"Naquele tempo o futebol português viveu sem lei e nenhum dos mandantes foi devidamente julgado e condenado.
A decisão do Conselho de Justiça da FPF em devolver ao Boavista o seu lugar na I Liga tem por fundamento principal e essencial o da prescrição dos procedimentos disciplinares instaurados pela anterior Comissão Disciplinar da Liga e que remontavam ao ano de 2008. Temos, assim, que a última e julgamos que definitiva decisão, tomada cinco anos depois do anúncio da pena de descida de divisão do Boavista, não se baseia no julgamento dos factos, mas na impossibilidade temporal de os julgar.
O acórdão do Conselho de Justiça é longo e seria ridículo da nossa parte apreciá-lo, como leigos, em matéria de direito. Mas isso não nos impede, nem a nós, nem a qualquer cidadão, de julgar a justiça (neste caso desportiva) como ineficaz, inapta e incompetente, na linha, aliás, do que recentemente já tínhamos escrito, naquilo que poderia ser considerado uma indignada acusação ao sistema judicial e ao sistema da justiça desportiva, em nome de uma cidadania que não dispensamos e em nome da necessária dignidade nas competições desportivas, em especial, das competições profissionais.
Dito isto, escrito e assinado para que não restem dúvidas sobre o que verdadeiramente penso da injusta justiça portuguesa, passarei ao que considero ser o essencial da questão, visto à luz do senso comum e atendendo a que, ao menos, este não terá prazo de prescrição.
O período a que se referem os factos (época de 2003/2004) pertence a um tempo dramático para o futebol português. Admiro-me, aliás, muito sinceramente, que alguns cidadãos activos e responsáveis neste país ainda teimem, por pura cegueira clubista, em libertar-se dessa responsabilidade e procurem apagar com uma vergonhosa borracha da consciência o que toda a gente sabe que aconteceu nesse tempo desgraçado de influências, pressões, jogos de bastidores, lóbis de malfeitores, mandantes 'alcaponianos', manipuladores, que coagiram, violentaram, perseguiram e desvirtuaram a verdade desportiva e criminosamente acossaram árbitros, treinadores, jogadores, dirigentes desportivos, jornalistas.
É preciso dizer com a maior clareza que esse foi um tempo em que o futebol português viveu sem lei, onde os vilões do jogo viveram felizes e impunes. Felizmente, não para sempre. A chegada repentina e não anunciada à justiça desportiva de gente jovem e corajosa, disposta a mudar esse estado de coisas, mesmo que se admita algum espírito justiceiro, tenha sido decisiva para acabar com o estado de impunidade.
Infelizmente, no tempo em que a justiça desportiva procurou ser activa e eficaz, a justiça do país não a protegeu, nem sequer a acompanhou. Não discuto a razão legal em que desgraçadamente se sustentou a decisão de recusar todas as escutas e os eventuais erros processuais cometidos pelo Ministério Público. O que discuto é a injustiça da justiça. O que discuto, como cidadão revoltado e como analista objectivo, é a nulidade de uma justiça que não julga o que é óbvio, o que é evidente, o que é claro para qualquer cidadão com a quarta classe. E isso é dramático. Quando um crime que aconteceu em frente dos olhos de dez milhões de portugueses não é julgado por falha do sistema judicial a justiça deixa de ser apenas cega, para passar a ser cega, surda e muda.
Há que ter consciência de que o que foi considerado como a 'inadmissibilidade da utilização das escutas como meio de prova' foi a decisão mais grave e mais bloqueadora do acto de justiça. Foi a vitória do crime e dos prevaricadores. Foi a derrota das pessoas de bem, do futebol português e de Portugal, enquanto estado de direito.
Ora, entre todos os despenalizados, apenas o Boavista, talvez por ter sido eleito o bode expiatório do sistema corrupto foi condenado. Não a uma pena qualquer, mas à pena de morte. Foi essa pena que agora foi levantada. No quadro sério e verdadeiro que descrevemos, acaba por ser mais justo não condenar ninguém."
Vítor Serpa, in A Bola
PS: Não sei se é a aproximação do aniversário do Benfica, e a respectiva Gala - com comes e bebes !!! -, que fez o Serpa abrir os olhos!!! Mas já que o cidadão Serpa está tão indignado com a injustiça da justiça, e com a impunidade do 'alcapones' do futebol português, que tal o seu jornal em vez de dar guarida aos Corruptos - sendo no mínimo cúmplice por omissão... -, começar a denuncia-los abertamente?
Sim, porque apesar do Serpa falar do período das escutas do Apito Dourado, como se fosse um passado longínquo, os seus principais actores continuam todos em actividade... e os seus defensores sujos, têm todo o tempo de antena que querem, tanto no jornal como na nova televisão...!!!
E já agora tenho que elogiar a capacidade contorcionista do cidadão Serpa, que consegue estar indignado com a injustiça da justiça, e ao mesmo tempo, diariamente, edita um jornal, que analisa e valoriza, resultados desportivos, troféus conquistados, vitórias e derrotas, ignorando por completo, a influência maléfica do tal Sistema em toda esta palhaçada que se chama futebol...