"Paulo Barbosa, o mais antigo dos agentes de futebol ainda no activo, revisita (...) um percurso que vai dos estudos universitários em Moscovo no final dos anos 70 até à casualidade que foi tornar-se empresário. Apaixonado pela literatura, conta-nos sobre reuniões que envolviam poetas russos e jogadores bem conhecidos dos portugueses, as alegrias e as tristezas que o futebol lhe proporcionou, o que mudou dos anos 90 para cá e como a loucura do mercado de transferências actual não é assim uma loucura tão grande
Falar com Paulo Barbosa é muito mais que falar com um homem do futebol. Nascido há 60 anos, o empresário tem um percurso invulgar, que inclui quase uma década a estudar em Moscovo antes de, quase por acaso, e também graças à língua russa, se ter tornado agente de futebolistas.
Amante da literatura clássica russa (e de outras literaturas), encontramos Paulo Barbosa num jardim lisboeta um dia depois de ter regressado fascinado de Dublin. "Os irlandeses são mesmo uns tipos porreiros". Concordamos, e a partir daí a conversa não pára: vai do porquê de termos tantas afinidades com os irlandeses, até à Guerra Civil de Espanha e de como a política mudou para sempre a relação entre o Barcelona e os clubes de Madrid. Não é difícil uma pessoa perder-se na conversa, como se perdia Paulo Barbosa nas reuniões com dirigentes russos, em que antes de negociar jogadores se declamavam poemas de Brodsky. Só uma boa meia-hora depois é metemos ordem à mesa. Afinal, há uma entrevista para fazer.
Disse-me que esteve agora em Dublin, antes na Arábia Saudita e em Moscovo. Move-se agora mais por mercados estrangeiros do que cá dentro?
Eu na verdade sempre me movi mais por outros mercados, mercados de Leste, países árabes, Turquia, onde hoje, apesar de tudo, ainda se mantém alguma capacidade financeira. Os mercados sofreram bastante com a crise e isso reflecte-se nas contratações e no nível de negócios que são feitos. Portugal é um mercado interessante, mas é um mercado exportador, não comprador. Os principais clubes têm uma filosofia de clubes formadores, porque somos um país mais pequeno, periférico.
Mas já não é interessante para o Paulo trabalhar mais no futebol português?
Não se trata de não ser interessante. Quem quiser viver do mercado português tem muita dificuldade porque o mercado português não dá respostas. O mercado chinês, americano, árabe, dá outras oportunidades. A minha carteira hoje em dia está fora. Não é mais do que o reflexo da situação português. Continuo a ter alguns jogadores portugueses, mas daqueles que vêm do passado, mas actualmente trabalho como consultor em vários clubes estrangeiros. Eles perguntam-me o que há de interessante no mercado, quais os jogadores mais interessantes, tendências do mercado, que são elementos importantes para as estratégias dos clubes.
Essa tendência para ir para sítios exóticos já vem desde a juventude. Fez os seus estudos superiores em Moscovo, numa altura em que o Mundo estava dividido por um muro. Como é que se dá esta ida para a Rússia?
Fui em 1976. Quando ainda havia um Mundo dividido, em que havia dois lados e eu fui conhecer o outro lado. Fui ver como é que eles viviam, não só ver, mas também aprender, porque sempre me fascinaram as literaturas de outros países, coisas que eu não tinha acesso. Sempre tive um fascínio pela literatura russa, como tenho também pela irlandesa, por exemplo. Esta é forte, mas quem me dera a minha a mim ler o "Ulisses" do Joyce em inglês! Ler o "Em busca do tempo perdido" do Proust em francês é uma coisa, o Dostoievski em russo também é interessante. Ler na própria língua... por exemplo, Fernando Pessoa, pá, ainda agora na Irlanda encontrei amigos que gostam de Fernando Pessoa, mas leem a tradução. Há grandes tradutores, mas o ideal é ler-se na língua correspondente.
Quanto tempo demorou até conseguir ler Dostoievski em russo?
Já tinha lido em português. Mas ali a partir do meu terceiro ano, quarto ano já lia, até porque tanto ele como o Tolstoi escrevem de forma muito fluída. Aliás, a primeira edição do "Guerra e Paz", eu diria que 70% foi escrita em francês. A aristocracia russa não falava russo, falava francês. Essa tendência ainda existe hoje na Rússia, tanto na cultura como na política: temos os que são considerados os ocidentalistas e os eslavófilos. Mas repare, lia Dostoievski, mas só algumas coisas, as "Noites Brancas", "Gente Pobre", não me aventurava para leituras mais complicadas.
Mas voltando às razões que o levaram à Rússia...
Em 1976/77 nós tínhamos em Portugal o problema do ano civil, ou seja, não se podia entrar para a universidade. Na altura ofereceram-me uma bolsa e perguntaram-me se estaria interessado em estudar para lá. E obviamente disse que sim, porque tinha uma grande curiosidade. Sabia que era complicado, porque não havia portugueses lá, eu não sabia nem uma palavra em russo. Sabia também que muito pouca gente falava outras línguas. Tinha noção que ia ser um processo duro, de me integrar, de assimilar, mas como tinha esse objectivo, pá, decidir ir. Primeiro, pensei que ia lá ficar uma semana, aguentei-me para não ser uma vergonha voltar para casa tão cedo, depois disse para mim: 'bom, vamos ver se consigo ficar mais duas semanas'. À terceira semana já estava pelos cabelos, comecei a sentir a falta da luz, do Tejo, do sol. Mas lá arranjei forças, um bocado com esse mecanismo do 'se voltar para casa é uma desgraça'. Acabei por me conseguir adaptar, mas com dificuldades. O embate cultural, a alimentação, o isolamento, às saudades...
