"Jorge Jesus, após um jogo de preparação, de dedo em riste, deu um ralhete a um futebolista seu, Ola John. Foi o escândalo, o horror e a indignação! O país desportivo acordou em choque. Os três molhos de folhas tintadas a que chamam jornais desportivos fizeram do acto capa. Os comentadores teorizaram sobre o treinador carrasco e sobre o jogador vítima. Segundo me pareceu, nunca os jornalistas portugueses tinham visto um treinador a dar um ralhete, em público, a um jogador. Nunca. E o acto chocou-os. E o acto indignou-os. E o acto permitiu-lhes tecer comentários sobre o valor do treinador como homem. No dia seguinte, perguntaram à pobre vítima o que achava do vil verdugo. A pobre vítima, para espanto dos inquiridores, não se achava vítima de coisa alguma. Achava normal e nada de especial que o seu treinador o tivesse corrigido com mais veemência.
Em seguida, apurou-se a forma de acertar no alvo: não era o ralhete que se questionava, era o facto de ter sido em público e não no recato do balneário. Garanto que, perante o alarido causado, se fosse agora, o treinador do nosso Benfica certamente teria feito os reparos longe dos olhares sensíveis dos jornalistas sensíveis. Mas, possivelmente, o treinador em causa terá visto anteriores ralhetes públicos que foram encarados como normais pela chusma que agora se indigna. A título de exemplo, a dita chusma não se indignou quando, no dia 7 de Abril, durante um jogo entre o clube do sr. Salvador e o clube do sr. Costa, o treinador Vítor Pereira, aos 25 minutos de jogo e com o resultado empatado, deu um ralhete, de dedo em riste e aparentemente com ameaças, ao árbitro Olegário Benquerença. Também foi em público, foi transmitido pela televisão em sinal aberto para todo o país e, pelos vistos, também foi um treinador a corrigir alguém do seu clube. Não fez capa de nenhum jornal e a chusma achou normal..."
Pedro F. Ferreira, in O Benfica