Últimas indefectivações

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Observadores de sofá

"1. Não sou treinador de futebol. Sou apenas um especialista de bancada. E como, para já, nem isso nos deixam ser, estou apenas reduzido - como todos estamos - à condição de observador de sofá.
2. Ora, o sofá dá-nos isso: dá-nos capacidade de observação. E concede-nos essa faculdade com uma acuidade acrescida. Isto é: vemos os jogadores no grande momento da verdade - ou seja, a jogar, a exercerem os seus desempenhos singular e colectivo, que, afinal, é o que mais interessa para as questões da classificação e dos campeonatos.
3. A capacidade de observação de um analista de sofá é, mesmo, do melhor. Disso não há dúvidas. Com as maravilhas da técnica, até lhe dão a ver a coisa de vários ângulos, em repetição, uma e outra vez e sem faltar o ralenti. Nunca falha nada. Nem os erros escandalosos dos árbitros, nem as vergonhas dos vares. Nem as diversas e soezes durezas da maldita realidade dos factos.
4. Um observador de sofá não precisa de saber de treinos, nem de preparações, nem de palestras técnicas, nem de massagens. Dispensa, o conhecimento dos dados físicos, fisiológicos, técnicos, etc... que advêm do uso dos elásticos de GPS, do mapa das tomas de banhos de gelo ou do cumprimento rigoroso do regime alimentar dos atletas. Prescinde até de conhecer a que horas comem eles e o que é que comem. Um observador de sofá pode ignorar olimpicamente se eles dormem a sesta quando não há jogo; mas, seja do sofá ou da bancada, não haverá ninguém como ele, para destrinçar quem vai a jogo para passar pelas brasas...
5. Tem ainda outra coisa, assim que o jogo começa, com a primeira apitadela do árbitro: ele vê tudo, como ninguém; e, se não é à primeira, é à segunda; ou, se não for à segunda, à terceira será. Mas, falando por mim, ceguinho seja eu se - com os anos da prática de ver, da bancada e da televisão (desde o tempo dos canais a preto-e-branco...) - não tenho obrigação de ver tudo melhor e mais depressa do que qualquer especialista, sentado que ele esteja, seja lá em que cadeira for do estádio. Era só o que faltava.
6. A gente, com a televisão (e mesmo com o som da sport tv desligado) dispõe daquele dom especial (acrescentado pela experiência histórico de cada um) de olhar ao longe, de enxergar ao longe, de saber ver bem ao longe e de observar ao perto e ao pormenor, melhor e primeiro e mais depressa do que a generalidade dos melhores experts do mundo todo condenados a ver ao vivo.
7. Esse, aliás, é o crédito que todos os mais encartados peritos de futebol, eles próprios sem excepção, nos atribuem a nós, os especialistas de bancada ou analistas de sofá, sempre que lhes ouvimos afirmar que nós - os adeptos (.... e todos os adeptos são, cada um à sua maneira e conforme os casos, ou treinadores de sofá ou analistas de bancada, porque senão, não iam à bola...) - fazemos, realmente, muita falta ao jogo, não é verdade?
8. Resumindo. Por muito contraditória que a minha conclusão de hoje possa mostrar-se, às vezes, até parece que seja a nós que o futebol jogado como deve ser - com arte, talento e entrega - faça mais falta...."

José Nuno Martins, in O Benfica

Andrija Zivkovic: Reforço fora de época

"A derrota caseira por 4-3 frente ao CD Santa Clara veio aumentar, ainda mais, a crise que o SL Benfica vive por estes dias. Se o campeonato já estava comprometido, as exibições recentes da equipa não auguram o melhor desfecho desta época desportiva.
Num momento em que o Benfica se encontra a disputar dois troféus (campeonato e Taça de Portugal), o plantel está muito aquém do esperado, não conseguindo obter os resultados que podia e devia.
Há, no plantel, vários jogadores que não têm sido aposta de Bruno Lage, tal como Andrija Zivkovic. O sérvio é um jogador bastante interessante e pode ser um bom reforço interno para atacar aquilo que falta da temporada. O jovem sérvio não tem sido aposta de Bruno Lage por opção do técnico setubalense.
No SL Benfica desde 2016, Zivkovic tem sido um jogador que tem passado por alguns contratempos com o clube da Luz. Mais recentemente, o Benfica tentou vender o atleta, mas o ex-Partizan recusou-se a sair do clube a qualquer custo. A verdade é que Zivkovic aufere um dos salários mais altos do plantel do Benfica, sendo dos que menos dá à equipa no que toca a resultados desportivos, mas, ainda assim, é tempo de tentar reabilitar este jogador.
Dotado de uma técnica anormal, “Zivko” poderia ser muito mais do que aquilo que é. O extremo é um jogador tecnicamente evoluído, tem um pé esquerdo bem acima da média e seria, sem qualquer dúvida, uma boa adição para o Benfica.
No decorrer do jogo frente ao Santa Clara, Lage fez entrar Zivkovic para o lugar de Gabriel e pode-se considerar que Zivkovic correspondeu àquilo que lhe foi pedido, embora o desfecho não tenha sido aquele que era pretendido. Entrou, desequilibrou, jogou e fez jogar.
Zivkovic já não jogava desde o encontro frente ao SC Covilhã, a contar para a Taça de Portugal, há pouco mais de seis meses e não era aposta de Bruno Lage. O treinador do Benfica não contava com o jogador e voltou assim a integrar o mesmo nos seus planos para o que resta da temporada. 
Usualmente é colocado a jogar numa extremidade do campo, embora possa pisar terrenos mais interiores. Zivkovic seria uma boa opção para render Pizzi e Rafa, sobretudo o primeiro, que está claramente em quebra de rendimento. No plantel são vários os jogadores que podem jogar a extremo, mas penso que nenhum tem as qualidades de Zivkovic, ou melhor, aquilo que Zivkovic pode dar à equipa a nível técnico.
Andrija Zivkovic é um talento raro e a sua carreira profissional tem sido um autêntico desastre. O facto de ter feito o contrato da sua vida muito jovem (todos os anos o seu salário aumenta até que chegará a cerca de cinco milhões de euros) poderá ser uma das razões para o insucesso do jogador. Ainda assim, a qualidade está lá, faltando apenas a força de vontade de lutar por um lugar no XI."

«Jorge Mendes perguntou-me onde queria jogar. Dois dias depois assinei pelo Benfica»

"“É para falar sobre o quê?”, perguntou. “Futebol de A a Z”, respondemos. Não mentimos, ainda que nos tenha faltado uma ou outra letra. André Pinto, Benfica, Capdevila, David Luiz, Emerson, Fábio Coentrão, Gaitán, Hulk, Jesus, Luisão, Mendes, Nuno Gomes, Peter Canyon, Quarto do Aimar, Rio Ave, Sampdoria, Tarantini, Vítor Pereira, Zé Gomes. Em exclusivo para o Bola na Rede, eis Fábio Faria.

– Filho de peixe sabe nadar –

“Coentrão dizia que eu ia ser um craque” Natural de Vila do Conde, passaste a tua infância nas Caxinas. Se tivesses feito o 7-1 de livre direto naquele Padroense x Rio Ave, qual era a probabilidade de nunca mais por lá apareceres?
[risos] Era um jogo de tudo ou nada para o Rio Ave, porque para subirem de divisão tinham de nos ganhar por uma diferença de sete golos, uma vez que estavam em igualdade pontual com o então segundo classificado, mas com uma diferença de seis golos negativos. Recordo-me de que os seus adversários directos acabaram o respectivo jogo cinco minutos mais cedo e o Rio Ave precisava de mais um golo para ficar em primeiro; conseguiram-no, mas no último minuto houve um livre a nosso favor e era eu o encarregado de marcá-lo. Quando vou para bater a bola, o Fábio [Coentrão] – que já tinha aquele feitio que todos conhecem, aquela raça, aquela vontade de ganhar sempre – chegou ao pé de mim e ameaçou-me, mas é algo normal no futebol, onde fazemos tudo para poder ajudar o nosso clube. Por acaso a bola foi ao lado, mas se entrasse ia ser complicado para mim, ainda por cima sendo eu da terra. Curiosamente, no ano seguinte, sou dispensado pelo FC Porto e vou para o Rio Ave.

Onde voltas a encontrá-lo, desta feita como colega.
Exactamente. Se hoje já não somos colegas no futebol, somo-lo no pádel: todos os dias me liga para irmos jogar e mantemos uma amizade desde esses tempos. Já agora, conto-te o início da nossa relação.

O palco é teu.
O Fábio já me conhecia dos dois jogos contra o Padroense, em que as coisas me tinham corrido bem. Quando os directores do Rio Ave souberam que fui dispensado, ligaram-me para ir fazer captações e fiquei logo; como vinha do FC Porto, era normal. No meu primeiro ano de juvenil no clube, o campeonato correu-me tão bem que subi directamente para os juniores, onde o reencontrei – apesar de já treinar com os seniores, vinha jogar por nós – e comecei a destacar-me: era sempre o segundo melhor jogador da equipa, só atrás dele; limpava tudo lá atrás e foi nessa altura que ele começou a ficar com uma boa impressão minha. No final da época, assinei contrato profissional com o Rio Ave, comecei a treinar na equipa principal e lembro-me de, logo a seguir, ir escolher o número para a camisola: o 23 de Michael Jordan, o meu ídolo. A partir daí andava sempre com o Fábio e lembro-me de ele dizer aos colegas que eu ia ser um craque e que se fosse bem trabalhado podia ser um grande central. Sempre me deu muita moral e temos uma relação forte até hoje.

