"Em Outubro a águia voa em direcção ao Bósforo. Tantos e tantos anos depois de aí ter pousado pela primeira vez: Junho de 1962. Houve um turco que cantou igualmente as duas cidades - Dario Moreno. Viveu depressa e morreu cedo. Ficaram as canções...
Já não falta muito. Será no dia 21 de Outubro que o Benfica se desloca a Istambul para defrontar o Galatasaray, terceiro jogo da fase de grupos da Liga dos Campeões.
Nas últimas semanas trouxemos aqui episódios da vida do Astana e do Atlético de Madrid, duas equipas contra as quais o Benfica não soma jogos oficiais.
Já no que respeita o Galatasaray, a memória é curta e negra. Em 2008, para a Taça UEFA, num grupo esquisito composto por Benfica, Hertha Berlim, Galatasaray, Olympiakos e Metalist Kharkiv, uma derrota em pleno Estádio da Luz por 0-2 e um jogo mau como poucos, aliás dir-se-ia mesmo péssimo, tal como péssima foi a presença dos 'encarnados' na prova que contemplava apenas um jogo contra cada adversário.
Invencionices da UEFA que felizmente duraram pouco.
Quanto a Istambul, já lá foi o Benfica três vezes, a última das quais bem recentemente, para defrontar o Fernerbahçe na meia-final da Liga Europa.
Quanto à primeira, data de Junho de 1962, também para um jogo com o Fernerbahçe, mas este de carácter particular.
Uns anos antes, fizera furor uma canção de Nat Simon, pianista e cantor americano, com letra do irlandês Jimmy Kennedy: chamava-se «Istambul (Not Constantinople)».
Talvez a mais famosa versão dessa música tenha sido a de Dario Moreno, um artista turco que fez carreira sobretudo em França.
O mesmo Dario Moreno que cantou:
«Adieu Lisbonne
Vieille cité du Portugal
Sous ton ciel bleu sans égal
Tu apparais, royalle».
Uma figura, esse Dario Moreno!
O seu nome verdadeiro era de David Arugete, criado num orfanato para judeus de Esmirna - cidade onde o Benfica já esteve por duas vezes, ora para jogar contra o Fernerbahçe, ora para se encontrar com o Altay local - e que dominava várias línguas na perfeição. Guitarrista, pianista, voz melosa e bigodinho à Clark Gable, actor que contracenou com Yves Montand, Brigitte Bardot (à qual dedicou uma balada), Fernandel Aimée e Jean-Pierre Cassel, entre muitos outros, conhecido por ser hiper-activo, algo que terá contribuído para a sua morte prematura, aos 47 anos, no dia 1 de Dezembro de 1968, a bordo de um táxi que o transportava para o aeroporto de Istambul.
É bom que o futebol nos ligue a tudo aquilo que o rodeia.
Fazem-se viagens pelo Mundo e pelas vidas dos que o habitam.
De Lisboa a Istambul cantadas por Dario Moreno:
«Istambul, Istambul!
-C'est a Istambul ou Constantinople
Que je suis allé um jour
Pour y découvrir la grand amour
Istambul ça n'est plus Europe
-C'est a Istambul ou Constantinople
Que je l'ai trouvé um soir qui flânait
Au millieu de la foule d'Istambul».
Cidade é a mesma o adversário foi outro
Não é Europa em grande parte; é Europa num pedacinho. Para os líricos pouco importa.
O bairro de Galata, que dá nome ao Galatasaray, é dos mais bonitos e icónicos desta Istambul que já se chamou Constantinopla e Bizâncio. À sombra da torre genovesa, os estudantes da universidade de Galatasaray fundaram o clube em 1905. São assim os nomes que abundam pela maior cidade da Turquia. Galatasaray: Galata Sarayi Enderûm-u Humayûn - Escola Imperial do Palácio de Galata. E deste modo, Galatasaray é o Palácio de Galata, traduzindo à letra, se me dão licença.
Quanto ao nome Galata em si, a doutrina divide-se: uns garantem que vem da expressão genovesa «calata», que significa colina inclinada, outros afirmam que nasceu dos «galatas», pastores e fornecedores de leite da idade média.
Deixemos a matéria para os estudiosos da onomástica.
De resto, Galata também é nome de ponte, majestosa sobre o Corno de Ouro, já a quinta, herdeira dos esquissos de Leonardo da Vinci no tempo do sultão Bayezid II.
Se quanto à popularidade o Galatasaray é o maior clube da Turquia, também quanto a títulos (20 campeonatos e 16 taças) fica por cima.
Mas foram os vizinhos do bairro de Kadikoy, os primeiros turcos a receberam o Benfica.
No dia 8 de Junho de 1962, o campeão europeu defrontava o Fernerbahçe, o campeão turco dessa época.
Istambul era palco de honra para o grande Benfica.
E a vitória foi firme: 3-1.
«A impressão deixada pelo Benfica foi ilustrada pelo comportamento do próprio público turco: ao terminar o encontro, apesar de se tratar de um dos públicos mais 'caseiros' de todo o mundo, os espectadores sublinharam a saída dos jogadores portugueses com prolongados aplausos», registava a imprensa.
Mais de 20 mil pessoas rodeavam o campo.
Germano era imperial na defesa, digno de Costantino, o Grande, da Nova Roma. José Augusto, Cavém e Coluna dominavam o meio-campo. Águas, Eusébio e Simões massacravam a defesa contrária.
Numa fase brilhante do futebol encarnado, dois golos: por Coluna aos 38 minutos e por Eusébio aos 40.
A resistência turca desfez-se e o Benfica limitou-se a controlar a segunda parte. José Águas ainda fez o 3-0 (59 minutos), e Sefter reduziu no último minuto.
As águias de Lisboa tinham aterrado pela primeira vez no lugar ao qual os gregos chamavam «Istambulin», «A Cidade».
Regressam agora, no novo século, para enfrentarem outros desafios..."
Afonso de Melo, in O Benfica