"Tempo de regresso à escola. Na agenda principal da discussão, a colocação dos professores, o desemprego no sector, a precariedade dos contratos, a continuada redução de alunos, porque há cada vez menos jovens em Portugal. Ninguém parece interessado em recentrar a discussão nessa questão essencial da qualidade do ensino e da escola. Os jovens não têm voz nos media, e, verdade seja dita, muitas vezes não sabem, não querem, não se interessam por ter voz.
A escola continua a ser uma quinta do ensino, cercada por tradições, preconceitos e uma estranha sobrevalorização do que se poderia chamar as ciências avulsas.
A escola, no seu conceito, na sua relação com o mundo, na sua natureza formadora, continua a ter uma sensação de perigo quando se aproxima da liberdade, da inovação, do concreto.
A visão alcatifada em que, desde há muitos anos mergulhou a escola, refém dos seus pensadores de gabinete, há muito que lhe retirou capacidade para se renovar ao ritmo do conhecimento que o homem conquista nos mais diversos sectores, numa sociedade que, na prática, rejeita as vantagens de um ensino estereotipado e velho, obrigando qualquer licenciado a adaptar-se à vida profissional aprendendo na escola prática das organizações empresariais.
A escola precisa de se relacionar com o mundo e de acompanhar o seu natural crescimento. Para isso, precisa de sair da escola e de ter a coragem de abandonar os velhos e ultrapassados conceitos cartesianos. Basta ter atenção ao olhar da escola sobre o desporto, sobre a música, sobre todas as artes. Basta perceber como a escola faz questão em manter uma estúpida hierarquia do conhecimento, dividido por patamares de disciplinas, sem entender que o conhecimento é, afinal, tão inteiro como o corpo e o espírito no homem.
Por essa mesma visão ultrapassada, preconceituosa e decadente, a escola desvaloriza a importância do desporto no crescimento e na afirmação de personalidade dos jovens portugueses.
Portugal tem, hoje, uma das maiores taxas de obesidade jovem na Europa, os nossos jovens não têm mobilidade, são descoordenados, têm níveis de sedentarismo inimagináveis, mas o poder político (não apenas este) e as direções de escola continuam a promover a desvalorização do desporto, reduzindo a níveis caricatos a carga curricular, defendendo a ideia de que o desporto interfere no estudo das disciplinas que interessam e demitindo-se de uma séria organização do desporto escolar à escala nacional.
Claro que poderíamos encontrar por aqui, nesta situação relapsa e indigente do desporto nas nossas escolas, uma das principais razões do definhamento da qualidade internacional da alta competição. Convenhamos, porém, que face à questão essencial, que é a questão educativa, a questão do crescimento inteiro dos jovens portugueses, a questão da formação do homem e da mulher modernos, a deplorável situação competitiva em que manifestamente vivemos, salvo honrosas exceções que beneficiam do talento e do investimento humano de alguns, é uma questão menor face à dimensão da sociedade portuguesa do futuro.
O que mais intriga é que professores e políticos não entendam que não é de desporto que se trata e muito menos de conseguirmos criar novos campeões dos estádios. O que está em causa é criar condições para termos campeões para a vida, para os difíceis e complexos desafios das sociedades modernas, cada vez mais exigentes no conhecimento, cada vez mais competitivas. E não é possível fazer nascer um homem moderno e preparado sem incluir o desporto (coletivo e individual) na sua formação, no seu crescimento."
Vítor Serpa, in A Bola