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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Rei é Rei

"Estará aberta uma nova discussão no futebol português? Se Ronaldo é ou não o novo rei? Não se perca tempo...

Há muito que venho esperando ver os portugueses sentirem orgulho na carreira, prestígio, valor e talento de Cristiano Ronaldo. Um futebolista verdadeiramente ímpar num universo competitivo como nunca, um atleta excepcional num meio tão feroz e exigente como se tornou o meio do futebol de alta competição e um dos poucos portugueses vivos com prestígio realmente à escala mundial deveriam ser razões mais do que suficientes para todos reconheceram o mérito, o peso e o impacto de Cristiano Ronaldo e, sobretudo, sentirem orgulho num jovem nascido numa modesta família madeirense, que as circunstâncias obrigaram a vir para Lisboa muito só e a lutar determinadamente por um lugar ao mais alto nível no futebol.
Talvez Cristiano Ronaldo não imaginasse na altura em que chegou à academia do Sporting poder vir a ser um dia o melhor jogador do mundo, mas acredito que lá no fundo, como milhares de outros jovens, já sonhasse com isso. A diferença é que Cristiano chegou lá. Mesmo.
E imagino o muito que Cristiano deve ter andado para lá chegar...
A verdade é que apesar de já ter sido oficialmente considerado o melhor do mundo (com direito a distinção da FIFA) Cristiano Ronaldo pareceu sempre não ser consensual entre os adeptos portugueses.
Uma espécie de embirração que os portugueses costumam ter com alguns outros portugueses, e normalmente com portugueses de sucesso.
Acontece que o último Europeu parece ter levado muitos adeptos a fazer, finalmente, as pazes com o que significa realmente Cristiano Ronaldo.
Depois das exibições do nosso 7 pela Selecção na Polónia e na Ucrânia, os hesitantes, os mais cépticos e os menos fiéis podem ter-se rendido e resignado por fim à dimensão daquele que é, sem sombra de dúvida, um dos dois melhores futebolistas de actualidade.
Para mim o melhor. Mas isso é para mim.
O que Ronaldo fez pela Selecção no Europeu despertou, porém, muitos de nós para uma nova discussão, já não a de saber se Ronaldo é ou não melhor do que Messi, mas de Ronaldo já fez o suficiente para destronar Eusébio do lugar de rei do futebol português.
Pois bem, vamos com calma.
O que Ronaldo já fez e o que Ronaldo já vale no mundo chega para vir a entrar na história como melhor futebolista português de todos os tempos? Provavelmente sim, porque a dimensão de Ronaldo será dentro de alguns anos seguramente acompanhada por uma carreira inigualável.
Cristiano Ronaldo vai ser, na verdade, o mais internacional jogador de sempre em Portugal (já tem, aos 27 anos, 95 jogos, contra 127 de Luís Figo e 110 de Fernando Couta), não é muito difícil apostar mesmo que vai ser o melhor marcador de sempre pela Selecção Nacional (leva já 35 golos contra 47 de Pauleta e 41 de Eusébio) e será também o mais vencedor de sempre, quer em números de troféus conquistados pelas equipas que representa, quer nas distinções individuais.
Além disso, talvez seja já o português mais famoso do momento - com José Mourinho ali a par... sem esquecer Eusébio, sempre, e também Luís Figo, o outro futebolista português merecidamente considerado, por uma vez, o melhor do planeta.
Mas dará tudo isso a Cristiano Ronaldo direito a ultrapassar Eusébio no trono português? Não!
Por uma razão simples: Eusébio conseguiu o que conseguiu (e conseguiu tanto, deus do céu!!!) jogando sempre em Portugal, sempre na mesma equipa, numa década, a de 60, em que se contavam ainda pelos dedos o número de televisões e num tempo em que as comunicações para o estrangeiro quase se faziam por pombo correio...
Eusébio não é rei apenas pelo muito talento que tinha. Eusébio é o rei porque levou o mundo a reconhecê-lo quando o mundo era ainda demasiado grande e Portugal demasiado pequeno.
É o rei porque se tornou naquele tempo bem maior do que a língua portuguesa quando a língua portuguesa parecia naquele tempo o único património inultrapassável e é o nosso rei porque os portugueses o adoram.
É o rei e, por tudo aquilo, será sempre o rei!
O tempo de Cristiano Ronaldo é outro e nem vale a pena explicá-lo. E acredito que nem Cristiano Ronaldo discutirá o trono de Eusébio, hoje mais uma vez homenageado em plena Luz, justamente, com um Benfica-Real Madrid que reedita no espírito e nas recordações o Benfica-Real Madrid de há 50 anos, em Amesterdão, que mostrou definitivamente ao mundo o supertalento do Pantera Negra.
Eusébio é o rei e Ronaldo o seu magnífico príncipe.
E assim é perfeito!"

