano, na Champions, só o campeão tem lugar assegurado).
Objectivamente subjectivo
Por objectivos. Eis duas palavras unidas que, cada vez mais, ouvimos falar aquando da transferência de jogadores. Objectivamente tão subjectivo que o tempo se encarrega de fazer desaparecer. É um novo mistério no negócio do futebol. «O jogador renderá 22 milhões mais 14 por objectivos» é um hipotético exemplo do aposto ou continuado que se segue ao número redondo de uma transacção. É, simultaneamente, uma forma de apaziguar a consciência do comprador de, perante a reacção dos adeptos, afinal o jogador não foi assim tão caro e um modo de ficcionar um montante não atingindo pelo vendedor com os tais objectivos para memória futura que logo é desmemoriada. Ah, evidentemente, quem normalmente a sugere é o intermediário, que esse recebe a sua prebenda certinha e se está marimbando para objectivos pós-recebimento.
Quem tem de responder perante objectivos (que não fixou) é o jogador. Mas este também se sente confortável. Aumentou o pecúlio mensal e sempre pode queixar-se do treinador que não o põe tanto a jogar ou o coloca e posição diferente da do anterior clube.
Há objectivos para todos os gostos. Com objectivos e bolos se enganam os tolos... Há os impensáveis objectivos de ser o melhor do mundo ou da Champions (tipo Renato Sanches no Bayern, perdão no Swansea), marcar x golos, ser x vezes seleccionado, jogar n jogos a titular ou n+y a titular e suplentes. Ou seja, em regra, objectivos facilmente manipuláveis pelo comprador. Enfim, a quintessência das técnicas negociais. É como vender uma peça de boi a um restaurante por um certo preço que pode aumentar se os clientes não protestarem no livro de reclamações ou comerem mais bifes.
Concluindo: inovação não falta nesta área. Ou é um empréstimo sem direito a regresso, ou é uma cláusula de rescisão para inglês ver (cada vez mais apropriada esta frase), ou é a divisão do passe entre vários detentores (divisão monetária, mas não anatómica), ou é estar à experiência depois de já experimentado, ou é este agora comum contrato-promessa por objectivos, ou é, ainda, pagar por crianças de tenra idade e retirá-las ao seu habitar natural (ninguém fala de trabalho infantil, que, pelos vistos, só é condenável na construção e indústria).
Contraluz
- Número: 2
Foram os míseros segundos que ultrapassaram os 6 m. concedidos pelo árbitro Soares Dias no Boavista-Benfica. Não é que seja grave e, certamente, o resultado não sofreria alteração. Mas que diabo, não está escrito que uma substituição deve ser compensada por mais 30 segundos? E as fitas do guardião? Nos também 6 minutos no Feirense-Sporting, houve uma substituição no tempo de desconto que o mesmo juiz compensou correctamente e no qual surgiu o penálti e golo para os leões.
- Palavra: Abstenção
Se a estapafúrdia ideia de fazer uma lei para que não haja jogos em dias de eleições for para a frente, sugiro que, também, se proiba a chuva e o frio (se as eleição foi no Inverno), se feche o acesso a todas as praias entre as 8 e 19 horas (no Verão) e se altere a Concordata de modo que as missas em domingo eleitoral sejam todas antecipadas para sábado.
- Notícia:
O noticiário de domingo da RTP 1 rezava assim: 30 'adeptos' (as aspas são minhas) recebem com insultos o Benfica. Uma multidão representativa. E na imagem nem se viam! Notícia? Serviço público? Valha-nos Deus...
- Acontecimento:
Não me conformo com essa ideia peregrina de se jogar a 'Eusébio Cup' no Canadá em Outubro, com um adversário que subiu recentemente à primeira divisão escocesa. Eusébio merecia mais: um jogo na Luz cheia, um adversário à altura e uma data adequada. Além disso, fazer duas viagens transatlânticas nesta altura do campeonato? Ou vai o Benfica B?"
Bagão Félix, in A Bola