Oriundo de um núcleo piscatório, filho de peixe tem de saber nadar. Qual a influência do teu pai, Chico Faria, no caminho que escolheste?
Nenhuma. Toda a gente dizia que ele era um craque, mas que não queria nada com aquilo: que era um preguiçoso, nunca treinava e só queria jogar. O meu pai, apesar de ter feito o seu percurso quase todo na Primeira Liga e ter ganho uma Taça de Portugal, acabou a carreira de uma forma que não gostou: com salários em atraso. Como ficou magoado com o futebol, fez tudo para que eu não passasse pelo mesmo: meteu-me a jogar basquetebol aos cinco anos – e joguei até aos 12 -, mas quis o destino que a minha vida passasse pelo futebol. Ele só começou a olhar verdadeiramente para a minha carreira quando assinei contrato profissional com o Rio Ave; até então não me dava moral e dizia-me “Não jogas nada. Dedica-te mas é aos estudos”. A partir dessa altura começou a dar-me conselhos e a ser mais presente, apesar de sempre ter ido ver os jogos todos. Desde então foi sempre o meu braço direito.

O teu pai que, como tu, é um fervoroso adepto do Benfica. É verdade que choraste quando ele foi a Vigo?
É verdade. Eu era doente pelo Benfica desde pequenino e era para ter ido com ele, mas à última da hora não conseguiu arranjar bilhete para mim e foi com amigos. Recordo-me de ver o jogo em casa e o Benfica perder 7-0; chorei tanto (…) porque sabia que no dia a seguir, na escola, ia ser gozado. 

Tens 1,90m e aos olhos dele continuas a ser o “baixinho”.
Sim, é uma alcunha pela qual ele sempre me chamou e, curiosamente, um dos meus melhores amigos, o André Pinto, também me trata por esse nome, apesar de só ter mais um ou dois centímetros; a ele o meu pai chama-o “fraquinho”, porque nós fizemos a formação juntos no FC Porto e andávamos sempre um com o outro. É uma forma carinhosa de me tratarem. Outro gesto terno era uma forma muito especial de me chamar através de um assobio: quando eu jogava, e ele via que as coisas não estavam a correr bem, bastava-lhe dar aquele assobio, que eu olhava para ele, concentrava-me e as coisas começavam a correr melhor. Os meus pais foram sempre pessoas importantes: a minha mãe mais galinha, o meu pai mais distante, mas sempre presentes.

Menos amor havia nos treinos do FC Porto se alguém levasse calções vermelhos.
Isso foi quando fui às captações! O meu pai tinha uma escolinha de futebol e o equipamento eram as cores de Vila do Conde: camisola amarela e calções vermelhos. Como joguei basquetebol durante sete anos, só tinha calções dessa modalidade, então levei os vermelhos da escolinha do meu pai e uma camisola branca para não ir todo de vermelho; só que estas eram as cores do Benfica! Mas não fui numa de provocar, nem de chamar a atenção. Quando ia a entrar para o campo, um director chamou-me logo “Ó, onde é que vais com esses calções?”. “São os únicos calções que tenho”, disse-lhe. “Não, não, não! Vai ali falar com o roupeiro; se não tiver outros calções não podes treinar”. Foi aí que percebi que a mística do FC Porto é transmitida logo desde pequenino. Lembro-me que, mais tarde, o meu pai ofereceu-me no Natal umas Predator todas vermelhas, iguais às do Simão Sabrosa, e quando volto aos treinos, cheio de estilo com umas botas novas, não me deixaram treinar e tive de pintá-las de preto.

O roupeiro foi teu amigo.
Arranjou-me uns calções azuis e lá fui treinar, muito envergonhado porque nunca tinha jogado futebol e só sabia o básico. Era muito maior em relação aos outros – eu e o André Pinto – e essa semana correu-me lindamente, porque apesar de tacticamente andar perdido em campo, tinha qualidade técnica. O treinador achou que podia evoluir, gostou da minha altura e decidiram assinar comigo.

Qual é o processo de alguém que começa a formação a extremo-esquerdo e se afirma como defesa? 
Foi muito difícil. Comecei a extremo-esquerdo, fui baixando para “10”, depois meio-campo, mas nunca fui defesa. No meu primeiro ano de Padroense – o FC Porto utilizava este clube para ter duas equipas a competir na Nacional e para estarmos mais preparados quando voltássemos – o lateral-esquerdo foi chamado à equipa principal do FC Porto e o treinador meteu-me nessa posição; como era esquerdino… fiz uma época muito boa, fui o melhor marcador da equipa. Apesar disto, fui dispensado e vou para o Rio Ave para jogar a ponta-de-lança. Passados dois ou três dias, vamos fazer um jogo de treino e o treinador foi falar comigo e disse-me que ia jogar a central. Fiquei com uma azia… então todo cego, todo maluco, fiz tudo para que as coisas corressem mal, sabes? Mas tudo me saía bem: queria dar cuecas dentro da área e saíam-me bem, tudo me saiu bem. No final do jogo o treinador disse-me “Fábio, não gostei daquelas coisas que andaste a fazer, mas acho que se fores bem trabalhadinho podes ganhar muito dinheiro naquela posição”. E eu “Mister, desculpa lá, mas a central não quero jogar. Se não jogar a ponta-de-lança, não jogo em mais lado nenhum” e ele ficou doente comigo. Cheguei a casa e disse “Mãe, não quero jogar mais futebol” e estive uma semana sem treinar. Até que o treinador ligou à minha mãe, fomos a uma reunião no Rio Ave e a minha mãe gostou da forma como o treinador explicou a sua opção e fez-me um ultimato “Fábio, ou jogas a defesa-central ou não jogas mais futebol e é só escola”. Entretanto, as coisas começaram a correr bem, fui chamado à Selecção Nacional passados apenas dois meses, comecei e treinar com os juniores e foi tudo muito rápido. Quando assino contrato profissional com o Rio Ave, aparece uma proposta do FC Porto para voltar – achavam que tinham cometido um erro, não sabiam que ia evoluir tão rápido -, mas não aceitei, preferi ficar em Vila do Conde e o resto é história.

Nas camadas jovens cruzas-te com o já falado André Pinto, mas também com Candeias, Ukra ou Wilson Eduardo. Tens alguma história com algum destes que possas partilhar?
Nós dávamo-nos muito bem, fazíamos muitas asneiras, mas histórias (…) lembro-me de que, quando estava no segundo ano de iniciados no FC Porto, o nosso treinador era o Vítor Pereira.

Como foi ser orientado pelo mister Vítor Pereira?
Adorei! Tinha uma personalidade muito vincada e era um treinador muito exigente, que inclusive me mandou a mim e ao André Pinto para a equipa B, porque achava que nós éramos altos, mas não tínhamos estilo nenhum de jogadores – até foi um bocado mau, porque o André tinha rejeitado uma proposta para ir para o Sporting -, mas passado uma semana chamou-nos de volta e fizemos o campeonato inteiro a titulares. Guardo muito boas memórias do mister. Queres saber uma curiosidade?

Chuta.
O ídolo do Vítor Pereira era o meu pai. Como o mister é de Espinho e o meu pai jogou lá durante dois anos, ele dizia-me muitas vezes “O teu pai é o meu ídolo! Adorava vê-lo jogar!”. Começámos a ter uma amizade, porque ele tinha uma relação muito boa com os jogadores. Tinha quase a certeza de que ele ia conseguir singrar no futebol.

– Da Ribeira até à Foz – 
“Quando saio do elevador estou no escritório do Luís Filipe Vieira”

Estreias-te pela equipa principal do Rio Ave por pressão de Jorge Mendes?
Certo. Como já disse, assinei o primeiro contrato profissional com 16 anos e estreei-me pouco tempo depois, num jogo para a Taça, em que ganhámos 2-1 e até marquei na própria baliza. Apesar do autogolo, o jogo correu-me muito bem, mas sabia que estava a jogar porque o Rio Ave estava a passar uma situação muito difícil – estávamos com ordenados em atraso. “Se querem dinheiro, têm de pôr o Fábio Faria a jogar”, disse o Jorge Mendes à direção do clube. Entretanto surgiu a oportunidade de ir treinar ao Chelsea de José Mourinho, mas foi numa semana complicada porque iam jogar a meia-final da Champions com o Liverpool e acabaram por ser eliminados. Ainda assim tive oportunidade de fazer dois treinos com a equipa principal que me correram muito bem; o Mourinho, que tinha sido colega do meu pai no Rio Ave falou-me dele, perguntou-me como estava a família e acabou por dizer-me que já me conhecia, que o Jorge [Mendes] já lhe tinha falado de mim, mas depois de estar comigo ficou ainda mais bem impressionado e que as coisas podiam dar certo. O Jorge Mendes também me disse que a transferência estava bem encaminhada, só que o Mourinho no final da época foi embora e a mudança não se concretizou. O Jorge ainda conseguiu que eu fosse treinar ao Sampdoria, mas não gostei tanto. Sais de um Chelsea com aquela academia, que tem para aí uns 20 relvados, e chegas a um clube que, apesar de não ter desgostado – Génova é uma cidade muito bonita, a academia também era “engraçada” – não tem nada a ver. Por exemplo, em Londres fiquei num hotel cinco estrelas ao lado do estádio; em Itália fiquei numa pensão onde estavam os jogadores todos e comia massa todos os dias. Eles até queriam ficar comigo, mas o Rio Ave pediu um valor que o Sampdoria não quis pagar. Então continuei em Portugal e só aos 20 anos é que me mudei para o Benfica.

