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domingo, 26 de abril de 2020

O #11DaBancada de (..): um novo jogo para entupir as redes sociais

"O período de confinamento trouxe ao de cima as grandes qualidades humanas de muitos, mas também alguns defeitos. Por exemplo, a nossa tendência para propagar passatempos de gosto discutível. Não sei se viram este que passo a explicar: chama-se jogo das capas. A pessoa passa 10 dias a enumerar os 10 discos que mais influenciaram o seu gosto musical, com ou sem grande explicação, e convida mais não sei quantos amigos para fazerem o mesmo. Resultado: o Facebook transforma-se numa banca de vinil usados da Feira da Ladra. Já sei o que vão dizer: não gostas, não olhes. É precisamente isso que tenho feito. Escusam de relembrar aquele disco do Frank Zappa que vos libertou da puberdade. Já cliquei onde diz “esconder post”. Amigos como dantes.
Neste contexto de união nacional em que todos arregaçam as mangas e fazem algo pelos outros, também eu dei por mim a pensar no que poderia fazer para ajudar o país: no meu caso, isso passa necessariamente por tentar entupir as redes sociais com outro conteúdo de gosto discutível. Foi assim que cheguei à minha variação do jogo das capas: o jogo dos grandes adeptos.
Cada adepto escolhe 11 adeptos do seu clube que o tenham influenciado de alguma forma e deverá depois desafiar outros 3 adeptos.
O jogo é válido para adeptos de todos os clubes. Podem publicar um por dia durante 11 dias ou despejar os 11 nomes em cinco minutos. É-me indiferente. O jogo termina quando todos acharmos que isto se tornou mais uma modinha insuportável nas redes sociais. Uma vez que sou eu o inventor do jogo, este irá arrancar não com 11 mas com 12 benfiquistas que me influenciaram. É a vida. 
Escreverei um número de caracteres ligeiramente excessivo para cada um deles, já que é para isso que a Tribuna Expresso me paga. Vocês não precisam de escrever tanto. Lanço o convite à Catarina Pereira e ao Diogo Faro, meus colegas aqui na Tribuna, e a quem mais se quiser juntar. Utilizem o hashtag #11DaBancada para eu poder acompanhar as vossas participações.

Vítor Paneira
É a principal razão por que me lembrei de fazer este jogo, logo após ler a entrevista dele publicada na Tribuna. Para além disso, foi um ala direito que nasceu à frente do seu tempo. Só assim se explica que os primeiros 200 resultados de uma pesquisa pelo seu nome no YouTube não utilizem os termos “SKILLS | GOALS | ASSISTS” no título dos vídeos. É que foram muitas skills, goals e assists, as melhores das quais vestindo de encarnado. Curiosamente, o vídeo com mais visualizações que encontrei tem o título “Vítor Paneira, um ala romântico”. Talvez seja essa a mais adequada forma de descrever o jogador-adepto que nos fez berrar quando bisou frente à Juventus de Baggio, Vialli, Moller, e Conte, uma equipa fria e algo aristocrata que irritava de tão em que jogava, até se deparar este génio de Vila Nova de Famalicão. Esse era o jogador que ajudaria a arrumar com o Bayer em Leverkusen, o mesmo que hoje valeria dezenas de milhões e seria o hype de meia Europa, e o mesmo que pouco tempo depois seria dispensado do Benfica por um lunático de bigode mal aparado licenciado em Filologia Germânica. Felizmente, Paneira não guardou rancor ao clube, e o adepto que hoje conhecemos não fica atrás do jogador. Recordo—me há poucos meses de o termos avistado na bancada em Vila do Conde a celebrar uma importante vitória rumo ao 37, como se fosse um de nós. Em bom rigor, já não se faz destes.

Bernardo Silva
Para além do enorme benfiquismo demonstrado em numerosas ocasiões, o Bernardo é o tipo de jogador a quem nós nos dirigimos pelo primeiro nome, porque é membro da família. Vimo-lo nascer, até que subitamente nos privaram de assistir à sua infância. Foi um pouco como se nos tivessem retirado a custódia do filho e agora os seus novos pais esfregam-nos na cara que são melhores do que nós, apesar de o próprio filho afirmar publicamente que gostaria de voltar a casa. 15 milhões não pagaram aquilo que perdemos e não devíamos olhar a meios para o fazer regressar, mesmo que o Bernardo adepto regressasse sem receber um cêntimo.

Mário Wilson
Eu não conheci o Mário Wilson jogador e capitão. Só conheci o bombeiro e condutor de homens que se sacrificou num tempo em que os plantéis pareciam sempre compostos de destroços e o Benfica se via diminuído em campo e na bancada. E isso bastaria para nunca mais me esquecer dele, mas, entre outras coisas, Mário Wilson foi também responsável por 3 minutos e meio de amor ao clube num discurso pouco preparado mas saído do coração que justificaram a existência da gala do clube no seu 108º aniversário e emocionaram até os figurantes presentes na plateia. Brincadeiras à parte, é e será sempre um dos maiores da história do clube, por ter lá estado quando este mais precisava.

