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domingo, 28 de junho de 2020

“Porque saí do Benfica? O Toni disse que o Kulkov não jogava mais, mas pô-lo no meu lugar. Desorientei-me, dei uma pancada no adversário”

"Do início da carreira até à saída do Benfica, António Pacheco revela alguns pormenores da sua vida pessoal e profissional nesta primeira parte da entrevista. Entre muitas histórias, conta porque fugiu de casa uma noite, aos 11 anos; o que o levou ao Benfica sendo simpatizante dos "leões"; fala das idas à discoteca para ouvir rock e relata o dia em que Eriksson gravou um treino seu para lhe dizer que tinha de trabalhar mais e falar menos. E ainda explica as razões da mudança da saída da Luz para o rival da Segunda Circular

Nasceu em Portimão. Apresente a família.
Sou daqueles que nasceu em casa. Vivíamos numa casa de família com bastantes pessoas, chegámos a ser 11. Havia o meu avô e a minha avó maternos, dois filhos, o meu tio e a minha mãe, casados e com dois filhos cada um. Volta e meia tínhamos lá também a matriarca da família, a minha bisavó que como tinha cinco filhos fazia temporadas nas casas de cada um. Daí chegar a 11 às vezes. Felizmente a casa era relativamente grande, embora ocupada na sua plenitude aquilo era...deve imaginar [risos].

Mas eram tempos felizes esses?
Era isso que ia salientar. Saia toda a gente para ir trabalhar, ficavam só os mais pequeninos, neste caso eu, a minha irmã, mais velha cinco anos e meio, e os primos. Era só brincadeira.

Os seus pais o que é que faziam profissionalmente?
O meu pai era motorista marítimo, trabalhava na casa da máquina de uma traineira. Foi pescador a vida toda. Quando eu era pequenino, a minha mãe começou a trabalhar num hotel e fazia os quartos. 

Havia alguém na família ligado ao futebol?
Em tempos o meu avô paterno foi guarda-redes, ainda jogou no Portimonense e nos clubes aqui de Portimão e arredores. O meu gosto pelo futebol desenvolve-se muito, porque o meu avô materno, com quem vivi, tinha uma grande paixão pelo futebol. Daí até eu ficar conhecido por Pacheco. Eu sou António Manuel Pacheco. Este meu avô é que era o velho Pacheco.

O futebol começa na rua?
Sim. Tive a felicidade de ter um espaço enorme na rua onde cresci e nós, miúdos, fomos fazendo daquilo um campo de futebol.

Quem eram os seus ídolos?
O meu pai era do Sporting e este meu avô era do Benfica, embora primeiro estivesse o clube da terra, o Portimonense. Os meus ídolos… O futebol naquela altura era uma coisa muito rara de se ver e praticamente nem resumos havia. Havia dois jogos por ano, a final da Taça de Portugal e a final da Taça de Inglaterra. Eram os dois únicos jogos que se viam em directo na televisão. Em relação aos ídolos, cresci a ouvir falar no Eusébio, apesar de não o ver jogar, mas havia outros jogadores que vi jogar algumas vezes e inclusivamente cheguei a ser colega de alguns, como o Bento, o Damas… Eu quando era pequenino puxava pelo Sporting, por causa do meu pai. Havia dois jogadores, o Jordão e o Chalana, mas aquele de quem mais gostava era do Jordão numa fase mais adolescente.

Estava a contar que começou a dar os primeiros chutos num campo ao pé de casa.
Sim. E tive a sorte de o dono desse terreno, o Sr. Dias, ser amigo da minha família, e como eu passava tantas horas a jogar sozinho ou com alguém que estivesse disponível, o senhor começou a ganhar alguma admiração por mim, pelo facto de eu ser tão persistente, de passar ali tantas horas. As horas nunca chegavam, aquilo acaba sempre comigo a correr a frente da minha mãe ou da minha avó, para ir para casa [risos]. Como a minha rua ficava a caminho do aviário do qual o Sr. Dias também era dono, ele às vezes parava lá o carro e ficava a ver-me jogar. Anos mais tarde fiquei a saber que ele só vendeu esse terreno, que hoje é uma bomba de gasolina, numa fase adiantada da sua vida. Nunca o vendeu antes, porque gostava de dizer às pessoas “aqui jogou fulano tal”, já eu jogava no Benfica e na selecção.

E da escola, gostava?
Eu era um excelente aluno, na primária era, senão o melhor, um dos melhores alunos da minha classe. No ciclo já foi diferente, estreei uma escola que tinha um campo de futebol, todo bonitinho, com linhas, com redes que eu nunca tinha visto e por isso tornei-me um baldas.

Quando é que começa a jogar futebol mais a sério?
Perto de mim havia um rapaz muito apaixonado pelo futebol que fazia uma equipa para nós podermos disputar jogos contra as outras aldeias, as outras ruas, os outros bairros, e comecei aí a iniciar a minha competição. Aos 10 anos jogava nos Escutas de Portimão para também poder participar em torneios. A partir dessa altura havia os treinos de captação dos clubes. E eu, na altura, fui a um treino à experiência ao Portimonense, num terreno baldio que havia na Praia da Rocha. Fui treinar com muita gente mais velha do que eu e fiquei apurado, mas como não tinha idade ainda tive de ficar mais um ano à espera. Continuei a jogar nos Escutas e também no Liceu, em Portimão. Um dia, houve uma chatice em casa, porque o meu pai era uma pessoa muito rígida com os horários das refeições... Ele saía, passava as noites fora e quando chegava não gostava de almoçar sozinho e então quando ele determinasse uma hora... Então, eu chegava sempre atrasado à hora do almoço e um dia decidiu castigar-me e disse-me: “Já não vais jogar para o Portimonense como castigo por chegares sempre atrasado”. Eu levei aquilo a mal, muito a mal mesmo. Na minha ingenuidade pensei: "não vou jogar para o Portimonense, vou para a Torralta". Era a primeira vez que a Torralta fazia treinos de captação.

E foi lá?
Antes disso tenho uma história engraçada. Eu era adepto do Sporting. E desde muito novo ia à lota de Portimão e, sempre que podia, vendia uns peixinhos nuns mercados de gado que havia perto de minha casa, para ter algum dinheiro para comprar uns bolos e beber uns sumos. Um dia estava no mercado do gado e achei dinheiro, umas notas. Já não me lembro de quanto era, mas sei que para um miúdo era uma quantia avultada. Os meus sonhos eram sempre coisas relacionadas com o futebol e pensei, tenho de ir comprar o equipamento do Sporting. Isto com uns 11 anos. Só que não era como hoje: havia poucas lojas de desporto, aliás, acho que em Portimão havia só uma. Lá fui eu a caminho da cidade - morava mesmo na extrema da cidade - e quando cheguei à loja, para grande desilusão minha, não havia equipamento do Sporting para a minha idade. E ironia do destino, pensei, mas eu não saio daqui sem um equipamento, para mim o futebol era tudo e sobrepunha-se até aos clubes. Qual era o único equipamento que havia? Saí de lá com o equipamento do Benfica, muito longe de sonhar que um dia o ia vestir a sério [risos].

Mostrou o equipamento em casa?
Não mostrei nada, escondi tudo. Em período de férias, durante o dia a minha mãe não estava e o meu pai chegava ao fim da manhã e, como pessoa do mar que era, almoçava e a seguir ao almoço dormia, porque às oito ou nove da noite tinha de ir para o mar novamente. Portanto, do ponto de vista logístico a coisa estava facilitada para mim. Passado uns dias aproveitei para vestir o meu equipamento novo e apresentei-me com mais três amigos no campo da Torralta. Fomos os três ao gabinete do coordenador do futebol, o senhor Augusto Palma. O senhor olhou para nós, eu estava no meio: “Tu e tu podem ir treinar. Tu aí no meio, não”. Fiquei cá fora, super triste, à espera que os outros terminassem o treino. Enquanto esperava, aquilo foi criando uma revolta imensa em mim. Não conseguia arranjar uma explicação lógica para ele não me deixar treinar. Às tantas, quando já não havia mais ninguém, entrei novamente, bati à porta, estava completamente desesperado, se ele não estivesse ali, acho que entrava para dentro do campo à mesma. Fui ter com ele e perguntei-lhe: "Desculpe lá, mas porque é que eu não posso treinar?" E ele respondeu-me que era por eu ser jogador do Portimonense. Havia uma grande rivalidade entre a Torralta e o Portimonense e eu como tinha ido treinar à experiência um ano antes no Portimonense, ele achou que eu era jogador do Portimonense. "É verdade, eu fui mas não fiquei apurado", menti-lhe. Ele lá me deixou ir treinar. A dada altura estamos todos sentados no campo para ele fazer a divisão e arranjar as equipas e pergunta-me: "Então e tu qual é a tua posição?"; "Extremo esquerdo"; "Ai sim? Então vais para extremo direito" [risos]. Conclusão, fiz um excelente treino, acho que a minha equipa ganhou 5-2 ou 5-3, eu fiz três golos.

E ficou logo?
O senhor Palma no fim virou-se para nós: "Tu não... Tu traz o bilhete de identidade e duas fotografias". E tínhamos de levar o formulário para casa para ser preenchido e assinado pelo pai. E aqui é que a coisa ficou muito difícil [risos]. Cheguei a casa, falei com a minha mãe e, por ela, tudo bem, ela era mais apaziguadora. Mas quando confrontei o meu pai ele disse-me que não... Naquela noite fugi de casa.

Para onde? Tinha 11 anos, certo?
Sim. Eu também só fiz aquilo porque o meu pai tinha saído para o mar, porque se ele dormisse em casa eu não me aventurava [risos]. Mas criei um tumulto, meti a família toda à minha procura durante a noite, os vizinhos também. Fiquei até às três da manhã dentro de um camião que estava numa oficina que tinha uns carros velhos à porta, a ver as pessoas todas à minha procura e eu a dar uma de forte. Depois, quando cheguei a casa a coisa foi muito difícil [risos]. A minha mãe ia-me matando, a família não dormiu a noite toda à minha procura.

Quando o seu pai chegou a casa e soube o que se tinha passado, o que lhe aconteceu?
A coisa foi contada de uma forma poética, digamos assim, relativizaram muito e passados uns dias o meu pai também entendeu que já tinha demonstrado bem o que pretendia, então lá assinou e eu fui para a Torralta. A época começou em Setembro, não pude fazer os primeiros jogos porque ainda não tinha 12 anos, só os fazia em dezembro. A partir daí é que fiquei apto para poder jogar e faço o meu primeiro ano de iniciados.

E depois?
Havia uma grande rivalidade entre a Torralta e o Portimonense, e houve um dia em que o treinador não me meteu a jogar contra o Portimonense. No dia a seguir era difícil no liceu - os que jogavam, os que não jogavam, quem ganhava, quem perdia - e eu fiquei muito chateado. E fui para o Portimonense no ano a seguir. Só que entretanto começamos a ter noção do que são condições de trabalho, já não é só a rivalidade e o gozo por jogar futebol, já começam outras coisas a ter importância. O Portimonense era um clube antagónico à Torralta, não apostava nada na formação; nós treinávamos atrás da bancada central do campo de jogos, em alcatrão, não havia condições nenhumas, foi um ano muito difícil. A Torralta sempre em alta e nós com imensas dificuldades. Acabou essa época e voltei outra vez à Torralta. Mais uma guerra, foi muito difícil, mas contei com a ajuda do senhor Daniel Granadeiro que era o treinador dos iniciados e do senhor Palma.

Quando assina o primeiro contrato?
No segundo ano de juvenil. Tinha 16, quase 17 anos. Eram quatro contos por mês.