Antes disso, fazes três épocas pelo Rio Ave, ainda que nas duas primeiras tenhas jogado muito pouco. Aquele jantar na Foz, em casa do Jorge Mendes, mudou tudo?
Sim, isso aconteceu no meu segundo ano de seniores. Fui convocado pela Selecção sub-21 para o Torneio da Lusofonia, em Lisboa, no qual fiz os jogos todos e perdemos com Cabo Verde na final. Por isto, perdi a pré-época toda e quando regresso aos treinos do Rio Ave faltavam apenas duas semanas para começar o campeonato. O treinador manteve-se – era o Carlos Brito – e eu estava um bocado triste, porque sem pré-época e com apenas uns 60 minutos jogados na época anterior achei que ia continuar sem jogar, mas não foi assim: quando cheguei, ele deu-me logo moral e disse-me que contava comigo; que era eu que ia começar o campeonato e assim foi. Os primeiros três jogos correram-me muito bem (…) espera, deixa-me voltar atrás. O Jorge Mendes tem algumas pessoas que trabalham para ele (…) e durante esse período senti que não tive tanto apoio quanto o que precisava. Ele tinha sido o meu único empresário desde os 16 anos e o nosso contrato estava a acabar, porque os contratos com os empresários são de dois em dois anos. Foi quando apareceu outro empresário, através do Gaspar [defesa-central do Rio Ave à época], que estava interessado em representar-me. “Tenho ali um empresário que pode ajudar-te”, disse-me o Gaspar. Fui falar com ele, gostei da abordagem, disse que ia pensar, mas que à partida ia ficar com ele. Esta conversa foi num café ali na Foz e, quando estou a chegar a casa com o meu pai, liga-me o Camacho, que trabalha para o Jorge Mendes “Então vais trocar de empresário?” e eu “Fod***, como é que já sabes?”. “É que o vice-Presidente do Rio Ave ligou-me agora a dizer que a partir de agora tens outro representante”. Disse-lhe que apesar de ainda não ter assinado nada, ia assinar por ele, ao que ele me responde que dentro em breve o Jorge ia ligar-me – e não falávamos para aí há uns três anos. Passado uma hora tinha uma chamada de um número com indicativo espanhol “Então, Fábio, já assinaste pelo Artur?”, perguntou-me o Jorge. Disse-lhe que ainda não, ao que ele me respondeu “Então não assines, porque tenho umas coisas boas para ti”… aquelas abordagens normais do Jorge, que não deixa ninguém falar; [risos] mas ele é mesmo convincente! Disse-lhe que nunca se preocuparam comigo quando não jogava e que só se lembraram de mim porque ia mudar de empresário… “Então o que é que vais fazer amanhã à noite? Não marques nada porque vais jantar a minha casa e traz o teu pai”. A meio do jantar, pergunta-me “Onde é que querias jogar?”. E eu “Ó Jorge, sou do Benfica desde pequeno, mas há outros clubes na Europa que também me agradavam”. “Gostaste de estar no Chelsea? Percebes inglês? Espera aí, vou ligar a uma pessoa”. Ligou para o Peter Canyon [ex-diretor-desportivo do Chelsea] e começou a perguntar-lhe se se lembrava de mim e mais não sei quê. “Não o queres? Então vais ver para onde é que ele vai!”. Depois do jantar, trouxe-me um contrato e assinei por mais dois anos com ele. Isto foi numa quarta-feira. No sábado íamos jogar com o SC Braga e sexta-feira, depois do treino, tenho quatro chamadas dele. Afastei-me do grupo – porque já sabia mais ou menos qual era o motivo da chamada – e quando lhe devolvo as chamadas ele diz-me “Onde é que andas? Consegues estar em Lisboa ao final da tarde?”. “Consigo, mas amanhã tenho jogo”. “Não te preocupes, está tudo resolvido”, tranquilizou-me. Falei com o meu pai, metemo-nos no carro e, quando estamos a chegar à Expo, o Camacho liga-me e pergunta-me se sou eu quem está a conduzir; disse-lhe que não, e ele perguntou-me se conseguia passar para o banco de trás para ninguém me ver. Quando chego ao local, entro por uma garagem e ele e o Jorge vêm buscar-nos. Quando saio do elevador, estou no escritório do Luís Filipe Vieira.

Não desconfiavas da pessoa com quem ias reunir?
Não, porque o Jorge tinha-me dito “Estou a sair de Madrid, mas encontramo-nos em Lisboa” e eu pensei que, como estava em Espanha, ia levar-me para uma equipa espanhola; nunca associei ao Benfica. Quando saio do elevador, percebo tudo. Fiquei mais descansado quando fomos para o escritório e já lá está o Presidente do Rio Ave; até vim com ele para cima, porque também tinha ido de Luanda directamente para Lisboa por causa da minha transferência. No dia a seguir tinha de estar às 10:30 no treino pré-jogo, mas estava super tranquilo, apesar de nem ter dormido nessa noite. Uma das coisas mais engraçadas é que não podia contar a ninguém, porque o contrato só podia ser revelado em dezembro; queria contar aos meus amigos, mas não podia. Até que passadas duas semanas veio nas capas dos jornais… alguém abriu a boca. A partir daí liguei ao Jorge e disse que não conseguia mentir aos meus colegas e foi quando tive autorização para dizer a verdade.

Como foi a abordagem de Luís Filipe Vieira?
Espectáculo! Tirou-me logo o nervosismo todo. Para te ser sincero, só me lembrei de perguntar quanto é que ia ganhar depois de assinar.

Sei que os números eram baixos. De que valores estamos a falar?
Fui ganhar duas vezes mais o que ganhava no Rio Ave – e ganhava pouco. Prefiro não falar de valores, mas se calhar o salário de um jogador de Primeira Liga das equipas com orçamentos mais baixos. Mas é normal, porque o meu contrato era por objectivos: se fizesse dez jogos a titular recebia um bónus, se fizesse vinte idem. Mas só depois de assinar é que comecei a fazer contas: ir para Lisboa, alugar casa… pouco me ia sobrar. O meu pai ainda disse ao Presidente que era muito pouco, mas a resposta foi que se começasse a jogar me aumentavam o contrato – olha, foi o mesmo contrato que fizeram ao Coentrão – e o Jorge também me deu a garantia que, se não jogasse, me arranjava outro clube. Acabei por ir para Espanha ganhar quatro vezes mais.

Havia outras propostas?
Surgiu a oportunidade de ir para o FC Porto, mas não deu os valores pretendidos pelo Rio Ave… pelo menos foi o que me disseram. O Jorge disse-me que havia uma equipa de Espanha interessada em mim, mas que fui para o Benfica porque o Luís Filipe Vieira lhe disse que eu era um pedido do Jesus, que já me conhecia há muito tempo. Aliás, ainda ele estava nos Belenenses e já me queria contratar, era eu júnior. Mais uma vez, o Rio Ave pedia muito dinheiro e o negócio não avançou. O Jorge Jesus queria-me para lateral-esquerdo desde o início no Benfica, porque o Fábio [Coentrão] ainda não jogava nessa posição quando ele chegou à Luz.

– Benfica: Parte 1 –
“5-0? Jesus estava muito preocupado com o Hulk; até me deu um DVD para ver as jogadas dele”

A aventura no Benfica podia ter começado contigo a vestir a pele de Cavalo de Tróia.
Exactamente, porque aquele que seria o meu último jogo pelo Rio Ave era contra um Benfica a quem bastava o empate para ser campeão e nessa semana fui abordado pelos jornalistas todos. Tive a infelicidade de dizer que gostava que o Benfica fosse campeão, mas também não queria que o Rio Ave perdesse, numa tentativa de dar a volta ao texto. No dia a seguir, os jornais fizeram manchetes com as minhas declarações, dando a entender que já estava “feito” com Benfica… o normal. Então, para me defenderem, o Rio Ave entendeu que era melhor eu não jogar; tanto podia marcar um golo e impedir o título do Benfica, como um autogolo e dar azo a teorias da conspiração. Recordo-me de chegar ao estádio, completamente a abarrotar, chorar copiosamente no balneário e pedir ao Carlos Brito “Mister, deixe-me jogar, por favor!”, mas não me deixaram e ainda bem.

Recordas-te do primeiro contacto do Benfica após esse jogo?
Foi passadas duas semanas. Estava em casa e liga-me o Rui Costa para dizer-me que ia em digressão com a equipa do Benfica para os Estados Unidos e para o Canadá. “Ó Rui, mas fui convocado pela Selecção sub-21”, disse-lhe. “Não te preocupes que já falei com o seleccionador e, como são dois amigáveis, não precisas de ir”. “Mas tens a certeza?”, perguntei-lhe hesitante. “Sim, à vontade. Se não tenho moral, quem tem?”. Nunca mais me esqueço destas palavras. Antes de irmos, ainda fiz um treino no Seixal em que as coisas saíram muito bem – fiz dois golos naquele joguinho no final – e nos jornais do dia seguinte era eu quem estava na capa.

[Fábio prossegue com entusiasmo]
Fomos primeiro para Boston e, depois, para Toronto, num jacto privado, não faltava nada. Foi muito bom porque em vez de conheceres os teus colegas em competição, conhece-los num ambiente mais descontraído. É claro que queríamos ganhar, mas só tínhamos treinos de dois em dois dias, podíamos ir passear nas folgas… os portugueses puseram-me logo bastante à vontade – o Nuno Gomes, o Luís Filipe, o Rúben Amorim -, o próprio David Luiz (…) sabes que ia ficar no quarto com o Aimar? Só que à última da hora teve um problema com o passaporte e não embarcou connosco; foi o melhor jogador com quem joguei. Era um grupo espectacular e estavam ali para se divertirem. Acabei por jogar os dois jogos a titular e só perdemos contra o Panathinaikos, em que até houve porrada durante o jogo e tudo. Quando começou a nova época, já tinha confiança com eles e não custou tanto. Foi a melhor maneira de entrar no Benfica.