Paulo Parreira
Não sei se esta será a melhor escala, mas sempre que o vejo apetece-me dizer que o benfiquismo do estádio vai de 0 a Paulo Parreira, o adepto possuído e artista musical que em 2012, se não me falha a memória, deu a receita para os melhores momentos do Benfica nesta década, ao comparar os adversários a “peixes debaixo de água” para depois explicar que dessa forma os ditos peixes não seriam capazes de respirar. A expressão “nem respiram” perdura, mas a dúvida científica permanece. Vocês perguntam: peixes debaixo de água não respiram? Isto faz algum sentido? Não. Mas, como muitas coisas no benfiquismo mais apaixonado, nem tudo se explica ou tem que fazer sentido, especialmente depois de umas Sagres. É aí que reside a magia de Paulo Parreira, na intersecção entre a cevada e o maior clube do mundo. O estádio ganharia em ter mais como ele.

David Luiz
Por ser um de muitos jogadores que demonstram o quão marcante é representar o Benfica. Não querendo entrar muito em comparações, parece-me evidente que os atletas que passam pelo Benfica e que se dedicam ao clube na exacta medida da grandeza do clube são precisamente os que nunca mais se esquecem do que aqui viveram. E são muitos, quase sempre mais do que conseguimos recuperar nas conversas entre benfiquistas. Felizmente são os próprios quem faz questão de lembrar as saudades do tempo que viveram connosco e o carinho que continuam a ter pelo clube. Não sei se o David Luiz está no pico da sua carreira, mas aceitava-o já de volta.

Júlio António
O Júlio será para muitos uma cara e voz conhecida da BTV, mas para além disso é pai de um grande amigo meu, o que deu o privilégio de o conhecer e com ele privar um pouco para perceber que, apesar dos anos que nos separam, os benfiquistas acolhem os seus como se de família se tratasse. Além disso, é um formidável contador de histórias e tem muito Benfica em si. Um abraço, Júlio. Vamos combinar o tal almoço assim que este suplício terminar.

João Gonçalves
Antes de o João ser uma das vozes mais sensatas, cultas e apaixonadas da BTV, já era um dos benfiquistas mais activos que eu encontrara nas lides digitais. Agora que penso, são quase 20 anos e ler o que o João diz. Já concordei muitas vezes com ele, já discordei uma ou outra, e até acho que já me senti visado de alguma forma por textos do João, não por ele se dirigir a mim, mas porque pensa o Benfica de forma crítica e sempre com os olhos na vitória, ou em ganhar por mais. Se ele criticou, é porque provavelmente o merecemos. O João consegue ainda o raríssimo feito de escrever todos os seus textos metaforicamente de pé na bancada, onde os melhores adeptos se encontram. Digo “os melhores” porque isto do benfiquismo também tem a sua hierarquia. Eu não tenho pruridos nenhuns em afirmar: o João é melhor benfiquista do que eu. Não sei se é mais benfiquista, mas é melhor. Nunca se deixa perturbar no seu amor militante pelo clube, nunca se afasta da bancada, quase nunca perde uma deslocação, e, apesar de tudo isto, não perde a lucidez. Eu nunca perco os seus textos no Red Pass, um blog essencial, repito, essencial para todos os benfiquistas.

Sérgio Engrácia
Se os adeptos do Benfica que eu sigo nas redes sociais fossem uma equipa de futebol, o Sérgio seria o mais talentoso e trabalhador dos centrocampistas (já agora, eu seria o Pesaresi). Ouvi falar do Sérgio pela primeira vez, penso, com o Conversas à Benfica, um magazine digital em que o Sérgio discute e pensa o Benfica com adeptos, atletas e treinadores. Curiosamente, o primeiro convidado foi o João Gonçalves. Depois disso vi-o ligado, entre outras coisas, ao projecto Benfica Independente, que é uma manifestação de vitalidade do clube - que inclui o óptimo Benfica FM, entre outros - composta por um punhado de grandes adeptos que me habituei acompanhar e, mais recentemente, passei a apoiar com um pequeno donativo mensal feito na plataforma Patreon. Já recebi uma caneca toda catita oferecido por estes amigos, mas não pensem que é suborno. Como se tudo isto não fosse suficiente, o Sérgio vê-se confinado como os restantes portugueses e, ao contrário da maioria deles, decide criar uma epopeia de conversas sobre o clube chamada #BenficaDeQuarentena que é, literalmente, o conteúdo mais interessante, oficial ou não oficial, que se viu sobre o Benfica nos últimos 2 meses. E, se não estou em erro, o Sérgio faz ou participa em literalmente tudo isto que acabei de vos descrever por um só motivo: amor ao Benfica. A sua compensação tem sido maioritariamente o reconhecimento de uma franja de adeptos benfiquistas ligados às redes, mas deveria conhecer palcos maiores. Suspeito que lá chegaremos.

Ciclista de Campo de Ourique
Há uns anos vivi em Campo de Ourique e pude constatar a beleza que é ter um adepto que nos lembra a existência do Benfica dezenas de vezes ao dia. Não que precisemos, mas nunca me cansei de ver passar este senhor, ar de vencido da vida sobre o selim, a pedalar à volta dos quarteirões com a sua bicicleta equipada à Benfica. Se me parece louco sempre que o vejo passar? Sim, parece. Qual é o problema?

Grupos de Whatsapp
É uma espécie de benfiquista de 50 cabeças que me habituei a apreciar. Muitas formas de sentir o Benfica, quase sempre de forma civilizada e respeitosa, mesmo quando se diverge.