Lembra-se do que fez a esse dinheiro?
Não sei. Foi no segundo ano de juvenil, eles davam quatro contos por mês, mas quem fosse internacional já ganhava mais. Portanto eu nesse ano passei de quatro para oito contos por mês. Normalmente eu ficava com o dinheiro para mim, mas sempre que era preciso - e a minha mãe fazia os possíveis para nunca me pedir nada - ajudava em casa.
A sua estreia como sénior ainda é na Torralta?
É. Quando faço o meu primeiro jogo como sénior, sou júnior ainda. Nessa altura já havia uma série de clubes que estavam interessados. Tive a possibilidade, ainda júnior, de ir para clubes grandes, tive a possibilidade de fazer um contrato de júnior e dois de sénior com um clube da primeira divisão, o Vitória de Setúbal, só que nessa altura o meu pai começou a refugiar-se no álcool. Anos mais tarde, viemos a saber que tinha doença de Alzheimer e morreu bastante novo com 60 anos. Como deve calcular, tornava-se difícil a situação em casa. E eu fiz uma proposta ao Torralta: "Eu fico cá se arranjarem um emprego para o meu pai". Eles arranjaram um emprego para o meu pai no campo onde eu treinava e jogava. Faço a primeira época de seniores na Torralta, o ordenado já era melhor, e lembro-me que a minha primeira grande compra foi uma aparelhagem de som, creio que custou nove contos [risos].

O que é que gostava de ouvir?
A minha banda de eleição é Pink Floyd.

Quando deixa os estudos?
Nunca tinha chumbado até ao 8.º ano. Chumbei e a minha mãe ficou escandalizada. Ainda tentei outra vez, mas eu não queria saber nada da escola, só queria era jogar futebol até que a minha mãe me disse: "Esquece lá isso, se é para fazeres essas figuras vais trabalhar". Foi isso que fiz.

Foi trabalhar para onde a fazer o quê?
Várias coisas. Aprendiz mecânico, aprendiz de pintor da construção civil.

Mas precisava de trabalhar com o dinheiro que recebia do futebol?
Nessa altura ainda não era sénior, tinha 16 anos. O meu primeiro contrato assinado a sério foi com a Soares da Costa, tinha 16 anos. Era ajudante de pedreiro. Aquilo não era fácil, e ai é que eu percebi o quanto eu gostava da escola [risos]. Quando passo para os juniores e já ganho oito ou dez contos por mês, pensei: vou voltar à escola. Agarrei-me àquilo e só não faço o 9.º ano porque já estava a treinar nos seniores e, quando começaram as aulas, fui operado à apêndice. Já não deu.

Estávamos no regresso ao Portimonense.
Sim. Depois da minha primeira época de sénior na Torralta, o Portimonense foi buscar alguns miúdos à Torralta, era o Vítor Oliveira o treinador. Eu já o conhecia e facilitou muito. Terminámos a época em 7.º ou 8.º lugar e chegámos à meia final da Taça de Portugal, onde fomos eliminados pelo Benfica. Aí já era um jogador de alguma forma conhecido, fiz um ano bastante bom.

O Benfica surge através de quem?
Eu já tinha imensos clubes interessados. Posso dizer que fui contactado pelos três grandes e pelo Boavista. E o Boavista porquê? Porque, nos meus primeiros jogos pelo Portimonense, fomos jogar no campo do Salgueiros, contra o Boavista, e ganhámos 3-2 e eu fiz as três assistências. E quer o Major quer o treinador do Boavista ficaram impressionados com o meu jogo e mais tarde quiseram ir buscar-me.

Porque é que optou pelo Benfica?
Porque para além de, na altura, ser o melhor clube em Portugal, com o andar dos anos o meu sportinguismo começou a andar de lado e comecei a olhar mais para mim. O "eu" profissional sobrepôs-se ao adepto e achei que o Benfica era o clube que me dava mais condições para eu poder aparecer. Não estou sequer a falar de condições financeiras. Era o clube que ganhava mais e eu queria ir para um clube vencedor.

E foi o clube que fez a melhor proposta?
Não, a melhor proposta foi do Boavista. Fui contactado pelo famoso senhor Peres Bandeira. Eu tinha um carinho enorme por ele, ainda hoje me emociono de cada vez que o recordo. O senhor Peres Bandeira foi um pai para mim no Benfica e na minha estada no clube. Tinha uma admiração enorme por ele.

Foi para Lisboa de comboio com quatro malas?
Hoje as pessoas ouvem falar em futebol e nos milhões, nos carros e nas casas e essas coisas todas, mas naquela altura não era assim. Posso dizer que ganhava mais em prémios de que em ordenados, porque os clubes grandes não pagavam muito. Tinham era a particularidade de ganhar mais: Benfica, Sporting, Porto ganhavam mais jogos e como havia prémios de jogo, o ordenado começa a ser melhor. Foi essas contas que eu fiz, só que para isso era preciso jogar e era um risco que tinha de correr, apesar de saber que podia não ser muito utilizado, pelo menos de início. Mas sim, quando fui para Lisboa não tenho carro próprio. Entretanto, tinha conhecido umas pessoas que praticamente foram a minha família em Lisboa. Era muito amigo do filho, o Tó Zé. Eles emprestaram-me um apartamento na Graça até me estabelecer. Até aí, eu só ia a Lisboa para jogar ou para os treinos da selecção nacional, não conhecia a cidade. Não tinha carro, fiz duas ou três malas e fui de comboio até ao Barreiro, e o Tó Zé é que me foi buscar. Lembro-me que nessa noite não dormi nada.

Porquê?
A excitação era muita. Não é todos os dias que a gente vem lá não sei de onde e fica sozinho a pensar como é que iria ser a apresentação.

Quando vai para Lisboa deixou algum coração partido no Algarve?
Nós aqui no Algarve começávamos a namorar bastante cedo [risos]. Mas não tinha nada sério. Não era fácil haver namoros sérios, porque no verão recebíamos a visita daquelas miúdas loiríssimas, estrangeiras... que eram diferentes. Não quero de maneira alguma subestimar as algarvias ou as portuguesas, não é nada disso, mas éramos miúdos de 16 anos, até a questão da barreira da língua já é qualquer coisa que nos empurrava.

Como é que foi quando chegou à Luz?
Eu tinha passado a minha adolescência toda a coleccionar cromos, a ouvir relatos, a querer ser como imensas pessoas de quem iria ser colega. Acordei bastante cedo, chamei um táxi e dei a morada. "É para o estádio da Luz, se fizer o favor". Ele olhou pelo retrovisor: "Estádio da Luz?”. "Sim, senhor". Passado pouco tempo: "Ah pois é, hoje é a apresentação do Benfica, não é?”. “É". "Você vai lá ver a apresentação?". Eu não tive coragem de dizer que não ia ver a apresentação, mas que ia apresentar-me. "Sim, sim, vou ver". E ele sempre a olhar, não sei se ficou desconfiado, não faço ideia, mas foi sempre a falar comigo relacionado com o Benfica. Quando estou a chegar ao estádio da Luz vi imensa gente na entrada. Ai meu Deus do céu. "Agora chego ali de táxi, toda gente a ver quem é e quem não é". Eu super tímido e envergonhado, não estava habituado àquelas coisas. O difícil foi tentar chegar à entrada, porque havia muita gente.

Ninguém o reconheceu?
Não, não. Para me reconhecerem era preciso sair nos jornais e na altura não se saía nos jornais com essa facilidade. A nossa fotografia não aparecia. Fui pedindo licença e estava um senhor à porta e disse-lhe: "Era para entrar, sou o Pacheco que vem do Portimonense”. "Ah você é o Pacheco?”. “Sou". "Então pode entrar". Sempre pensei que houvesse alguém na porta que nos recebia, nunca pensei que fosse o porteiro do Benfica, que obviamente não tinha de saber os jogadores todos que vinham lá de não sei onde. Entrei e a partir daí é um mundo novo que se abre.

No balneário receberam-no bem?
O senhor Peres Bandeira apresenta-me aos treinadores. O Skovdahl tinha acabado de chegar, o Toni estava sempre com ele. No balneário, lembro-me de cumprimentar toda a gente e de ir dizendo o nome. O pessoal conhecido não nos passava cartuxo nenhum [risos]. Não houve uma recepção calorosa, todos os anos apareciam jogadores novos, é mais um que vem aí. O plantel do Benfica, nesse ano, tinha mais de 30 jogadores por causa do campeonato de reservas. Aquilo era dividido entre as estrelas de um lado e os que tinham acabado de chegar, do outro.

Jogou no campeonato das reservas?
Sim, ainda fiz alguns jogos no campeonato das reservas.

E no balneário tinha lugar para si?
Havia os lugares marcados e havia também as sobras e eu fiquei com alguma das sobras de certeza absoluta. Mas não havia nomes, nem nada dessas coisas; o lugar que não fosse ocupado pelas estrelas, podia ser o nosso e o meu foi um caso desses.

Foi para pré-época com a equipa principal?
Sim, na Suíça. Eu tinha vindo do Torneio de Toulon, da selecção de Esperanças, e estava com imensos problemas de pubalgia, por isso a minha pré-época foi praticamente em recuperação a treinar com o preparador físico, o professor Manuel Jorge. Não fiz muitos treinos, ainda entrei num jogo ou outro quando estava melhor, mas não foi uma pré-época normal. Entretanto, regressámos e fizemos alguns jogos particulares. Sei que na primeira jornada do campeonato fomos à Covilhã e eu fui convocado. Ganhámos 3-0, não entrei. No segundo jogo, com o Vitória de Setúbal, já não fui convocado e aquilo deixou-me de rastos. Fui confrontar o senhor Gaspar Ramos e disse-lhe: “Eh pá, isto assim é difícil, porque eu estava no Portimonense, na primeira divisão e jogava. Se a minha vida aqui vier a ser isto, não jogar, não sei...". Na altura, não havia transferências a meio do ano, e apresentei a minha perspectiva de que se o ano fosse assim, sem oportunidades para poder mostrar-me…

Qual foi a reacção dele?
Respondeu-me: "A vida é assim mesmo, companheiro. O treinador é que faz a sua escolha, nós não podemos fazer nada. Tens de continuar a trabalhar”. O terceiro jogo era em Portimão, na minha terra, e aí joguei. Foi o meu primeiro jogo a titular pelo Benfica no campeonato. Mas não fiz um bom jogo sequer.

Estava nervoso?
Sim, era em minha casa e o estádio estava completamente cheio, muita gente conhecida e os aspectos exteriores tiveram uma grande influência no meu desempenho. Mas na 4.ª jornada também fui convocado e joguei com o Marítimo. Perdemos 1-0 e houve logo imensa contestação ao treinador. 

Que entretanto, saiu.
Sim, mais à frente. Mas houve uma grande contestação, deviam estar mais de mil pessoas fora do estádio a chamarem nomes aos jogadores, aquelas coisas. Como era um recém-chegado e até fiz um bom jogo não fui muito castigado. Este treinador tinha a particularidade de só trabalhar com 18 jogadores. Ele escolhia 18 e os outros 18 ou 16 ficavam a treinar atrás da baliza ou nos espaços que não eram utilizados pela equipa principal. O Toni acompanhava o Skovdahl e o Jesualdo Ferreira ficava com os restantes jogadores. Nessa altura, passei por uma fase difícil porque para além de serem muitos jogadores, a concorrência era bastante forte: tinha o Wando, que já lá estava há dois anos e era um belíssimo jogador; tinha um dos meus ídolos, o Chalana, que tinha vindo do Bordéus. Por isso não era fácil chegar ali, impôr-me e começar a jogar no Benfica. Lembro-me de uma história a propósito do regresso do Chalana

Conte.
Num Benfica-Salgueiros. Era a primeira convocação do Chalana depois do regresso. Deviam estar 80 mil na bancada, uma coisa absurda. O Chalana era um ídolo, um jogador com um carisma muito grande no clube e tinha uma qualidade acima da média, acima do normal. Aquele foi um jogo que me marcou imenso porque foi bastante difícil para mim, fizesse eu o que fizesse, bem ou mal, eles não queriam saber de mim para nada, o que eles queriam mesmo era ver o Chalana a jogar. Então, de cada vez que eu pegava na bola, aquilo eram uns assobios [risos]. Entretanto eu saio, mas não é o Chalana que entra. Fiquei cá fora, no cimo da escadinhas e de repente ouço um grande barulho no estádio como se fosse um golo. E tinha sido só o Chalana a jogar as mãos aos atacadores das chuteiras [risos]. Eu acho que eles nem estavam a olhar para o jogo, estavam só a olhar para o Fernando. Assim que se levanta do banco foi uma coisa impressionante, era um ruído de golos atrás de golos a entrar na baliza. Quando ele entrou, foi a loucura, aquilo dava gosto ver a admiração e o carinho, era mesmo amor que os adeptos tinham por ele.

