"O período de confinamento trouxe ao de cima as grandes qualidades humanas de muitos, mas também alguns defeitos. Por exemplo, a nossa tendência para propagar passatempos de gosto discutível. Não sei se viram este que passo a explicar: chama-se jogo das capas. A pessoa passa 10 dias a enumerar os 10 discos que mais influenciaram o seu gosto musical, com ou sem grande explicação, e convida mais não sei quantos amigos para fazerem o mesmo. Resultado: o Facebook transforma-se numa banca de vinil usados da Feira da Ladra. Já sei o que vão dizer: não gostas, não olhes. É precisamente isso que tenho feito. Escusam de relembrar aquele disco do Frank Zappa que vos libertou da puberdade. Já cliquei onde diz “esconder post”. Amigos como dantes.
Neste contexto de união nacional em que todos arregaçam as mangas e fazem algo pelos outros, também eu dei por mim a pensar no que poderia fazer para ajudar o país: no meu caso, isso passa necessariamente por tentar entupir as redes sociais com outro conteúdo de gosto discutível. Foi assim que cheguei à minha variação do jogo das capas: o jogo dos grandes adeptos.
Cada adepto escolhe 11 adeptos do seu clube que o tenham influenciado de alguma forma e deverá depois desafiar outros 3 adeptos.
O jogo é válido para adeptos de todos os clubes. Podem publicar um por dia durante 11 dias ou despejar os 11 nomes em cinco minutos. É-me indiferente.
O jogo termina quando todos acharmos que isto se tornou mais uma modinha insuportável nas redes sociais.
Uma vez que sou eu o inventor do jogo, este irá arrancar não com 11 mas com 12 benfiquistas que me influenciaram. É a vida.
Escreverei um número de caracteres ligeiramente excessivo para cada um deles, já que é para isso que a Tribuna Expresso me paga. Vocês não precisam de escrever tanto.
Lanço o convite à Catarina Pereira e ao Diogo Faro, meus colegas aqui na Tribuna, e a quem mais se quiser juntar. Utilizem o hashtag #11DaBancada para eu poder acompanhar as vossas participações.
Vítor Paneira
É a principal razão por que me lembrei de fazer este jogo, logo após ler a entrevista dele publicada na Tribuna. Para além disso, foi um ala direito que nasceu à frente do seu tempo. Só assim se explica que os primeiros 200 resultados de uma pesquisa pelo seu nome no YouTube não utilizem os termos “SKILLS | GOALS | ASSISTS” no título dos vídeos. É que foram muitas skills, goals e assists, as melhores das quais vestindo de encarnado. Curiosamente, o vídeo com mais visualizações que encontrei tem o título “Vítor Paneira, um ala romântico”. Talvez seja essa a mais adequada forma de descrever o jogador-adepto que nos fez berrar quando bisou frente à Juventus de Baggio, Vialli, Moller, e Conte, uma equipa fria e algo aristocrata que irritava de tão em que jogava, até se deparar este génio de Vila Nova de Famalicão. Esse era o jogador que ajudaria a arrumar com o Bayer em Leverkusen, o mesmo que hoje valeria dezenas de milhões e seria o hype de meia Europa, e o mesmo que pouco tempo depois seria dispensado do Benfica por um lunático de bigode mal aparado licenciado em Filologia Germânica. Felizmente, Paneira não guardou rancor ao clube, e o adepto que hoje conhecemos não fica atrás do jogador. Recordo—me há poucos meses de o termos avistado na bancada em Vila do Conde a celebrar uma importante vitória rumo ao 37, como se fosse um de nós. Em bom rigor, já não se faz destes.
Bernardo Silva
Para além do enorme benfiquismo demonstrado em numerosas ocasiões, o Bernardo é o tipo de jogador a quem nós nos dirigimos pelo primeiro nome, porque é membro da família. Vimo-lo nascer, até que subitamente nos privaram de assistir à sua infância. Foi um pouco como se nos tivessem retirado a custódia do filho e agora os seus novos pais esfregam-nos na cara que são melhores do que nós, apesar de o próprio filho afirmar publicamente que gostaria de voltar a casa. 15 milhões não pagaram aquilo que perdemos e não devíamos olhar a meios para o fazer regressar, mesmo que o Bernardo adepto regressasse sem receber um cêntimo.
Mário Wilson
Eu não conheci o Mário Wilson jogador e capitão. Só conheci o bombeiro e condutor de homens que se sacrificou num tempo em que os plantéis pareciam sempre compostos de destroços e o Benfica se via diminuído em campo e na bancada. E isso bastaria para nunca mais me esquecer dele, mas, entre outras coisas, Mário Wilson foi também responsável por 3 minutos e meio de amor ao clube num discurso pouco preparado mas saído do coração que justificaram a existência da gala do clube no seu 108º aniversário e emocionaram até os figurantes presentes na plateia. Brincadeiras à parte, é e será sempre um dos maiores da história do clube, por ter lá estado quando este mais precisava.
Paulo Parreira
Não sei se esta será a melhor escala, mas sempre que o vejo apetece-me dizer que o benfiquismo do estádio vai de 0 a Paulo Parreira, o adepto possuído e artista musical que em 2012, se não me falha a memória, deu a receita para os melhores momentos do Benfica nesta década, ao comparar os adversários a “peixes debaixo de água” para depois explicar que dessa forma os ditos peixes não seriam capazes de respirar. A expressão “nem respiram” perdura, mas a dúvida científica permanece. Vocês perguntam: peixes debaixo de água não respiram? Isto faz algum sentido? Não. Mas, como muitas coisas no benfiquismo mais apaixonado, nem tudo se explica ou tem que fazer sentido, especialmente depois de umas Sagres. É aí que reside a magia de Paulo Parreira, na intersecção entre a cevada e o maior clube do mundo. O estádio ganharia em ter mais como ele.