Coentrão era um colega com quem, naquela altura e àquele nível, era impossível rivalizar?
Era mesmo impossível. O Fábio foi dos melhores laterais-esquerdos que vi jogar. Ele já fazia a diferença na frente, então quando apanhou alguém tão exigente quanto o Jesus, começou a partir tudo. Não havia hipóteses. Mas também havia uma situação: eu detestava jogar nessa posição! Eu era defesa-central, mas o Jesus achava que por ter um bom pé esquerdo tinha de ser lateral; via-me como um substituto do Fábio naqueles jogos mais difíceis. E ainda assim, quando o Fábio não podia jogar, baixava o César Peixoto e isso deixava-me triste “Então estou a treinar a lateral, e quando o Fábio não pode, é o César que joga?”. Mas quando estás no Benfica, no FC Porto ou no Sporting, só em três ou quatro jogos é que o lateral tem de defender, de resto é sempre para a frente, e logicamente percebi o que o Jesus queria: o César e o Fábio como tinham sido extremos tinham mais facilidade no último terço. Não obstante aprendi muito; o Jesus é um treinador muito exigente.

Foi esta exigência que elevou Jorge Jesus para um patamar à parte?
O Jesus é obcecado por futebol. Foi, sem dúvida, o melhor treinador que tive. Aprendi tanto com ele… pensava que sabia defender e quando cheguei ao Benfica percebi que não era assim. É impressionante o quanto ele percebe de futebol. Então por ser o mais novo levava tanta “dura” dele! Muitas vezes em vez de chamar o David Luiz ou o Luisão à atenção, chamava-me a mim para dar o exemplo; era sempre o meu nome. Ficava maluco! Muitas vezes, ao pequeno-almoço, os meus colegas apostavam quantas “duras” eu ia levar no treino, porque ele só sabia o meu nome. É um treinador que me ajudou muito. Se ele pega num Real Madrid ou num Barcelona, limpa tudo.

Fala-se muito na componente táctica dos seus treinos, mas quem melhor que tu para confirmar que fisicamente também não eram pêra doce.
Isso foi em digressão, quando já estava há duas semanas sem treinar. O campeonato tinha acabado e na semana seguinte à conquista do título foi só festa. “Ai gostaram das férias? Então hoje vamos correr um bocadinho”, satirizou. Pôs-nos a fazer intervalados e chegou a uma altura em que já nem conseguia respirar, mas como não queria ficar mal continuei. Como era jogador novo, ele estava sempre de olho em mim e não podia facilitar. Fiquei maldisposto e tiveram de me levar um pacote de açúcar. Só pensava que se fossem sempre assim os treinos do Benfica estava tramado e que não ia aguentar. Ele não aceita brincadeiras e independentemente da duração do treino tem de ser sempre a sério. É por isto que tira o melhor de cada atleta e que, por onde passa, vende jogadores por milhões. 

Acompanhaste de perto o declínio do “Rolo Compressor”. A perda de alguns jogadores-chave na época anterior foi irreparável?
Entrámos mal no campeonato: perdemos em casa contra a Académica, na Choupana com dois erros do Roberto… as coisas não lhe estavam a correr bem.

Roberto Jiménez tem responsabilidades nesse campeonato?
O valor da sua contratação [8,50 M€] criou-lhe muita pressão. Ele tentava demonstrar que era um jogador mentalmente muito forte, mas percebia-se que não era assim. Mas também apanhámos um FC Porto muito forte e ficámos para trás logo ao início do campeonato. O Gaitán e o Salvio nas linhas também não estavam a adaptar-se muito bem… apesar de percebermos que eram craques, ainda estavam a aprender a encaixar-se nas ideias do Jesus. Depois vamos ao Dragão e perdemos 5-0…

Com David Luiz a defesa-esquerdo.
Treinei a semana toda nessa posição, a pensar que ia jogar. O mister queria avançar o Fábio, porque estava muito preocupado com o Hulk; até me deu me um DVD para, em casa, ver as jogadas dele. Mas quando vi que os centrais eram o Sidnei e o Luisão percebi que não ia ser opção.

A meio da época, acabas por ser emprestado ao Valladolid, mas fazes apenas quatro jogos.
Quando cheguei ao Valladolid, fui uma das contratações mais sonantes a par do Juanito, que foi ganhar 60 mil euros – havia equipas a pagar 100 mil – valores que em Portugal só os grandes podem pagar. Quando entro na equipa estávamos em penúltimo, mas com uma super equipa, montada para subir de divisão. Assinei sexta-feira e domingo estreio-me logo a titular; perdemos 1-0, mas fui o melhor em campo. No final do jogo, o treinador até me usou como exemplo para os meus colegas, por ter sofrido uma entrada muito dura e ter continuado. Fiz três jogos em dez dias, mas como estive seis meses sem jogar no Benfica, antes do jogo com o Bétis senti uma dor e o exame revelou que era um estiramento. Eles queriam dar-me uma injeção, mas disse-lhes que não aceitava e que preferia descansar uma semana. O que é certo é que fiquei duas semanas parado e o colega que ocupou a minha posição agarrou o lugar. O treinador muitas vezes vinha ter comigo e dizia-me “Tu és melhor jogador do que os que estão a jogar, mas não te posso pôr a jogar porque vamos numa série só de vitórias”. Ainda fiz mais um jogo – outra vez melhor jogador em campo: ganhámos 2-0 e fiz as duas assistências -, mas não voltei a jogar. Eles gostaram tanto de mim que queriam contratar-me ao Benfica, mas o meu empréstimo não tinha opção de compra

O nível da segunda divisão espanhola pode equipar-se ao da Primeira Liga portuguesa?
A segunda divisão espanhola é tão boa ou melhor que a nossa Primeira Liga. Lembro-me de apanhar o Barcelona B – onde estavam o Grimaldo, o Nolito, o Bartra, o Thiago e o Rafinha – e ganhámos ser saber ler e escrever; levámos um chocolate impressionante. Mesmo o Bétis e o Granada, que subiram nesse ano, eram equipas muito fortes.

– Benfica: Parte 2 –
“Podia ter tido oportunidades no campeonato e conquistado o lugar”

À entrada para a segunda época, sabias que não contavas para JJ?
Eu fui o jogador com mais minutos nessa pré-época, porque como fui ao play-off com o Valladolid, a minha época só acabou no final de julho e o Benfica começava a época poucos dias depois. Quando estava ultimar os preparativos para sair de Espanha, recebo uma chamada do Shéu “O mister Jesus quer que te apresentes na terça-feira em Lisboa”. “Mas Sr. Shéu, acabei o campeonato ontem e não tive férias”. “Mas ele precisa de jogadores e quer-te lá” e o que é que eu dizer? Arranquei para Lisboa e estava com um andamento superior a todos porque vinham de férias. Fiz os jogos todos o lado do Miguel Vítor, mas com a venda do Coentrão para o Real vem o Garay e percebi que a escolha para ser o quarto central seria entre mim e o Miguel. No último dia de transferências fui falar com o mister – ele achava que eu devia ser emprestado, que só ia jogar no Benfica a partir dos 25 anos – e surgiu a oportunidade de ir para o Paços com o Rui Vitória; ele e o Carlos Carneiro foram ter a Lisboa, viram um jogo comigo no camarote e convenceram-me. Quando chego a Paços de Ferreira, o Rui Vitória passada uma semana assina pelo Vitória SC. Mexeu um bocadinho comigo e as coisas não correram bem, apesar de termos uma boa equipa. Com a vinda do mister Calisto comecei a jogar regularmente, mas num jogo para a Taça frente ao FC Porto cometo um penalti sobre o Hulk nos últimos minutos e deixei de ser opção. Foi quando comecei a falar com o Benfica para se arranjar outra opção. Quando surgiu a possibilidade de ir para o Rio Ave não hesitei.

Já voltamos a Paços. Ainda no Benfica, como explicas a opção sistemática num Emerson que não rendia em detrimento de, por exemplo, Capdevila?
O Emerson, quando chegou, tinha muitas dificuldades tácticas. Tecnicamente era um jogador evoluído, mas tacticamente (…) o Jesus dava-lhe cada “dura”! Em vez de ser eu, passou para ele e assim já estava mais descansado. Era bom jogador, mas não era tinha as características que o Jesus aprecia num lateral: era alto, mas não era móvel e rápido; ele gosta de laterais com muito andamento, sempre para a frente. Até acho que ele podia ser um excelente central; lembro-me de um jogo muito bom que ele fez em Stamford Bridge nessa posição. Olhava para ele e achava-o parecido comigo. O Capdevila, que tinha sido campeão do mundo em 2010, vem com um ordenado gigantesco e notava-se que estava ali para passar férias e que não estava para se chatear. Chegou para aí com 10 kg a mais; o Jesus estava “tolo” com ele “As férias foram só churrascos, hein?”, dizia-lhe. Estava em final de carreira, já tinha ganho tudo, vinha com moral e conseguiu um bom contrato. Mas dávamo-nos muito bem, porque ele era um “palhaço”, gente boa. Ele jogou pouco por causa disto, o Jesus não é burro.

Sentias que podias ter tido uma oportunidade?
Sinto que se não tivesse sido emprestado ao Valladolid, talvez tivesse mais minutos. Estava em Espanha e via os jogos… o Roderick, por exemplo, fez dois ou três jogos a titular. Como o Jesus estava a apostar tudo na Liga Europa, se calhar podia ter tido oportunidades no campeonato e, quem sabe, conquistado o lugar.

Em Paços de Ferreira cruzas-te com Melgarejo, extremo de origem que JJ adaptou, curiosamente, a defesa-esquerdo. Surpreendeu-te?
Ele era o nosso melhor marcador. Tinha faro de golo. Mas sim, surpreendeu-me porque ele não gostava de defender no Paços (…) mas o Fábio também não gostava de fazê-lo no Rio Ave… mas quando chegas a um clube grande sujeitas-te a tudo.

Pergunto-te também por Luisinho, outra adaptação.
A do Luisinho não, até porque também já tinha sido meu colega no Rio Ave. À imagem do Fábio, é um jogador “ranhoso”, mas tecnicamente muito bom. Pensei que ia ter mais minutos, porque tinha uma personalidade que o mister Jesus aprecia: que dá tudo e que detesta perder.