Aquele gajo da Casa de Benfica em Paris
O dia em que eu confirmei a grandeza geográfica do Benfica aconteceu em agosto de 2004, por culpa de um emigrante residente em Paris. Procurava ingenuamente um sítio que transmitisse o jogo do Benfica junto à cité universitaire e fui vagueando pelas ruas, sem Google Maps mas com muita vontade de ver o jogo, até me perder definitivamente e encontrar milagrosamente uma porta com um emblema do Benfica. Fui recebido por um emigrante que me convidou a entrar e explicou sim, que o jogo passaria ali, mas que iam começar a jantar, portanto teríamos de nos juntar. Foi ele que me serviu e exigiu que repetisse por três vezes o melhor arroz à valenciana da minha vida, num jogo de fraca memória que até hoje permanece como um dos meus favoritos.

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O meu presidente do Benfica (se um dia puder escolher)
É uma menção honrosa a um tipo que não precisa de ser nomeado, mas é uma grande referência do benfiquismo, o meu e o de muitos outros adeptos. Ele sabe quem é."

Um 11 de jogadores desaproveitados pelo SL Benfica na última década

"O SL Benfica é um clube reconhecido pela sua grande capacidade de “ressuscitar” e, até, catapultar carreiras, sendo o caso de Adel Taarabt o paradigma dessa mesma afirmação.
Esta semana, mais uma em que nos encontramos privados do desporto-rei, tentámos elaborar um 11 de jogadores que, por diversos factores, não se conseguiram afirmar no Glorioso. Vê connosco, então, um XI inicial, organizado num 4-4-2 clássico, de jogadores mal aproveitados pelo SL Benfica. 

Guarda-redes
Mile Svilar Chegou à Luz em 2017, proveniente do RSC Anderlecht, com o rótulo de craque. Uma das jóias da formação do clube belga, Svilar chegou num contexto de grande instabilidade em torno das redes encarnadas. Júlio César tinha acabado a carreira e Bruno Varela, então titular, não inspirava confiança devido à irregularidade exibicional que apresentava. Então, o jovem foi “lançado às feras”, tornando-se até, na altura, o guarda-redes mais jovem a jogar na UEFA Champions League, com 18 anos e 52 dias, frente ao Manchester United FC.
No entanto, e depois de alguns erros – e de algum azar – em partidas importantes, Svilar tornou-se numa ovelha negra para o universo benfiquista, e é por essa razão que o incluo neste XI porque, se não for dado o devido tempo de maturação, o Benfica pode, porventura, perder um grande guarda-redes.

Lateral direito
João Cancelo Um dos melhores laterais direitos a sair do Benfica Futebol Campus, Cancelo nunca teve uma verdadeira oportunidade na equipa principal das “águias”. Titularíssimo na equipa “B” dos encarnados, esteve sempre ofuscado por André Almeida e Maxi Pereira, perdendo a oportunidade de entusiasmar os benfiquistas com as suas arrancadas portentosas.

Defesa central
Cristian Lema Eleito, a par de Gérman Conti, como um dos melhores defesas centrais da liga argentina da temporada 2017/18, Lema chegou ao Benfica com a esperança de se afirmar no onze titular das “águias”. No entanto, tal não aconteceu, tendo o argentino apenas somado uma partida oficial pelos encarnados – o defesa central foi titular frente ao FC Porto, numa partida em que os encarnados venceram por uma bola a zero. O imponente central deixou boas indicações, mas a aposta do treinador teimou em não passar por ele.

Defesa central
Lisandro LópezProveniente do Arsenal Fútbol Club em 2013, numa verba a rondar os sete milhões de euros, o argentino só começou a jogar pelos encarnados em 2015, após ter sido emprestado ao Getafe CF por duas temporadas. Lisandro chegava com o chavão de “central goleador” e, enquanto esteve ao serviço das “águias”, justificou essa alcunha ao marcar golos decisivos, sendo o golo ao minuto 92’ em pleno Dragão o mais memorável. Apesar das boas exibições, nunca foi uma aposta constante, estando sempre destinado ao papel de terceiro central do plantel.

Lateral esquerdo
Marcelo Hermes Titularíssimo no Grêmio, Hermes chegou ao Benfica com a perspectiva de ser o sucessor da lateral esquerda encarnada caso Grimaldo saísse. Nem uma coisa nem outra aconteceu e, apesar de ter chegado com o rótulo de promissor, a verdade é que não lhe foi dada a devida oportunidade de mostrar o seu real valor. O brasileiro ficou-se apenas pela equipa “B”, seguindo-se um empréstimo ao Cruzeiro EC.

Médio centro
Bryan Cristante Chegou ao Benfica por cerca de 5,2 milhões de euros, e era apontado pela imprensa internacional como um dos médios mais promissores de Itália, pelo que a sua vinda para as “águias” deixou muitos adeptos rossoneri chateados. Esperava-se que pegasse de estaca e assumisse um lugar no onze inicial, mas as oportunidades tardavam em aparecer, sendo que Cristante deixou a Luz com apenas 746 minutos de competição.

Médio centro
André Horta Após uma excelente temporada ao serviço do Vitória FC, André Horta, um fervoroso adepto encarnado, vê cumprido o sonho de representar o clube do coração. Apesar de ter começado a temporada 2016/17 como titular, Horta foi, gradualmente, perdendo espaço no plantel principal, sendo utilizado esporadicamente ou como suplente. Fica a sensação de que André Horta poderia ter dado um pouco mais ao Benfica, daí integrar este XI.