João Bonzinho, in A Bola

Benfica e Jogos Olímpicos

"As derrotas nunca são boas, mas nesta fase ajudam a detectar fragilidades. Só sabendo quais as deficiências, se podem colmatá-las. O Benfica não tem suplente para Maxi Pereira, que não seja um júnior com talento, e tem na lateral-esquerda um problema que remonta à saída de Coentrão. A isto acresce a excelência da dupla de centrais, que prejudica muito a comparação com quem os substitui. Em tudo o resto há qualidade e nalguns casos abundância. Este Benfica poderá e deverá ser forte. Logo, contra o Real Madrid, há mais um teste de dificuldade para aquilatar o aprumo de forma encarnado.
Hoje começam os Jogos Olímpicos, desde miúdo que são para mim sinónimo de clausura. De que gosto? De tudo, ou quase tudo. Um Paquistão-Holanda em hóquei em campo, um chinês em luta com um coreano no tiro com arco, um jogo de voleibol feminino entre Cuba e Itália são tudo petiscos a não perder. Uma camisola nacional em luta pelo 34 lugar de uma qualquer prova é uma iguaria, e a prova de ciclismo em pista perseguição por equipas, ou double scull de remo põe-me a vibrar pela Inglaterra como se tivesse nascido em Oxford. Jogos Olímpicos é sinal de intensidade desportiva, é tudo para degustar até ao limite. Frigorífico preparado para maratonas, jornal A BOLA com as grelhas de eventos do dia e o ranking das medalhas, uma opção clara daqueles que queremos que ganhem contra aqueles que não queremos e estamos no paraíso. Estes Jogos Olímpicos até facilitam, não têm fuso de Sidney, da Coreia, de Atlanta ou de Los Angeles, que nos obrigavam a mudar o sono para viver convenientemente o acontecimento. Em Londres será uma miragem ouvir tocar A Portuguesa, e muito dificilmente veremos subir a nossa bandeira. Nelson Évora, Vanessa Fernandes e Naide Gomes traíram essa ambição e agora só uma Telma superlativa ou uma grande surpresa nos podem ajudar a fazer história."

Sílvio Cervan, in A Bola

Sofrer por antecipação, telegramas olímpicos e um café à beira da estrada

"Antecipo-me, assim à má notícia que não tardará a chegar e não quero ver mais Axel Witsel a jogar à bola com a camisola do Benfica porque me parte o coração