Eram mundos muito diferentes ainda?
Completamente diferentes. Mas o que é curioso é que mesmo no final dos anos 70, aquilo que eu sentia era uma grande simpatia e uma grande curiosidade em relação a um estrangeiro. Nesse aspecto os russos eram muito acolhedores, tinham muita curiosidade em saber como era Portugal, o país, as pessoas, até porque tinha havido o 25 de abril. E por outro lado também contavam a vida deles.
Quando sai da Rússia já se percebia que o fim da URSS estava próximo?
Estou lá num período interessante. As universidades sempre foram, em todo o Mundo, um centro de discussão, de liberdade, de informação. E o fim dos anos 80 são anos de grande ebulição e transformação e esse processo estava latente. Quem lá estava percebeu que com a morte do Brejnev ia começar um período novo na história. Tínhamos a ideia que ia haver uma lufada de ar fresco, porque havia uma figura nova, que era o Gorbatchov. Eu apanho aquele período entre 1987 e 1988, quando defendia a minha tese de doutoramento. Os deuses estavam comigo.
Como era Moscovo então?
Eu sempre gostei muito de São Petersburgo. Moscovo é uma cidade imperial, imponente e, tirando algumas zonas históricas, como Arbat, que mantém um certo carisma, tudo me parecia uma grande estação, porque havia sempre muita gente a entrar e a sair! São Petersburgo é uma cidade com um certo charme, com alma, extremamente cativante. Moscovo não deixa de ser uma cidade interessante, mas era uma cidade muito pesada, muito grande, em que as pessoas se sentem um grãozinho de areia. Com aquelas filas e engarrafamentos... uma pessoa está no mínimo três ou quatro horas no trânsito por dia. Eu obviamente, como estudante, andava de metro. Eu não sei como é que eles conseguem sobreviver lá. Acho que um estrangeiro só mesmo com ansiolíticos aguenta aquele trânsito. Os jogadores de futebol lá perdem imenso tempo no trânsito, a menos que andem no Metro, mas não andam, porque noblesse oblige, têm um estatuto que já não dá para isso. Têm de andar de carro, de motorista.
Há uma crise de valores na Rússia actualmente?
Claramente, um certo novorriquismo. A todos os níveis. É uma decadência em termos de valores culturais e existenciais. Passaram por um processo extremamente complexo em termos de valores e vemos isso na cultura. Está-se numa fase muito decadente de produção intelectual. Já não se veem grandes escritores russos, ou grandes obras, o que é estranho porque a democracia, ou um certo grau de democracia, devia permitir isso.
Hoje é mais importante ter uma empresa de gás natural do que escrever o próximo grande romance russo?
Eu diria isso por outras palavras. É mais importante ter participado num processo terrível que foram as privatizações, em que meia dúzia de pessoas se apoderou dos grandes meios de produção daquele país. Um país que não sabe conservar nas suas mãos sectores que são fundamentais, é um bocado a perca da sua identidade. Mal de um país que não controla a água, a electricidade... mas nós também não podemos falar, porque a electricidade portuguesa está com os nossos amigos chineses e por aí fora.
A Rússia mudou-o?
Para mim a Rússia era um poço de curiosidade, havia um isolamento muito grande e na década de 70 quase ninguém conhecia o mundo a Leste. Eu durante esse tempo todo tive a oportunidade de viajar bastante, por todas as repúblicas, pelas repúblicas asiáticas, por repúblicas muito interessantes como a Geórgia, a Arménia. Tinha amigos de todas as repúblicas, tchetchenos, do Dagestão, azeris, era um Mundo e eu convivia com estudantes de todo o Mundo, vietnamitas, chineses, guatemaltecos, argentinos, brasileiros, do Benin, de Iemen, do Nepal, até descobri que no Nepal havia uma comunidade descendente de portugueses porque no séc. XVI andámos por lá. Descobri um nepalês que era Pereira. É espantoso. Para mim, naquele tempo, era o Mundo nas mãos, a possibilidade de estar com palestinianos, estar com sírios, iraquianos, perceber como eram, com pensavam, a alimentação. Isso foi das coisas mais gratificantes e interessantes que me podiam ter acontecido, com vinte e tal anos de repente ter acesso a tanta gente, tantas nacionalidades. Convivíamos ora a ir a festas, ora a jogar futebol.
Era agregador o futebol naquela mistura de nacionalidades?
