"Por causa de três. Pereira exige a Pereira que apareça de cinco em cinco. A verdade é que estes três são como os mosqueteiros de Alexandre Dumas: escondem um quarto. Ou seja, se Pereira exige a Pereira que apareça de cinco em cinco, não quer certamente que Pereira venha falar de D'Artagnan.
Pereira aprendeu depressa. Lê a cartilha com facilidade. Pode não ser de famílias finas como o cão d'água irlandês, mas obedece às ordens respeitosamente como se o Madaleno fosse uma espécie de Jesus acabado de regressar à companhia dos mortais. É difícil perceber qual dos dois é mais servil: se Pereira ou Pereira. Mas também pouco importa. Educados na arte da surrelfa sabem medir palavras e gestos. Talvez Pereira não apareça de cinco em cinco. Talvez não apareça sequer de seis em seis, porque à sexta haverá de certeza muito para dizer. Ou melhor: para calar! Talvez Pereira apareça jamais. Mas sabemos que ele está lá, no seu posto, atento e venerando, de cócoras. Assustado com a verdade destes três que foram quatro, Pereira assomou à janela e uivou de desespero. E quando os lobos uivam é sinal de que a alcateia de prepara para descer à aldeia trazendo consigo a desgraça. Uma desgraça de quatro patas. É preciso cuidado, muito cuidado, quando se ouve uivar os lobos. Pereira sabe que o seu tempo é curto. Pereira sabe que o Madaleno é impaciente e sem escrúpulos. Pereira sabe que Pereira tem medo. Por isso Pereira uiva. Há desespero no seu uivo, mas tem como certo que faz tremer de pavor os senhores de cócoras. Entre Pereira e Pereira, a diferença é, hoje, nenhuma. Um fala e o outro escuta e está de acordo. E fará a vontade ao poder da força. Como sempre. A fraude está para durar. E Pereira e Pereira bem que podem extinguir-se por confusão."
Afonso de Melo, in O Benfica