Últimas indefectivações

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O terceiro anel

"Muito dele se tem falado – como se de uma entidade mítica se tratasse. E com razão. Contrariando o critério holístico, ele era parte que parecia ser mais que o todo, parecendo mero apêndice, ele era o essencial – de lá pendia, como um relâmpago, o veredicto que os jogadores acatavam como o julgamento decisivo de suas actuações. Naquela sua altaneira assimetria, e apesar da sua condição de obra inacabada, o terceiro anel era-o antes de o ser – como a pescada: era anel antes de descrever e completar o círculo que a essa sua condição convinha. E que só, anos mais tarde, veio a concretizar-se.
Ele elevava-se acima da linha de uma certa mediania geométrica para, neste seu empertigamento, lançar aos ventos a ousadia de um sonho grande de um homem só – que quase sempre se é só na grandeza. Como o foi Fernando Martins. Mas a força mítica desse pedaço-alma de um estádio que só como da Luz mítico se poderá considerar, vem-lhe da sua dimensão anunciadora de um voo altivo – como o da águia. O terceiro anel é muito mais do que uma ousada obra de engenharia, ou, mais prosaicamente, de construção civil - ele é o símbolo-casa de uma grande família. Nele e por ele, numa espécie de previvenciação ritualizada de uma grandeza, assim profetizada, os benfiquistas se instalavam no lugar-aconchego do sonho que lhes inebriava a alma.
O terceiro anel era um território quente, um lugar com alma: lá habitava o sonho que congregava, em convívio familiar, os que nesse sonho de um destino de grandeza se irmanavam. Era simplesmente um lugar. Onde todos, em exemplar convívio transgeracional, se instalavam desde cedo e, enquanto trincavam os tremoços comprados na Ti Josefa do Calhariz, iam debulhando prognósticos gordos para o desfecho do jogo a seguir. E não faltava sequer o farnel da Tia Guida, viúva de um dos heróis, creio que do Arsénio, farnel do qual todos eram maternalmente intimados a partilhar.. Enfim, um arraial, uma festa!
Dir-se-ia que, naquele seu jeito ínvio, meio torto de ser incompleto, o terceiro anel nos completava e, se algum modo, se locupletava na abundância de um sonho atrevido e insubmisso – ele era também o espaço habitado pela cortante régua da exigência e da responsabilidade. Habitava-o uma notória, e notável, - apesar da singeleza de seus habitantes – aura tribunícia. Era para este espaço mitificado, sem medida que em rigor o delimitasse, qual instância última, que os jogadores, todos de mão dada, faziam, antes de cada jogo, a sua vénia reverencial – como se de lá esperassem a bênção e louvor para a sua actuação.
O terceiro anel era a face humana, telúrica, popular do Estádio da Luz, que assim se chama não apenas por estar enquadrado no espaço geográfico do bairro que leva o mesmo nome, mas por ser de luz a história que encarna e o destino que anuncia. O terceiro anel, assim inacabado e assomando acima da linha média da restante construção, insinuava-se como o olhar indómito para lá da linha do horizonte – ele representava muito mais enquanto inacabado do que passou a representar quando se procedeu à sua conclusão.
Inacabado, ele era insatisfação, ele era ambição, insubmissão, rasgo – ele era projecto. Uma vez acabado, ficou rematado, concluído, gerando a sensação redonda de que tudo estava conseguido – que a obra terminara. O famoso fecho do terceiro anel cujo mérito é inatacável, talvez tenha trazido associado o efeito colateral de uma certa oclusão do sonho grande que o originara. É preciso, se calhar, reavivar o papel instigador do mítico terceiro anel – ainda por acabar, galhardamente insinuado e insinuante. Urge que convertamos os estádios de futebol em lugares - porque estão cada vez mais convertidos em “não-lugares” (na terminologia feliz de Marc Augé): as pessoas passam por lá, mas não os habitam, como nos aeroportos ou nos shoppings.
É preciso reimplantar nos estádios espaços inventados de humanidade. E, no caso do Sport Lisboa e Benfica, urge superar o contentamento supino com uma glória mínima e ter a ousadia de aspirar à glória máxima: demandar resolutamente o céu, em vez de se contentar com o limbo! A águia voa só! Mas não é só voar o que ela faz – ela caça com uma precisão e eficácia, únicas no reino animal. Porquê? Por uma razão: vê de longe!"

Benfica: como se explica uma meia-hora desastrosa?

