"Madaleno mil. Madamileno. Sentado no seu trono de farroupilha solta pilhérias e flatos à vontadinha perante a adoração do seu séquito de lambe-botas. Ao apagar as mil velas tremeluzentes, estavam lá todos, desde o Copiador-Descarado-de-Livros-Alheios ao Banqueiro-Apatetado e ao Merceeiro-de-Tiques-Estranhos que nunca faltam a estes estúpidos salsifrés empunhando felizes as suas esferográficas sempre ao serviço de tão aberrante figurão. Depois o Madamileno faz um dos seus discursos meio ininteligíveis meio néscios, e perora contra emblema do velho regime que não existe mais. O Madamileno não tem mil anos, mas quase. É antigo como um psiché vitoriano e nunca ninguém lhe conheceu, ao tempo desse tal regime que se finou, uma palavra de afronta, um gesto de desafio, uma paródia corajosa contra aqueles que perseguiam, prendiam, torturavam.
Nunca de tal foi capaz tão desabrido personagem. Nada de nada de nada se regista no seu currículo. Foi um, como tantos outros: submisso, escondido, fingindo ignorância e distracção. Nada do que se passou de vergonhoso, de indecente, mereceu o seu interesse. Talvez as flausinas o mantivessem demasiado ocupado, quem sabe? Mas também talvez fosse apenas a visível poltroneria de que é feito. Calou, amouchou, escondeu-se. Depois veio um tempo novo e a liberdade serviu-lhe para abusar da grosseria.
Quem o ouve diria que foi um campeão da Democracia, um arauto dos direitos de cada um. É apenas farronca. O Madamileno sempre foi um manso. Só ganhou coragem quando os mercenários se postaram a seu lado, protegendo-lhe as costas, agredindo qualquer um que cometa a desfeita de o enfrentar. É um títere do regime. Do seu próprio regime..."
Afonso de Melo, in O Benfica