A adaptação a Lisboa, à cidade, foi muito difícil para si?
Não, porque aquele meu amigo, o Tó Zé, estava permanentemente comigo, não me sentia sozinho. 

Começou a sair à noite?
Quando não era convocado, ia sair à noite. Tinha sorte, porque naquela altura para sair no jornal era preciso muito [risos]. Quem saía no jornal era o Diamantino, Carlos Manuel, o Shéu, Mozer, Magnusson, Bento, eram os grandes jogadores. Eu era só um miúdo que tinha acabado de chegar, Lisboa inteira não me conhecia, sem equipamento ninguém me conhecia, e então às vezes saía com o meu amigo, era um mundo novo para mim. Foi a altura também do aparecimento das primeiras discotecas.

Onde é que ia?
Como gosto de música rock, ia ao Plateau, que não era frequentado por nenhum jogador de futebol. Mais tarde, fiquei a saber que eles achavam que aquilo era um pouco pesado, era só música rock e a malta na altura gostava mais de luzes e de espelhos [risos].

Entretanto saiu o Skovdahl e ficou o Toni. Com qual deles gostou mais de trabalhar?
Com o Skovdahl eu só treinava quando ele me metia a jogar. Por isso nem sequer deu para tirar uma grande ilação sobre o trabalho dele. Nessas alturas, treinava com o prof. Jesualdo Ferreira, que já conhecia, porque tinha sido treinador de um cunhado meu, em Silves, quando eu jogava na Torralta. Ele tinha 15 ou 16 jogadores, metia o pessoal a fazer umas coisas, mas como é óbvio gostava de estar atento ao que se passava com o Skovdahl e com o Toni. Era perfeitamente normal. Para nós, se calhar, não era muito agradável, achávamos que ele não nos dispensava a atenção que nós queríamos, mas era aceitável. Depois o professor Jesualdo passa a adjunto do Toni quando o Toni pega na equipa.

Começa a jogar mais?
Aí o processo de treino já é diferente, começa a ser mais inclusivo e o Toni deu-me uma oportunidade, aproveitei-a e nunca mais deixei de jogar. É nessa fase que eu começo a dar-me com os outros jogadores da equipa, em que já ia para os estágios dos jogos. Há um jogador fundamental nesta minha fase que é o Dito. Passávamos imenso tempo juntos. Até hoje somos grandes amigos, ele está aqui em Portimão. O Dito era solteiro; os outros jogadores, o Rui Águas, o Mozer, etc., já eram casados e então comecei a sair mais com o Dito, que também tinha carro. Foi uma pessoa fundamental nesta fase da minha carreira.

Apresentou o Plateau ao Dito?
[Risos] Certamente, não tenha a menor dúvida. Fomos lá variadíssimas vezes e ainda hoje, quase 40 anos depois, se for possível ainda lá voltamos os dois. E o nosso comportamento certamente será o mesmo. Ficamos os dois num cantinho, a ouvir a musiquinha, a beber um whisky com cola e a coisa resume-se a isso.

Estava a contar que começa a jogar e a estar mais perto da equipa.
Sim, é nessa altura que começo a conquistar mais a atenção de outros colegas de renome e começo a conviver mais com eles. O Bento, que não tinha um feitio muito acessível, ajudou-me imenso; o Silvino, o Shéu, cuja principal característica era dar-nos conselhos, “miúdo, deves fazer assim, olha mais isto, olha mais aquilo”; o Veloso, o Mozer, o Diamantino… .

Essa época acaba por ficar marcada pela final da Liga dos Campeões com o PSV, em que lhe saltou a bota. O que é que aconteceu?
O que aconteceu é que, como digo em jeito de brincadeira, o motor era de Fórmula 1 e os pneus não eram os mais aconselháveis para aquele motor [risos]. Vou dar a minha versão. A relva estava boa, toda direitinha, mas o terreno estava muito duro e o treinador queria que toda a gente jogasse com pitons de alumínio para não escorregar. Só que o terreno estava tão duro que os pitons tinham dificuldade em perfurar a terra. Isto ficámos a saber depois. E lembro-me que estreámos umas meias, que tinham aquela goma de produto novo, e com a transpiração aquilo não conseguia ter aderência. As botas saltaram-me três vezes. Saltou também ao Elzo e ao Shéu. E eu queria mudar as botas ao intervalo.

E mudou?
O Toni não queria. “Não, se escorregares vens logo cá para fora, tens de jogar de alumínio como os outros”. Quando me salta a segunda eu vou ao banco e peço: "Vão lá buscar as minhas botas piton de borracha se faz favor e ponham aí. Quando me salta a terceira vez, aquilo era uma jogada que eu iria ficar isolado, tinha acabado de passar o Lerby, meti a bola na frente e para evitar que me derrubasse, dei um pequeno salto e, quando apoiei o pé no chão, saltou a bota. Ainda tentei manter-me de pé, mas escorreguei e cai. Fiquei completamente desorientado, descalcei a outra e joguei-a logo para o chão, dirigi-me ao banco e fui buscar as outras que nunca mais saltaram [risos].

Essa final fica também marcada pelo penalti falhado…
… Mas gostava de destacar esse jogo porque esse jogo acontece em maio de 1988 e é nisto que o futebol é maravilhoso: eu em maio de 1986 estava a disputar a fuga à despromoção à III divisão nacional e dois anos depois estou a disputar o jogo mais importante que existe a nível de clubes na Europa. Foram os dois anos mais eufóricos que eu tive na minha vida, foi realmente extraordinário. Não há dinheiro que possa pagar uma coisa destas.

E na segunda época é campeão pelo Benfica.
Sim. Depois, no ano a seguir, há uma mudança de alguns jogadores - saíram o Rui Águas e o Dito, os meus dois amigos, para o FCP - e há entrada de novos jogadores, como o Paneira, o César Brito, que regressa do Portimonense, tinha ido para lá na minha troca e do Augusto.

Ainda vivia em casa dos seus amigos na Graça?
Não, só nos primeiros cinco ou seis meses é que estive na Graça, depois fui viver para um excelente apartamento que o Benfica fez o favor de não me pagar [risos].

Como assim?
Não pagavam. Se eu quisesse, que arranjasse e pagasse, era assim. Mas fiz uma choradeirazinha e lá me ajudavam a pagar metade do apartamento. Vivia na Avenida Estados Unidos da América, sozinho. Entretanto comprei o meu primeiro carro no final de 88. Um Toyota Corolla GTI, essa bomba [risos]. Era pequeno, mas andava muito.

Estava a falar das mudanças na equipa.
Sim, perdi umas referências, mas ganhei outras, passei a dividir o quarto com o Diamantino que foi a referência maior nessa fase e ainda hoje temos um relacionamento excelente. Somos campeões, vamos à final da Taça de Portugal, que infelizmente perdemos com o Belenenses. Um jogo que curiosamente estive a rever agora e é incrível como é possível um árbitro permitir aquela agressividade no jogo. A táctica do Belenenses era de bater em tudo e em todos para nos desorientar. E conseguiram isso com a complacência do árbitro, por acaso um senhor por quem tinha e tenho uma grande estima, o Alder Dante. Mas só o facto de ser campeão nacional, para mim, já é um feito. Estamos a falar de um miúdo que chegou com 20 anos ao Benfica, com 21 fui à final da Taça dos Campeões Europeus, com 22 fui campeão nacional e fui à final da Taça de Portugal. Depois há ali uma altura que não percebi bem o facto de o Toni ter sido substituído pelo Eriksson.

Porquê?
Na minha maneira de ver, foi porque o Eriksson tinha feito um trabalho de referência e tinha deixado uma marca indelével no cube. O Benfica nessa altura tinha um projeto europeu bastante interessante, daí aquela final da Taça de Campeões Europeus, porque tinha jogadores com imensa qualidade. Na primeira tínhamos o Elzo, que tinha sido internacional pelo Brasil no Mundial do México; tínhamos o Mozer, que não tinha ido ao Mundial do México porque se lesionou, mas era internacional brasileiro; tínhamos o Magnusson, internacional sueco... Tínhamos o Chiquinho Carlos que, apesar de não ser internacional brasileiro, era um excelente jogador e tínhamos um sem-número de internacionais portugueses. Mas como o Eriksson tem essa particularidade de ser um treinador conhecedor, que estava na moda na altura, era uma referência e veio para Portugal. O Toni que já tinha trabalhado com ele, não viu nada demais. Creio que uma vez até o questionei sobre isso: "Então você ganha o campeonato, vamos à final da Taça e é substituído!?". Não me recordo do que é que ele disse. Mas o Toni era mais do que um treinador: era o treinador, era o conselheiro, era o director; ele, no fundo, representava o clube.

Quando vem o Eriksson a sua relação com ele foi muito peculiar, não foi?
Foi [risos]. Sempre falei directamente com as pessoas e questionava-as perante aquilo que eram as minhas dúvidas ou os meus interesses, de uma forma muito espontânea, mas sem nunca criar mau ambiente. Eu acho que eles olhavam para mim e pensavam: "lá está este puto parvo, sempre armado em esperto, sempre a chatear-me a cabeça [risos]".

O Eriksson repreendia-o muito à frente dos outros?
Sempre que eu fazia alguma coisa que justificasse, ele não tinha problemas em falar. E eu era um bocadinho refilão.

Conte lá a história em que ele o entalou com uma gravação do seu treino.
[Risos]. Isso é um episódio particular, porque eu queixava-me muito se não jogasse e houve um período em que ele não me pôs a jogar e eu fiquei fulo. E dei uma entrevista a dizer que, quando eu jogava, o Benfica jogava para a frente, e que quando eu não jogava, só jogava para trás e para o lado. Isto apareceu na primeira página do jornal "A Bola", o homem deu-me uma piçada à frente de toda a gente [risos]. "Estamos na presença de um colega que não quer saber da equipa... ". Aquelas coisas para passar a mensagem também para os outros. E, depois, arranjou forma de mostrar-me porque me punha ou não a jogar. O que ele quis dizer é que se calhar eu falava muito e trabalhava pouco - e é aqui que entra a astúcia dele. Tivemos uma sessão bidiária: a primeira era só físico, extenuante, e da parte da tarde era uma coisa mais de recriação, o tradicional meinho. E ele à tarde pediu ao professor Jorge Castelo para me filmar.

Só a si.
Sim. Depois de um treino físico, é óbvio que eu à tarde passei a peladinha toda a andar a passo, não só por falta de espaço, porque estavam 30 jogadores no meio-campo, mas até pela carga de trabalho feita de manhã. Tenho a perfeita noção de que o meu comportamento à tarde não foi diferente de nenhum outro colega meu, mas isso não era importante para a mensagem que ele me queria passar. O professor Jorge Castelo escondeu-se por baixo da bancada de madeira que havia no campo de treinos e apontou a câmara só para mim. Ora eu só corria quando tinha a bola no pé; quando não tinha andava sempre a passo. Lá gravou aquilo tudo e preparou a cassete. Um dia depois, o Eriksson chegou ao balneário e disse: "Senhor Pacheco quando puder passe no meu gabinete". Cheguei lá e ele: "Pacheco tenho aqui uma coisa que gostava que você visse. Está aqui esta cassete e o senhor vai para casa e vai ver”. "Mas isso é o quê, um filme? Está a recomendar-me um filme?”. "Não, não é um filme. Tem a ver com o futebol e gostava que o senhor visse”. "Mas eu tenho um clube de vídeo em Alfragide”. "Não, não, leve lá". Eu estava a tentar contrariá-lo para ver se ele me dizia, mas ele nunca foi directo ao assunto. Quando cheguei a casa, meti a cassete no leitor de vídeo e a cassete tinha uns 30 ou 40 minutos de filmagem e eu passava 30 ou 40 minutos a andar [risos].

