"Lisboa assistia ao nascimento de um novo jornal, inovador e revolucionário e, portanto, incomodativo para os tempos que corriam: em 2 de Dezembro de 1956, o Diário Ilustrado tinha o seu primeiro número nas bancas. A manchete era feita com um jogo do Benfica.
Era domingo e Dezembro. Dia 2 de Dezembro de 1956. Um novo jornal via a luz do dia em Portugal, e desculpem-me este romantismo de redactor que vai caminhando para velho, o nascimento de um jornal era algo que merecia uma satisfação profunda e especial.
Chamava-se Diário Ilustrado. O director era Carlos Branco, e, curiosamente, era propriedade da família Abel Pereira da Fonseca, mais conhecida por produzir vinho do que periódicos. A sua sede ficava no 1.º andar do n.º 137 da Rua da Misericórdia, o chefe de redacção era Miguel Urbano Rodrigues, e o núcleo principal era constituído por 20 jornalistas, gente nova na sua maioria, o objectivo era mesmo o de trazer para a imprensa portuguesa uma irreverência que nesse tempo lhe faltava, diria mais tarde Maria Antónia Palla, uma das redactoras do diário.
O Diário Ilustrado nunca escondeu ao que veio: o objectivo era conquistar leitores ao Diário de Lisboa e ao Diário Popular. Saía ao meio-dia, o que não deixava de ter o seu chiste. Pela Lisboa dessas eras, os ardinas gritavam o pregão pelas ruas anunciando o Ilustrado. Era uma forma de oferecer companhia aos seus leitores quando estes saíam dos empregos para almoçar. Foi também, um jornal do contra, como explicou José Miguel Tengarrinha, outro dos que fizeram parte do quadro: 'Rondávamos os 20 mil jornais diários, mas a PIDE rapidamente descobriu a nossa fraqueza e retinha as provas de páginas, obrigando-nos a sair quase sempre à mesma hora que os vespertinos concorrentes e tirando-nos o efeito surpresa de apresentarmos as novidades com antecipação'.
O Diário Ilustrado foi inovador e descarado: soluções gráficas inéditas e imaginativas, recurso forte às imagens de primeira página, muitas vezes ocupadas por uma só fotografia, estilo revista, suplementos temáticos, aposta nas notícias internacionais e desportivas, uma ideia progressista naquilo que se poderia considerar o progressismo na época.
Lugar ao Benfica
A esta hora já estará o meu estimado leitor a pensar em que diabo de texto se está a meter. Mas eu explico já aqui ao lado. Dia 2 de Dezembro de 1956, o Diário Ilustrado saía para as bancas pela primeira vez, e a manchete inaugural era: 'O Benfica mantém a sua supremacia!' Ora, nem mais. Para estreia, chamava-se aos berros os leitores de alma encarnada.
O tema era o campeonato nacional. A última página era ocupada com o Domingo Ilustrado, cinco imagens espectaculares de lances vistosos dos jogos entre Sporting e Barreirense, Chaves e Boavista (da II Divisão), de um remate de Coluna à baliza do Torriense, e até de um momento do embate de râguebi entre o CIF e o Sporting. Legendas curtas, facilmente absorvíveis. Páginas centrais dedicadas ao futebol do fim-de-semana e, sobretudo, à vitória do Benfica sobre o Torriense por 3-0, o que lhe permitia manter a vantagem de 3 pontos para o segundo classificado, o FC Porto.
Para um jornal novo, uma realidade batida. A força de um Benfica que se ia constituindo como a mais poderosa equipa portuguesa e não tardaria a ser, igualmente, mais vistosa do panorama europeu. 'Numerosos sócios e adeptos do Benfica acorreram ao Estádio da Luz, não apenas atraídos pela carreira brilhante do seu clube, como também esperançados em mais uma boa exibição da equipa de Otto Glória', abria-se assim a crónica. 'As opiniões que escutámos nos breves momentos que precederam o jogo era unânimes no favoritismo concedido dos encarnados. Neste ambiente, debaixo de um sol magnífico, irrompem os primeiros aplausos ao surgirem os jogadores do Torriense, ovação muito mais clamorosa quando, pouco depois, a equipa do Benfica entrou no relvado'.
Esse Benfica - Torriense não teve história por aí além: 1-0 por Cavém, resultado que se manteve até ao intervalo, 2-0 e 3-0 por José Águas, superioridade indiscutível e tão bem alicerçada no jogo colectivo dos encarnados, que não passaram sequer pelo mais ligeiro arrepio. Mas esse Benfica - Torriense ficou para história, quer se queira ou não. Porque abriu, de forma soalheira, tal e qual como a tarde vivida na Luz, a vida a um jornal novo que era, na verdade, um novo jornal em muitíssimos aspectos. Na página 7, um texto de nobreza indiscutível traçava o caminho que, infelizmente, nos dias que correm, poucos são os que têm coragem e vontade de percorrer: 'A missão da imprensa é informar verídica e esclarecidamente sobre o que acontece nos diversos sectores da vida e contribuir, assim, para que os homens possam abrir caminhos ao futuro. No coração humano, ainda que quando submetido a uma tirania quase total, há forças capazes de o fazer levantar-se em defesa da sua liberdade e da sua verdade. São essas forças que dão a certeza de que existirão sempre homens capazes de se sacrificar para que, cada dia, um novo jornal, verdadeiro e honesto, chegue às mãos dos que esperançadamente o esperam'. Nobres palavras que sublinhavam a nobreza de uma profissão, tão vilipendiada entretanto. O Diário Ilustrado passava a fazer parte da vida dos portugueses. E o Benfica alegrava a vermelho a primeira das suas primeiras páginas."
Afonso de Melo, in O Benfica