Médio direito
Bernardo Silva Na ala direita ofensiva está, porventura, o maior desperdício da História do Benfica. Bernardo Silva, um dos criativos de maior renome no futebol internacional, saiu dos encarnados com apenas 31 minutos de jogo pela equipa principal, rendendo “apenas” 15 milhões aos cofres benfiquistas. Ficam as saudades daquilo que não vivemos, Bernardo.

Médio esquerdo
André CarrilloContratado ao eterno rival, onde tinha dado provas de ser um extremo de imensa qualidade, a vinda de Carrillo para o Benfica prometia ter tudo para correr bem. Alto, rápido e com golo, o peruano pode ser considerado um extremo completo, mas nunca o conseguiu demonstrar nos encarnados.

Avançado-centro
Raul Jiménez Um ponta de lança à Benfica, Raúl deixava sempre tudo quando entrava em campo. A “eterna arma secreta” dos encarnados, o mexicano tinha o dom de aparecer sempre nos momentos decisivos. No entanto, e apesar da sua dedicação e esforço em prol do colectivo, Jiménez nunca foi verdadeiramente uma opção para titular, por escolha de Rui Vitória. Agora, depois de duas épocas ao serviço do Wolverhampton Wanderers FC, é que percebemos o grande avançado que tivemos, mas não aproveitámos.

Avançado-centro
Raúl de Tomás O ponta de lança espanhol, contratado por 20 milhões de euros ao Real Madrid, era apontado como o próximo goleador das “águias”. Após um início de época bom – mas sem golos -, começou a surgir sobre RDT quase que como uma nuvem negra – imposta pelos media – que parecia afectá-lo no último terço do terreno. No caso de RDT, penso que não lhe foi dado nem o tempo, nem as condições necessária para que o espanhol se adaptasse a um novo campeonato e a uma nova função dentro do rectângulo de jogo. Fica um sabor amargo na boca, porque perdemos um jogador de enorme qualidade, que podia ter contribuído muito para o Benfica."

O peso de um regresso urgente às competições nacionais

"Hoje falamos sobre um eventual regresso. FC Paços de Ferreira x Vitória SC, Leixões SC x SC Farense, Clube Condeixa ACD x CD Fátima e Sporting CP x SL Benfica: o que têm em comum estes jogos? Antes da interrupção forçada causada pela pandemia covid-19, estas foram as partidas que nos deram o último vislumbre de Primeira e Segunda Ligas, Campeonato de Portugal e Campeonato Nacional Feminino, respectivamente.
Quase dois meses volvidos e a competição continua parada. Com a luz ao fundo do túnel anunciada pelo Presidente da República e com os clubes a firmar datas para o regresso ao trabalho, importa perceber o que está em causa e de que forma é que isso pode ser feito.
Em primeiro lugar, há que perceber que para além do espectáculo “da bola” e do fanatismo, estão jogadores, treinadores e funcionários, todos com famílias, e cujos rendimentos estão ameaçados. Os jogadores a ganhar milhões em Portugal são poucos e convém estender o olhar até ao Campeonato de Portugal, onde os treinos semanais e o jogo ao fim de semana traz o essencial pão para a boca daqueles clubes e respectivas estruturas.
Quanto às vozes que se levantam relativamente ao quão bem se vive sem futebol, também me merecem algumas palavras. Pegando numa expressão tão querida a Sérgio Conceição e uma ideia repetida por Bruno Lage desde a sua chegada ao SL Benfica, as pessoas preferem “falar do futebol do que de futebol”.
A táctica, o aspecto psicológico, as escolhas arrojadas ou as decisões falhadas são sempre relegadas para segundo plano – ou plano nenhum – e sobrepostas pelas quezílias entre clubes, guerras de comunicação e perguntinhas que não lembram a ninguém. Desconfio que se valessem pontos, os programas de comentário desportivo teriam mais audiência que o próprio jogo.
O futebol, aquele da relva, do nervoso miudinho pré-jogo, da cerveja no sofá e da euforia ou desilusão após o apito final, esse é essencial a uma sociedade tão dependente do sucesso do seu clube. Visto como um escape para o seu quotidiano, salários ou situações profissionais negativas, o futebol é onde todos se nivelam pelo mesmo gosto, clubes diferentes.
Perante tudo isto, não concebo que se não ache urgente fazer regressar o futebol. No entanto, o regresso não deve ser à força toda nem a troca de qualquer coisa. É de suprema importância garantir a segurança de todos os envolvidos numa partida de futebol, a começar pelos adeptos.
Pelo bem do futebol e dos clubes, o adepto tem de perceber que o seu lugar, até ao fim da época, é em casa. Este primeiro ponto tem de ficar bem esclarecido, ou os pontos seguintes não interessarão para nada. Os ajuntamentos estão proibidos e assim deve ser cumprido. O futebol é do e para o adepto, é certo, mas de forma a ter estádios cheios amanhã, é imperativo que hoje estejam às moscas.
Outra das soluções apontadas seria restringir o fim da competição a uma zona geográfica do país. Os clubes entrariam num estágio prolongado num determinado hotel ou centro de treinos e por lá ficaria até ao fim da prova. Os jogos seriam disputados em dois ou três estádios e evitavam-se as deslocações de ponta a ponta do país. No caso do Campeonato de Portugal, onde as séries já estão divididas geograficamente, esta medida seria redundante.
À semelhança do que se estuda em Espanha, também os grandes clubes podiam abdicar de jogar nos seus estádios e utilizar os centros de treinos para a realização das partidas. Ao não ser permitida a entrada de adeptos neste regresso, a lotação dos estádios deixava de ser importante, a logística seria menor, implicaria menos custos com iluminações, acessos e policiamento.
Na linha dos rumores e “meias-confirmações” que circulam, as conferências de imprensa pré e pós-jogo, bem como as flash, seriam através de vídeo conferência, sendo apenas admitidos no recinto os jornalistas e profissionais destacados exclusivamente para a transmissão da partida.
Um dos maiores problemas, e para o qual não vejo solução agradável, é a interrupção das receitas das bilheteiras para clubes com menor tesouraria, como seria o caso da quase totalidade dos participantes do Campeonato de Portugal.
Ainda que esta prova tenha sido cancelada e os mecanismos de subidas e descidas desactivados, há ainda salários para pagar, famílias que desesperam por algo para pôr sobre a mesa. As notícias de solidariedade de presidentes e colegas que albergam e ajudam outros surgem diariamente, mas não é só pela solidariedade que se resolve este problema colossal.
Há uma reforma urgente deste escalão que tem que ser feita. As receitas não são desculpa para tudo. A pandemia covid-19 veio só destapar e agravar os problemas que eram, a muito custo, disfarçados. Os jogos já davam prejuízo quando tudo corria normalmente, mas isso despontaria um novo artigo. 
Até lá, desesperamos pelo nosso campeonato, mas com a consciência que o nosso papel, longe da bancada, é, neste momento, um dos mais importantes para que aconteça o regresso e a bola volte a rolar, saudável."