Também como o Michel. Lembras-te?
Era ponta-de-lança. Claro! O Imperador da Mata Real. Era um fora de série, mas não queria nada com isto. Tinha uma qualidade impressionante! Vinha do Futsal e tecnicamente foi dos melhores jogadores que vi. Às vezes a culpa não é só dos treinadores: quando tens três ou quatro oportunidades e nunca jogas, a culpa não pode ser de mais ninguém.

Mudas-te para Vila do Conde a meio da época e reencontras alguns colegas. Satisfaz-me esta curiosidade: como é dividir o balneário com Tarantini, uma figura à parte do nosso futebol?
Ele já é a imagem do Rio Ave. Conheci o Tarantini no ano em que subimos à Primeira Liga. Ele veio para o Rio Ave nessa altura e, até hoje, tenho uma grande relação com ele e com a mulher. Desde cedo que percebi que era um jogador diferente: tinhas uma conversa com ele e dizias “Fogo, este gajo percebe de tudo”. Outra: quando íamos para estágio, queríamos era jogar Playstation ou às cartas e ele sempre com o seu livrinho, a estudar. Para te ser sincero, achei que não ia conseguir ter a carreira que teve; evoluiu mesmo muito! Depois começas a treinar com ele e percebes que é um jogador muito inteligente. Eu, se fosse treinador, gostava de tê-lo na minha equipa, porque sabe o que fazer em cada momento do jogo. E é sempre ele e mais dez. como pessoa é espectacular; quando deixei o futebol, entrei na Universidade, mas tive algumas dificuldades para escolher o curso e aconselhei-me com ele. Está sempre disposto a ajudar. Vai ser um excelente técnico e acho que será o próximo treinador do Rio Ave.

– Coração Partido –
“Pai, não quero mais”

É precisamente durante um jogo entre o Rio Ave e o Moreirense para a Taça da Liga que te sentes mal após um sprint e que acabas por desmaiar já nos balneários. Percebeste de imediato que não era algo normal?
Senti-me maldisposto, mas não percebi o que era. Pedi assistência médica e levaram-me para o balneário. Como nesse dia estava muito frio em Moreira de Cónegos, abrigaram-me com um casaco e, com os sintomas que descrevi, acharam que era uma quebra de tensão; quando me levanto da marquesa, não sentia as pernas e caí no chão. Foi quando o médico do Rio Ave começou a ficar preocupado e falou com o do Moreirense para chamar uma ambulância. Quando chegou, eu já não conseguia mexer parte alguma do meu corpo, apenas o pescoço. O médico, pessoa calma, estava nervoso, começaram a proibir os jogadores de ir para o meu lado e foi aí que comecei a aperceber-me de que algo não estava bem. O meu pai conseguiu contornar as indicações de afastamento, foi ter comigo e perguntou-me “Então, baixinho, como é que estás?”. A minha resposta foi “Já fui”. Depois de entrar na ambulância apaguei e só me lembro de acordar no hospital. Aí tive consciência de que as coisas tinham sido muito graves.

Houve um hiato entre o que te aconteceu e retomares a actividade física. É quando cais com o teu pai, numa tentativa de recuperar a forma, que decides pôr termo à esperança de voltar a jogar?
Sim, foi nessa ocasião. Antes desse episódio, houve mais quatro em que tive de ser reanimado; o meu coração só voltava ao normal com a ajuda de um desfibrilhador. Após a operação, andei seis meses muito bem, mas nessa corrida com o meu pai perdi os sentidos, caí no chão e, felizmente, ele lembrou-se de me dar dois socos no coração, aos quais reagi. Foi quando disse “Pai, não quero mais”.

Foi instintiva essa decisão?
Foi, foi! É uma sensação horrível saberes que estás a fazer qualquer coisa e que, de um momento para o outro, podes cair para o lado. Foi nesse momento que decidi parar.

Qual foi o papel do Sindicato dos Jogadores nesta situação?
Eu era sindicalizado desde os 17 anos, pagavas as quotas, mas nunca liguei. Foi quando liguei para o Dr. [Joaquim] Evangelista; “Não te preocupes, vou tratar de tudo: vou falar com o Presidente do Benfica, do Rio Ave…”. Passadas duas horas ligou-me “Vou fazer uma conferência de imprensa aqui, no Sindicato”. Quando estou a ir para Lisboa, recebo dezenas de chamadas dos jornalistas a perguntarem-me se era verdade que ia deixar o futebol (…) eu não sabia de nada, nem sabia o que ia fazer! Chego ao Sindicato, estou a falar com o Dr. Evangelista e, de repente, entra o Luís Filipe Vieira “Então, Fábio, como é que estás? O que é que tu queres fazer agora. Queres ser treinador?”, perguntou-me o Presidente do Benfica. Como já me tinha comprometido com o Joaquim Evangelista que ia entrar na faculdade – apesar de só ter o 11.º ano, ia entrar pelos maiores de 23 anos, e o Sindicato ia pagar-me o curso – disse ao Luís Filipe Vieira que, apesar da ideia de ficar a treinar na formação do Benfica agradar-me, queria tirar a minha formação. “Ok. Não te preocupes que vamos cumprir-te o contrato até ao final” e eu fiquei logo todo contente, porque ainda faltavam três anos e eles não eram obrigados a pagar. Mas hoje estou arrependido de não ter aceitado o convite do Presidente do Benfica.

Há pouco mais de um ano, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que seriam as seguradoras a pagar-te uma pensão vitalícia. Isto quer dizer que a doença resultou da prática desportiva?
Exacto. As seguradoras alegavam que a doença era congénita, mas não conseguiram prová-lo. Durante toda a minha carreira fiz exames e nunca acusou nada e a partir do momento em que desmaiei pela primeira vez, começou a acusar. Por isso… foi uma prova para conseguir ganhar. 

Actualmente és treinador adjunto da equipa sub-23 do Rio Ave.
Comecei como adjunto do Zé Gomes na Equipa B. Este ano, como o Rio Ave terminou com a Equipa B e só ficaram os sub-23, fomos convidados pelo mister Pedro Cunha para integrar a sua equipa técnica. Eu estou mais focado no trabalho da linha defensiva e é um motivo de orgulho termos acabado a época com o melhor registo defensivo do campeonato. Também fomos a equipa com mais golos marcados; no fundo fomos a melhor equipa do campeonato. Foi pena ter aparecido a pandemia, porque só faltavam quatro jogos, estávamos à frente e em princípio íamos ser campeões.

Ser treinador principal é um objectivo?
Penso que não. As pessoas acham que tenho perfil, mas gosto de ser adjunto. Sou alguém muito brincalhão, de estar ao lado dos jogadores, e como treinador principal tens de manter um certo distanciamento. Nunca gostei de ser a figura principal em nada.

Para além do futebol, estás ligado a outra modalidade.
Sim, recentemente abri um clube de pádel em Barcelos e, neste momento, é o meu filhote."

Olheiro BnR: Ivan Chishkala

"Com mais saídas do que propriamente entradas de jogadores, neste artigo analisamos a mais recente aquisição do SL Benfica: Ivan Chishkala. Ainda que sem qualquer confirmação e, consequente, apresentação por parte dos encarnados, foi o Gazprom-Ugra quem deu a notícia de que o pivô russo estaria de malas feitas para a ponta oposta do continente europeu.
É a mais de seis mil quilómetros, na cidade de Yugorsk, que vive o próximo pivô das águias e para muitos o “prodígio russo”. A notícia da vinda de Chishkala é muito importante para Joel Rocha não só pela sua tremenda qualidade, mas também porque o SL Benfica precisava urgentemente de um pivô com as características do russo. Sejamos sinceros… Fernandinho é um jogador de classe mundial, mas por muito que se queira não é um pivô habituado a ser “fixo”, acabando por ser demasiado móvel. E Fits? Bem… muito respeito, porém, não anda nem perto dos melhores pivôs que já passaram pelos encarnados.
Deixando aquilo que são as lacunas actuais do plantel das águias, observámos à lupa as qualidades e as dificuldades que Ivan Chishkala demonstra dentro de quadra. O russo de 24 anos é considerado por muitos o grande prodígio do Futsal russo e tem sido um goleador nato no Gazprom-Ugra.
Desde 2014/15, que o pivô tem mantido a marca de mais de 20 golos por época e esta temporada, que acabou ser interrompida pela pandemia de COVID-19, ia já com 18 golos em 27 partidas. Contudo, Chishkala ainda terá oportunidade para balançar as redes das balizas adversárias, pois a 2 de Agosto retomará a Liga Russa. Certamente, os adeptos encarnados estarão de olhos postos no pivô, numa espécie de tentativa – tal como estamos aqui a fazer – de observar a qualidade existente em Chishkala.
O pivô russo tem um bom físico para a posição que ocupa, um excelente remate – principalmente o remate longo –, e é um bom batedor de livres. Nas jogadas ensaiadas, Chishkala pode ser fundamental, visto que no Gazprom-Ugra o pivô é muitas vezes solicitado para rematar de primeira após um passe longo, o que acontece por diversos momentos no jogo dos encarnados. Ou seja, as águias adquiriam um jogador para preencher as lacunas deixadas por algumas saídas. O russo demonstra muito pragmatismo e não denota grande interesse pelas habilidades exuberantes no momento de ultrapassar o adversário. 
É um jogador que já partilhou balneário, tanto no Gazprom-Ugra como na selecção russa, com um dos melhores pivôs do Mundo, Éder Lima, e por isso deve ter retirado muitos ensinamentos ao longo dos anos. Em Lisboa, Chishkala irá encontrar um velho conhecido da sua selecção e do Gazprom-Ugra: nada mais nada menos do que Robinho, que acredito tenha tido alguma importância nesta contratação. Esta dupla (e ligação russa) pode ser o caminho que o SL Benfica tanto procura para chegar à estação de “Mais Títulos Possíveis Numa Época”.
À primeira vista como grandes dificuldades, podemos apontar que Chishkala na grande maioria das vezes poderá ser ultrapassado facilmente numa jogada de um para um e aqui falamos, obviamente, mais nas competições europeias do que propriamente no campeonato português. Defensivamente pode ser um jogador com algumas lacunas numa zona mais avançada do terreno, pois, em cinco para quatro o jogador mostra uma grande consistência.
No Futsal, os jogadores estão em constante rotação em campo, principalmente a defender, e é aqui que Ivan Chishkala demonstra alguma dificuldade quando no momento da transição defensiva perde a percepção onde está a bola e o seu adversário, focando-se muito no último e ficando de costas para a bola. São aspectos que facilmente são trabalhados e melhorados com minutos e adaptação ao novo Futsal que irá encontrar em Portugal.
Depois de nove épocas no Gazprom-Ugra e de toda a carreira em palcos russos, Ivan Chishkala dá um passo gigante naquilo que é a sua projecção para o Futsal europeu. Um dado curioso é que de toda a equipa que fez o apuramento para o Mundial da Lituânia, apenas dois jogadores não faziam parte de clubes russos: Éder Lima (SC Corinthians) e Robinho (SL Benfica). Agora, Chishkala junta-se aos dois brasileiros naturalizados russos numa aventura por Portugal e pelo SL Benfica, numa decisão que chocou mesmo alguns amantes da modalidade devido à mudança de dois países completamente díspares.
O russo não é assim tão desconhecido do público português, pois já defrontou, a título de exemplo, o SL Benfica na UEFA Futsal Cup de 2015/16 (que o Gazprom-Ugra viria a ganhar) e a selecção portuguesa no EURO 2018, competição de boa memória para a selecção das Quinas. Resta agora saber se a qualidade do pivô russo se repercute nos pavilhões portugueses, sabendo, à priori, que será uma mudança radical a todos os níveis na vida de Ivan Chishkala."