Nós todos gostávamos de jogar de futebol e ainda por cima jogar futebol no inverno era muito interessante, porque a neve é fofinha. É como jogar na areia, mas até acho que é mais agradável. Mas eu tinha um problema: os ingleses diziam que era preciso haver uma equipa europeia, composta por escoceses, irlandeses, neste caso um português, franceses... Mas eu depois também tinha os meus amigos dos PALOP que me diziam "não, não, nós temos de ter uma equipa de expressão portuguesa". E depois ainda tinha os russos que também diziam que eu tinha de jogar por eles. Bom, acabei por jogar com os PALOP. Angolanos, cabo-verdianos, muitos guineenses, São Tomé e Príncipe e tínhamos um amigo naturalizado, que era do Benim, mas que falava português. Tínhamos uma equipa interessante. E ganhávamos. Nunca mais me esqueço de um jogo contra o Congo, em que eles tinham lá uns tipos que faziam umas danças atrás da baliza na altura dos penáltis. Eu não acredito em bruxas e o que é certo é que ninguém acertou na baliza. E era engraçado que já ali se percebiam as diferentes linguagens do futebol. Uma coisa era jogar com ingleses e escoceses, com tinham a mania de jogar em profundidade, outra era jogar com os nossos amigos da lusofonia, que tinham uma forma de jogar mais parecida com a nossa, mais apoiado. Com os asiáticos uma vez tentámos, sublinho, tentámos fazer um jogo. Era uma equipa com vietnamitas, estudantes do Laos, cambojanos e um ou outro chinês. Pá, não conseguimos jogar: eles tinham uma grande vontade de jogar futebol, mas depois não se escalavam em campo da forma normal. Onde estava a bola, ia tudo atrás! Agora imagine o que é quase 22 jogadores atrás da bola, parecia um enxame... era a negação das regras do futebol.
Regressa a Portugal, vai para Coimbra fazer um doutoramento e no meio de tudo isto, como surge o Benfica?
Havia a possibilidade de continuar a estudar, tinha uma bolsa para ir para a China, para estudar a presença dos jesuítas no continente asiático, mais propriamente na China - os jesuítas foram os primeiros europeus a chegar à Ásia - e o objectivo era fazer o levantamento documental de tudo aquilo que existia nas várias bibliotecas. Já tinha tudo preparado, tinha a bolsa e à última da hora... Eu tinha a noção que se ficasse mais cinco ou seis anos fora de Portugal ia haver um desenraizamento muito grande da minha parte, porque já tinha ficado quase nove anos fora. Um bocado por obra e graça dos deuses, apareceu a possibilidade de ensinar português a um russo que tinha vindo para o Benfica: o Iuran. Era uma coisa fácil, só tinha de ensinar o léxico do futebol, do "passa", "joga", "olha atrás". E logo a seguir já estava a tratar da transferência do Mostovoi. E é aí que eu começo a representar jogadores. E foi a minha salvação.
Salvação?
Porque não fui para a China e não passei mais seis anos fora de Portugal. No fundo eu queria ir, tinha a noção que era um projecto muito interessante, que ainda não está feito e que alguém um dia terá de fazer, porque há um espólio muito grande sobre os primeiros jesuítas que foram para lá evangelizar. Mas quinze, vinte anos fora de um país tem um peso muito grande na nossa maneira de ser. E nesse aspecto o futebol foi a minha salvação, pelo menos evitou que me tornasse um estrangeirado.
No Benfica sabiam portanto que o Paulo falava russo.
Foi o Gaspar Ramos. Ele soube através de alguém, já não sei de quem. Perguntou-me se eu não importava de intervir durante algum tempo para ensinar russo. Eu disse que sim e foi assim que durante algum tempo acompanhei o Benfica.
A vida de agente segue então por acaso?
Perfeitamente por acaso. No princípio dos anos 90 não existiam empresários no sentido clássico do termo. Mais tarde, os agentes desportivos são obrigados a ser legalizados. O primeiro terá sido o Manuel Barbosa, a seguir o José Veiga e depois eu. Em actividade, neste momento devo ser o mais antigo.
A chegada do Iuran e do Kulkov a Portugal deve ter sido um bocadinho como a ida do Paulo para a Rússia: nós também não estávamos habituados.
Claro. Aliás, a primeira geração de jogadores russos que vem para o ocidente teve algumas dificuldades de adaptação, porque nos anos 80 e 90, os jogadores na Rússia passavam grande parte da sua vida em estágio. Durante a semana tinham dois ou três dias para sair do estágio. E o drama, por assim dizer, existencial dos jogadores que vinham para o ocidente era como fazer a transição de um regime de integração e de vida num centro de estágio, para um país europeu onde tinham todo o tempo livre. E essa transição em alguns casos não foi fácil.
Isso fazia deles menos disciplinados?
Não diria isso. Os jogadores têm quase todos as mesmas características: querem viver a vida porque são jovens. Qual é o jogador que não quer viver a vida e não quer ir dançar, estar com os amigos e beber uns copos? O problema é que quando são profissionais têm de saber gerir isso de uma forma compatível com os treinos.
O Iuran e o Kulkov tinham fama de boémios. Era mesmo assim?