“O futebol não se ensina, aprende-se” (ou a responsabilidade de um treinador: ser o 25 de Abril de cada um dos seus jogadores)

"O título do texto é uma frase roubada ao genial professor Vítor Frade que, de forma simples e numa linha, consegue teorizar sobre um tema tão complexo como a formação de jovens jogadores. Para quem tem inquietações constantes com este tipo de questões, é uma tormenta diária a procura por respostas à pergunta: “Como é que posso ajudar estas crianças a transformarem-se em jogadores?”
A pergunta não tem uma resposta certa, mas acredito que o caminho passa por lutar contra o meu ímpeto de querer ser importante, passando assim a dar importância ao fundamental; devem ser os jovens a seleccionar o seu caminho, e a criar o seu mapa dentro do território definido pelas regras de um jogo de futebol. Não se trata de menorizar o trabalho do treinador – pelo contrário -, é valorizá-lo, tão raros são, daqueles que conseguem fazer o jogador trabalhar para que desenvolva o factor mais diferenciador do futebol: a criatividade.
De certa forma, é relativamente fácil melhorar um jogador nas capacidades condicionais e nas qualidades técnicas, mas o que é cognitivo e sensitivo não se desenvolve da mesma forma mecânica das orientações programáticas que nos ensinaram durante o nosso percurso de vida. O caminho não é objectivo, como a estrutura do nosso modelo de ensino, que de forma simpática apelidamos de pedagógico, enquanto ele nos guia à memorização.
Há vários problemas de fundo que contribuem para isso, e um deles é, sem margem para dúvida, a forma como enquanto crianças não nos ensinam a pensar. Como tal, por sermos seres miméticos, também nós adoptamos esse método quando nos compete ajudar outros a aprender, e não é fácil lutar contra esse problema de fundo que surge em surdina na forma de responder às inquietações dos mais pequenos, ou de, em larga medida, nem deixar que as dúvidas apareçam. Como nos deram fórmulas para resolver tudo, como pensaram tudo por nós, muito facilmente abraçamos a escravatura dos conhecimentos objectivos do factual e do mecânico, quando é a criatividade que permite dar respostas à problemas inéditos. Portanto, a criatividade é a competência essencial do progresso e para a valorizar temos de começar a pensar, de forma séria, noutras estruturas de ensino que nos permitam estimular esse tipo de qualidade.
Dizemos que o futebol é um jogo caótico, concordámos que é imprevisível e que não há situações que se repetem, e depois prescrevemos aos miúdos uma data de princípios e conceitos como se pudéssemos de antemão prever as circunstâncias e com isso programar um modo exacto de reagir. É este um dos maiores problemas do treino: a necessidade de se perceberem resultados no imediato. O treinador planeia cada exercício no detalhe para que possa ter como consequência daquele trabalho de exercitação resposta imediata dos jogadores, conforme o objectivo que traçou. Em cada condicionante, em cada tempo de exercitação, em cada pausa, todas as respostas estão calculadas. O jogador vai fazer isto nesta situação, aquilo naquela, e outra coisa qualquer noutra. Tudo está prescrito e, por isso, limitado. Não há espaço para a criação, para a liberdade, para a improvisação. 
Dennis Bergkamp, um dos jogadores mais criativos do futebol moderno, escreveu o seguinte sobre os treinos que observa actualmente: “Eles sabem exactamente o que fazer em todos os exercícios, de tal forma que não são capazes de pensar por eles. Os treinadores dão-lhes as respostas todas e eles não têm de se esforçar por resolver nada com a própria cabeça – isso é um problema. Quando surge uma situação nova eles olham para o treinador à espera de que este lhes diga como é que resolve o problema, e o treinador sente-se importante por demonstrar conhecimento ao jogador. Isto é 'overcoaching'. É demasiado, e acredito que ultrapassa o limite da influência do treinador no treino e no jogo. Deixem-nos ser livres e criem os ambientes para que eles possam ser únicos e não clones”. 
Quando o jogador procura por respostas, não é de respostas que precisa, mas sim de dúvidas. Responder às questões que os jogadores vão tendo durante o jogo, durante o treino, limita a cabeça dos pequenos. Eles precisam é de informação! Informação que os ajude a perceber o contexto e que em conjunto as suas capacidades os ajude a resolver o lance. A maior necessidade é a de começarem a antecipar e imaginar o que se pode fazer para que consigam marcar ou evitar o golo, e esta coisa aparentemente simples, o colocar dificuldade ao jogador, acaba por ser a mais difícil de se colocar em prática no treino; dificuldade que o ajude a evoluir nos aspetos em que ainda é pouco desenvolvido, dando-lhe a liberdade para escolher não entre A e B mas entre A e outra coisa qualquer que lhes surja.
