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terça-feira, 21 de novembro de 2017

O Recruta 1987/63 da 1.ª Bateria de Instrução foi dispensado do corte de cabelo

"Eusébio contado por ele mesmo. A sua vida militar do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa, em Queluz. Um tempo diferente na vida de um jogador de futebol.

vários livros sobre Eusébio e a fascinante história da sua vida. À minha conta, escrevi dois. O meu bom amigo João Malheiro tem várias obras sobre Eusébio. E Eusébio também se escreveu a si próprio.
Isto é, fez uma autobiografia: Meu nome é Eusébio.
Teve um ghost writer, como gostam de dizer os ingleses. 'Escritor fantasma', o homem que recolheu as suas declarações e as colocou em letra de forma: Fernando Garcia.
Já li o Meu Nome é Eusébio por diversas vezes. Por outras, apenas episódios soltos. Ontem dediquei-me a um deles e senti necessidade de o repartir com os meus sempre simpáticos e pacientes leitores que, há anos a fio, me aturam nestas páginas.
Dou a palavra a Eusébio.
'Dia 25 de Outubro de 1963. Dez horas da manhã. Acompanhado de um funcionário do departamento de futebol do Benfica, apresentei-me no quartel do Regimento de Artilharia Antiáerea Fixa, em Queluz. Lá iria encontrar elementos bem conhecidos do público, como Jacinto, Pedras e Calado, do Benfica; Esteves e Rodrigues, do Belenenses, e Feijão e José Carlos, do Seixal'.
Confesso que esta descrição me fez recordar a minha amaldiçoada entrada em Mafra, ou Máfrica, ou lá como chamassem àquele maldito penedo
Mas voltemos ao Eusébio: 'Olhava para tudo e para todos. Mirava a remirava tudo à minha volta, procurando adivinhar o mundo novo que me esperava. Reconhecendo-me, a malta parecia dizer. «Olha o que nos saiu na rifa!...» A primeira operação foram as impressões digitais. A partir dessa altura passei a ser o Recruta 1987/63 da 1.ª Bateria de Instrução do RAAF. Fui dispensado do banho e do corte de cabelo com o compromisso de o cortar ainda mais curto, se bem que não estivesse comprido'.
O soldado português...
O Regime tinha uma palavra de ordem:
'O Soldado Português é Tão Bom Como os Demais'.
Pleno orgulho militar!
Eusébio não se sentia particularmente orgulhoso: 'Como todos os outros recrutas, fui receber o fardamento cumprindo as mesmas formalidades que todos os outros e obedecendo à mesma disciplina'.
Também o soldado Eusébio era como os demais!
'Principiou o trabalho, começaram os primeiros exercícios. Marchas, meia volta à esquerda ou à direita... Os meus ouvidos habituaram-se a novas vozes de comando, não do treinador, mas, desta feita, dos oficiais e dos graduados. Aprendi o manejo das armas, ouvindo disciplinadamente e com atenção as indicações dos meus superiores. (...) Havendo uma selecção militar de futebol, fui convocado para os treinos da equipa que iria participar no Torneio Internacional, nela me integrando. Foi assim que joguei, sucessivamente, contra as turmas similares do Luxemburgo, da França, da Grécia e da Espanha, voltando a defrontar, mais tarde, os luxemburgueses e os espanhóis. Nem sempre fui feliz, pois nem sempre joguei bem. Mas procurei, nessas alturas, actuar o melhor que sabia e podia, como se estivesse a representar o meu clube ou a selecção nacional. Em doze jogos, marquei nove golos. Falhei muitos mais porque não pude ou não soube. Mas a minha vontade e o meu entusiasmo estiveram sempre presentes, como se cada encontro fosse uma final, como se houvesse em vista um tentador prémio de jogo'.
Eusébio, nos campos de futebol, era um atirador!
Ah! E eu, sinceramente, não acredito que não pôde ou não soube marcar golos.
Se havia algo que ele sabia fazer, com ou sem espingarda ao ombro, era marcar golos. A farda pouco importava."

Afonso de Melo, in O Benfica

O 'novo recruta'

"O verão de 1950 ficou marcado pela digressão da equipa latina a África e pela chegada de José Águas.