Eles não fariam nem mais, nem menos que os outros. Fariam as mesmas coisas, só que como eram russos chamavam mais a atenção porque o foco de visibilidade estava neles. Quando estamos juntos costumo brincar com eles e digo-lhes que Lisboa nunca mais voltou a ser a mesma desde que eles foram embora, Lisboa à noite é muito mais triste. É uma blague, no fundo para dizer que todos os jogadores gostam de se divertir e toda a gente sabe disso. Mas sendo estrangeiros... quer dizer, passou-se o mesmo com os estrangeiros numa fase inicial quando foram para a Rússia, chamavam a atenção, enquanto um russo não dá nas vistas. Há histórias do Iuran e do Kulkov porque todos os jogadores têm histórias, umas são conhecidas, outras não. E há histórias divertidas. Agora acredito que as histórias que eram divertidas pela eles nem sempre eram divertidas para os treinadores porque achavam que eles a essas horas já deviam era estar a dormir.
E pode saber-se algumas dessas histórias divertidas?
Há muitas histórias, umas que se podem contar, outras não. Havia algumas histórias deles de convívio com os outros jogadores do plantel que tinham piada. Que tinham a ver com a forma como se devia aprender a beber vodka, qual o tipo de acompanhamento para a vodka - os russos têm um ritual para isso. E eles uma o outra vez tentaram fazer isso com os jogadores do Benfica esse ritual, mas aquilo acabou mal porque os que aceitaram depois tinham de sair em ombros e entrar para a camioneta do Benfica acompanhados de braços, porque já nem sequer se lembravam o que tinha acontecido. Aceitavam o desafio, mas era demolidor. O Eriksson é que não achou muita piada.
A partir do Mostovoi, Iuran e Kulkov a sua carteira de jogadores abre muito.
Sim, porque na altura, por ter tido esta relação com o Benfica, passei a representar muitos jogadores do clube. Na altura não havia empresários e todos eles me pediam para negociar contratos, para intervir - obviamente nessa altura já não trabalhava no Benfica. Numa primeira fase fiz muitas renovações de jogadores do Benfica que queriam melhorar as condições e pediam os meus serviços. E aí acabaram os jesuítas.
Aprendeu a gostar de ser agente?
Era uma área que me era desconhecida, mas não deixava de ser interessante. Primeiro, porque eu gostava de futebol, mais de jogar até do que de ver. E para quem passou tantos anos com uma vida completamente diferente, estritamente académica, obviamente que o futebol era uma área de liberdade. Tinha curiosidade em saber o que era o mundo do futebol, os clubes, os dirigentes, como é que os treinadores pensavam.
De todos os presidentes com quem negociou, qual foi o que lhe deu mais trabalho?
O Vale e Azevedo. Porque era um homem extremamente inteligente, extremamente culto, que sabia o que queria. Fizemos muitos negócios e muitos acordos, mas não era propriamente um presidente fácil. Nesse aspecto há outro presidente que... não é que se trate de ser fácil, mas que é um presidente que sabe quais são os limites e é extremamente afável na maneira como fazia os negócios que é o Pinto da Costa. O Luís Filipe Vieira também, embora seja outro tipo de presidente, mais meticuloso, mais exigente. Mas o mais difícil era mesmo o Vale e Azevedo.
Dê-me um exemplo de uma negociação complicada com o Vale e Azevedo.
O Cadete. Ele estava em Espanha e houve momentos de avanços e recuos, porque primeiro ele queria, depois não queria. Depois havia interferências do treinador, porque o Souness não queria o Cadete. Mas foi uma negociação de avanços e recuos, depois fomos a Espanha, num avião que ele tinha fretado. Chegamos a acordo e depois ainda há ali um compasso de espera... digamos que não foi um processo linear.
Quando diz que o Pinto da Costa é o presidente mais afável para negociar é porque de alguma forma ele ainda representa a velha guarda do dirigismo?
O presidente do FC Porto é um homem de uma determinada geração em que a palavra e o apertar de mão vale mais que tudo o resto. Depois é uma figura muito interessante porque é um homem culto, é um homem com grande sentido de humor, com quem se pode falar sobre tudo. E esse traço de um grande humor, que não corresponde muitas vezes à imagem que ele tem, é muito portuense, no melhor sentido da palavra. Das coisas que mais marcaram a nossa relação foi precisamente essa honra, de rectidão. Aconteceu muitas vezes já não sabermos onde estavam os documentos e ele funcionar só pela memória, só por aquilo que tínhamos acordado. Não vou dizer que é à antiga, mas digamos que não é por acaso que ele está há todos estes anos à frente da presidência do FC Porto. É um património, independentemente das paixões clubísticas, porque eu acho que qualquer clube quereria ter um presidente à Pinto da Costa, no sentido em que é uma pessoa um bocadinho mais abrangente e que vive o clube a 100%. Foi o primeiro presidente profissional, no sentido em que para além do clube não tinha outros interesses, vivia só do clube. Metaforicamente falando, está casado com o clube e isso distingue-o de todos os dirigentes que conheci em todo o Mundo. Não só pelo que fez no clube, mas também pela região do Norte.
É com ele que leva jogadores como o Iuran, o Kulkov e mais tarde o Izmailov de rivais directos para o FC Porto.