Pegando em situações práticas, quando os meus jogadores estão numa situação em que recebem de costas, eu digo-lhes: "Se estás apertado, toca de frente, se tens espaço, enquadra". No futebol, como em muitas outras actividades, o ensino é encarado como uma forma de transformar os aprendizes em máquinas para resolver determinado tipo de problemas, e o maior problema dessa forma de ensino-aprendizagem surge quando não existem problemas tipo. Se o jogo não tem situações que se repetem, por que motivo devo eu ter a presunção que existem apenas duas respostas para os jogadores quando enfrentarem esta situação? Por que motivo limitei eu a quantidade de respostas?
Imaginemos que um defesa faz um passe vertical para um médio sem oposição e, no mesmo instante, há outro médio que estando mais recuado inicia a marcha e que se aproxima daquele que vai receber a bola. Quando a bola chega ao primeiro médio, ele já está suficientemente próximo do colega e em movimento. De acordo com a ideia que prescrevi de que sem pressão ele deve enquadrar, a hipótese de esse jogador jogar de frente no colega que está em movimento é um erro. Pese embora o tempo que ele próprio demoraria a enquadrar e a ganhar embalo tornar mais rápido aproveitar o espaço através do passe para o colega que vem de frente, e já embalado. A minha ideia de que, com espaço, um jogador se deve enquadrar assim que recebe estava, portanto, errada. Pensemos também em quantas vezes o avançado ou médio que está de costas, e pressionado, simula que vai entregar, dando a entender ao seu marcador que não vai rodar, e depois roda, surpreendendo-o?
O problema destes supostos por mim idealizados é que não contemplam a imprevisibilidade. Se, sempre que estas condições se verificassem, os jogadores agissem de acordo com as minhas soluções, os defesas saberiam de antemão o que eles iriam fazer e nunca seriam surpreendidos. Ora, o futebol não é nada disto.
E o problema não é do conhecimento que tenho do jogo ou dos princípios de jogo que eu idealizo, mas sim da forma como traduzo essa informação para influenciar as minhas crianças. É uma espécie de síndrome de Mourinho. O fenómeno Mourinho convenceu muita gente da ideia de que um treinador é responsável por tudo o que acontece dentro do relvado. E os treinadores começaram a formar-se a julgar que o seu trabalho consiste em conseguir que os seus miúdos repliquem as suas ideias. Há muita gente que ainda não percebeu que ser formador não é nada disso. O principal objectivo do treinador não é dar respostas; é criar dúvidas. Os jogadores não precisam de decorar comportamentos; precisam de alargar os horizontes cognitivos e de desenvolver o espírito crítico.
E sim, é possível criar problemas no treino para resolver este tipo de problemas dando-lhes o problema e não a solução. Por exemplo: quando um dos meus jogadores joga com os do escalão acima, vai ao choque, perde e cai. Depois disso ele vai ajustar a resposta a esse tipo de lance, e vai tentar arranjar estratégias para evitar o choque sempre que recebe. Afinal, ninguém gosta de ir ao chão, não é? Nos lances seguintes ele já não pisa e espera pelo adversário, já não encosta para proteger a bola. Solta mais depressa, antes de receber já viu para onde deve seguir, procura colocar-se de forma a receber com espaço, movimenta-se para desequilibrar sem bola e também usa os colegas para tal efeito. Pode até optar por tentar segurar e rodar, por tentar tirar vantagem do ímpeto com que os jogadores mais velhos abordam os lances, mas como não recebe a bola dos mais velhos, por estes não terem ainda confiança na sua capacidade para dar o melhor seguimento ao lance, cuida de cada bola que recebe como se fosse a última. Porque se falhar é bem provável que seja mesmo a última, e que passe o jogo todo sem tocar nela.
E quais foram as condicionantes desse exercício de treino? Quais eram as regras? A importância do treinador é esta: criar contextos favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento do jogador; marcar o território e deixar que seja o jogador a escrever o seu mapa; ajudar a criança a descobrir o caminho para resolver um problema que ele identificou.
No fundo, trata-se de não cair na preguiça de jogar o que o jogo dá, mas sim de pensar que o jogo dá o que jogamos. De ser proactivo na procura de soluções para influenciar o jogo em benefício próprio. Isto é, como queres ser forte a aproveitar o espaço com ataques rápidos se és lento e não és extraordinário no 1x1? Mais, tu percepcionas o contexto de forma diferente de todos porque o fazes de acordo com as tuas capacidades. Ou seja, numa mesma situação em que um jogador com boa capacidade de passe longo percepciona uma oportunidade de aproveitar o espaço nas costas do adversário isolando um colega, outro jogador percepciona a falta de espaço no centro de jogo e de linhas de passe próximas e joga para trás.