Quando viu aquilo o que é que pensou?
Percebi a mensagem, mas ainda pensei: “Isto amanhã vai ser um festival dentro do balneário”.

E foi?
No dia seguinte era toda a gente a gozar comigo: "Então gostaste do filme?” [risos]. O Toni contou a dois ou três, o que é mesmo que contar ao plantel todo [riso]. Portanto aquilo no outro dia foi um festival, foi uma palhaçada.

Mudou a sua atitude no treino?
Creio que sim. Ele depois chamou-me: "Então, gostou do que viu?". E eu: "Não, não gostei do que vi, nem gostei da forma como você mandou fazer isto. Porque se você reparar neste treino toda a gente teve o mesmo comportamento do que eu”. "Mas isso não é importante. O importante aqui é você deixar os outros ver o seu comportamento". Que é como quem diz, agarre-se lá ao trabalhinho, porque se se agarrar ao trabalhinho tem mais chances, se trabalhar como deve ser joga mais, se joga mais, logo fala menos [risos].

Passou a falar menos?
Não [risos]. Quando fomos à final da Taça dos Campeões com o Milan, fui substituído, não gostei - porque nunca gostava - e fui outra vez falar com ele e ficámos um bocadinho chateados, apesar de eu gostar imenso dele. É quase aquele tipo de relação familiar: quando é preciso os pais dão nas orelhas e não deixamos de gostar dos pais por causa disso.
Na temporada seguinte esteve para sair para Guimarães ou não?
A época seguinte tem a particularidade de, durante a pré época, o Aldair sai para a Roma e, como precisávamos de um central, é chegou o William para o Benfica, de Guimarães. Ora aquilo tinha começado como acabou, o relacionamento um bocado chato, e o Vitória de Guimarães queria que eu fosse para lá porque souberam de alguma coisa, que eu não estava numa posição muito confortável no Benfica. Propuseram a troca do William por mim. Nunca pensei sair do Benfica para ir para o Vitória de Guimarães, mas tentaram explorar esta fase menos boa que eu tinha com o treinador e então isso foi-me proposto. Felizmente, eu tinha um presidente que estimava muito, o senhor Jorge de Brito, que chegou ao pé de mim e disse-me: “O meu amigo não vai, você não sai daqui. Você é do Benfica e eu não o deixo sair daqui. Vamos lá falar com eles mas vai-lhes dizer que não". Ele estava com medo que eu pudesse dizer alguma coisa fora do combinado e participou na minha reunião com o Dr. Pimenta Machado, para garantir que isso não acontecia. "Ele vai-te fazer uma proposta. Tu fazes uma com valor alto, a roçar o ridículo. Ele vai dizer que não e, pronto, tu ficas, porque eu acredito em ti e quero que fiques aqui". O presidente e o Gaspar Ramos gostavam muito de mim. Já disse várias vezes que aquela fase em que o Benfica entra em declínio passa muito pelo facto do senhor Gaspar Ramos ter saído do Benfica: ele conhecia muito bem o clube e tinha muita preponderância no equilíbrio de tudo aquilo. Mas pronto estamos a falar aqui de momentos e de situações que às vezes podem modificar a carreira e a vida de cada um.

Quando fez a proposta qual foi a reacção do Pimenta Machado?
Literalmente e passo a citar: "Tu deves pensar que isto é o Inter de Milão" [risos]. Lembro-me tão bem, tinha o senhor Jorge de Brito ao meu lado, foi no hotel Alfa, a fazer que via uns álbuns de fotografias que um admirador me tinha oferecido e ele pisava-me; eu até estava encavacado porque a mesa era de vidro e eu estava com medo que o dr. Pimenta Machado visse [risos]. Entretanto, os outros jogadores já tinham saído do hotel Alfa para ir para o treino da tarde e depois houve uma disputa com o Pimenta Machado a dizer que, como íamos todos para o estádio, me levava no carro dele - e o Jorge de Brito queria-me levar no dele [risos]. Fui com o senhor Jorge de Brito: "Pronto, a situação está resolvida, agora vamos para o estádio e vais falar com o treinador".

O que disse o Eriksson?
O Eriksson tinha me dito antes; "Você vai lá falar e depois, consoante o que for decidido, vem falar comigo". Daí eu destacar o nível e a categoria deste treinador, enquanto pessoa, pois tinha uma forma psicológica de abordar todas estas questões que faziam dele um treinador distinto de muitos outros. Se fosse um treinador português não teria nem metade da paciência, não por ser para mim, mas para os jogadores em geral. Vou ter com o mister e digo-lhe que vou ficar: "Vai ficar e fez muito bem agora vai começar a trabalhar e volta tudo ao normal”. Ele abriu mão de mim, mas como decidi ficar ele pôs um ponto final sobre aquele assunto.

Após a saída de Eriksson vem o Ivic. Que tal?
O Ivic era uma personalidade sui generis. O futebol para ele são 48 horas por dia, no mínimo. Muita táctica, muita estratégia, muito pormenor, era uma pessoa intensa, intensa ao ponto de mudar as coisas de um momento para o outro. Vamos imaginar isto: ele tinha um jogador destinado para uma determinada posição, entretanto nesse noite ele viu um vídeo qualquer do adversário e se notasse ali alguma fragilidade - e achasse que a sua opção inicial não seria a melhor-, mudava. Nós íamos dormir achando que íamos jogar e acordávamos sem saber se íamos jogar ou se ele tinha mudado. Excelente treinador, como ser humano também nada a apontar, só que era demasiado intenso. Lembro-me de ele conseguir convencer as pessoas de que era preciso estreitar o campo.

E conseguiu.
Sim, tinha que ser oficializado. A largura do campo do estádio do Benfica ficou mais reduzida, porque ele achava que uma das formas de minimizar os contra-ataques adversários era ter a sua defesa mais junta; se o campo fosse mais estreito, os jogadores inevitavelmente estariam mais perto uns dos outros. E conseguiu fazer com que a sua teoria fosse avante. A equipa do Benfica e as suas diferentes nacionalidades.

Entretanto tinham chegado os jogadores russos…
… É quando os elementos exteriores começam a ter mais preponderância, mais influência dentro do clube, os primeiros empresários.

Refere-se a quem?
O Manuel Barbosa era um deles e também o empresário dos russos. Com o Ivic isso eram peanuts, ele decidia o que queria e fazia o que queria, não perdia tempo com isso; com o Toni, pela natureza dele - e isto não é uma crítica-, não conseguia só olhar para a equipa, ele olhava para o clube também, portanto era muito mais fácil chegar ao Toni do que chegar a um outro treinador qualquer. Não é que o Toni se deixasse influenciar, mas evitava rupturas, era pessoa de consensos. Apesar de eu não concordar com algumas coisas, eu percebo perfeitamente o comportamento do Toni. Posso recriminá-lo numa situação ou noutra, mas isso não minimiza a admiração e o respeito que tenho por ele. E acaba por ser uma época muito controversa.

Os russos começam a criar mau ambiente?
Dos russos, vou tirar o Mostovoi disso. Depois começam a passar a ideia de que haviam subgrupos dentro do grupo e que havia sectores que boicotavam o trabalho dos russos, quando era perfeitamente o contrário. Nós, sim, os mais velhos tínhamos a obrigação de tentar impôr alguma coisa ali dentro, estamos a falar da questão da mística. Há tradições, há coisas no Benfica que tinham e têm de continuar a prevalecer.

O que quer dizer?
O respeito e a forma de abordar os treinos e a competição por exemplo. Coisa que eles não faziam e criavam mau ambiente. Não quero especificar, porque não quero ser deselegante. Digamos que a união e o espírito que era normal naquele clube, deixou de o ser. E com a mudança de alguns directores, os jogadores mais velhos, que sempre foram os mais apoiados e os mais protegidos por toda a gente no clube, passaram quase a ser os maus da fita naquele momento. É uma das razões que me leva depois a sair. Tem muito a ver com o que se passou.

Teve a ver só com o ambiente?
Sim, com esse ambiente, mas no meu caso também passa muito pela vinda do Futre. Não concordei. Tinha seis anos de clube, mais dois de contrato. A minha história na selecção fica alterada. Fui muitas vezes convocado e joguei muito pouco na selecção A, porque estava tapado pelo Futre, coisa que eu aceitaria tranquilamente se ele jogasse sempre na minha posição, mas raramente jogava na minha posição: jogava solto na frente ou pela direita.

Deixa de ser chamado à selecção?
Há uma determinada altura, ainda no tempo do Eriksson em que ele me chama e me diz: "Você quando sai do clube para ir para a selecção vai bom e volta sempre alterado, volta sempre estragado da selecção. Você tem de tomar uma atitude em relação a isso". E disse-me claramente: "Eu não estou aqui a perder tempo a pôr-te todo direitinho, para depois vires todo maluco e eu tenho de estar outra vez cheio de trabalho para te pôr no sitio". Foi quando abdiquei de ir à selecção. E depois de tomar esta atitude, para me concentrar no clube, o Benfica acaba por ir buscar o Futre e eu pensei: "Já não basta na selecção, agora vou ter de viver tudo isto no meu clube?". Não gostei nada e fiz ver que não queria uma situação daquelas para mim. Isto não tem rigorosamente nada a ver com o Futre enquanto pessoa. Conhece-o desde os meus 15 anos, até me considero amigo dele e sempre tive admiração por ele, é uma honra ter sido colega dele e era um excelente jogador. Aliás, jogamos diversos jogos juntos, lembro-me de dividir a frente de ataque com ele e com o João Vieira Pinto, o Rui Águas, o Yuran, jogamos vários jogos juntos. A questão é que eu tinha abdicado da selecção para me dedicar 100% ao clube.

Disse directamente que não queria ir mais à selecção?
Naquela altura quem se recusasse jogar pela selecção não podia disputar os jogos do campeonato. Mas o Toni era adjunto do Queiroz na selecção, por isso não foi difícil deixarem de chamar-me.

Também teve problemas com Carlos Queiroz, não foi? Porquê?
Eu não sei quando é que começou. Sei que esta tomada de atitudes da minha parte tem influencia certamente mais tarde, no Sporting. Mas o facto dele na selecção permanentemente me convocar e nunca me meter a jogar... isso já não sei porquê. Eu era chamado praticamente para todas as convocatórias e inevitavelmente ficava na bancada, nem para o banco ia. Isto desgostava-me e desgastava-me imenso. E teve influência negativamente no meu rendimento no clube. Naquela altura já estava umbilicalmente ligado ao Benfica, daí ter tomado aquela decisão. E depois, por todo o momento que se vivia em 1992/93, eu sentia que nunca mais ia ser igual, até porque na altura a direcção do Benfica não era forte. Tínhamos um presidente que como pessoa era excelente, mas provavelmente não estaria rodeado das melhores pessoas, foi um clube muito difícil de viver nesse período, porque havia muitos interesses e com tantos interesses.... Colocar aquilo em prol de um grupo nem sempre é fácil.

Quando é que decide que o melhor era ir embora?
A ideia começa a ser afinada no momento em que o Futre vem. Mas ainda fiquei a ver. Entretanto, há um momento em que já era o Toni o treinador em que ele diz: "Há aqui um jogador que comigo nunca mais joga, pelo comportamento dele". E foi precisamente esse jogador que foi ocupar o meu lugar num jogo que eu considerava de grande importância para mim. Levei aquilo de forma muito pessoal. Fomos jogar ao Restelo com o Belenenses e nesse jogo eu não joguei para entrar precisamente o jogador que ele tinha dito que com ele nunca mais jogava.

Quem era?
O Kulkov. E eu fiquei completamente desorientado. Lembro-me que entrei nesse jogo, dei uma pancada num rapaz do Belenenses, que o árbitro até pensou que foi o Paulo Sousa e o Paulo foi para a rua. E passados dez minutos fui eu, porque estava completamente...