Nesses casos por acaso a questão foi um bocadinho outra. No caso do Iuran e do Kulkov, nem sei se terá passado pelo Pinto da Costa, acho que foi mais pelo Bobby Robson. O Robson tinha uma relação muito forte com o Cherbakov e, quando se deu o acidente do Cherbakov, o Robson continuou a vir a Lisboa para visitá-lo ao hospital e acompanhar a evolução dele. Foi aí que ele conheceu o Iuran e o Kulkov. Houve muitas teorias da conspiração que se inventaram na altura, mas foi ali no hospital que ele os conheceu. Mais tarde ele manifestou o interesse em os contratar, até porque eles iam ser jogadores livres, não houve conspiração nenhuma. No caso do Izmailov foi bem mais simples. O Sporting estava a passar um período complicado em termos financeiros e o Godinho Lopes pediu-me para encontrar uma solução porque financeiramente o Sporting podia entrar em ruptura e não conseguir pagar-lhe o salário. E eu disse: 'Presidente, só há duas soluções. Como ele e a família estão em Portugal, ou é jogar pelo Benfica ou pelo FC Porto'. E ele disse-me: 'Epá, no Benfica nem pensar'. Então comecei a ver um jogador que pudesse vir do FC Porto para o Sporting, encontrámos o Miguel Lopes e fez-se o negócio.
É curioso que muitos dos jogadores que representou, não só o Iuran, o Kulkov e o Izmailov, mas também o Ovchinnikov e o Jankauskas, representaram dois dos grandes em Portugal.
Acho que isso vem do relacionamento que eu sempre tive com os vários presidentes dos clubes. Sempre tive essa ideia que para ter uma boa relação com o presidente do Benfica, não tenho de dizer mal do presidente do FC Porto ou do Sporting. É um problema de mentalidade e muitas vezes os clubes criam esse mecanismo. Mas da minha parte, não. Sempre foram muito claras as minhas relações com os presidentes e se um clube não quer um jogador, se o jogador gosta do país, porque não ficar cá?
Há dois jogadores que representou e que, acredito, lhe tenham deixado uma marca muito grande pelas tragédias que lhes aconteceram. Falo do Cherbakov e do Bruno Baião.
O que aconteceu marca e magoa. No caso do Cherbakov marcou-me bastante porque além da parte mais importante, que é o homem, que de um momento para o outro fica paraplégico e fica com a vida limitada, há aquilo que ele tinha de capacidade. O próprio Bobby Robson revia-se nele, via nele aquilo que ele tinha sido enquanto jogador. O Baião é outra história extremamente triste. Foi estranho porque eu estava com ele ao telemóvel, a dar-lhe uma boa notícia, estava a dizer-lhe que o Benfica ia assinar contrato profissional com ele e ele caiu para o lado.
Foi nesse preciso momento?
Foi. Estava a dizer que tínhamos chegado a acordo com o Benfica, estava a dar-lhe os parabéns e deixo de o ouvir. Tive o pressentimento que alguma coisa tinha acontecido e depois alguém agarrou o telefone, disse-me que ele tinha caído, que se estava a sentir mal.
Ele já sabia que tinha um problema cardíaco?
Sim, sabia. Mas os médicos diziam que estava resolvido. É daquelas coisas... é triste. Ainda hoje, quando estou ao telefone com alguém e se faz ali um silêncio, vem à memória aquele telefonema ao Baião. Marcou-me muito.
Esta é quase curiosidade pessoal. Também foi empresário do Porfírio, certo?
Fui, fui.
Era uma figura, não era?
Não é uma figura, é uma grande figura! Era um jovem diferente, com uma sensibilidade diferente do Mundo, das relações e com uma coisa que o diferenciava: tinha um sentido de humor único, onde cabiam o riso, a ironia, a gargalhada, a criatividade. É um jogador que me marcou, não só pela grande qualidade como jogador, mas também pelo trajecto, pela forma como sempre se posicionou num mundo do futebol. É um bocado queirosiano, com aquela grande ironia; era mordaz, com uma grande lucidez.
Isso não acabou por prejudicar o caminho dele?
Penso que prejudicou, porque muitas vezes as pessoas não o percebiam. Ele era um peixe fora de água e utilizava todos esses elementos como forma de conseguir respirar. Ele em Espanha, no Racing Santander, fazia festas em casa e convidava os vizinhos todos para o jardim, eram quase festas de Santo António. Ia toda a gente, a equipa, o treinador, era naquela onda do "Paris é uma Festa", do Hemingway. Mas no bom sentido. Na Arábia Saudita também teve uma complicada, de lhe terem tirado o passaporte, porque ele tinha entrado em conflito com o clube. Quando os árabes entram em conflito com um jogador o que fazem é tirar-lhe o passaporte, para eles não saírem no país. Mas lá se resolveu a questão, porque ele tem um amigo advogado muito conhecido que salvou e o conseguiu tirar lá das masmorras da Arábia Saudita.
O Paulo é que escolhia os jogadores com quem trabalhava?