A conquista da Taça Latina, a 18 de Junho de 1950, trouxe ao Benfica uma maior visibilidade no mundo futebolístico. Afinal, acabava de conquistar o seu primeiro título internacional! A digressão pelo continente africano, que se realizou entre 25 de Agosto e 4 de Setembro de 1950, foi um exemplo da popularidade crescente que o Benfica viria a experimentar na década seguinte. Os estádios onde os 'encarnados' se exibirem ficaram lotados, por todo o lado aglomeravam-se multidões, pois toda a gente queria ver o Benfica e os seus jogadores. Durante mais de um mês, a equipa campeã latina realizou uma dezena de jogos em Moçambique, na África do Sul e em Angola.
Foi de território angolano que trouxeram um dos seus mais valiosos diamantes: José Águas. 'José Santos Águas tem 18 anos, um metro e oitenta, nasceu em Luanda, joga futebol há dois anos e é branco' e tinha 'acompanhado a comitiva benfiquista desde o Lobito, onde jogava pelo Lusitano Sports Clube'. O atleta suscitou o interesse de Ted Smith e o mister colocou-o logo a actuar na equipa rubra quando ainda se encontravam em Angola, dando-lhe 'vinte valores' na sua primeira actuação de águia ao peito.
Frente a uma selecção de atletas do Lubango, José Águas jogou a avançado centro e marcou a avançado centro e marcou três dos sete golos do Benfica, demonstrando desde logo o seu valor. A imprensa da época descreveu-o como sendo um 'jogador calmo, consciente e fino', cujo 'ponto forte é o jogo de cabeça e a prontidão do remate', 'seco de corpo mas de grande habilidade, um jovem (...) que leva consigo a esperança de uma boa promessa para o futebol continental'.
O orgulho e emoção que José Águas sentia por envergar tão gloriosa camisola era visível, pois o próprio afirmava que 'a grande ambição da sua vida de jogador era vestir a camisola do Benfica'.
José Águas jogou de 'águia ao peito' durante 14 épocas, foi capitão de equipa e bicampeão europeu. Conquistou ainda cinco Campeonatos Nacionais e sete Taças de Portugal. Com 483 golos marcados, é o segundo maior goleador da história do Clube, logo a seguir a Eusébio, e foi cinco vezes o melhor marcador do Campeonato Nacional. Uma das suas Bolas de Prata pode ser vista na área 20 - Águias-Mores do Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Manana, in O Benfica

Blá blá blá blá e sem lá e a corrupção

"A facilidade com que cada pessoa fala hoje de qualquer tema é qualquer coisa de inacreditável. Todos sabem de tudo e de nada, e os que sabem de nada julgam que sabem de tudo! É um retorno sem retorno possível.
A tecnologia veio criar uma nova forma de as pessoas se relacionarem, qual seja, injuriarem-se, ofenderem-se, violentarem-se por dá cá um palha.
Ao mesmo tempo, veio criar novas formas de emprego e de ganhar dinheiro.
Antigamente a produção de riqueza era agrícola, industrial e posteriormente passou a albergar o sector dos serviços, a que se chamou de sector terciário, um sector já com características imateriais. Mas eis que senão, é criado um novo sector de riqueza, ele próprio assente somente em critérios invisíveis, etéreos e sem existência material - é o caso das empresas hoje mais ricas, como o Facebook, a Google, o Instagram, a Amazon e muitas e muitas outras empresas do género.
A criação de riqueza destas empresas nada tem que ver com a criação de riqueza tradicional, pois não é uma realidade palpável e está sustentada em bytes e circular por fibra óptica. É esta a realidade actual!
É evidente que toda a educação baseada nas primitivas formas de produção de riqueza ficou de repente obsoleta, se bem que não se consegue perceber como se possa só viver com tecnologia, mas isso é outra questão. Como tudo o que é alterado repentinamente por efeito da tecnologia, não tem um acompanhamento mutacional igual em termos de ser humano e muito menos de cultura. Daí que os conceitos de corrupção utilizados pelos antigos nada tenham que ver com os conceitos de corrupção na perspectiva legal.
O art.º 373 do Código Penal define o que entendem sobre corrupção passiva.
Artigo 373.º
Corrupção passiva
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Podemos resumir nos seguintes elementos, sempre sujeitos ao arbítrio de cada cabeça:
- Relativamente ao círculo de autores exige que o agente seja funcionário, no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal;
- No que concerne à acção que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação;
- Quando ao objecto de acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patromonial ou da sua promessa indevida.
Deixemos de parte a análise do elemento subjectivo que basicamente poderemos chamar da vontade e consciência.
E vejamos o crime de corrupção activa:
Artigo 374.º
Corrupção activa
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - A tentativa é punível.
- Relativamente ao círculo de autores, podem ser todas as pessoas existentes no planeta Terra, expecto os que a lei considere como funcionários no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal, porque estes estão no lado passivo;
- No que concerne à acção, impõe que ela se traduza, num acto de dar ou prometer dar;
- Quanto ao objecto da acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial;
O que é que isto tudo quer dizer?
Que hoje em dia para existir crime de corrupção não é sequer necessário que exista corrompido e corruptor, bastando a solicitação, aceitação, a promessa de dar, sem que exista mesmo entrega da qualquer coisa.
Vamos a um exemplo, se uma determinada pessoa disser a um funcionário das finanças para o receber primeiro que todos os outros e depois tomamos um cafezinho - isto é crime! E neste caso apenas temos como praticando o crime aquele que prometeu o cafezinho. Não é preciso mais nada.
Na verdade, basta a mera promessa de vantagem. Isto quer dizer que, no caso que relatamos, tenha a pessoa sido atendida primeiro que os outros e tenha sido pago o café, não chega sequer a interessar para nada! Basta a promessa de vantagem para a prática de algo contrário ao dever do cargo.
A não execução do crime apenas funciona como atenuante da pena.
É por isso que também é crime de corrupção activa o condutor de um veículo automóvel que, na sequência da realização de teste de alcoolemia, diz ao militar da GNR: «Você quer quinhentos contos ou mil contos para mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos».
E não esquecer que, nos termos do artigo citado, a tentativa de corrupção activa ainda é punida!
Esta concepção é diametralmente oposta ao conceito antigo de corrupção, em que a maioria das pessoas foi ensinada que a corrupção implicava uma solicitação efectiva e ainda uma entrega efectiva. E que era activa do lado de quem pedia e passiva do lado de quem aceitava. Já se viu que não é nada disto!
O funcionário comete crime de corrupção passiva, quer solicite, quer aceite, portanto, quer esteja no lado passivo, quer esteja no lado activo da relação.
Nada disto é pois hoje em dia como era. Nada!