"Uma águia de duas cabeças em Istambul. Um olhar ainda para um FC Porto que teima em não encontrar-se.

O bom que o Benfica fez em Istambul foi apagado por uma última meia-hora desastrosa.
Rui Vitória irá certamente procurar (e encontrar) as respostas à pergunta que todos fazem desde o apito final do encontro de quarta-feira: como foi possível deixar-se empatar depois de estar a vencer por 3-0?
Foi uma águia de duas faces, ou melhor, de duas cabeças aquela que defrontou o campeão turco.
Os encarnados entraram na segunda parte da mesma forma que na primeira, e criaram oportunidades para dilatar a vantagem. Haverá então várias questões, e não apenas uma.
Terá havido deslumbramento com o atual momento da equipa e com as facilidades aparentes que o encontro apresentava?
Por que o Benfica manteve a aposta na vertigem e num jogo mais partido, quando podia ter baixado ritmos e optado por controlar mais o jogo e, com isso, também o resultado?
Não terá ainda Rui Vitória convidado o Besiktas ao ataque com as substituições?
Abdicar da agressividade de Gonçalo Guedes (e da relativa frescura de Cervi) e forçar a entrada de um Rafa a precisar de minutos, com o lado direito exposto à quebra de Salvio, e onde Tosun começou a fazer miséria, beneficiando também da companhia de Quaresma mais perto do fim, poderá ter sido também decisivo na recuperação turca.
O treinador certamente irá aprender algo deste jogo, tal como os jogadores.
Uma conclusão é evidente: o Benfica não pode deixar-se empatar depois de ter chegado a uma vantagem de 3-0, exatamente como não podia ter acontecido com o Sporting em Guimarães, se estendermos a comparação à Liga. Por muito mérito que tenham os adversários (e tiveram-no) há que saber controlar o jogo.
No que diz respeito ao FC Porto, está aqui por novo empate frente ao FC Copenhaga. É verdade que não perdeu, e mantém-se a depender apenas de si para garantir o apuramento na segunda posição, mas chegar à última jornada neste grupo sem ainda ter feito a festa e, sobretudo, com dois pontos em seis possíveis frente aos dinamarqueses é medíocre.
Claudio Ranieri, o treinador do Leicester, resume tudo numa frase: «Vencedores do grupo, como é possível?»
Pois.
A primeira parte voltou a ser dececionante e, apesar de uma outra oportunidade desperdiçada, também a segunda sabe a pouco.
Ganhar agora garante os oitavos, ou o Dragão ficará a depender do que o FC Copenhaga fizer. A margem de erro, num grupo extremamente acessível, é zero.
Comparando com o Benfica, o emblema da Luz está em situação semelhante. Compete num grupo acessível, e o apuramento, a ser concretizado, chegará no limite.
Não ganhar um jogo ao Besiktas - apesar das condicionantes nos lesionados, sobretudo no jogo da Luz - também parece fraca prestação. A única diferença é que ainda pode chegar ao primeiro lugar, e que terá mostrado, aqui e ali, um pouco mais de intensidade e futebol jogado do que os grandes rivais."