Durante muitos anos nunca assinei contrato com nenhum jogador, era um bocadinho à antiga portuguesa, com um aperto de mão. E mantive isso durante muitos anos até ao dia em que fui suspenso pela federação, precisamente porque não fazia contratos. Na verdade, acho que foi uma forma um bocadinho provinciana de me penalizar por outras questões. Depois passei a fazer contratos, mas eram uma mera formalidade. Na relação, a palavra para mim era o mais importante. Se há coisa que os jogadores de futebol devem aprender é a palavra e a honorabilidade dos compromissos que se assumem. E o que eu lhes mostrava era que o aperto de mão era importante, mas também que as pessoas eram livres de se irem embora quando quisessem. Mas todos os jogadores que trabalhavam comigo foram jogadores com quem eu quis trabalhar. Houve muitos jogadores que queriam trabalhar comigo mas... oiça, eu nunca tive interesse em ter muitos jogadores, sempre tive prazer de trabalhar com jogadores que eu achava interessantes de trabalhar. Nunca quis ter uma grande superfície comercial de jogadores, interessa-me a relação pessoal, o poder almoçar, estar com eles, falarmos. Tínhamos uma relação muito intensa, personalizada.
Havia uma espécie de casting antes de aceitar representar um jogador?
Não, grande parte dos jogadores com quem eu trabalhava já vinham indicados e de quem eu já tinha informações e feito o cruzamento de informações. Já sabia à partida se era, ou não interessante. Quase todos já eram amigos de outros jogadores que trabalhavam comigo.
Que jogadores seus achava que iam ser estrelas e acabaram por não render o que se esperava?
Não vou dizer que falharam, não gosto desse termo, mas diria que tive jogadores que por muitas razões não tiveram o momento, a sorte para mostrar as suas qualidades, com um treinador que os compreendesse. O Rui Baião, por exemplo, que era um jogador espantoso e não teve oportunidades. Se calhar se se tem transferido para o FC Porto teria tido, mas na altura o Varzim não o deixou sair. Com o Mourinho, penso que poderia ter tido uma carreira completamente diferente, como o próprio Maniche teve. O Maniche é um desses casos que mostra que um jogador pode não conseguir num lado e depois noutro sítio e com o treinador certo as coisas acontecem. Há mais, o Varela, por exemplo, que no Sporting não conseguiu vingar logo, mas eu tinha noção que ele num clube como o FC Porto, estável, seria um jogador de alto rendimento.
E um jogador sobre quem inicialmente teve dúvidas e que depois o surpreendeu?
Há um jogador que me marcou muito, um jogador russo, que jogava numa equipa da terceira divisão da Sibéria. Muito novo. Eu conheci-o e ele disse-me: "Porque é que achas que só vale a pena apostar num jogador da 1.ª divisão? Acredita em mim!". E eu, tudo bem. E num espaço muito curto ele vai jogar para um clube já da primeira divisão. Era um jovem muito inteligente, com uma grande sensibilidade, gostava de poesia, gostava de recitar poemas e falava comigo sobre poesia. Faz um percurso espantoso: de uma equipa da Sibéria vai para o Lokomotiv de Moscovo, daí para o Bordéus e do Bordéus para o Chelsea. Aí torna-se amigo do Abramovich, foi o primeiro jogador russo que o Abramovich levou para o Chelsea e ficou de tal forma encantado com ele que ofereceu um campo de futebol na Sibéria para os miúdos poderem jogar. Estou a falar do Aleksey Smertin. É um caso curioso, único. Não conheço muitos jogadores que leiam Brodsky. Grande parte das nossas conversas eram sobre literatura. Quando chegou a França, no espaço de três, quase semanas quase já sabia a língua, já estava a ler. E sem um caminho de quem passou por qualquer escolaridade. Ter um jogador que tenha outro tipo de interesses e sensibilidades para mim é sempre muito raro.
Não é muito normal ver um jogador a recitar poesia, de facto.
Não, não. Ele entretanto chegou a ser director desportivo de um clube grande na Rússia e nunca mais me esqueço de uma reunião com ele e com a presidente do clube, do Lokomotiv, que era uma mulher, e no início nós nem conseguíamos falar de futebol, só de literatura, poesia, ele citava poesia, depois era ela que citava... era uma coisa única. Era uma daquelas presidentes da velha guarda. Dava-lhe beijinhos, ele citava mais um bocadinho de Brodsky, depois ela dizia um poema do Iessienin e eu também, como já sabia como aquilo era, trazia comigo uns poemas do Maiakovski, para não me sentir deslocado. Era uma tertúlia e às tantas era preciso dizer: "Como é que é? Vamos lá falar um bocadinho de futebol, daquele jogador, se vem ou não". Curiosamente, numa dessas reuniões, sabe quem era o jogador que estávamos a discutir?
Hum, quem?
Imagine: o Jonas.
O Jonas, Jonas? Do Benfica?
Sim, sim, na altura metia Brodsky pelo meio! E depois do Brodsky lá dissemos: "Vamos lá ligar para o irmão do Jonas, para ver se conseguimos chegar a acordo". Isto antes de ele ir para o Valência. As hipóteses eram Valência e Lokomotiv. Foi uma cena surrealista, quase felliniana, metia poesia, eu a ligar para irmão do Jonas em português, depois a presidente a querer ouvir e a perguntar se eu percebia o que ele estava a dizer...
Cruzou-se com mais personagens deste calibre?
Sim, sim. Lembro-me de um director desportivo da Roma que tinha uma grande paixão por cinema e grande parte das nossas conversas era a falar sobre Tarkovsky, sobre o Marcello Mastroianni, sobre o Fellini. O Tarkovsky, que eu conheci, quando ele estava no exílio.