Cândido de Oliveira – 62 anos da sua morte

"Cândido Fernandes Plácido de Oliveira, é provavelmente a figura mais importante do século XX no que ao futebol se refere. Nasceu em Fronteira, Portalegre, a 24 de Setembro de 1896, e após ficar órfão, entrou para a Casa Pia de Lisboa em 1905. Desde cedo que demonstrou capacidade e para a prática desportiva e em 1914/15 começou a representar o SL Benfica até 1920, o ano em que fundou, juntamente com mais alguns colegas da instituição, o Casa Pia Atlético Clube.

De exemplo na selecção a agente PAX, contra a ditadura
Foi o capitão no primeiro jogo de sempre da selecção nacional a 18 de Janeiro de 1921 em Madrid numa derrota por 3×1 com a Espanha, arrumou cedo as chuteiras e abraçou a carreira de treinador em 1926 como seleccionador nacional.
Também enveredando pelo jornalismo, inicialmente na “Stadium”, e passando por muitos outros jornais, Cândido de Oliveira trabalhou como inspector geral nos CTT e tinha acesso privilegiado a informações ligadas à espionagem, em que Portugal era o centro, durante a II Guerra Mundial, tornou-se agente de uma rede clandestina inglesa com o intuito de informar os aliados sobre os movimentos alemães em Portugal e organizar grupos de resistência activa e passiva em caso de invasão de Portugal pela Alemanha nazi.

O horror Tarrafal e o jornal “A Bola”
Detido em 1942 pela PVDE foi deportado para o Tarrafal e viveu os horrores já muitas vezes conhecidos pela história, no entanto e tendo em conta a sua dimensão sobre o público, viveu o Campo do lado de fora, não sendo obrigado a trabalhos forçados, o que lhe permitiu continuar com a rede por si montada.
Em Janeiro de 1945 funda, com Ribeiro dos Reis e Vicente de Melo, o jornal “A Bola” após regressar do “campo de concentração de Cabo Verde. Volta como treinador da selecção nacional e logo depois orienta o Sporting CP durante 3 épocas, nas quais consegue dois títulos nacionais ao serviço dos leões e orientou os célebres “Cinco Violinos”. Sai do clube de Alvalade porque não concorda com a não renovação do conhecido e goleador Fernando Peyroteo.

O primeiro lá fora e a paixão que o levou ao fim
Torna-se o primeiro treinador português a treinar no estrangeiro pelo CR Flamengo em 1950, no entanto, apenas fica no Brasil 6 meses e volta para Portugal para treinar a selecção, o FC Porto e a Académica OAF que fica conhecida a dada altura por praticar um futebol de alto nível, onde quem corria era a bola e não os jogadores, algo que se pode equiparar hoje ao tiki-taka de Guardiola no FC Barcelona.
Seguiu para a Suécia em 1958 para acompanhar como jornalista do jornal “A Bola” o campeonato do mundo de futebol, onde Pelé começou a brilhar aos olhos do mundo. A paixão ao futebol e ao jornalismo levam-no a ignorar as indicações de um médico que lhe limitavam a ficar em casa durante uma semana, em pleno mundial, após queixas de uma gripe que contraiu por não poder levar toda a sua bagagem e, consequentemente, toda a sua roupa, na viagem de avião que apanhou após ir de carro de Portugal até França. A gripe evoluiu para uma pneumonia e a 23 de Junho de 1958 morreu no hospital em Estocolmo com 61 anos.

A homenagem possível
O país inteiro comoveu-se, a Académica OAF em particular, o funeral passa pela sede do CA Casa Pia e termina no cemitério do Alto de São João sempre acompanhado por uma multidão que lamentava a perda do verdadeiro mestre do desporto e do jornalismo.
A partir de 1981, a Federação Portuguesa de Futebol passa a atribuir à supertaça de futebol, prova que junta o vencedor do Campeonato Nacional com o vencedor da Taça de Portugal da época anterior, o seu nome – Supertaça Cândido de Oliveira.
Treinado por Cosme Damião, fundador do SL Benfica, primeiro capitão de sempre da Selecção Nacional, seleccionador nacional e pioneiro em Portugal no desenvolvimento teórico sobre metodologias de treino e tácticas na modalidade, jornalista e fundador do Clube Atlético Casa Pia e do jornal “A Bola”, lutador “silencioso” antifascista que esteve como preso político no horror do Tarrafal, Cândido de Oliveira foi, sem dúvida alguma, o autêntico homem do renascimento e desenvolvimento do futebol em Portugal, foi e é o Mestre do Futebol."

O 4x4x2 de Marco Silva e necessidades encarnadas

"Apontado ao Benfica, Marco Silva teve na presente temporada um dos anos mais desapontantes da sua carreira.
Sete vitórias em dezoito jogos num Everton pleno de individualidades de muito bom nível (embora o consagradíssimo Carlo Ancelotti não se prepare para fazer substancialmente melhor – Leva seis vitórias em catorze jogos), foram pecúlio insuficiente para garantir continuidade.
Campeão na Grécia, um ano positivo no Sporting (apenas duas derrotas na Liga e uma pontuação apenas batida por Jorge Jesus em duas das suas três temporadas, e conquista da Taça de Portugal), depois das boas temporadas no Estoril, marcam o percurso de Marco Silva antes da entrada na Premier League, onde apesar do impacto inicial prometedor, não conseguiu sobreviver.
Líder tranquilo e respeitado ao máximo por todos os jogadores, que acabam invariavelmente por o considerar o homem certo para os guiar, tem na capacidade de análise durante o jogo e no seu pós, pontos fortes que lhe permitem fazer crescer a equipa dentro do próprio jogo.
No Everton alternou sistemas, mas “aterrando” em Lisboa, deverá ser no 4x4x2 que se fixará
Saída baixa em 4x4x2 com dois médios lado a lado
Chegada ao último terço – 2 médios sempre em Cobertura (atrás da linha da bola)
Lateral do lado da bola envolve-se e preparação da finalização com Avançados e Extremo lado oposto
4x4x2 – Pouca distância entre Sectores aquando do momento de Controlar Defesa alta – Médios aproximam

Mais do que um treinador que resolva problemas, o Benfica precisa de um treinador capaz de dar início a uma revolução dentro do próprio grupo de trabalho, refém de qualidade e liderança.
Se é um facto que o actual plantel serve perfeitamente para ser campeão (mas atenção que os miúdos do FC Porto crescerão, e quando estiverem mais perto do nível que atingirão a qualidade será incomparável entre ambas as equipas), também é óbvio que jamais servirá para um futebol de outros tempos, ou sequer para poder ter participações minimamente dignas na Europa.
Laterais – Ambos os lados; Centrais – Mais do que um, ou mais do que dois se Rúben Dias sair; Um médio completo (Gabriel defende, Taarabt ataca) para jogar com Weigl; três jogadores de inegável valor para jogar nas costas dos médios adversários que possam entrar nos lugares de Pizzi, Rafa ou Vinicius e de um segundo avançado – Pedrinho tem potencial para ocupar de imediato o lugar de Pizzi, embora tenha que crescer a jogar) são necessidades obrigatórias numa equipa que embora nivelada.. tem pouquíssima qualidade para o que habituou os seus adeptos nos anos de Jorge Jesus. 
Mais importante que a chegada de Marco Silva, ou qualquer outro treinador, o Benfica tem de refazer o seu plantel pleno de enganos e de jogadores com alguns traços bons mas outros maus, que os tornam demasiado incompletos para terem rendimento. Quem se lembra de Witsel? o homem que atacava e defendia com igual competência?"