O treinador enquanto atleta de alta performance

"O contexto desportivo tem sido, ao longo dos últimos anos, um verdadeiro “berçário” de líderes de alto nível.
Scolari, Mourinho, Guardiola, Simeone, entre tantos outros (e para todos os gostos!) têm feito as delícias de todos os interessados nos processos de liderança.
De tal forma que as obras biográficas que resultam do nível de êxito que atingem acabam por suscitar a curiosidade de quem se dirige às livrarias, para poder aceder a todos os segredos sobre o processo de liderança que exercem.
Diego Simeone chegou mesmo a tornar-se num case study na Universidade de Harvard, sendo a sua metodologia fortemente recomendada a pequenas e médias empresas que pretendam afirmar-se no mercado das empresas de um segmento superior.
Mas o que distingue estes homens dos demais?
Para além da sua elevadíssima expertise em processos de jogo, o que, possivelmente, não os diferenciaria de muitos outros que, com este mesmo domínio, acabam por não ter sucesso a níveis tão elevados, são efetivamente exímios quer no que respeita a processos de auto-regulação energética (psico-emocional), quer no que refere a processos de regulação dos níveis de ativação do grupo que comandam.
Conhecedores, genuinamente, do funcionamento humano em contextos de performance (logo, conscientes do que potencia ou dificulta o seu próprio desempenho no exercício da sua função de liderança), diagnosticam como ninguém as necessidades que a sua equipa tem, no que respeita a manterem, de forma consistente, os níveis de desafio e intensidade necessários a um desempenho de excelência ao longo de 90 minutos.
Curiosamente, há uns anos, um treinador de alto rendimento (no caso, de outra modalidade), chamou-me e solicitou ajuda no que respeita à identificação dos critérios que ele próprio ia utilizando quando recrutava um atleta para a sua equipa. Sabia que o fazia bem, mas por trás do que considerava "faro", sabia que estariam alguns critérios que não conseguia identificar racionalmente...
A isto poderíamos chamar "conhecimento inconsciente". Por outras palavras, ao longo dos anos, este profissional aprendeu a identificar os indicadores certos... sem saber que ia criando uma ferramenta exímia de avaliação de competências.
Frequentemente, a Psicologia do Desporto/Performance, dedica o seu tempo a fazer isto mesmo: estudar os casos de sucesso ao pormenor, por forma a conseguir identificar denominadores comuns, no que respeita às competências e comportamentos que, elicitadas(os) de uma dada forma, acabam por ser um bom indicador de sucesso.
Neste enquadramento, aquilo que os estudos nos têm apontado é que estas pessoas, para além de um domínio elevado no que respeita a conhecimento técnico-táctico (que transportam para a criação de processos de jogo muito eficientes), e de naturais competências de comunicação, acabam por partilhar com os atletas um conjunto de competências essenciais à manifestação de uma performance, consistentemente, de alto nível.
Falamos de competências como gestão de stress e ansiedade, resistência à frustração, elevada motivação intrínseca, capacidade de manter a atenção de forma sustentada a todos os aspetos do jogo (concentração), entre muitas outras.
Contudo, o que os caracteriza, muito frequentemente, é a sua capacidade se se mostrarem "envolvidos e envolventes" ou, por outras palavras, através do seu próprio compromisso com a missão do grupo, acabarem por contaminar a generalidade dos atletas, que se dedicam a seguir o que estes líderes determinam. São, genericamente, sujeitos com níveis elevados de inteligência emocional (QE).
Tal como o estudo aprofundado dos fatores de sucesso dos atletas, acabou por resultar numa enorme evolução da capacidade de intervenção da Psicologia que, através do conhecimento adquirido acerca das competências diferenciadoras, desenvolveu processos de treino e métodos eficazes para, de forma sistematizada, poder replicar e potenciar a existência destas mesmas competências em grupos de atletas mais alargados, acredito que este também será o caminho, no que respeita ao estudo dos treinadores de sucesso.
Tal como no domínio dos atletas, o desenvolvimento aprofundado das competências de performance de um treinador elevarão, de forma inequívoca, o seu rendimento e, por esta razão, acredito que muito rapidamente será mais frequentemente do domínio publico (porque alguns casos já vão sendo conhecidos, como por exemplo, a parceria Scolari-Regina Brandão), as parcerias que se vão estabelecendo entre treinadores e psicólogos.
Curiosamente, há muitos anos a esta parte, num clinic de basquetebol profissional, o próprio Prof. Jorge Araújo referia que, nos clubes em que estava, se não havia recursos económicos para a contratação de 2 psicólogos (um para si e outro para a equipa), então, o psicólogo ficaria sempre a trabalhar com ele.
Então, se trabalham com atletas de alta performance, com quem a Psicologia já vai desenvolvendo algum trabalho, talvez já esteja na hora que os próprios treinadores exijam para si próprios a introdução de "ferramentas" que elevem o seu próprio padrão de desempenho!"

Ultrapasssados

"Afinal, Jorge Jesus não se julga dono da verdade e é capaz de aprender. Apesar de, nos seis anos que passou no Benfica, não ter tido a capacidade de perceber o contexto em que estava inserido, insistindo em desprezar as orientações estratégicas do clube consubstanciadas no desejo de aproveitamento do trabalho desenvolvido no Seixal, hoje, 17 meses volvidos da sua chegada a Alvalade, demonstra claramente que entende os traços identitários do clube que o contratou. Sabemo-lo porque, numa entrevista ao jornal espanhol Marca, respondendo a uma questão sobre a importância dos jogadores do Sporting na selecção nacional, afirmou, num 'portunhol' ridículo, que Fernando Santos, no Europeu, 'tirou o melhor de cada um dos jogadores do Sporting, porque do Benfica nem um'. Ou seja, perfeitamente identificado com os valores leoninos, reclamou, para o seu clube, dois títulos vãos - a relevância de atletas sportinguistas num título da selecção e, sem que lhe tenham perguntado, a irrelevância de atletas benfiquistas para o mesmo. À Sporting, portanto, esqueceu-se de referir um dos artífices da conquista portuguesa, André Gomes, por si menosprezado e, por isso, desterrado em Valência. Também Eliseu, titular em duas partidas em França. Renato Sanches, tão-só o autor do golo de Portugal nos quartos-de-final frente à Polónia e considerado o melhor jogador jovem do torneio.
E por falar em desonestidade intelectual, ou talvez senilidade, o protagonista do 'apito dourado' reclama agora por melhores arbitragens. É preciso muita lata, mesmo para um dragão sem fogo (nem sequer cuspo ou vapor), para evocar o que quer que seja neste domínio..."