Conheceu o Tarkovsky?
Sim, ainda me encontrei duas ou três vezes com ele. Tínhamos um amigo em comum. Ele falava-me na ideia que tinha de tentar fazer um filme a partir do "Idiota", do Dostoiévski. Era uma ideia que ele tinha fixa. Também conheci o Fellini, também tínhamos amigos em comum.
Quando me diz que o futebol o salvou, acho que já estou a compreender melhor. Sem o futebol às tantas não tinha conhecido toda essa gente.
Não teria conhecido, embora alguns deles tenha conhecido antes do futebol. Mas o futebol permitiu-me viajar para vários países, embora também o tenha feito quando estava na Rússia, porque era muito barato viajar. Estive em todas as repúblicas, estive no Vietname, no Laos, no Camboja, no Afeganistão, oiça, tudo quanto era sítio. Um bocado naquela ideia trotskista, metaforicamente, da viagem permanente.
De que forma é que os clássicos russos que tanto gosta o ensinaram a compreender as pessoas do futebol?
Eu se fosse uma personagem seria o Oblomov, do Goncharov. Uma figura interessatíssima, que sonha num sofá e que fantasia num sofá tudo aquilo que gostaria de fazer e que depois muitas vezes não faz. Mas aquilo que a literatura me ajudou foi a ter outra visão do Mundo e sobretudo ajudou-me a ter a capacidade de perceber que há um lado humano profundo em tudo. Porque há sempre um homem atrás de um jogador de futebol, que é a expressão de uma determinada cultura e que isso é interessante.
A transferência do Cadete para o Benfica foi a mais complicada que teve?
Não, houve outras. E a primeira do Cadete, da Escócia para o Celta de Vigo... o Celtic tinha um presidente que era um escocês daqueles da velha escola e que não o queria deixar sair. Foi um processo doloroso, porque ele não tinha condições psicológicas para lá continuar. Era um herói, tinha sido o melhor marcado da Grã-Bretanha, não queria continuar, mas o nosso amigo escocês - que era preciso um tradutor para nós o percebermos - era uma pessoa muito intransigente. Não queria, porque não queria. Mas um dia o Cadete deu uma entrevista para a BBC em que diz uma frase lapidar: "Eu aqui na Escócia a única coisa que me faz companhia é o meu canário". Só havia duas pessoas com quem ele podia falar, o canário e o presidente, que não o queria ouvir. Depois disso, o presidente acabou por aceitar a saída dele. Foi uma risota na Escócia por causa do canário.
Com presidentes deste calibre e poesia pelo meio, uma reunião consigo deve demorar uma eternidade.
Não, as coisas comigo eram quase sempre muito fáceis, mas às vezes já nos tínhamos perdido com outras coisas. Aquilo era um bocadinho sobre futebol e depois sobre outras coisas do interesse comum. O Pinto da Costa, por exemplo, falávamos um bocadinho de futebol e depois passávamos para outros temas. Ele é um homem de leituras e de grande paixão pela poesia. Muitas vezes declamava. Sabe, um presidente que gosta de poesia, é um presidente que gosta de poesia [risos]. Não há muitos presidentes a declamar poesia.
Este novo panorama das transferências, em se dá 220 milhões por um jogador, em que um jovem de 19 anos como o João Félix já vale 120 milhões, isso preocupa-o, ou por outro lado lamenta não ser o empresário desses jogadores?
O que nós vemos hoje é que o mercado permite estas operações. São operações pontuais, num ou noutro caso são investimentos num projecto para um jogador - não se dá o valor de mercado, mas sim o do projecto, daquilo que o jogador poderá dar em três, quatro anos. O que vemos é que hoje já não há grandes barreiras em termos de valores, porque esses valores, com o marketing, os sponsors, em poucos anos são rentabilizados.
Ou seja, não o preocupa porque acredita que o futebol cria valor suficiente para suportar estas transferências tão avultadas.
Obviamente. Os valores das transmissões televisivas, por exemplo, são astronómicos e permitem isso. E é isso também que dá impulso às próprias transmissões televisivas e que faz com que haja mais pessoas envolvidas nas transmissões, mais audiências, mais aderentes. E mais capital.
Jovens como o João Félix e De Ligt são casos desse investimento num projecto?
São contratados como um projecto, sim. Embora nós já tenhamos visto no passado outros jogadores com imensa qualidade, mas que como saíram muito precocemente tiveram dificuldades em triunfar. Não é só uma questão de qualidade e também é preciso ver se o timing para o jogador sair é o correto, se ele tem maturidade para o embate entre as expectativas e o valor de mercado.
Um agente também tem um papel aí, de fazer ver ao jogador qual é o melhor timing?
Num caso de cláusula de rescisão o agente não pode fazer muito. O clube paga, não há qualquer processo negocial.
Já teve casos em que aconselhou jogadores a não aceitarem certa proposta, mesmo que fosse financeiramente muito boa?
Disse isso a vários jogadores, que eu achava que não se enquadravam com determinada realidade económica. Por exemplo, houve muitos jogadores que eu não aconselhei a ir para a Rússia porque percebia que havia valor económico mas não possibilidade de continuarem a crescer. Em termos desportivos os estímulos não eram grandes, porque quem tinha sido campeão europeu, ir para a Rússia... o que é que há a mais lá em termos desportivos?
