"Se a hesitação de Vieira é temer que Jesus vá para o Porto, então deixá-lo ir. A base de sustenção do próximo contracto tornar-se-ia fraquíssima e quase infame
TODA a arte nasce do sofrimento, ensinaram-me os melhores professores. O Benfica é uma obra de arte. E como acontece a qualquer obra de arte, também no Benfica há uma injustiça que o percorre.
Foi isso o melhor que consegui, confesso, e só 25 horas passadas sobre o desfecho da final da Taça de Portugal. Não deu para mais.
Ainda tentei de outro modo, enfim, mais genérico:
O Benfica é como a vida. A vida, por vezes...
Mas logo desisti. Sò ia piorar enveredando por um caminho retórico minado de alçapões.
MUITO sozinho se deve ter sentido Luís Filipe Vieira na tribuna do Jamor quando tudo acabou. Gabo-lhe, no entanto, o fair-play. Deve ter sido o único elemento da comitiva oficial benfiquista que não debandou antes do adversário erguer a taça.
A solidão de um presidente no momento da desgraça nem sequer é uma originalidade. Mas esta não-originalidade era perfeitamente escusada. Vieira tinha 6 milhões de almas com quem desabafar. E que o queriam ouvir. Precisavam de o ouvir, na verdade.
QUARTA-FEIRA, 16h27. À hora em que escrevo, a decisão sobre a continuidade de Jorge Jesus no Benfica prossegue por todo o país e em todas as cátedras. Já lá vão três dias depois da final da Taça. Diz-nos a imprensa que Jesus quer ficar e que Vieira hesita.
Se a hesitação de Vieira é temer que Jesus vá para o Porto se não ficar no Benfica, então deixá-lo ir. Porquê? Porque, assim sendo, terna-se fraquíssima e quase infame a base de sustentação do próximo contracto. E nem Jesus nem Vieira merecem uma anormalidade destas. Nem nós.
A temporada do Benfica acabou como começou, mal.
Começou mal em Dusseldorf com Luisão à peitada num árbitro perante a boa disposição geral da comitiva e acabou no Jamor, com Cardozo a crescer de dedo apontado para Jorge Jesus perante a má disposição geral. No fundo, foi apenas isso que mudou, a disposição.
Porque de resto, quer no principio quer no fim da época, o mesmo básico esteve sempre lá. Ou, provavelmente, nunca lá esteve.
Porque o básico, sendo o patamar mais fácil de atingir por qualquer organização, não existiu em Dusseldorf por cobro à galhofa nem existiu no Jamor, por exemplo, conduzir a equipa ao comportamento devido no momento da sagração dos adversários vencedores.
Os mais piegas dizem-me que enfermo de masoquismo. E que a equipa, pelo que jogou o ano todo, não merecia ser sujeita a uma derradeira provação. Não concordo. Na minha opinião, é preciso acabar com a pieguice no Benfica.
MUITOS parabéns ao bravo Vitória Sport Clube, digníssimo vencedor da Taça de Portugal.
DEPREENDE-SE que a origem do confronto final Cardozo-Jesus foi Melgarejo. Cardozo não terá gostado de ver o seu companheiro de fora do onze titular no Jamor e, no fim do jogo, acusou o treinador de ser o culpado pela derrota.
Mais uma vez, o problema do defesa-esquerdo a assombrar uma temporada na Luz. Entre o defesa-esquerdo adaptado André Almeida e o defesa-esquerdo-igualmente-adaptado Melgarejo, o treinador do Benfica optou pelo português que, em abono da verdade, não esteve particularmente feliz. Se acontece aos de raiz quanto mais não haveria de acontecer aos adaptados...
COM a legítima euforia de um ressuscitado, o presidente do FC Porto foi à RTP meter nojo assim que se apanhou campeão. Nada de espantar, maio foi-lhe milagroso até ao tutano. No espaço de vinte dias, entre 6 e 26, o Benfica perdeu o campeonato, a Liga Europa e, finalmente, a Taça de Portugal.
E, note-se bem, quando Pinto da Costa foi à RTP, ainda o Benfica não tinha conseguido perder a final do Jamor para o Vitória de Guimarães, no dia 26 deste mês do cargo. Faltava esse berloque final.
Mas, afinal, ressuscitado, porquê? O termo, ainda que em sentido figurado, poderá parecer excessivo mas, em boa verdade, o presidente do FC Porto estava morto para o objecto principal da sua actividade - o campeonato - até Paulo Baptista ter apitado para o fim do Benfica-Estoril, no dia 6 do mês que amanhã termina. O presidente do FC Porto entrou em processo de reanimação nesse preciso momento.