NESTE arranque de época ver jogar Axel Witsel tem sido uma dor de alma. Não porque jogue mal mas, precisamente, pela razão contrária.
Joga bem, joga muitíssima bem e a ideia, tão verosímil, de o poder-mos perder, e antes ainda da coisa a sério começar, deixa-nos num desalento sem concerto.
No jogo do Benfica com o Slask Wroclow passou-se comigo o caso ridículo, desesperado, de ter desligado a televisão à segunda repetição (em câmara lenta) do triplete de nós cegos aplicados por Axel Witsel a uma quantidade idêntica de polacos, antes de servir Óscar Cardozo para que o paraguaio assinasse o primeiro golo do encontro.
Jogo à defesa, como estão a ver.
A quase certeza de poder perder a qualquer momento o melhor DJ belga que alguma vez conheci, aquele que põe a equipa a dançar, leva-me a não o querer ver mais. Prefiro não saber.
É um daqueles momentos em que temos de nos resguardar e traçar, sem demora, o parâmetro acima do qual só por masoquismo se sofre.
Uma pessoa tem de estar preparado para os quinhentos estados de nervos que cada nova temporada carrega. A vida é assim e o futebol também. Mas há limites, caramba. E nenhuma pessoa deve deixar-se resvalar, languidamente, para essa coisa indigna que é sofrer por antecipação.
Antecipo-me, assim, à má notícia que não tardará a chegar e não quero ver mais Axel Witsel a jogar à bola com a camisola do Benfica porque me parte o coração. Pela minha parte o assunto está resolvido e à maneira estóica, pois claro.
Pela parte do Benfica parece que não está.
Lendo o jornal ficamos todos a saber que o AC Milan e o Real Madrid continuam na perseguição ao jogador, que os italianos oferecem 20 milhões de euros pelos seus serviços e que o presidente do Benfica, ainda no princípio desta semana, afirmou publicamente que não aceita negociar Axel Witsel abaixo da cláusula de rescisão, no montante de 40 milhões de euros.
Sendo o belga um quase desconhecido quando chegou à Luz, aceita-se como realista o valor da cláusula de rescisão imposta no contrato assinado no Verão do ano passado entre o Benfica e o jogador.
Para o Benfica era bom que ninguém lá chegasse até porque, por estas bandas, continua-se a acreditar na palavra do presidente.

ESTÃO a chegar os Jogos Olímpicos. A Telma Monteiro vai ser a nossa porta-bandeira. Não há grandes esperanças em medalhas. E no entanto nunca se sabe. Que bom. O Benfica tem lá o Rodrigo e o FC Porto tem lá o Hulk. O Romário foi mauzinho com o Hulk. Disse que no Brasil há dez jogadores melhores do que o Hulk ocupa no escrete-olímpico. Mal-educado e arrogante, o Romário. Apesar de um jogar e o outro não, são colegas de profissão. Devia haver mais respeito. Também o presidente quando falou do Mantorras. Estava em Viseu a discursar nos paços do conselho. Ouviu um estrondo e disse: «Foi o Mantorras que caiu». Só para provar que ainda não está surdo. Uma falta de nível. Agora faz-se pouco do infortúnio alheio e ainda se ouvem palmas. E elogios. Voltemos aos Jogos Olímpicos, por favor. Gosto do atletismo. Gosto de ouvir os comentários do Luís Lopes. Enriquece-nos como espectadores emprestando-nos o seu saber. Assim é que devia ser sempre. Também gostava muito de ouvir o Jorge Lopes. Já morreu, uma tristeza. Nos Jogos também há ciclismo. Espero que seja o Marco Chagas a comentar. Foi um antigo ciclista e era bom. Também tem a capacidade rara de nos transmitir informação qualificada. Sem ser maçador. Antes pelo contrário, é um encanto. Reconheço que gosto de ouvir os comentadores de atletismo e de ciclismo. Já os comentadores de futebol frequentemente me irritam. Porque será? Tenho pensado nisto muitas vezes. Será aquela estupidez do clubismo? Que a todos assola quando mete bola? Provavelmente. Então quando não mete bola todas as opiniões são válidas? Não pode ser. É básico demais. Vou pensar melhor. Pronto, já descobri. É por causa dos árbitros. Os comentadores do ciclismo e do atletismo não têm árbitros com que se ocupar. Os do futebol têm, daí o busílis. Instala-se o desencontro de opiniões. Estala a polémica, tudo apita. Desportos sem árbitros são um descanso para as emoções mais primárias. E para as mais parvas. A propósito: o Pedro Proença também vai aos Jogos Olímpicos? Se for, boa sorte. Não se esqueçam de o ir esperar ao aeroporto. Estão a ver? Lá está a parvoíce.