David Luiz
Por ser um de muitos jogadores que demonstram o quão marcante é representar o Benfica. Não querendo entrar muito em comparações, parece-me evidente que os atletas que passam pelo Benfica e que se dedicam ao clube na exacta medida da grandeza do clube são precisamente os que nunca mais se esquecem do que aqui viveram. E são muitos, quase sempre mais do que conseguimos recuperar nas conversas entre benfiquistas. Felizmente são os próprios quem faz questão de lembrar as saudades do tempo que viveram connosco e o carinho que continuam a ter pelo clube. Não sei se o David Luiz está no pico da sua carreira, mas aceitava-o já de volta.
Júlio António
O Júlio será para muitos uma cara e voz conhecida da BTV, mas para além disso é pai de um grande amigo meu, o que deu o privilégio de o conhecer e com ele privar um pouco para perceber que, apesar dos anos que nos separam, os benfiquistas acolhem os seus como se de família se tratasse. Além disso, é um formidável contador de histórias e tem muito Benfica em si. Um abraço, Júlio. Vamos combinar o tal almoço assim que este suplício terminar.
João Gonçalves
Antes de o João ser uma das vozes mais sensatas, cultas e apaixonadas da BTV, já era um dos benfiquistas mais activos que eu encontrara nas lides digitais. Agora que penso, são quase 20 anos e ler o que o João diz. Já concordei muitas vezes com ele, já discordei uma ou outra, e até acho que já me senti visado de alguma forma por textos do João, não por ele se dirigir a mim, mas porque pensa o Benfica de forma crítica e sempre com os olhos na vitória, ou em ganhar por mais. Se ele criticou, é porque provavelmente o merecemos. O João consegue ainda o raríssimo feito de escrever todos os seus textos metaforicamente de pé na bancada, onde os melhores adeptos se encontram. Digo “os melhores” porque isto do benfiquismo também tem a sua hierarquia. Eu não tenho pruridos nenhuns em afirmar: o João é melhor benfiquista do que eu. Não sei se é mais benfiquista, mas é melhor. Nunca se deixa perturbar no seu amor militante pelo clube, nunca se afasta da bancada, quase nunca perde uma deslocação, e, apesar de tudo isto, não perde a lucidez. Eu nunca perco os seus textos no Red Pass, um blog essencial, repito, essencial para todos os benfiquistas.
Sérgio Engrácia
Se os adeptos do Benfica que eu sigo nas redes sociais fossem uma equipa de futebol, o Sérgio seria o mais talentoso e trabalhador dos centrocampistas (já agora, eu seria o Pesaresi). Ouvi falar do Sérgio pela primeira vez, penso, com o Conversas à Benfica, um magazine digital em que o Sérgio discute e pensa o Benfica com adeptos, atletas e treinadores. Curiosamente, o primeiro convidado foi o João Gonçalves. Depois disso vi-o ligado, entre outras coisas, ao projecto Benfica Independente, que é uma manifestação de vitalidade do clube - que inclui o óptimo Benfica FM, entre outros - composta por um punhado de grandes adeptos que me habituei acompanhar e, mais recentemente, passei a apoiar com um pequeno donativo mensal feito na plataforma Patreon. Já recebi uma caneca toda catita oferecido por estes amigos, mas não pensem que é suborno. Como se tudo isto não fosse suficiente, o Sérgio vê-se confinado como os restantes portugueses e, ao contrário da maioria deles, decide criar uma epopeia de conversas sobre o clube chamada #BenficaDeQuarentena que é, literalmente, o conteúdo mais interessante, oficial ou não oficial, que se viu sobre o Benfica nos últimos 2 meses. E, se não estou em erro, o Sérgio faz ou participa em literalmente tudo isto que acabei de vos descrever por um só motivo: amor ao Benfica. A sua compensação tem sido maioritariamente o reconhecimento de uma franja de adeptos benfiquistas ligados às redes, mas deveria conhecer palcos maiores. Suspeito que lá chegaremos.
Ciclista de Campo de Ourique
Há uns anos vivi em Campo de Ourique e pude constatar a beleza que é ter um adepto que nos lembra a existência do Benfica dezenas de vezes ao dia. Não que precisemos, mas nunca me cansei de ver passar este senhor, ar de vencido da vida sobre o selim, a pedalar à volta dos quarteirões com a sua bicicleta equipada à Benfica. Se me parece louco sempre que o vejo passar? Sim, parece. Qual é o problema?
Grupos de Whatsapp
É uma espécie de benfiquista de 50 cabeças que me habituei a apreciar. Muitas formas de sentir o Benfica, quase sempre de forma civilizada e respeitosa, mesmo quando se diverge.
Aquele gajo da Casa de Benfica em Paris
O dia em que eu confirmei a grandeza geográfica do Benfica aconteceu em agosto de 2004, por culpa de um emigrante residente em Paris. Procurava ingenuamente um sítio que transmitisse o jogo do Benfica junto à cité universitaire e fui vagueando pelas ruas, sem Google Maps mas com muita vontade de ver o jogo, até me perder definitivamente e encontrar milagrosamente uma porta com um emblema do Benfica. Fui recebido por um emigrante que me convidou a entrar e explicou sim, que o jogo passaria ali, mas que iam começar a jantar, portanto teríamos de nos juntar. Foi ele que me serviu e exigiu que repetisse por três vezes o melhor arroz à valenciana da minha vida, num jogo de fraca memória que até hoje permanece como um dos meus favoritos.
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O meu presidente do Benfica (se um dia puder escolher)
É uma menção honrosa a um tipo que não precisa de ser nomeado, mas é uma grande referência do benfiquismo, o meu e o de muitos outros adeptos. Ele sabe quem é."