Mais regressos

"Depois do regresso aos treinos das modalidades de pavilhão, será agora a vez da nossa equipa feminina de futebol, com o primeiro treino agendado para a próxima quarta-feira, dia 1 de Julho. Também a nossa equipa da formação que participará na fase final da UEFA Youth League, cujo calendário foi definido recentemente, se apresta a retomar a actividade em breve.
Relativamente à equipa feminina, o grupo de atletas às ordens do treinador Luís Andrade manterá uma matriz de competitividade e ambição em todas as frentes, "à Benfica".
Após uma temporada marcada pela conquista da primeira Supertaça de Portugal e depois de dominar e manter-se na luta pela vitória em todas as provas do calendário nacional – a pandemia COVID-19 acabou por obrigar à suspensão de todos os jogos desde meados de Março –, as futebolistas do Benfica estiveram em período antecipado de férias e apresentam-se, agora, para o arranque oficial da pré-época.
Por estes dias, estão a ser ultimados todos os detalhes quanto à constituição do plantel e preparadas as máximas condições de saúde e segurança para um regresso que seja o mais próximo possível da normalidade, mas respeitando sempre as normas de saúde pública da DGS que, desde cedo, o Benfica priorizou e aplicou.
Dando sequência natural à linha definida desde a criação da nossa equipa feminina de futebol, há perto de dois anos, continuará a aposta em valores da formação com elevado potencial. Oportunamente, serão anunciados também os nomes do lote de jovens do grupo de elite da formação do Clube que terão oportunidade de integrar os trabalhos das seniores no decorrer desta pré-época. 
Quanto à participação na UEFA Youth League, o jogo frente ao Dínamo Zagreb, referente aos quartos de final, será realizado em Nyon, Suíça, e está agendado para o dia 18 de Agosto (17h00 locais). As meias-finais estão marcadas para o dia 22 e a final acontecerá a 25. Todos os jogos serão disputados em Nyon.

P.S.: Recordamos todos os benfiquistas que o período de votação na Assembleia Geral, que será realizada hoje, foi antecipado e alargado devido a recomendações da DGS e face às novas medidas adoptadas ontem para a Área Metropolitana de Lisboa. Assim, os Sócios poderão votar a partir das 14h30 e até às 22h00. Participe!"

Do dez a zero ao descalabro

"Bruno Lage está na iminência de ser despedido um ano e meio depois de assumir o cargo, após a demissão de Rui Vitória. 16 meses depois de vencer um jogo por 10-0, 15 meses depois de recuperar de uma diferença de 7 pontos com uma reviravolta no Dragão, 13 meses depois de ser Campeão com uns inacreditáveis 103 golos, 10 meses depois de conquistar a Supertaça com uma manita histórica ao Sporting e 5 meses depois de ser líder com 7 pontos de avanço e uma 1ª volta praticamente perfeita. Como isto aconteceu?
Bruno Lage foi um amor de verão como muitos de nós tivemos na nossa adolescência. Não sabíamos bem onde aquilo ia parar, mas foi belo, foi intenso, foi eterno enquanto durou. Nada apagará essas memórias. Tínhamos um treinador jovem, moderno, que só falava de futebol, que reestruturou um onze perdido apostando em João Félix, promovendo Ferro, Florentino e Gabriel e colocando Pizzi na direita, onde mais rende. E o Benfica voou. Oh se voou! Vivemos o mais parecido a que os portistas terão sentido com José Mourinho e André Villas Boas. Que com este jovem íamos conquistar Portugal, a Europa e o mundo! Só que tal como nos amores de verão, o inverno chegou. E a relação foi-se esmorecendo.
Muito por culpa de Bruno Lage. Que tendo dado um título milagroso à "estrutura" não se soube impor no verão exigindo os reforços que o plantel precisava e Jorge Jesus costumava conseguir. Aceitou o papel de "team player", treinador de estrutura e em vez de garantir que chegava a alternativa a Vlachodimos que publicamente pediu, ou um lateral direito, um trinco ou o segundo avançado que substituísse João Félix e Jonas, concordou, nem que por omissão, que o plantel fosse reforçado apenas com dois pontas-de-lança semelhantes a Seferovic, que já lá tinha. Lage foi até mais papista que o Papa e para agradar à estrutura resolveu colocar jovens do Seixal na Liga dos Campeões. É inacreditável pensar que Tomás Tavares a determinado momento levava 270 minutos na Liga dos Campeões e 23 minutos no campeonato. Que a única estreia de David Tavares na equipa principal tenha sido num jogo contra o Leipzig, na estreia da fase de grupos.
Lage falhou no reerguer do Benfica Europeu, mas nem foi por tentar. Foi mesmo porque abdicou de tentar! Já o tinha feito o ano passado na Liga Europa, diga-se, rodando constantemente a equipa nesses jogos e deixando os titulares para o campeonato. Essa falta de ambição é imperdoável, mas o pior veio nos últimos meses, com uma incapacidade gritante de evitar que o barco fosse afundando. A gestão dos pontas-de-lança é sintomática: rodando-os na fezada que algum haveria de marcar golo e muitas vezes lançando os três ao mesmo tempo, numa táctica kamizaze digna dos treinadores básicos do "Football Manager".
Chegámos então à situação actual, com um Benfica à deriva, com uma incapacidade gritante de jogar futebol, com um registo de resultados digno do Vietname (o período do clube entre 1994 e 2004) e prestes a perder o campeonato para o FC Porto mais fraco que há memória.
Mas paremos para pensar noutra coisa. A culpa é só de Bruno Lage? Não. Não mesmo. Há culpas no cartório também para presidente, jogadores e adeptos. Comecemos por Luís Filipe Vieira: um tipo que já assumiu por mais que uma vez que de futebol nada percebe, mas que continua arrogantemente a querer assumir a pasta, somando insucessos atrás de insucessos. O que seria dos 17 anos de Vieira se não tem acertado em Jorge Jesus, que foi quem lhe deu balanço para a maioria dos títulos que ganhou? Vieira não tem qualquer política desportiva para o futebol do clube que não seja formar e comprar jogadores para vender e gerar dinheiro. Repare-se: há quanto tempo o Benfica não gasta dinheiro num lateral direito? E porquê? Simples, porque laterais direitos não geram vendas avultadas. Mas que equipa sobrevive com esta política desportiva? Para se ganhar troféus tem que se ter titulares fortes em todas as posições. No entanto, Vieira foi desinvestindo cada vez mais na equipa de futebol para abrir espaço para os craques do Seixal, mas ao mesmo tempo vende-os passado 6 meses. E então chegamos à situação actual em que não temos craques estrangeiros nem formados.
E ok, não há craques, só há jeitosos, mas sejamos claros: o plantel do Benfica actual tem mais que obrigação de ganhar a Santa Clara na Luz. Tem mais que obrigação de conseguir mais que 2 vitórias em 12 jogos. Os jogadores também têm que assumir a sua responsabilidade. Têm os ordenados mais elevados da História do clube, nem em layoff estiveram no período de quarentena e têm que dar mais do que têm dado. Muito mais. Nenhum de nós sente que eles estão a deixar a pele em campo, que estão a terminar os jogos frustrados como nós terminamos. Faltam líderes, faltam Homens a esta equipa.
Só que cheguemos à introspecção: nós adeptos também temos culpa. Primeiro porque adormecemos à sombra de alguns títulos e permitimos ao presidente actual alterar os estatutos de modo a que seja quase impossível tirá-lo de lá. Um presidente que se sente intocável, que acha que só sairá do Benfica quando ele muito bem entender e que não sente nunca o lugar em perigo, obrigando-o a correr atrás do prejuízo. Que nestas próximas eleições não se dignará a participar em debates e proibirá que o canal do clube possa expor as ideias dos outros candidatos. Mas a maior falha é esta: somos adeptos do maior clube Português, que tem o dobro dos adeptos dos outros clubes, o dobro dos sócios, durante muito tempo o dobro dos títulos e não nos comportamos como tal.
O Benfica devia ser como o Bayern na Alemanha ou a Juventus em Itália e no entanto aceitamos de forma passiva que o Benfica continue a perder campeonatos de forma regular para um FC Porto que até aos anos 80 nem cócegas nos fazia. Somos pouco exigentes, não respeitamos nem reconhecemos a grandeza, a História e a mística deste clube. Não somos dignos herdeiros de Cosme Damião, Eusébio, Coluna ou do antigo 3º Anel, daquele Tribunal da Luz que até Nené assobiava. Imagine-se contar a um Benfiquista dos anos 60, 70 ou 80 que o clube iria só vencer 3 Taças de Portugal em 20 anos ou que iria perder títulos de forma constante para o FC Porto? Levávamos um estalo na cara e obrigavam-nos a ir para a entrada do estádio falar com o presidente e ao campo de treinos dar uns calduços nos jogadores, enquanto a situação não estivesse resolvida.
Lage irá naturalmente cair, mas é importante que comecemos a olhar mais para a floresta e menos para a árvore. O clube de Cosme Damião, Eusébio e Coluna, o mítico Sport Lisboa e Benfica, o gigante de Portugal e da Europa, tem de parar de dar abébias aos seus rivais, estruturalmente menores, única e simplesmente por incompetência."