-ENTÃO, este ano estamos entregues ao Carlos Martins não é verdade?
Foi assim que fui recebida, de chofre, num café à beira da estrada numa tarde muito quente deste Verão. O proprietário, pelo menos parecia ser o proprietário pelo à-vontade com que se movia entra a cozinha, o balcão e a salinha acanhada que mal dava para duas mesas e para meia-dúzia de clientes atónitos de calor... o proprietário, dizia eu, saiu de trás do balcão, de braços cruzados, em passo ligeiro para se encostar ao frigorífico das sobremesas e fazer uso da sua veemência, insistindo na mesma questão:
-Estamos entregues ao Carlos Martins, não é?
Pelo tom que empregou percebi que não estava a pedir explicações, o que muito sinceramente lhe agradeci em silêncio porque estas coisas cansam. Também me pareceu óbvio que ao proprietário não desagradava a ideia de este ano estarmos entregues ao Carlos Martins, tal como já me tinha dito duas vezes sem esboçar o menor aborrecimento pelo facto.
Era um homem novo, impossível não reparar, assemelhava-se até um pouco ao dito Carlos Martins, o que tornava a situação muito curiosa e vagamente cómica. Talvez fosse mais alto, supor meu que nunca conheci o original a não ser pela televisão que engana muito. Vestia uns calções curtos, trazia umas sandálias enfiadas nos pés e exibia uma tatuagem na barriga da perna direita. O tosco estava semi-coberto por uma dessas camisas de alças a que vulgarmente se chamam de «fiambre» em alguns círculos mais cosmopolitas da Capital.
Respondi-lhe o que me veio à cabeça:
-E estamos muito bem entregues...
-Concordo a cem por cento - disse o proprietário com grande precisão percentual continuando de braços cruzados encostado ao frigorífico.
-A cem por cento, não direi, mas aí a uns setenta, setenta e cinco por cento...
A conversa teve de ficar por aqui porque uma pequena cabeça de mulher com cabelos louros apanhados em carrapito fez a sua inopinada aparição pela janelinha que dava acesso à cozinha. E dirigindo-se directamente ao meu interlocutor, abriu-lhe os olhos num grito que se ouviu do meio da estrada:
-Ó Celso, olha que há aqui muita louça para lavar e tu só sabes falar com os clientes!
Não era o proprietário!
Esta revelação, contudo, em nada o desmereceu perante mim. Nem a ele nem à sua opinião, que me pareceu justa e bem ponderada, sobre as virtudes de Carlos Martins com quem era, como já o disse, extraordinariamente parecido.
Confundi-o com um patrão porque, num primeiro relance, vendo-o tão bem encostado ao balcão e, num segundo relance, vendo-o tão bem encostado ao frigorífico das sobremesas, precipitei-me a julgá-lo como um indivíduo que não recebe ordens de ninguém. Mas mesmo não sendo o patrão continuava a ser muito parecido com o Carlos Martins embora eu nunca tenha visto o Carlos Martins de braços cruzados ou encostado a nada. Nem eu, nem ninguém.
O futebol é como a vida, engana muito. E também dá lições. Podemos encontrar num qualquer café à beira de uma estrada um tipo, patrão ou não, semelhante ao Carlos Martins. Mas no Benfica, que é muito maior do que o cafezinho à beira da estrada onde parei numa tarde deste Verão, não há ninguém que se assemelhe ao nosso peregrino de Granada. Foi isso que também nos fez falta na última temporada.
E o Celso lá foi lavar a louça. Sem protestar. E nós muito bem entregues ao Carlos Martins."

Leonor Pinhão, in A Bola