Afinal o que é que o jogo dava? Aproveitar o espaço nas costas ou conservar a posse de bola por não haver linhas de passe? Ambas as decisões foram as mais acertadas e estamos a falar da mesma situação. O jogo não dá só uma coisa a cada momento, dá uma infinidade de coisas porque as circunstâncias são ímpares, pelo que é impossível o treinador preparar os jogadores com respostas condicionadas para a esmagadora maioria dos momentos.
Até quando se trata do mesmo jogador, há tanta coisa que o pode influenciar naquele momento, como fadiga, momento de maior ou menor confiança nas próprias capacidades e nas capacidades dos colegas, percepção da qualidade do adversário, resultado, estado do campo, clima, vícios de aprendizagem, etc, que é impossível definir, à priori, com precisão o que o jogador deve fazer.
Se não estimularmos a criatividade da criança, estamos a coartar a criatividade do jogador. Se os ensinamos a ver futebol pela ficha técnica e estatística, eles não podem perceber o que é intraduzível por números ou dados objectivos, quer sejam as subestruturas através das quais se atinge determinado fim, ou aquilo que poderia ter acontecido se em vez de o gajo ir à linha e cruzar tivesse procurado o colega livre com um passe em vez de um charuto para o centro da área.
Resumindo, o jogador consegue analisar tanto melhor os processos individuais ou colectivos quanto mais capaz for de os perspectivar, não só perante o resultado obtido, mas, e sobretudo, perante as outras possibilidades que, a qualquer momento, se apresentem. Também aqui é preciso saber ver que está nas entrelinhas.
As maiores dúvidas deste exercício estarão, porém, na ausência de resultados imediatos, que posso não vislumbrar de forma óbvia ao final de cada época, bem como na falta de espírito crítico que alguns meninos possam não desenvolver. Sobre o segundo ponto, também ele é consequência de um treino que estimula as inquietações mais do que dá respostas. Questionar os jogadores sobre as suas ações obriga-os a reflectir sobre a sua prática. Essa é uma forma de criar necessidade de ir atrás e procurar os porquês do sucesso ou insucesso dos seus lances, e dos lances de outros que o rodeiam (colegas, adversários, ídolos, etc). Quanto ao primeiro ponto, o único consolo é o de que a evolução não se faz de um dia para o outro. Sabemos que o ritmo evolutivo e de aprendizagem é lento e gradual, e apenas passados muitos anos conseguimos perceber a influência dos primeiros anos de aprendizagem.
Assim como a Revolução dos Cravos foi o início de uma sociedade que levou muitos anos a organizar-se para chegar onde está hoje, cada treinador tem a responsabilidade, ou, se quiserem, a possibilidade de ser o 25 de Abril de cada um dos seus jogadores. Revolucionar a vida desportiva da criança de tal forma que ela aprenda o valor da liberdade, da liberdade criativa, e a utilize no futuro para se distinguir dos outros jogadores.
Por fim, deixo umas linhas do Nuno Amado, que nunca treinou uma equipa de futebol, mas que consegue intuir mais e melhor sobre treino, sobre formação, sobre aprendizagem e sobre criatividade do que muita gente do meio; talvez por ele ser também um produto da liberdade criativa.
"A matemática, por exemplo, ensina-se nas escolas de forma convencional. Os alunos são incentivados a identificar o tipo de problema e a aplicar uma determinada fórmula (que decoraram previamente) para o resolver. Aqueles que são bons nas duas tarefas têm geralmente pontuações altas. Mas há muitos matemáticos que criticam este método de ensino. O prejuízo, para mim, é óbvio: preparam-se os alunos para um determinado conjunto de situações (e até conseguem que alguns alunos sejam bons a resolvê-las), mas limitam-lhes a capacidade de responder a situações imprevistas. E esses alunos, por melhores que sejam a resolver exercícios, nunca serão matemáticos de excelência. Os melhores são aqueles que aprenderam a resolver os problemas pensando neles, e não por estímulo-resposta. Os grandes génios da matemática são justamente aqueles que não desenvolveram as suas competências desta maneira, são os que, lidando com os problemas de forma mais livre, desenvolveram a criatividade pela necessidade de lhes responder de uma forma não-condicionada. Isto devia fazer reflectir as pessoas. No fundo, há três hipóteses:
1) ensinar os jogadores a agir segundo princípios, e ficar com jogadores com meia-dúzia de ideias teóricas na cabeça;
2) não fazer nada, deixá-los assimilar instintivamente o que houver para assimilar, e ter a sorte de ficar com dois ou três jogadores competentes, no máximo;
3) procurar oferecer os estímulos para que eles, pela própria diversidade e complexidade desses estímulos, aprendam a desenvencilhar-se, assimilando o que dificilmente assimilariam de outra maneira.""