Chegou a confrontar o Toni?
Confrontava à minha maneira, através da minha maneira de ser e ele conhecia-me como poucos. Mas nunca lhe disse ou perguntei nada directamente porque já não adiantava. Fazia as minhas queixas. E estava a ver que o Benfica ia abanar e ia deixar de ser um clube competitivo como foi. E quando chegou a final da Taça, e vi que não ia jogar, avisei o Toni que me ia embora: "Amanhã vai ser o meu ultimo jogo".

Qual foi a reacção dele?
Marquei com o Toni, a seguir ao jantar do estágio, e com o Dr. Alberto Silveira e fiz ver aquilo que era o meu ponto de vista. Tinha mais dois anos de contrato e o Dr. Alberto Silveira já tinha falado comigo para renovar mais um ano. Mas eu tinha que olhar por mim e aquele não era o ambiente em que tinha sido formado no Benfica. Aquilo tornou-se quase insustentável para mim, enquanto pessoa, enquanto jogador, enquanto benfiquista. Lembro-me de dizer que a causa legal, o que me permitia sair era a questão dos ordenados em atraso, mas não tem nada a ver com dinheiro. Não era por não receber um mês ou dois que me ia embora.

Tentaram demovê-lo?
Muito. Mas no fundo nunca acreditaram que eu saísse.
"Ó mister Queiroz, desculpe lá, diga-me, você não tem vergonha de gravar as conversas que tem com os jogadores?"

Da controversa saída para o Sporting à má relação com Carlos Queiroz, que lhe colocou um processo disciplinar, passando pela ida para o Reggiana, o casamento, filhos e os negócios que o levaram a comprar uma embarcação de pesca e a meter-se num bar em Lagos que ainda hoje tem, Pacheco continua a desfiar o fio da sua vida e revela por que razão decidiu voltar ao Benfica 25 anos depois, para reencontrar antigos companheiros e entrar num anúncio televisivo

Como e por que razão vai parar ao Sporting?
A minha ida para o Sporting não tem nada a ver com a fase do querer sair do Benfica. O Sporting só aparece mais tarde. Eu sou muito orgulhoso em algumas coisas e pago muito por isso. A partir do momento em que disse que saía do Benfica, na minha personalidade já não fazia sentido voltar atrás. Mesmo havendo momentos em que eu sabia que não era a melhor decisão. Por uma questão de orgulho era incapaz de voltar atrás. E apesar de não ter empresário sabia quais eram os canais para fazer chegar a outros lados que estava um jogador livre. A partir daí começo a ser contactado por clubes.

Que clubes?
Sou contactado pelo Sporting, pelo FC Porto, apesar de eu não poder dizer isso.

Não pode dizer?
Não, porque se eu disser que fui ao Porto e que reuni com toda a gente eles dizem que é mentira, que não se lembram nada disso, que isso nunca aconteceu. Foi isso que me foi transmitido. "Se esta reunião for alguma vez tornada pública, é mau para ti, porque ninguém vai confirmar isso". Aliás devo dizer que o primeiro clube que me contactou no sentido de formalizarmos uma reunião foi o FC Porto. Reuni com todos do FC Porto e a proposta era muito boa.

Não aceitou porquê?
O FC Porto foi o primeiro, entretanto o Sporting entra em contacto também, mas eu nem quis ouvir a proposta do Sporting. Não ia ouvir ninguém até falar com o FC Porto. O Sporting é que me pediu para não assinar sem ouvi-los também. E foi isso que fiz. Reuni com o FC Porto, reuni com o Sporting e depois tomei a decisão.

O que o fez optar pelo Sporting?
O facto de ser em Lisboa, por exemplo. O facto do Sporting não ganhar nada há muitos anos. Quando ganhei a Taça de Portugal pelo Sporting foi o primeiro título em 13 anos.

Terá influenciado também o facto de em pequeno ter simpatia pelo Sporting?
Não sei. Acho que não. Tem mais a ver com o facto de ser em Lisboa porque adorava e adoro Lisboa.
Já tinha o coração preso em Lisboa?
Também por aí [risos]. Ou foi pelo facto de o FC Porto ser considerado por muitos o inimigo número um do Benfica e até do Sporting? [Risos] Talvez, talvez. Eu vivi muito aquela guerra do Benfica-FC Porto durante muitos anos. Aquele jogo em que nos equipamos nos corredores porque o balneário estava cheio de um produto em que começamos logo a chorar e a ficar com os olhos vermelhos, intoxicante; o ser cuspido por centenas de pessoas cada vez que íamos fazer o aquecimento antes dos jogos no campo de treinos; lembro-me de uma série de coisas no túnel, fitas pretas e vermelhas, com uns líquidos e velas e coisas espalhadas ao longo do corredor; de ser maltratado a toda a hora por toda a gente em todo o lado lá em cima. Era uma coisa impressionante. Lembro-me de estarmos deitados e das motas sem escape não pararem à volta do hotel onde ficávamos no Porto. Havia uma guerra terrível. Lembro-me muito bem do guarda Abel no estádio, de pessoas a agredirem literalmente o Carlos Valente ao intervalo desse jogo. Lembro-me de às vezes questionar os polícias de serviço no estádio das Antas: ”Vocês não vêem nada, não fazem nada?" E eles olhavam para nós, começavam a rir e mandavam-nos embora. Talvez tudo isso tenha pesado um pouco. Mas eu diria que o facto do Sporting não ganhar há muitos anos e com a minha ida para lá poder alcançar algum título era um sabor muito bom que me aliciava.

E Bobby Robson que tal?
Ser o treinador do Sporting teve também uma grande influência na minha decisão porque era uma pessoa com quem simpatizava e ele até já me tinha feito ver, de uma forma descomprometida, que tinha uma grande admiração por mim. Nunca no sentido de fazer algum convite ou de esperar que um dia mais tarde fosse jogador dele. Aliás foi uma surpresa para ele quando soube que eu tinha assinado pelo Sporting. Ele não sabia.

Assinou primeiro do que o Paulo Sousa.
Sim, sou o primeiro. Assinei no final de Junho. No dia 10 de Junho é o dia da final da Taça com o Boavista, no dia 9 disse ao saudoso Dr. Alberto Silveira e ao treinador do Benfica que era o meu último jogo, e só assinei como Sporting no final desse mês. Recordo-me até de um episódio curioso. 

Força.
Eu estava em Elvas, ia de férias para Espanha, e o Dr. Alberto Silveira estava com um amigo meu - que faleceu há um mês -, o Henrique Freitas. Este meu amigo Henrique ajudou imenso o Benfica nessa altura, disponibilizou dinheiro para pagar ordenados para ver se os jogadores não saíam, e não sairam nessa altura. Porque eles estavam com medo que houvesse mais jogadores a sair. E, como estava a dizer, estava parado em Elvas e, nessa altura só havia telemóveis no carro e eu tinha um, foi a última tentativa de me dizer “por favor volta para trás”. Ainda não tinha sido a apresentação mas eu disse-lhe “já assinei, já não consigo voltar atrás, é impossível”.

Falava-se que o João Pinto também queria sair. É verdade?
Havia muitos mais. Fui o mau da festa porque fui o primeiro. Mas o Sousa saiu, o João Pinto foi o que foi, e pelo menos mais cinco ou seis jogadores quiseram sair. Eles hoje são todos considerados grandes benquistas de alma e coração e, apesar de eu ser do Benfica, eles não me consideram se calhar como tal. Tem muito a ver com a personalidade das pessoas. Eu respeitei as decisões de cada um. Mas que houve muitos mais a querer sair, houve. Havia jogadores que telefonavam do Brasil para Portimão onde eu estava com o advogado, a pedir para falar com o advogado para sair.

Nunca se arrependeu?
No fundo sentia que queria voltar atrás, mas o meu orgulho não me permitiu. E foi assim que chegou ao fim o meu vínculo enquanto jogador do Benfica. Continuo um adepto fervoroso do Benfica, à minha maneira, sou sócio do Benfica há 30 e tal anos, sempre que posso vou ver os jogos do meu clube. Mas esse foi um episódio que me amargura um pouco. Se as coisas têm sido diferentes no Sporting eu talvez minimizasse esta amargura.

Mas as coisas não correram nada bem no Sporting.
Nada bem. Estivemos sempre em 1º lugar no campeonato, eu estava a fazer um início de época absolutamente extraordinário, golos decisivos, assistências, estava realmente num excelente momento e infelizmente o presidente do Sporting, Sousa Cintra, despediu o Bobby Robson no avião, a seguir a um jogo internacional. Uma ideia da qual ele já se penitenciou várias vezes e reconheceu que foi um erro. Ele fez porque era muito influenciado por uma série de pessoas que o acompanhavam. Como tinham cinco ou seis miúdos que foram campeões do mundo e o Carlos Queiroz conhecia-os bem, conseguiram influenciar o Sousa Cintra a despedir o Robson e a ir buscar o Queiroz.

Quando muda de clube, como foi o embate a nível social na sua vida fora dos relvados?
Muito difícil.

Viveu algum episódio mais marcante?
Os primeiros episódios foram a pressão dos jornalistas, porque fui o primeiro jogador a rescindir unilateralmente com o Benfica. E nós sabemos o peso que o Benfica tem não só do ponto de vista desportivo, como social. Um país pequeno e dominado na sua maioria por adeptos benfiquistas... Terá inevitavelmente repercussões a nível social que não são fáceis de lidar no dia-a-dia. Portanto, a pressão começa com os jornalistas que não largavam a porta da minha mãe, cá em baixo no Algarve. Eu tinha ido para Espanha, sei que cheguei a um hotel em Espanha, à noite, e não fiquei nada contente porque vi um carro estacionado à porta com matrícula portuguesa. No outro dia de manhã levantei-me muito cedo e mudei de hotel. Em 12 horas já deviam estar uns cinco ou seis jornalistas no primeiro hotel onde estive [risos]. No segundo hotel, em Benidorme, convenci a directora do hotel a colocar um fax directamente ligado ao número do meu quarto para receber informação de Portugal. O que saísse nos jornais um amigo enviava logo cópia por fax. Mas, indo ao que interessa, fala-se muito de que eu saí e levei jogadores comigo, tenho dois episódios que posso contar.

Conte.
Na noite em que comuniquei ao Toni e ao Dr. Alberto Silveira que ia sair, estava a dar ao mesmo tempo um programa desportivo na TV chamado "O Remate", e há uma entrevista de um jogador do Benfica, Lembro-me da expressão do Toni quando ouve o jogador a deixar no ar a possibilidade de sair, porque era o estado de espírito que havia na altura: “Ó pá, já vi isto tudo, isto vai sobrar para mim. Isto está tudo maluco". Este tipo de expressões assim. Quando saí dessa conversa com os dois fui direto ao quarto desse jogador e disse-lhe: "Como é que é possível? O ano passado não ganhámos nada, este ano o único título que temos para ganhar é amanhã e tu dás uma entrevista antes do jogo a dizer que queres sair? Isso é alguma coisa? Se é para sair, sais. Olha, eu vou sair e já fui comunicar às pessoas a quem devia comunicar, não fui para a televisão dizer que vou sair. Tu no fundo não queres sair, queres é arranjar aqui uma situação estável". Tive de dizer-lhe. Porque no fundo eu sou benfiquista, queria e quero o sucesso do clube.