No dia 11 à noite no Dragão sofreu pioras profundas, quase letais, à vista de toda a gente. Foi salvo por uma questão de segundos. Um comentador da estação colombiana de televisão que transmitiu o Porto-Benfica da penúltima jornada da Liga portuguesa descreveria o ambiente no estádio nos minutos finais do jogo como o de «um cemitério». Era, de facto, a ideia que dava e muito compreensivelmente. Até Kelvin entrar em acção.
O presidente do FC Porto esteve, portanto, por duas vezes KO, das duas vezes ressuscitou e, agora, exprime-se com alegria de um ressuscitado. Não é legítimo que se sinta extraordinariamente feliz?
TUDO indica que a próxima temporada internacional arranca com menu de luxo, um frente-a-frente José Mourinho-Pep Guardiola. Em Agosto, a final da Supertaça europeia vai convocar para uma grande jogatana no Mónaco os dois treinadores mais mediáticos do mundo e que, ainda há pouco tempo, eram rivais em Espanha ao serviço, respectivamente, do Real Madrid e do Barcelona.
E se Mourinho regressar mesmo a Londres, como garante a imprensa, são mais do que muitas as emoções já antecipáveis para o Chelsea-Bayern de Munique deste verão. Guardiola tem por missão quase impossível não estragar o Bayern que lhe foi deixado, em estado impecável, por Jupp Heynckes. Mourinho não tem uma missão substancialmente menor. É a de não estragar a reputação que soube conquistar na sua primeira e inesquecível passagem por Stamford Bridge.
A principesca discussão entre os dois treinadores de que o mundo fala começa em agosto no Mónaco. Depois, espera-se que a discussão, mais ou menos principesca, continue pelo ano fora tendo por objecto a Liga dos Campeões, o santo graal do futebol europeu. O que se pode querer mais do futebol show business?
A propósito das contas da venda de João Moutinho ao Mónaco, o mais recente dos emblemas obscenamente novos-ricos e ao serviço de quem o melhor médio português da sua geração vai agora, teme-se, desperdiçar o seu talento, registou-se um ligeiro desentendido público entre o FC Porto, clube vendedor, e o Sporting, clube directamente interessado no bom sucesso da transacção.
São negócios entre os dois rivais do Benfica e não cabe à nossa gente pôr-se com opiniões sobre isto ou sobre aquilo, valores, percentagens ou seja lá o que for.
Mas, pensando melhor, o desentendido não foi assim tão ligeiro. Não deixa de ser assinalável a resposta com que Bruno Carvalho, o jovem presidente do Sporting, calou a prosápia do ressuscitado presidente do FC Porto depois deste se ter vangloriado em público dos altos valores por que vendera uma «maça podre».
«Fruta não é connosco, mas não somos bananas», disse Bruno de Carvalho olimpicamente.
E nunca mais se falou no assunto. Julgo ser a primeira vez que um presidente do Sporting dispara com a «fruta« na direcção do suposto rival nortenho. E já passou quase uma década sobre o Apito Dourado e sobre a divulgação das escutas que desnudaram o fulgor de todo um sistema operativo.
Por questões políticas, presume-se, o Sporting colocou-se sempre deliberada e institucionalmente à margem do dito Apito Dourado, dando a ideia de que olhava para a coisa - e que coisa! - como uma ignóbil disputa a dois, Benfica e Porto, abdicando até de tecer juízos morais o imenso folclore inerente ao processo.
Não será a mais infame das especulações daqui concluir que a questão política que afastou o Sporting do desprezível Benfica-Porto do Apito Dourado dos tribuais acabou por ter o seu peso nas questões mais práticas e palpáveis. Como, por exemplo, na questão desportiva. Nos últimos anos passados sobre o último conquistado, tem-se visto o Sporting a olhar para a discussão do campeonato da mesma forma que olhou para a discussão do Apito Dourado. Ou seja, de longe. De muito longe.
E por esta razão causaram espanto as declarações de Bruno Carvalho quando, pela primeira vez no seu ainda curto mandato se viu obrigado a responder a uma ironia do presidente do FC Porto. É que um presidente do Sporting a falar de «fruta» como remoque ao destinatário é coisa que nunca se tinha ouvido na última década do futebol português."
Leonor Pinhão, in A Bola