Até para a semana."

Pragal Colaço, in O Benfica

Por cada golaço de que me lembro há uma polémica estúpida que faço por esquecer

"(Atenção: esta crónica foi escrita sem recurso a auxiliadores de memória, ou a pesquisas em motor de busca. Se ainda quiser continuar, avance por sua conta e risco)
Nada é eterno, tudo se renova e transforma, e a serpente engole a própria cauda.
É claro que há o golo divino de El Diego, a defesa de Banks, a Cruijff-turn – sem tradução que realmente lhe faça jus –, o penálti de Panenka e a irrepetibilidade do remate de Van Basten que ficam para sempre, mas pouco mais se consegue empoleirar, em perfeito equilíbrio e por todo o sempre, em cima da bola. Para todos os que, como eu, sofrem com uma memória ainda ZX Spectrum, não poder retirar de debaixo da cartola tudo o que já viveram de uma baliza à outra é pecado sem redenção. Sem consolo possível.
Claro que os flashes surgem e vão, em associações mentais que só os neurónios conhecem e entendem. O míssil teleguiado de Seedorf, os passes de Pirlo, o golo sem ângulo de Roberto Carlos. O livre-banana de Roberto Carlos, e a cara de parvo de Barthez em ficheiro anexo. A raquetada à-Djokovic de Zidane para o match point. A bicicleta de Rivaldo. A bicicleta de alta montanha de Hugo Sánchez. Os slalons de Laudrup. Os slalons de Messi. O elástico de Romário. Os arranques do Fenômeno. Os livres do Pernambucano.
O calcanhar de Redondo. O calcanhar de Giannini. O calcanhar de Madjer. Esse.
Fragmentos de momentos de espanto.
O moinho nas pernas de Negrette. As triveladas do meio da rua de Josimar. A finta estúpida de Kanchelskis. A finta estúpida de Cuau-qualquer-coisa Blanco. A finta (adivinharam!) estúpida do Foquinha Kerlon.
O chapéu de gola levantada de Cantona. As pedaladas de Waddle. De Robinho. De Neymar. Passes com as costas de Ronaldinho. A bicicleta de Ronaldinho. O tomahawk de Cristiano. As assistências de Kaká. A visão periférica de Rui Costa. O arranque de Shevchenko. O arranque de Weah.
Já só funciono com ligação USB 3.0 a disco externo, tal a incapacidade de guardar memórias novas por muito tempo. Uma espécie de Leonard do Memento de Christopher Nolan, mas sem a parte da violência. Pelo menos para mim.
É aqui que vocês entram. Nasceram provavelmente com um upgrade de memória que vos permite guardar foras-de-jogo, penáltis e golos mal anulados, polémicas para esgrimir em palanques sociais e rebater resultados negativos, ou mesmo exacerbar positivos. Desenterrar o passado para condicionar o presente, contrapor alegações a alegações, quando são todos, absolutamente todos, iguais.
Terá, acredito, também que ver com o tempo que se propõem a discutir isso um pouco por todo o lado, e aquele em que aplaudem argumentos, uns mais cegos do que outros, de quem até parece acreditar fielmente naquilo que diz.
É que se é difícil equilibrar momentos eternos em cima de bola cheia – talvez seja mais fácil sobre uma furada – será igualmente complicado manter os argumentos de superioridade de uns sobre outros, ou de vítimas de uns para os outros. No futebol, nada é eterno, nem os protagonistas do bom ou do mau. Há sempre alguém disposto a voltar ao topo, a todo o custo, até escorregar por ali abaixo. 
A bola nos pés de Baggio. Sorridente, feliz, disposta a fazer tudo por ele. De Rui Costa para Batigol, e a explosão no pé direito do argentino. A encontrar-se com Piojo López no contra-ataque, e Mendieta, atrás, a olhá-los à distância qual pai embevecido. De Xavi para Iniesta, para Xavi, de novo para Iniesta. Raúl à boca da baliza. Golo! O golaço que todos querem que passe despercebido. Que seja esquecido.
De que é que estávamos mesmo a falar?"

Benfiquismo (DCLXIV)

À chuva...

Luisão....

Tribuna... Irresponsabilidades