"Portugal-Argentina «a sério» só houve um - no dia 29 de Junho de 1972, para a Minicopa, com vitória portuguesa por 3-1. A exibição portuguesa foi brilhante. De tal forma que os jornais brasileiros carregaram com força nos elogios.
Como se costuma dizer, cai que nem sopa no mel, embora a combinação de sabores não me pareça feliz. Enfim, o povo é que tem a infinita sabedoria dos ditos e anexins, deixemos a coisa como está.
Portugal-Argentina. Só houve um a sério, ou meio-a-sério se quiserem, em 1972, na Copa da Independência, ou Minicopa, comemorativa dos 150 anos da independência do Brasil, uma competição e pêras organizada pela Confederação Brasileira de Desportos: vinte selecções nacionais e continentais disputariam a prova em 12 estádios. Quinze equipas - Argentina, Selecção de África, França, Selecção da América Central, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Irlanda, Venezuela, Chile, Irão, Jugoslávia e Portugal - seriam distribuídas por três grupos; outras cinco - Brasil, Uruguai, URSS, Checoslováquia e Escócia - ficariam isentas da primeira fase. Em seguida, formavam-se dois grupos de quatro equipas que decidiam o acesso à final em sistema de «poule».
Já falei aqui por mais do que uma vez da Minicopa, até porque o Benfica levou uma equipa inteira nessa selecção que era orientada por José Augusto. Toda a gente sabe que atingimos a final e, em pleno Maracanã, perdemos com o Brasil, campeão do Mundo, no último minuto, por 0-1.
Mas, hoje, o que me traz aqui é a Argentina. Vem a propósito da semana, como está bem de ver.
Apurado para a segunda fase com uma tranquilidade e uma eficácia surpreendentes, o Portugal de José Augusto encantava todos aqueles, que do lado de cá do Atlântico, seguiam atentamente as peripécias da selecção das quinas. No entanto, e como é hábito, punha-se em causa a qualidade dos adversários vencidos. E esperava-se para ver, agora que, na segunda fase, nos cabia jogar com equipas tão fortes como a da Argentina, da URSS, e do Uruguai. No Rio de Janeiro, no mesmo Maracanã onde, na véspera, o favoritíssimo Brasil empatara com a Checoslováquia (0-0) e deixara evidente a dificuldade de substituir Pelé, que abandonara de vez a «canarinha», a resposta lusitana foi extraordinária. Há quem diga que a vitória sobre os argentinos foi uma das mais brilhantes da história da selecção nacional. É bem possível! Primeiro porque derrotámos um adversário ao qual nunca tínhamos ganho - um empate e quatro derrotas; em segundo lugar, porque o nome de Argentina fazia sempre ressoar nas campainhas da memória as terríveis humilhações impostas pelo San Lorenzo de Almagro na sua lendária viagem a Portugal em 1947; por fim, porque a Argentina era, de facto, um conjunto muito forte que procurava recuperar da ausência do Mundial de 1970 (fora eliminada pelo Peru de Teófilo Cubillas) e contava em figuras como Herédia, Pastoriza, Octavio Bianchi e Brindisi.
O grande baile lusitano
Entretanto vejamos como jogaram as duas selecções nesse histórico dia 29 de Junho de 1972:
PORTUGAL - José Henrique; Artur, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Jaime Graça, Toni e Peres; Jordão, Eusébio e Dinis. Matine entraria para o lugar de Peres.
ARGENTINA - Santoro; Wolf, Vargas, Lopez e Herédia; Brindisi, Semenewicz e Pastoriza; Bianchi, Fischer e Mas (depois Marcelâmgelo).
O árbitro foi o inglês Erwin Walker.
Cuidadosamente preparada e mentalizada para a Minicopa - é fácil perceber o que significaria para os argentinos vencerem o torneio no terreno dos seus rivais brasileiros -, a Argentina foi, todavia, completamente vulgarizada pela velocidade e jogo de conjunto dos portugueses.
Portugal não se limitaria a vencer. O seu domínio foi tão intenso, a sua superioridade tão esmagadora, o nível da sua exibição tão fora do comum, que os cerca de 50.000 espectadores que se tinham deslocado ao Estádio Mário Flho entraram em delírio.
O «gambeteo» virava-se contra os seus criadores. O futebol criativo de Jaime Graça, Peres, Eusébio, Jordão e Dinis era avassalador; as arrancadas de Artur e Adolfo devastadoras; as fintas surgiam em avalanche, as situações de perigo junto à baliza de Santoro constantes. Adolfo faria o primeiro golo, aos 36 minutos; após um tabelinha com Peres, com um remate fortíssimo ao ângulo da baliza argentina; a «celeste» empataria no minuto seguinte, com um golo de Brindisi, tirando proveito de uma falha da defesa lusitana.
Mas, sobre o intervalo, Eusébio faria o seu inevitável golo. No segundo tempo, a superioridade portuguesa foi ainda mais nítida e os argentinos eram massacrados pelos «olés» e pelas gargalhadas que choviam das bancadas onde portugueses e brasileiros se uniam contra um adversário comum.
O terceiro golo, logo no reatar do encontro, foi bem o espelho aos acontecimentos: Artur sobe pela direita a entrega a Jordão; este lança-se em dribles sucessivos sobre três adversários e dá a bola para Eusébio que, de primeira, põe Dinis frente à baliza, isolado, perante o desespero de Santoro.
No jornal «O Globo», o famoso jornalista brasileira João Saldanha, que chegara a ser seleccionador nacional antes de Zagallo, escrevia: «Há muito tempo que não vejo um time jogar tão bem. Nenhumas falhas. Se caprichassem um pouquinho, eram cinco ou seis. Toni tem uma raça impressionante; Eusébio é a calma personificada; os laterais, perfeitos; Peres deu aula; Jordão fez miséria. A Argentina é um bom time, mas Portugal, ontem, não perdia para ninguém».
Também Nélson Rodrigues, o grande mestre da crónica brasileira, não perdeu a hipótese de escrever sobre o encontro no mesmíssimo «O Globo»: «Na partida, de anteontem havia um favorito, que era a Argentina. Assim, o impacto da vitória portuguesa foi muito mais firme e mais forte do que seria em condições normais. Mas, se pensarmos bem, verificaremos que não havia razão para surpresa. Portugal mostrou que as suas condições técnicas são muito melhores do que as da Argentina. Eu diria que Portugal vive o grande momento da sua história futebolística. O time luso jogava com tanta folga e com uma facilidade tão humilhante que os seus jogadores, em dado momento, deram um olé no meio. O admirável no futebol luso é a influência brasileira. Não há dúvida nem sofisma. As nossas características, Otto Glória as levou para Portugal. Já em 66 os lusos deram uma alta demonstração de desenvolvimento. Só não fez mais contra a Inglaterra porque o seu time entrou em pane psicológica. Mas se houver um novo confronto, em campo neutro e com uma arbitragem neutra, sou muito mais Portugal. Anteontem foi impressionante. Enquanto o adversário chorava a sua impotência e frustração, os portugueses construíram a sua bela vitória. Muita gente lamentava que o Brasil não tinha adversário nessa copa. É falso, mil vezes falso. Aí está, por exemplo, quadro português. Grande escrete, que melhora de 15 em 15 minutos».
Falou, está falado!"
Afonso de Melo, in O Benfica