O negócio roubou a alma ao Benfica (1)

"Não costumo alongar-me muito sobre a vida do meu clube porque o vivo apaixonadamente. E quem vive apaixonadamente alguma coisa tem o sangue a correr forte nas veias e facilmente se deixa levar pelas emoções, que inocentemente resvalam para discussões estéreis nas redes sociais que, regra geral, dão azo a quebras de amizade e ao insulto fácil. Essa é, por isso, a forma que arranjei para ser um pouco mais racional neste assunto: remeter-me ao silêncio. Só que já não dá mais. E nem falo só deste catastrófico fim de época. Falo de um rol de situações, confusões e maroscas que nos colocam consecutivamente nas parangonas dos jornais. E sim, eu sei que o Benfica vende muito e que parte delas são puras invenções ou notícias para encher chouriços, mas outras há que não. Começa a tornar-se demasiado evidente o desnorte de uma estrutura que se tornou amorfa e resolveu abdicar de um projecto desportivo para desenhar uma visão mercantilista que não olha a meios para atingir os seus fins.
É, por isso, até porque se aproximam umas eleições, a altura certa para darmos o nosso contributo e a nossa opinião sobre o assunto. Nos dias que correm, os clubes tiveram (e bem) de se profissionalizar e implementar uma visão empresarial para que pudessem sobreviver, crescer e desenvolver-se. Até aqui, Vieira e a sua direcção fizeram tudo muito bem. O problema foi depois. Um clube de futebol nunca será uma empresa normal. Por aqui mexe-se com emoções, com risos e choros, com amor de deixar tudo na hora do jogo. Aqui beija-se a camisola com uma profundidade inexplicável, sofre-se de uma forma implacável e quando é bom, meu Deus, leva-nos ao céu. É, por isso, tão importante ganhar, mas não basta ganhar, é preciso que a alma e a mística do clube nos envolvam e nos deixem orgulhosos. É por isso que, mesmo que nos últimos seis anos o Benfica tenha ganho cinco títulos nacionais, isso não é suficiente.
Nestes quatro anos de mandato, a direcção do Benfica rebentou completamente com a equipa de futebol, vendeu os melhores jogadores e para o lugar destes trouxe um comboio de outros de qualidade duvidosa. Muitos deles nem chegaram a treinar. O clube tornou-se um entreposto de jogadores com ligações estranhas a clubes paraguaios e polacos. Tentou-se vender a ideia de que só com os jogadores da formação se lutaria por títulos europeus quando, na verdade, estes jogadores precisam de outros mais experientes para crescerem, e não da mediocridade vigente, que lhes faz perder a confiança. Custa ver plantéis depauperados e desequilibrados numa altura em que o rival se encontra em grandes dificuldades financeiras – uma oportunidade perdida para se criar uma verdadeira hegemonia, à custa do vício do negócio. Prometem-se grandes conquistas e depois faz-se gala de que, se não fosse a covid, os nossos dois melhores jogadores estariam vendidos. Areia para os olhos e mentiras atrás de mentiras, gozando com os sócios através de estratégias de comunicação gastas.
Queremos de volta a nossa alma que a cegueira do negócio roubou. Nós, que vos levamos ao colo para todo o lado, que enchemos as bancadas dos sítios mais distantes e longínquos, que abdicamos de muito para ter um lugar no estádio ou para comprar um bilhete. Nós, que queremos passar uma mística aos nossos filhos que os faça sonhar todos os dias como nós um dia sonhámos. Estamos fartos de yes-men que corroem o nosso amor, de gente sem qualidade. Temos vergonha dos Pedros Guerras que nos representam na televisão e das sucessivas campanhas que têm feito para nos iludir. Façam o que nos prometeram e devolvam o nosso orgulho e a nossa chama imensa com um projecto desportivo que nos devolva a imagem que um dia tivemos lá fora. O Benfica é nosso e há de ser. Vêm aí eleições, espero eu com vários candidatos e projectos distintos. Está na hora de esta incomparável massa associativa tomar decisões e escolher para onde quer ir. O que temos não chega. Queremos mais. Sem medos. Somos Benfica."

Futebol sem emoção, excepto em Portugal…

"Uma coisa é jogar de estádio cheio, com claques, faixas e todo o tipo de apoio. Outra coisa bem diferente é jogar num estádio vazio...

O futebol voltou, depois de muitas ponderações e considerações, e o que temos visto em Portugal é que os dois grandes estão a jogar bastante mal. Não vou agora tecer comentários futebolísticos mais técnicos à prestação das equipas, mas esta é uma verdade mais ou menos consensual que trouxe até alguma emoção à disputa pelo campeonato.
A verdade é que já não estavam a jogar grande coisa antes da covid, mas esta paragem e o facto de termos hoje jogos à porta fechada, estão a ser usados como desculpa para os maus resultados e exibições bastante duvidosas.
O futebol sempre foi de facto um território de paixão, mais do que um desporto, um território que unia as pessoas (mesmo havendo rivalidade), que criava comunidades, sentimento de pertença, alegria e capacidade de mobilização.
Víamos adeptos que quase davam a vida pelos seus clubes, numa relação de dependência e às vezes fanatismo até preocupante, percebíamos a onda de apoio e até de sacrifício que adeptos faziam pelos seus emblemas. E mesmo a um nível mais ‘normal’ víamos como as famílias se uniam para ver um jogo, como os amigos combinavam algo especial e como pais e mães investiam nos seus pequenos talentos e os punham também a jogar e fazer parte deste universo.
O que nós percebemos com todo este novo contexto – se é que já não o sabíamos – é que de facto os adeptos são muito mais importantes para os clubes do que poderíamos imaginar. Não só pelo lado financeiro – com lugares anuais, merchandising, bilhetes, tours, museus, entre outros – mas pelo lado emocional e pela importância que têm no próprio desempenho dos atletas.
Uma coisa é jogar de estádio cheio, com claques, faixas e todo o tipo de apoio. Chegar a um estádio e ver o rebuliço da entrada, a paixão dos adeptos, as cores, o barulho, as músicas. Outra coisa bem diferente é de facto jogar num estádio vazio. Os jogadores queixam-se, os adeptos queixam-se e o futebol não é o mesmo.
Sabemos que há normas de saúde a cumprir e que vivemos tempos estranhos, mas o futebol assim não convence E não é o mesmo para mim, fiel adepta, mas também não é o mesmo para as marcas, que tanto investem neste território de paixão e se veem hoje sem público. É certo que há o jogo e que se tenta de alguma forma recuperar a normalidade, mas o futebol é muito mais do que temos hoje.
E sendo um dos territórios com mais potencial de comunicação do mundo, exactamente pela força que tem e pelo lado mais apaixonante que o define, é importante que se mantenha a sua essência e que ele volte a unir pessoas, a gerar momentos inesquecíveis e a criar memórias que passam de geração em geração. E a justificar também os avultados investimentos que nele são feitos e que são tão importantes para tantos sectores.
Hoje sentimos o futebol parado, ainda que tenha recomeçado.
E também aqui é urgente que se volte a alguma normalidade... os atletas precisam, os adeptos agradecem e as marcas voltam a ter uma plataforma única para comunicar com os seus fãs.
Pode ser que assim se acabem as desculpas e se possa voltar a ver, entretanto, bom futebol."

Desporto de alto nível como exemplo de respeito pelo planeta

""O que faço é apenas uma gota no oceano, mas são gotas de água que fazem o oceano"
Madre Teresa

Sou atleta de alto nível desde 2006, ano em que ganhei a minha primeira medalha nacional. Estou no circuito há 14 anos. Uma sorte por várias razões, mas também um drama. É um drama para o planeta. Dei mais de dez vezes a volta ao mundo, durante todas as minhas viagens desportivas. Já usei mais de vinte caiaques de carbono. Dormi milhares de noites em hotéis e comi outros milhares de refeições em restaurantes. Mas há sempre algo de positivo nesta vida, nesta paixão ou neste trabalho. Estou de boa saúde, conheço o meu corpo melhor do que 99% das pessoas deste mundo conhecem o delas, espero dar alegria a quem ama este desporto e aos que me seguem, e amo o que faço, especialmente. 
Mas é difícil quando percebo o mal que faço ao nosso planeta para satisfazer a minha paixão. A parte mais difícil para mim é ver o estado dos rios, e até dos mares, durante as minhas várias sessões de treino e viagens. É assustador ! Amo a vida, amo o nosso planeta e estou diariamente à procura de maneiras de tornar a minha prática de alto nível tão responsável quanto possível.
Então, há mais de sete anos, adoptei comportamentos mais ecológicos e tento promovê-los ao mesmo tempo que o faço em relação à minha imagem de desportista nas redes sociais.
Há sete anos que como alimentos orgânicos; tento colectar o máximo de resíduos dos rios em cada treino, para colocá-los no lixo; conserto em vez de comprar um novo objecto o máximo possível; tenho uma cabaça para beber água; alugo alojamentos onde possa cozinhar para evitar restaurantes; não tomo mais de um banho por dia, mesmo se treino frequentemente duas a três vezes diariamente; como fruta e legumes da época; e sou vegetariano.
Tudo isto é apenas uma pequena gota no oceano... porque viajo demais, ainda consumo demasiado... sei disso e é difícil.
Quando ignoramos os nossos valores fundamentais, é fácil conviver com isso, mas quando percebemos as consequências, o mais difícil é não poder mudar ainda mais. Todos os dias, na minha prática, me pedem que melhore para ser o melhor. Todos os dias tenho de corrigir os meus erros uma e outra vez para melhorar alguns centímetros ou obter alguns centésimos de ganho, mas é uma verdadeira felicidade, uma satisfação pessoal atingir as metas estabelecidas diariamente, vencer os desafios do dia-a-dia. Mas, para atingir o sucesso desportivo, ainda produzo toneladas de dióxido de carbono cada ano.
Em relação ao respeito pelo planeta e ao meu impacto nele, tenho dificuldades em reduzir mais as minhas emissões de carbono, devido à minha prática de alto nível, com treinos e competições em todo o mundo.
Viajar menos e competir com um caiaque velho sem nunca mudá-lo seria contraproducente para o meu desempenho.
Desportos e atletas de alto nível poderiam ser exemplos de respeito pelo Planeta? Eu, sinceramente, espero que sim e tento fazer a “minha parte de beija-flor”. Estou muito orgulhoso que Tóquio 2020 tenha camas recicladas na Vila Olímpica e espero que também possam reduzir o uso de plástico durante os Jogos Olímpicos. Já seria uma grande mudança.
E se Tóquio 2020 reduzisse o plástico, a carne e as emissões de carbono em geral, você ficaria orgulhoso do Movimento Olímpico?
Eu ficaria, bastante!
Ficaria tão orgulhoso de levar esses valores exemplares e de adaptar ainda mais o meu comportamento ao nosso planeta.
Juntos seremos capazes de alcançar o meu segundo objectivo após o “sonho olímpico”: é de “fazer respirar de novo a natureza e o nosso planeta!”"