Qual é o outro episódio de que falou?
Eu já tinha chegado a acordo com o Sporting e quando estou a sair para ir para Espanha tive de passar no escritório de um amigo, onde tinha deixado a minha carteira. Esse amigo era gerente de uma casa de pneus em Sacavém, a Hiperpneus, e era amigo comum do Paulo Sousa. O dono da Hiperpneus era o Luís Filipe Vieira, mas eu não sabia nem quem era o dono, nem quem era o Luís Filipe Vieira, isto para ver a ironia do destino. Fui ao escritório para ir buscar a minha carteira e estava lá o Paulo Sousa. Cumprimentámo-nos, disse-lhe que ia de férias mas não comentei que já tinha chegado a acordo com o Sporting. As pessoas acusavam-me de levar o Paulo Sousa comigo, mas não. Isto foi uma decisão pessoal, não houve nenhum colega que soubesse disto, a comunicação social não soube, dos meus amigos talvez soubesse um ou outro. Mas fiz as coisas sempre pela minha cabeça, pela minha personalidade, não envolvi ninguém. E o Paulo Sousa também não lhe disse nada? Não, o Paulo naquela atura nem sequer tinha sido contactado ainda. Porque o Paulo tinha estado num estágio e num jogo pela selecção no dia em que cheguei a acordo na casa de um vice-presidente do Sporting. É o dia em que Portugal joga no estádio do Bessa contra a selecção de Malta, em Junho de 1993. O Paulo não sabia disto. Como o Paulo é contactado já não faço ideia porque nem sequer estava cá. Depois sim, fomos apresentados no mesmo dia.

Mas estava a falar do dia-a-dia, quando se muda para o outro lado da 2ª circular. Nunca foi confrontado na rua?
Partiram-me o carro todo à porta de casa. Foi para a sucata. E comecei a ver o meu nome escrito em algumas ruas em Lisboa, adjetivado de uma forma não muito simpática [risos]. Tive algum cuidado. Pedi ao Sporting para me arranjar um apartamento junto ao estádio. Deixei de sair à noite, acho que a primeira vez que saí à noite foi três meses depois. Cada vez que andava na rua, era insultado. Foi complicado.

Como foi chegar ao balneário de Alvalade?
Normal. Um pouco nervoso por toda a situação. Na altura foi impressionante a exposição que houve, era aberturas de telejornais, os jornais só falavam em guerra entre Benfica e Sporting. E aquilo no fundo repercutia-se em nós, jogadores. Mas foram simpáticos de uma maneira geral. Notava alguma curiosidade daquele pessoal mais jovem, o Peixe, o Figo, Poejo, Porfírio, Capucho, já muito conhecidos na altura mas que tinham 19/20 anos. O Marinho foi provavelmente o que me recebeu melhor porque já éramos amigos antes.

O Bobby Robson era o que esperava ou superou as suas expectativas?
Superou. Super simples, super comprometido. A ideia era fazer-nos melhorar em todos os aspectos. Independentemente das idades e das capacidades de cada um ele gostava muito de falar com toda a gente. Era um treinador muito empenhado, muito bom. Mas nem sempre esteve bem rodeado. No Sporting toda a gente mete-se no trabalho de toda a gente, toda a gente quer influenciar toda a gente. É uma loucura, sempre foi assim. Por isso tanto se diz que o Sporting para poder endireitar-se tem de resolver os seus problemas internos. Não sei se alguma vez conseguirá fazê-lo. Mas notava-se muita interferência do exterior. Outra coisas que também notei, e lembro-me de comentar pessoalmente com o Paulo Sousa quando fomos de estágio para a Holanda, é que do ponto de vista da organização do clube… Ficámos de boca a aberta pela diferença que existia do Benfica para o Sporting. Apesar do Benfica ter aquele problemas todos era muito mais organizado. Aliás, devo dizer que a diferença do Benfica para o Sporting em termos de sensação que tive, foi: "Eh pá, saí de um clube grande para um que era suposto ser grande mas não é".

Pode dar um exemplo dessa falta de organização?
Fomos para a Holanda e o treinador do Sporting chegava um dia depois. Quando chegámos ao hotel não havia uma pessoa que soubesse falar inglês, para tratar dos quartos. Lembro-me de ser eu a ter muita interferência, porque sabia falar inglês. O Valckx, holandês, só chegou no final dessa tarde, não estava e não havia um único director, ou uma única personalidade com capacidade para tratar da distribuição dos quartos, que foi um pandemónio. Estava tudo muito sustentado na experiência e capacidade do treinador que não estava ali naquele momento.
Bobby Robson sai, entra Queiroz. Deitou as mãos à cabeça?
Quando vem o Queiroz eu pensei: “Isto é o princípio do fim do resto da minha carreira desportiva”. 

Sentiu logo alguma animosidade consigo?
Senti. Fiz o primeiro jogo com ele a titular e saí logo no início da 2ª parte. Depois fiz o início de um jogo e saí na 2ª parte, fiz um 3º jogo em que aconteceu o mesmo. No 4º, estava a fazer em excelente jogo em casa com o Marítimo, ele substituiu-me também no início da 2ª parte, os sócios não gostaram e assobiaram. Eu até passei por detrás do banco para o não encarar. Fui para o balneário e ele mais tarde disse-me que quando passei por detrás do banco fiz alguns gestos para incentivar os sócios a assobiá-lo. A partir daí nunca mais joguei. Isto um mês e meio depois de ter chegado ao Sporting. Nessa época só joguei a final da Taça de Portugal, contra o FC Porto do Bobby Robson [risos]; final essa em que houve final e finalíssima. Mas aí só joguei porque tínhamos perdido o Iordanov e o Balakov que tinham ido para a selecção da Bulgária no Mundial dos EUA. Porque senão não jogava. 

Quando é que Queiroz lhe põe o processo disciplinar, é nessa época ou na seguinte?
É na seguinte. Quando deixou de me pôr a jogar fui falar com ele abertamente, na boa, e disse: ”Não consigo perceber. Você viu o que eu passei por causa da minha decisão de vir para aqui. Arrisquei tanto para agora ser tratado desta maneira? Podemos até ter alguma divergência mas vamos os dois fazer o melhor para que isto corra bem para si e para mim". Não sei em que sentido é que ele interpretou isto, sei que nunca mais houve sossego. E eu nunca mais consegui ser o mesmo. Depois de terminarmos essa época, 1993/94… Lembra-se de ter dito que quando cheguei ao Benfica tinha grandes problemas de pubalgia?

Sim.
Passei a minha carreira praticamente toda com esse problema. Nos inícios de época ou nas alturas de inverno rigoroso em que os campos eram muito pesados, ressentia-me muito das dores da pubalgia, passei a minha vida agarrado ao anti-inflamatório, praticamente tinha de levar Voltarem todos os dias. Era um problema que já tinha desde a minha última época de Torralta, vejam os anos. Na altura não era frequente operar, o tempo de recuperação era muito grande e por isso nunca optámos pela operação. Isto tem a ver com a finalíssima com o FC Porto, há um episódio em que um jogador do FC Porto cospe para cima de mim e como ele me cuspiu dei-lhe duas "bolachas" na boca. Ninguém viu exceto o bandeirinha, o fiscal de linha. O jogador começou a sangrar da boca e a fazer queixinhas ao árbitro, criou-se um tumulto e o árbitro, José Pratas, foi chamado pelo fiscal de linha e expulsou-me. Apanhei três jogos de castigo. Entretanto, acabou a época, vamos de férias e quando recomeça a outra época, fomos para a Holanda outra vez de estágio, eu estava a ter dificuldades nos primeiros treinos e o Queiroz não permitia que isso acontecesse. O relacionamento já não era o melhor, e como não conseguia treinar a 100% ele excluía-me. Às tantas falei com o médico do Sporting, Dr. Fernando Ferreira, mais a sério em relação ao meu problema. Questionei-o se devia ser operado, quanto tempo era a recuperação, o que podia perder, ganhar, para ponderar. Ele explicou-me que era um período de inatividade de mês e meio a dois meses, mas achava que eu devia ser operado para de uma vez por todas resolver o problema. Quando o Dr. comunicou ao treinador que era melhor eu ser operado ele não concordou e disse claramente: "Ele se tinha de ser operado que fosse nas férias, não é agora que vai ser operado". Aquilo se calhar para a estratégia dele até lhe dava jeito eu estar naquelas condições caso tivesse de justificar a alguém o não me pôr a jogar. Ele não queria que fosse operado mas também não queria que treinasse condicionado, o que era impossível no momento.

O que aconteceu depois?
Quando chegámos a Lisboa fui operado. Iniciei os meus treinos muito condicionado, três ou quatro semanas depois. O Dr. até comentou na altura que nunca ninguém tinha tido uma recuperação assim tão rápida. Infelizmente acho que é a partir daí que começam alguns problemas entre o Queiroz e o Dr. Fernando Ferreira, que mais tarde acaba por sair porque o Queiroz apresentou um médico amigo dele, Dr. Gomes Pereira. Entretanto, quando o Dr. Fernando Ferreira disse que eu já podia integrar o grupo, ele chamou-o e perguntou: "Você assina um documento a dizer que ele já está bom clinicamente?". O Dr. disse: "Eu não posso assinar uma coisa dessas porque ele pode começar a treinar e ter alguma recaída". Lembro-me também de uma vez em que o Dr. Fernando Ferreira saiu uns dias do país para um colóquio e o Queiroz chamou-me porque tinha traçado um plano para a minha recuperação, como quem diz, não fizeste a pré-época vais fazer agora. Delineou um plano intensivo de treinos e quem coordenava esse treinos era o preparador físico, o Roger Spry. Sei que quando o médico chega ao treino depois desse colóquio, vê um jogador a subir e a descer a bancada. Como estava longe perguntou quem era e quando lhe dizem que sou eu, foi ter comigo: "O que é que estás aí a fazer?"; "Estou a treinar, o treinador elaborou um plano de treinos para mim para fazer a minha pré-época"; "Sai já daí"; "Porquê?"; "Ele deve querer que tu sejas operado outra vez". Esta foi a expressão. Isto tudo tem a ver com o processo disciplinar. Acho que aquela coisa dele querer retardar a minha entrada no grupo tem a ver com o facto do Sporting estar a negociar o Amunike, que já chega na data limite de inscrição. Creio que estrategicamente como a negociação não estava totalmente feita ele tentava atrasar para ganhar tempo para trazer o Amunike. E quando ele chega eu nunca fui convocado rigorosamente para nada.
Até um dia. O dia do seu aniversário.
Sim, até 1 de dezembro de 1994. Vou contar a historia que é gira. Como estava a dizer, nunca mais fui convocado para nada. Uma vez tivemos um almoço não sei onde e foi a única vez que vesti o fato de treino para ir com o grupo. Nunca fui convocado para jogos, nem particulares, nem oficiais, zero. Nesse dia também não fui convocado. Jogava-se um Sporting-Benfica. Ganhámos 1-0 e se a memória não me falha até foi o Amunike que fez o golo. Passados três dias íamos ter um jogo com o SC Espinho para a Taça de Portugal. Eu tinha marcado um jantar num restaurante a seguir ao dérbi, com alguns amigos do Sporting e do Benfica. Até aí o Sporting nunca tinha feito estágio nenhum a seguir a um jogo, nunca. Quando acabou o jogo, ele disse: "Vocês agora vão a casa, preparam o que tiverem a preparar que nós vamos dormir aqui ao hotel". Era um hotel perto do estádio.

Ele sabia do seu jantar de aniversário?
Não sabia e nem tinha de alterar nada, como é óbvio. Mas fui falar com ele: ”Mister, faço anos hoje, tinha um jantar marcado num restaurante e ia levar alguns colegas, dá para alterar um pouquinho a hora e em vez de ser à meia-noite no hotel pode ser à uma da manhã?". Ele vira-se para o Costa: "Ó Costa, ele faz anos hoje?" Como se não acreditasse no que estava dizer. O Costa disse que sim. E ele: "Pronto, está bem, à uma hora todos no hotel". Ainda me mantive no estádio, porque queria confirmar a pequena alteração do horário com o pessoal do Benfica, para lhes pedir para irem logo para o jantar. Fui um dos últimos a sair do estádio e até sair não foi posto no quadro nenhuma convocatória oficial, em papel. Saí do estádio, fui para o jantar e no outro dia apresentei-me no treino de manhã.

Não dormiu no hotel?
Não. Pá, eu nunca tinha sido convocado para nada, só falei com ele por causa dos meus colegas, não pensei que tivesse de ir para o hotel também. E como era normal nestas coisas colocar-se num papel os nomes dos jogadores e afixar no balneário… No outro dia obtive informação através do roupeiro que depois de eu sair, eles foram lá escrever: "Estão todos convocados excepto..." e meteu lá três nomes, lembro-me de dois, Oceano e Peixe. Entenderam que eu tinha faltado à convocatória. Ou seja, a minha primeira convocatória seria para ter ido dormir ao hotel, no dia dos meus anos [risos].

