"“Eu fiz 40 anos ontem e aspiro a cuidar do meu corpo, beber toneladas de água e alongar.” A autoria da frase poderia estar na boca de um qualquer atleta a ruminar o seu próprio ocaso, minucioso no metodismo, maestro de bisturi a precisar ao milímetro a manutenção do seu corpo. Mas não, a frase é de um americano ocasional, um cidadão chamado Larry com quem o “New York Times” trocou uns dedos de conversa em Nova Orleães e perguntou-lhe acerca do tipo prestes a apanhá-lo nos quarentas, pulando atrás da história.
LeBron James nada deve ao seu legado. Monstro com trampolins calçados nos pés, o descabelado que por vezes joga com fita na testa é a única razão para este que vos escreve saber que Akron é uma cidade no estado do Ohio apesar de pouco sapiente ser em basquetebolês. Em causa está o dono de quatro anéis da NBA, igual número de prémios MVP em finais (onde chegou oito temporadas seguidas) e que se elevou ao patamar de desportista total, a uma camada da atmosfera onde as modalidades se fundem e indiferente é o que os visados praticam, porque lá moram devido à excelsitude partilhada.
Com a barba farta e impecavelmente limada à semelhança dos tonificados ombros, LeBron tem duas décadas contadas a fazer por ser falado no mesmo tom concedido a Michael Jordan, a ele endereçam-se como um dos melhores da NBA e para empurrar esta causa há um recorde já ali bem perto, ao qual já sente a fragrância: com os 27 pontos deixados contra os Pelicans, no sábado, James está a 36 de suplantar os 38.387 que Kareem Abdul-Jabbar marcou entre 1969 e 1989. Essa lenda de óculos na cara só parou de jogar aos 42 anos, imaginemos as dores naquelas articulações em tempos sem as maquinetas atuais que apressam a regeneração do corpo.
LeBron, claro, vive com um atrelado de histórias de primor concedido à sua anatomia. Há cinco anos, quando os LA Lakers gastaram um PIB de pequenas nações que livraria bairros inteiros da pobreza para terem na equipa o basquetebolista com fortuna a rondar o milhar de milhão de euros, ele abdicou de ingerir glúten, lactose e o ocasional copo de vinho durante as semanas da pré-época. James ia já nos 33 anos e vivalma lhe apontaria um mindinho se concedesse patavina a este tipo de abstinências invisíveis nos atletas profissionais, mas ele é (mais) uma caminhante prova de como a vontade de laborar pode ser incrível caso se amigue do talento.
Imaginem as descargas de dopamina e serotonina, os recetores no cérebro a piscarem freneticamente destes raros espécimes humanos enquanto praticam desporto e são abusivamente melhores do que os pares ou adversários, o fartote de bem-estar que não lhes deve afagar os ânimos durante esses minutos de levitação; mais além do achar-se, a sensação de ser o melhor, de domar o estado de ser unplayable como os americanos dizem, de não ter de pensar, jogar por instinto e tudo sair imparavelmente. Havendo vontade e beneplácito das lesões, que desportista inquilino da elite não faria de tudo para prolongar a companhia desta sensação?
Acredito que em LeBron James haja resquícios de Michael Jordan ou Kobe Bryant nos lugares e momentos onde os nossos olhos não chegam. Aquela incessante roldana de exigência nos treinos, cobrando aos outros o que cobra a si mesmo, moendo-lhes o juízo em prol do que pensa ser uma boa causa mas arreliando-os com uma pressão que para elas é apenas mais um ingrediente nos seus dias. Olhando-lhe para os números, LeBron está a registar 30.3 pontos por jogo esta época, seria a terceira melhor da sua carreira se terminasse agora e há cinco anos que não passava tanto tempo em campo.
Foi campeão com os Lakers em 2020 e desde então que uma desilusão laranja e saltitante lhes ressalta nas mãos. São os atuais 13.º classificados entre as 15 equipas da Conferência Oeste, quem versa sobre esta equipa mais ganhadora na história da NBA (16 títulos, a par com os Boston Celtics) lamenta a murchidão de Russel Westbrook e a anatomia cristalina de Anthony Davis, tipos de quem se esperava uma progressiva rendição da guarda e não um acentuar da preponderância do quase quarentão que deveriam aliviar. Também vemos LeBron James prevalecer na assim percecionada ‘velhice’ desportiva pela ausência de gente capaz de lhe dar descanso.
É engraçada de tão paradoxal a forma de etiquetarmos atletas como portadores de demasiada idade e, portanto, ultrapassados de valor. É, por isso, tão de salutar os bons ‘velhos’ que o calendário recente nos deu: Novak Djokovic raquetou o 22.º Grand Slam da carreira o mês passado, com 35 anos, e a ansiedade do ténis está agora numa possível colisão entre o sérvio e Rafael Nadal, de 36, na final de Roland Garros; ainda há dias, Kelly Slater e os seus 11 títulos mundiais disseram querer estar nos próximos Jogos Olímpicos, quando terá 52 anos; Tom Brady é dono de sete Super Bowls e só se retirou agora, com 45 verões; quem ganhou a primeira etapa do Mundial de ralis desta temporada foram os 39 anos de Sébastien Ogier; o capitão da seleção vencedora do último Mundial de futebol, eleito melhor jogador do torneio, está com 35 anos; e o futebolista com o salário mais chorudo do planeta comemorou o 38.º aniversário no domingo.
Por mais façanhas que ainda logrem, nenhum dos mencionados fará o suficiente para o arcaico preconceito com a idade seja colocado em perspetiva, caso a caso, em vez de ser aplicado que nem molde pré-fabricado em qualquer atleta quando chega a uma certa idade. Ser velho não é ser velho, é fazer-se algo há tanto tempo que merece a consideração das pessoas que talvez, porventura, só se calhar, deveriam prezar quem é seu sénior."