João Tomaz, in O Benfica

Já para o castigo

"Quando eu era miúdo e andava na Escola Primária  hoje, Ensino Básico - quem fazia asneira ficava de castigo. Se alguém respondia mal à professora, ia para a fila da frente. Quem batia num colega, perdia o recreio. Mas isso era com a minha professora, a D. Fernanda, porque com outros educadores a coisa não era assim tão pacífica. Entre uma bofetada bem dada, uma reguada aplicada ao centímetro ou um bilhetinho para os pais, tudo era possível, independentemente de quem era o prevaricador. Fosse o melhor ou o pior aluno, o filho do médico ou do torneiro mecânico. E não havia hipótese de recurso quando se era apanhado em flagrante.
É o oposto do nosso mundo do futebol. Neste universo paralelo, há quem passe os dias a insultar e a dar indicações para outros insultarem. Há quem atice matilhas contra adeptos adversários e até quem, trinta anos de corrupção depois, chore pelos cantos por uma grande penalidade não assinalada. Há de tudo neste circo, mas só alguns são castigados e suspensos. No caso de Luís Filipe Vieira então, condenado sem provas e segundo critérios bastante dúbios.
Os dois pesos e duas medidas das autoridades que mandam no futebol português são difíceis de entender para os adeptos que não usam palas nos olhos. Isto é tudo muito simples. Se o presidente do meu clube cuspir em cima de alguém, não hesitarei em condená-lo e aguardar pelo merecido castigo. Não vou fazer fumaça para enganar a verdade. Se o presidente do meu clube insultar outro dirigente desportivo ou criticar - justa ou injustamente - um árbitro incompetente, terei de aceitar as consequências. Mas quero que isso aconteça com todos os que fizeram o mesmo. Isso não se passa agora. E é uma vergonha."

Ricardo Santos, in O Benfica

A história como ela é

"A patética ideia do presidente do Sporting de reivindicar mais uns quantos títulos para o seu clube é fantasiosa, e nem mereceria, sequer, estas linhas de texto.
A história foi o que foi. Os factos são conhecidos. Chame-se Campeonato Nacional, Liga, 1ª Liga, 1ª Divisão, Superliga, ou a marca de qualquer patrocinador passado, presente ou futuro, títulos nacionais são títulos nacionais, e contam-se desde 1934-35 - altura em que foi criada a prova que encaixa nas características daquela que, até hoje, determina o campeão nacional. O Benfica venceu 35 vezes, o FC Porto 27, o Sporting 18, o Boavista e o Belenenses uma cada. Não constam da lista Olhanense, Carcavelinhos ou Marítimo. Mas vivemos num país livre, e cada um pode dizer as baboseiras que quiser. Gritem então que têm 22, 44 ou 88… É indiferente. O que conta é a verdade. Ponto final quanto a isto.
Este revisitar da história das competições lusas levanta, porém, uma outra questão, essa sim pertinente. Não entendo o motivo de nunca terem sido agregados os Campeonatos de Portugal às Taças de Portugal, prova que, com todas as evidências, lhes sucedeu no tempo, no formato, e até no desenho do troféu. Face à relação directa com os nossos rivais ficaríamos com menos um troféu? Paciência. Factos são factos, e no próximo mês de Maio podíamos acertar a conta.
Cabe à FPF acabar de vez com este equívoco, o qual abre espaço a confusões desnecessárias, e alimenta devaneios absurdos. Mas também devemos fazer a nossa parte: chegar à final do Jamor, e, ao erguermos a Taça de 2016-17, inscrever um gordo número 29 nos adereços da festividade."

Luís Fialho, in O Benfica

Sócio

Benfiquismo (CCXCVIII)

Mago...