E depois?
Na sequência disso instaurou-me um processo disciplinar com o argumento de que tinha faltado. Argumentei que não tinha sabido de nenhuma convocatória oficial e que tinham escrito no quadro após a minha saída, que estive a jantar com o meus colegas, eles voltaram todos e todos eles sabiam que ninguém me tinha avisado para dormir no hotel. E disse ao presidente, se me tocar alguma coisa isto vai ficar feio. Depois confrontei-o: "Porque é que você não me disse que eu estava convocado?"; "Eu não tenho de dizer porque foi anunciado"; "Não. Escreveram ali depois de eu sair do estádio. Enquanto aqui estive ninguém escreveu nada. Se eu visse ali escrito perguntava se também estava incluído". O processo disciplinar não deu em nada para além de acentuar e piorar uma relação que já era má.

Não foi castigado?
Não. Comecei a treinar dois dias depois.

Nessa altura já pensava em sair do Sporting?
Não. Foi-me proposto sair pelo presidente do Sporting no início de 1994/95 e não quis.

Porquê?
Porque aquilo tinha sido uma aposta minha. Por tudo o que eu tinha passado e pela decisão em si. Se eu vim para aqui é aqui que vou ficar.
Mas numa época fez três jogos apenas.
Depois do processo disciplinar houve um período em que eu era convocado porque ele dizia que eu ganhava muito para ter fins de semana livre. Quando não era convocado ele marcava treinos, eu com uma pessoa que estivesse disponível, o adjunto Hilário ou o professor Mariano. Treinos ao domingo de manhã, às nove da manhã, sozinho a treinar no campo com uma pessoa [risos]. Depois quando me convocava, ia os jogos todos para a bancada. Fiz 20 minutos em Chaves e 20 minutos em Aveiro, um campeonato inteiro. Eu vinha habituado a jogar 30 jogos por ano. Isso desgasta. Fiz um jogo para a Taça de Portugal, daí eu ter ganho essa Taça, em que jogou uma segunda equipa numa eliminatória com o Olivais e Moscavide.

Ainda tinha contrato por mais quanto tempo?
Por mais um ano. O ambiente era terrível, ele teve imensos problemas com muitos outros jogadores. O professor Carlos Queiroz do ponto de vista da relações humanas, na minha opinião, tem um défice muito grande, e não só com os jogadores. Se analisarmos a carreira dele, teve problemas pessoais com muita gente. Desde jogadores, directores nas selecções, jornalistas, uma coisa impressionante. Posso até contar outro episódio.

Vamos lá.
Começou a constar que ele gravava as conversas com alguns jogadores. Isto tudo porque ele achava, pelo menos em relação a mim, que eu dizia umas coisas e na direcção ia dizer outras. Não me lembro de alguma vez ter reunido com algum director do Sporting a fazer queixinhas fosse do que fosse. Às vezes era confrontado pelo facto do relacionamento não ser o melhor, dizia as minhas razões, mas nunca em forma de queixa. E uma vez ele chamou-me ao gabinete dele e começou a questionar-me e a dar a entender para resolvermos o nosso diferendo. Ele fazia-me perguntas que me levava muito para o sim e para o não. Pouca coisa para argumentar, só para dizer se achava que sim ou não. Achei estranho aquele tipo de comportamento e de questões. E como às vezes falava-se que ele gravava as conversas...

Ficou desconfiado.
Fiquei, comecei a sentir que algo não estava bem. Até que enquanto estava a ouvi-lo os meus olhos passaram tipo radar pela secretária dele. Eu a tentar descobrir alguma coisa: "Será que está aqui alguma câmara, algum microfone escondido?". Às tantas vejo um gravador atrás de umas cassetes de vídeo que ele tinha em cima da secretária. Pensei: "Impressionante, o gajo está a gravar-me".

E estava mesmo?
Estava, que eu depois verifiquei que aquilo estava com os botões para baixo a gravar. Mas eu não tive coragem de o confrontar directamente ali, até porque estava a ser gravado, podia ele querer que eu reagisse de alguma determinada forma, não sei. Nunca percebi qual era a estratégia dele para pedir aquela reunião comigo. Só vi que ele estava gravar.

O que fez?
Continue dentro da minha linha. Acabou-se a conversa e eu regressei ao balneário. A pensar: "Digo ao pessoal? Não digo?". Mas não aguentei. Cheguei lá: ”É para vos dizer que ali o nosso visionário, quando chama o pessoal, consoante os interesses dele, grava as conversas que tem connosco. Não sei se com todos ou não, mas pelo menos comigo ele gravou a conversa". Eles não queriam acreditar. Sabiam que havia uma chatice entre mim e ele e podiam achar que eu estava a lançar um falso testemunho. Entretanto saímos do balneário e vamos treinar. Eu sabia que ele vinha lá atrás, não me estava a conseguir conter, comecei a ficar para trás, a ficar para trás, chegamos lá acima ao campo e disse-lhe: "Ó mister, desculpe lá, diga-me uma coisa, você não tem vergonha de gravar as conversas que tem com os jogadores? Você não pode fazer isso"; "Eu faço porque vocês comigo dizem uma coisa e depois quando vão falar com a direcção dizem outra". Ele assumiu. Pelo menos quem estava ali próximo ouviu.

Alguma vez utilizou essa suposta gravação ou gravações?
Não faço a mínima ideia.
Chega o final da época e o que aconteceu?
No início da seguinte já não era o presidente Sousa Cintra mas Santana Lopes, que lamentou este meu relacionamento com o treinador, disse que por ele eu não saía, mas o Norton de Matos veio comunicar-me que o treinador não contava comigo. Ok, pronto. Há uma reunião para ver se chegamos a acordo e eu disse: "Vocês pagam-me tudo e eu vou-me embora. Esse é o acordo". Eles aceitavam, pagando em várias tranches a totalidade do contrato, mas para isso eu tinha de assinar um documento em como não podia jogar nos primeiros oito classificados da época anterior.

Aceitou?
Recusei. A lista dos oito acabou, acabei por rescindir assinando o compromisso de que não poderia jogar num clube grande nesse ano seguinte. Eu sabia que não voltava ao Benfica por causa da minha saída. Dois anos antes tinha havido possibilidade de ir para o FC Porto mas não se concretizou. Portanto assinei esse acordo.

O que fez a seguir?
Tinha 27, 28 anos, continuava solteiro, pensei: "Não tenho condições para jogar aqui em Portugal, tenho de sair". Ao longo da minha carreira eu conheci um inglês que gostava de ver-me jogar. Ele era conhecido do Bobby Robson, esteve cá uns dias e desenvolvi contacto com ele. E ele propôs levar-me para Inglaterra. Só que naquela altura nem sequer havia a lei Bosman.

Chegou a ir a Inglaterra?
Fiz uns treinos no Aston Villa, depois fui para o Nottingham e houve interesse deles para que ficasse. Ainda disputei uns 10, 12 jogos no campeonato de reservas da liga inglesa, só que para entrar na Premier League qualquer jogador estrangeiro tinha que ter no mínimo 20 internacionalizações pela selecção do seu país ou então ir através de transferência. Como eu tinha rescindido com o Sporting a transferência não podia ser feita, como não tinha as 20 internacionalizações, não pude ser inscrito. 

Ficou muito desiludido?
Muito, muito. Pensei que tinha acabado ali a minha carreira. Vim para Portugal mais ou menos na altura do Natal e fiquei sem treinar, sem clube. Estava completamente perdido.

Como surge então o Belenenses?
Através do João Alves. Quem veio falar comigo foi um antigo colega meu, o Fernando Mendes. Mas as coisas não correm bem no Belenenses.

Porquê?
Basicamente tinha ficado um ano e meio no Sporting sem jogar. Estava sem ritmo competitivo nenhum. No Belenenses disse ao treinador que precisava mais de um amigo, de uma pessoa que me ajudasse a recuperar e a pôr a cabeça no sítio porque vinha praticamente de dois anos sem competição e estava completamente perdido. Quando eles me perguntaram quais eram as minhas condições eu respondi: "É o tempo que vocês quiserem e o ordenado é o que vocês acharem que se adequa a mim e às vossas possibilidades". Foi precisamente isto. Lembro-me do treinador ter dito: "Isto é o clube certo para fazer essa recuperação. Até tens imensos casos, tens o César Brito, o Fernando Mendes, o Paulo Madeira". Só que havia determinadas condicionantes por parte do departamento médico para se poder jogar e eu não gostei do panorama. Não alinhei, e mais não digo.
E depois?
Como não fazia parte do grupo certo, cheguei lá um dia para treinar e disseram-me que não podia porque tinha sido visto na noite, numa discoteca de Lisboa. Telefonei ao meu advogado. Ele pediu uma reunião com todos os directores do Belenenses, tudo o que era órgão social. Tinha de saber quem é que me tinha visto. Queria confrontá-los porque eu tinha a certeza que ninguém me tinha visto, eu não tinha saído. Toda a gente foi a essa reunião menos o treinador, que teve um problema pessoal qualquer e não podia participar. Perguntei a todos se tinham alguma coisa contra mim como homem ou como profissional e quem é que me tinha visto. Nenhum confirmou que me tinha visto. O Nicolau Vaqueiro, que era o chefe do departamento de futebol, quis falar em nome do treinador e eu disse que não aceitava. Se o treinador quisesse dizer alguma coisa que estivesse presente. Disse que achava aquilo uma enorme traição, foram eles que vieram falar comigo, eu não me fui oferecer ao Belenenses. Pedi ao advogado para chegar a acordo para rescindir. O Belém sofria uma grave crise financeira na altura. O meu primeiro treino coincidiu com uma manifestação dos trabalhadores do bingo. Porque com a minha ida para lá eles devem ter pensado, então não há ordenados para nós e há para estes gajos? Posso dizer que os cheques que me passaram nenhum tinha cobertura e nunca recebi um tostão do Belém.

Não foi para tribunal?
Os cheques nem eram do clube, eram do presidente. Quis resolver tudo a bem e quando pensei ir para tribunal já tinha passado do tempo.

Depois disso tudo como ainda aparece o Regianna?
Não sei [risos]. Ele surgiu, mas não faço ideia porque naquela altura pensava em tudo, menos que me aparecesse um clube da série A italiana.

Era uma coisa que queria muito, sair do país?
Eu tive várias possibilidades. Ainda há pouco quando falávamos daquela época a seguir à final da Liga dos Campeões com o Milan, em 1990, em que tive uma chatice com o Eriksson, não gostei de ser substituído e o ambiente ficou pesado, e da interferência do Jorge de Brito na minha não ida para Guimarães… Nessa altura apareceu a Lazio e o PSG com interesse em mim e o Jorge de Brito não me deixou ir. Dizia que o Benfica não era vendedor, queria uma boa equipa para a Europa e que eu fazia parte dos planos.

Mas ir para o estrangeiro era uma coisa que lhe agradava.
Nem por isso. Eu era muito feliz e estava muito bem no Benfica. Talvez houvesse também algum comodismo da minha parte. E eu sentia-me num clube grande, estava há três anos no Benfica e já tinha ganho os títulos todos em Portugal e disputado duas finais da Taça dos Campeões Europeus. 

Então e o Reggiana?
Estava a dizer, assinei em Fevereiro com o Belenenses, estive lá três meses, fiz quatro ou cinco jogos com uma grande dificuldade. Saio em maio e nessa altura tinha acabado de fazer dois negócios no Algarve. Tinha comprado uma embarcação de pesca e tinha um bar na marina de Lagos, o Amuras, que ainda o tenho.