Está a falar, imagino, de jogadores do FC Porto que foram para o Dínamo.
Sim, sim. Aquilo foi um flop, foi um fiasco. Eles tinham imensa qualidade, mas o projecto desportivo não estava à altura. Os agentes têm de ter o lado pedagógico de perceber qual é o timing, ainda que isso muitas vezes não seja fácil. Já viu o que é convencer uma família que de um momento para o outro pode ir ganhar 20 ou 30 milhões de euros em quatro ou cinco anos com "espera lá, que se calhar só daqui a uns tempos é que é bom saíres". Porque às vezes o comboio não passa duas vezes. E esse problema às vezes coloca-se com jogadores muito jovens que estão mais expostos. Nunca mais me esqueço do Manuel Fernandes, quando foi transferido para o Valência por um valor muito alto e os adeptos exigiram dele o Mundo e o outro. O problema do João Félix vai ser esse: a gestão de expectativas. Porque se o primeiro ou segundo mês não corre bem, começa-se logo a escrever que é flop e não sei quê. Veja-se o que aconteceu ao André Gomes, que é um jogador de imensa qualidade, mas que, penso eu, prematuramente foi para o Barcelona. Mesma coisa com o Nélson Semedo.
Qual é o valor de mercado um jogador como o Bruno Fernandes?
Em termos de mercado, o Bruno Fernandes é vítima de uma coisa muito simples: teve a infelicidade do Sporting não ter estado na Liga dos Campeões, que é um dos parâmetros fundamentais para a definição do valor de mercado. E depois também há a questão da participação activa na Selecção Nacional. Como ele não tem estes dois valores, o único critério é o que ele fez no campeonato português. É o melhor jogador do campeonato português, sem dúvida, mas não teve as outras duas componentes. Falando contra mim, não são os empresários que fazem os valores, o mercado tem as suas próprias regras e quem disser o resto não é intelectualmente sério.
Pegando nisso: há dias quando o De Ligt chegou pela primeira vez ao centro de treinos da Juventus, o empresário dele, o Mino Raiola, saiu do carro para saudar a multidão, como se ele próprio fosse uma estrela. Não se estão aqui a inverter certas lógicas de protagonismo?
Afinal de contas, quem é que são as estrelas? São os jogadores. Acredito que haja um certo narcisismo de alguns agentes que acham que o mais importante é a acção deles. A ideia de que é um agente que faz o mercado e o preço é um mito e uma vigarice. Que um agente possa convencer alguém a chegar a certo tipo de valores, acredito que possa acontecer, mas depois vai ser vítima da própria realidade do mercado. Quando me fala de um agente que tem esse tipo de comportamento, obviamente que é um comportamento deslocado. Não quero ser menos simpático para um colega de profissão, mas penso que não terá grande formação nem grande sentido da realidade, porque não percebe que ele não é a estrela. Esse é também o drama de alguns treinadores, que também acham que eles é que são as estrelas dos clubes e querem colocar-se em patamares superiores aos jogadores.
Como vê o papel do agente nestes dias? É diferente dos tais tempos em que bastava um aperto de mão?
Não acho que haja uma mudança substancial. Mas hoje o futebol pode mover-se por outros factores que podem condicionar os mercados. É muito mau para os clubes - e não estou só a falar de Portugal - quando se depende de um ou dois agentes. Não é saudável para o mercado. Hoje em dia, os grandes clubes trabalham com muito menos pessoas do que trabalhavam antes.
Uma das coisas modernas que também não aprecia é as limitação que os jogadores têm por parte dos clubes de prestarem declarações públicas, de dar entrevistas.
É liberdade de expressão. Como estava a dizer, os jogadores são as verdadeiras estrelas. Os jornalistas deviam falar livremente com os jogadores e os jogadores deveriam ter toda a liberdade para falar. Não devia um controlador ou um controleiro nos clubes que dizem quando é que os jogadores podem ou não falar, o que podem ou não dizer. A partir do momento em que os actores não podem falar do espectáculo, perde-se o mais importante. Qual é o interesse de ir para uma conferência de imprensa e o jogador já está formatado para dizer isto ou aquilo, ou quando um jogador não pode livremente dar uma entrevista. Desde logo, é inconstitucional, porque é contra a liberdade de expressão. O que é que é mais importante: saber o que é que um dirigente pensa sobre árbitros ou aquilo que os jogadores pensam? Não compreendo esta opacidade. E isso nas selecções também acontece, os jogadores também não podem dar entrevistas, porque há um controleiro a dizer o que se pode ou não falar e com quem pode ou não falar. Uns tem direitos a exclusivos e outros não têm.
Vai ser agente até à reforma?
Não, o futebol é um ciclo que está a terminar. Quero fazer outras coisas, que não tive tempo para fazer. Quero ter mais tempo para escrever, para ler, para ver mais cinema e viajar. Encontrar outras gastronomias e os meus amigos que andam perdidos pelo Mundo. Mas, como dizia um amigo meu, o sonho não é partir, é voltar para casa."