Meteu-se nesses negócios aliciado por alguém?
Na pesca era uma questão pessoal, porque o meu pai tinha sido pescador durante mais de 30 anos. O meu padrinho veio falar comigo, que estava a passar por uma situação difícil, porque tinha abatido o barco dele naquela altura em que o Cavaco Silva pediu para abater os barcos por causa da CEE. Ele viu que aquilo tinha sido uma má decisão, estava aflito e veio pedir-me ajuda. Eu tinha uma boa situação financeira e disse OK. Foi mais para ajudar o meu padrinho. O bar-restaurante aconteceu por acaso, um amigo meu veio propor-me o espaço, mas como estava a jogar e não tinha tempo para me meter numa coisa destas falei com outro amigo que era como um irmão para mim, ele aceitou ficar a representar-me no bar-restaurante e pronto. Quando saio do Belém em maio de 1996, vim para o Algarve e fiquei cá. Pensei interiormente que tinha acabado a carreira. Passei aqui o verão. O futebol português nessa altura também vivia uma situação terrível, ninguém pagava a ninguém... Em Setembro recebo um telefonema por volta das oito da noite, daquele amigo inglês que me tinha tentado levar para o Nottingham Forest.

Que lhe disse?
Disse-me assim literalmente: "Estive aqui a falar com umas pessoas e se tu me disseres que sim eu telefono agora para lá e eles fazem a marcação de um voo Lisboa-Milão, amanhã às 11 da manhã, para ires treinar à experiência ao Reggiana. Ninguém tem de saber. Estás na disposição? Se eles gostarem podes assinar e ficar". As saudades de jogar eram imensas. Pensei: “Olha que se lixe, eu acho que tenho qualidade, pelo menos vou tentar”. E fui.

E que tal?
Chego, tenho uma reunião com o presidente do Reggiana, que era o vice-presidente da liga italiana, e disse-me claramente que se me fosse apresentar à experiência não era bom nem para ele nem para mim. Porque eu afinal até tinha mais nome do que pensava lá. Disse: "Vamos criar aqui um acordo os dois. Tu assinas por um ano, vamos ali dizer que ficas por um ano, mas entre nós temos um compromisso em que vais ficar cá pelo menos três meses. Depois, se gostarmos não se mexe no contrato e segue. Se qualquer uma das partes não se sentir confortável este acordo faz com que se interrompa o contrato". E assim foi. Mais uma vez tive de começar a partir pedra desde o início.

Foi sozinho? Adaptou-se bem?
Fui sozinho, adaptei-me muito bem. Ainda percebo tudo de italiano e falo alguma coisa também porque mantenho contacto com alguns italianos.

E o futebol?
Mais fechado e táctico do que o nosso mas adaptei-me bem.

Tem alguma história caricata que tenha vivido em Itália?
Tenho alguns episódios mais ou menos interessantes. Lembro-me que o Rui Costa estava na Fiorentina e antes de um jogo eu e ele saímos e estivemos num cantinho a fumar um cigarrinho, sem ninguém ver, e o Rui estava todo contente por mim porque na palestra antes do jogo o Ranieri dizia que nos éramos uma equipa muito equilibrada, mas tinham que ter muita atenção ao fulano tal, que era eu. O homem conhecia-me bem e ele ficou contente, e eu também [risos].
E jogou?
Não fui titular mas entrei nesse jogo. Porque entretanto houve uma mudança de treinador. Eu fui para o Reggiana com o Lucescu, um treinador tipo Ivic, que gostava de mim, sabia o sacrifício dantesco que eu fiz para agarrar aquela oportunidade depois de estar tanto tempo sem treinar e competir. Curiosamente não jogava na linha, eles achavam que eu era muito bom tecnicamente para jogar na linha e comecei a jogar em terrenos mais interiores. Mas quando começo a jogar como titular já não é com ele. Ele quando sai dá uma entrevista a dizer que um dos erros que reconhecia era que devia ter apostado em mim mais cedo.

Vem embora porquê?
O Reggiana era um clube muito criticado por causa do excesso de estrangeiros. Como foi o primeiro ano da Lei Bosman aquilo não foi uma coisa muito bem aceite no mundo do futebol e eles falavam muito, que não fazia sentido, porque eram jogadores já com uma certa idade. Entretanto, acabamos por descer de divisão. Acontece que a partir do momento em que um clube desce de divisão a política de contratações já não é a mesma. Mas eu consegui impressionar o presidente e ele queria que eu ficasse ligado ao clube; a ideia dele era renovar mas emprestar-me a um clube. Arranjou-me o Vera Cruz, do México. Mas ir para o México sozinho, não.

E volta a Portugal.
Sim e fico um ano sem jogar.

Até que vai para os Açores.
O Santa Clara tinha acabado de subir à II Liga, o treinador era o Manuel Fernandes e o adjunto o António Oliveira, pessoas que eu conhecia. Faziam sempre férias aqui em Portimão. O Manuel veio falar comigo mas eu disse que não, que já não treinava nem jogava há um ano. Ele falou com algumas pessoas minhas amigas e o meu cunhado para me tentarem convencer. E apesar de eu parecer ser um rapaz sabedor daquilo que quero, sou ao mesmo tempo demasiado naif. Acabei por dizer-lhe que ia. Fiquei numa casa térrea em Ponta Delgada e um dia depois tinha umas 50 pessoas à porta a pedir autógrafos. Mudei logo de casa, fui para um prédio alto que fica à saída da cidade [risos].

Mas não ficou muito tempo nos Açores.
A época começou, mais um esforço imenso. Cheguei a vomitar nos treinos mais físicos, para poder fazer tudo o que outros faziam. Começámos a época bem, a ganhar, a crítica era boa. Mas não me recordo de ter feito um jogo empolgante. Tinha um nome que tinha algum peso, principalmente na II Liga, o que jogava meu favor, mas as dificuldades já eram muitas. Não fiz diferença nenhuma a jogar, não era já o jogador que tinha sido em tempos. Entretanto, depois do período de exaltação, há ali uma quebra e nessa quebra, que considero normal - tanto que é normal que o clube acaba por subir nesse ano -, ao fim de cinco ou seis meses, vejo uma entrevista do treinador no jornal "Açoriano Oriental" a dizer que estava um pouco decepcionado com a época e que uma das grandes decepções dele era o meu rendimento. Aquilo caiu-me muito, muito mal.

Porquê?
Porque fiquei a saber que no fundo ele não precisava de mim para nada e não me queria para nada. Ele estava era com imensas dificuldades em fazer um plantel e a partir do momento em que faz a minha contratação ele vai buscar sete, oito ou nove jogadores e fecha o plantel. Porque alguns jogadores de qualidade pensaram: "Eh pá, se o Pacheco está lá é porque aquilo é bom”. Foi ele que me chateou para ir, depois de eu lhe dizer tantas vezes que não queria ir. A última coisa que esperava é que não me defendesse. Tinha um relacionamento bom com ele e deixei de o ter a partir daí.

Veio embora sem mais?
Chamei o director e disse que queria rescindir porque me recusava a trabalhar naquelas circunstâncias. Levei aquilo muito a mal. Não percebi o que ele quis fazer comigo. Parabéns para ele. Vim embora, fiquei em Lisboa e fui para o Atlético, para a II B.

Porquê?
Era o bichinho do futebol por um lado e por outro, o treinador do Atlético tinha sido um colega meu, o Veloso. Não quis acabar a carreira e como estava perto de casa...

A ida para o Estoril Praia e o regresso ao Atlético dão-se pelos mesmos motivos?
No Estoril Praia é o Rui Águas que me vem buscar. Fui e gostei de lá estar. Entretanto o Rui saiu e voltei ao Atlético porque queriam que eu terminasse lá para depois iniciar uma carreira de treinador. 

Nessa altura já tinha algum nível do curso de treinadores feito?
Já tinha o segundo nível.

Era o que queria ser, treinador?
Não como objectivo. Mas entendia que não me fazia mal nenhum eu municiar-me dessa informação e carteira.

Ainda estava solteiro?
Terminei a minha carreira de jogador em 2000/01, iniciei depois a de treinador e casei-me nesse ano. 

Como é que conhece a sua mulher?
Conheci-a em 1993 ou 1994, em Lisboa. Ela formou-se em Relações Públicas, Publicidade e Marketing e depois foi fazer um estágio ao Brasil. Casámos em 2001, mas já estamos separados.

Não ficou muito tempo com o Atlético como treinador porquê?
O Atlético é um clube muito difícil. Mas iniciei outra história, o ser casado, entretanto fomos pais, o meu filho Henrique nasceu em 2002. Assisti ao parto e não desmaiei [risos].

Volta para Portimão porque entretanto vai treinar o Portimonense.
Eu gostava imenso de ser treinador, mas ser treinador em Portugal é uma coisa muito difícil. Os clubes, principalmente os dirigentes são muito complicados. Os dirigentes querem fazer as equipas, querem contratar os jogadores, gostam de treinadores que sejam quase marionetas na politica deles ou nas mãos deles e eu não tenho essa personalidade. Em vez de estar a criar ondas prefiro sair. Em 2002 nasce o meu filho, em 2003 aumentei a minha área no bar em Lagos para fazer refeições e por isso decidimos vir para o Algarve. Na época 2003/04 vou para adjunto do Dito que chegou a acordo com o Portimonense. Não fazia a menor intenção de se treinador. Ele saiu e eu queria sair também. Ele achou que eu tinha condições para dar seguimento às coisas e disse para eu ficar. É numa altura em que o Portimonense tem imensos problemas financeiros e não só. Acabei por terminar eu o ano. Gostei do que fiz, acho que tinha algum jeito. Descemos de divisão na última jornada em luta directa com o Felgueiras e o Marco de Canaveses.

E ainda faz a época seguinte?
Iniciei a época, contratei 20 jogadores para a II B, e é quando se dá o problema com o Salgueiros, que acaba. Estavam na II Liga, há um ranking e o clube que estivesse melhor posicionado é convidado a subir de divisão. Eles fizeram o convite ao Portimonense, o presidente aceitou, eu fui buscar quatro ou cinco jogadores à pressa já com uma qualidade melhor para nos tentarmos aguentar na II Liga e fiz esse ano todo. Nunca estive uma vez abaixo da linha de água. A seis jornadas do fim, depois de uma sequência de jogos sem ganhar, deu-se o fim do ciclo e fui substituído pelo meu grande amigo Diamantino.

Desde aí não voltou a ser treinador porque não quis ou porque não recebeu convites?
Fui convidado por muitos clubes, principalmente aqui da região do Algarve, só que a minha prioridade era a família. Voltei a ser pai em 2004, da Matilde, ainda era treinador do Portimonense. Acabei por ficar por aqui e dedicar-me aos negócios. Entretanto vendi a embarcação, depois de um grande insucesso onde perdi bastante dinheiro.

Tem saudades do futebol?
Muitas. A minha imagem parece de uma pessoa muito desligada do futebol, mas eu tenho tantas saudades do futebol que não vejo jogos antigos sequer, só raramente, porque sofro imenso com isso, dá-me imensas saudades.

Há dois anos regressou ao Benfica e até fez parte de um anúncio publicitário.
Ao início disse que não era uma boa ideia porque ao fim de 20 anos as pessoas ainda me chateavam por ter saído do Benfica para o Sporting e há quem continue a dizer que sou do Sporting... Mas resolvi fazer porque achei piada ao anúncio e porque achei também que de alguma forma tinha esse dever por causa de toda aquela amargura de que falei, porque não saí muito convicto interiormente. Nas redes sociais, claro, foi uma coisa impressionante, muita gente contra. Mas entretanto a tendência começa a mudar e até houve pessoas que me vinham dizer "obrigado por ter voltado". Eu não voltei, apenas fiz um anúncio [risos].

Onde ganhou mais dinheiro?
No Benfica.

Qual foi a maior extravagância que fez?
Talvez os negócios.

Tem algum passatempo?
Snooker e jogo numa equipa, num campeonato, com sapatinho e calcinha preta.

Superstições?
Entrava sempre com o pé esquerdo e a benzer-me. Quando estava à rasca, pedia a ajuda externa aos poderes divinos e quando não estava à rasca esquecia-me [risos].

Se não fosse jogador de futebol o que teria sido?
Não faço a menor ideia. Nunca equacionei outra possibilidade que não fosse jogador de futebol."