Golo: Salvio...

Golo: Eliseu...

Que SL Benfica podemos esperar depois da pandemia?

"Perante as circunstâncias sem precedentes que permeiam aquela que é a nossa forma de viver por agora e por tempo indeterminado, importa abordar uma questão essencial (aguardamos ainda a confirmação de Pacheco Pereira de que o seja), que se prende com o impacto desportivo e financeiro que a pandemia em curso terá no futuro próximo da equipa do SL Benfica, na Era dos 20 Milhões. Uma conclusão primeira e óbvia é a de que os investimentos de tal ordem de valores vão estacar. 
Caso se tratassem de investimentos com retorno desportivo, seriam bem-vindos. Consequentemente, parar os ditos investimentos seria negativo. Contudo, este “mal” pode vir por bem, se bem gerido. No pós-pandemia, o hiato entre os clubes ricos e os menos ricos pode não ser tão acentuado – num primeiro momento -, sendo provável que cada clube se veja forçado a adoptar uma estratégia de contenção e de manutenção de activos.
Nessa eventualidade, a equipa da Luz pode beneficiar do contexto desportivo e financeiro de duas formas: menor acosso ao plantel e maior aposta na formação. A mais fácil manutenção das peças-chave do plantel permitirá manter a consistência (de preferência a demonstrada na primeira metade desta época). Além disso, o ataque ao mercado será ainda mais cirúrgico se não houver necessidade de suprimir saídas de grande magnitude.
Mais cirúrgico ainda será se grande parte das lacunas do plantel for colmatada pelos produtos do Benfica Futebol Campus que estão com um pé na porta da equipa principal, como Tiago Dantas, Gonçalo Ramos, Vukotic, Jeremy Sarmiento, Kalaica, entre outros. Na formação do Seixal, há qualidade suficiente em quantidade suficiente para suprir várias falhas. Não todas, no entanto. Será sempre preciso recorrer ao mercado para dar a Bruno Lage alternativas a Vlachodimos, a André Almeida e Tomás Tavares, a Álex Grimaldo e a Pizzi (pelo menos).
No entanto, a movimentação benfiquista no mercado será inevitavelmente mais contida, caso subam de patamar os vários jovens que têm feito por merecê-lo. A aposta na formação, além de necessária, será benéfica financeira e desportivamente. Haverá, naturalmente, clubes a manter ataques cerrados ao mercado. No entanto, não serão tantos como têm sido nos últimos anos. Muitos vão ver-se obrigados a apostar em jovens da cantera, e, nessa luta, clubes como o Benfica têm vantagem.
Dessa forma, apesar de o SL Benfica poder vir a sofrer um pouco na próxima temporada, a conjuntura actual pode significar que o impacto financeiro e desportivo não seja tão grave como seria se os restantes clubes não estivessem no mesmo barco. Aliás, se este período for bem gerido, as águias até poderão voar mais alto nos anos vindouros do que têm voado nos anos mais recentes."

Liberdade

"- Avô, o que é o 25 de Abril?
- Meu querido, é o melhor de todos os golos. É a jogada que passa por todos os jogadores e acaba com a bola no ângulo. É a vitória da equipa pequena contra a grande. É a celebração depois de uma batalha que parecia não ter fim depois de longos 48 anos. E acredita que 48 anos são demasiados jogos perdidos. O 25 de Abril é a liberdade.
- Liberdade como jogarmos à bola com os amigos até ser noite?
- Imagina um campo de bola preso bem no meio dos prédios. Apertado, exíguo, confinado. Imagina os muros feios, as janelas frágeis, uns vizinhos odiosos que não te deixam gritar golo ou celebrar uma finta. E depois imagina que te ficam com a bola. Um dia, no outro e no dia seguinte. Imagina que os teus amigos vão desaparecendo, que são proibidos de ir ter contigo porque um dos vizinhos viu-vos a jogar e avisou os pais. Imagina que os teus amigos deixam de jogar porque vão para longe, para terras longínquas andar à bulha com outros meninos que não têm culpa. Imagina que vais perdendo amigos, que vais perdendo a alegria de jogar. Imagina que até vais perdendo o desejo de imaginar algo diferente. Era isto que vivíamos até ao 25 de Abril.
- O 25 de Abril é...
- É a liberdade de um campo sem linhas. É o jogo desenhado com balizas feitas de mochilas, onde todos é que decidem os limites. É bola de rua sem tempo definido. É o jogo de todos: dos velhos e dos novos, dos gordos e dos magros, dos altos e dos baixos. Se não houver bola, venha a lata, se não houver lata venha outra coisa. Porque na liberdade somos todos crianças. Somos todos livres e com tanto por aprender. Liberdade é jogar contigo até me doerem as pernas.
- Ai é? Então podemos ir jogar, avô?"

10 !!!

Benfica de Quarentena #48 - Futsal UEFA Cup 2010 - Campeões da Europa

[FR] Bistrot - Carnets de voyages - nos Awaydays à travers l’Europe - épisode 4 de Francfort à Marseille

Não vá. Telefone! - Rui Costa

1.º aniversário do Triplete !!!

Recordações: Rui Guedes

Chakall Vermelho #3

Como proteger a mente? Os vírus

"O dia estava a amanhecer, o tempo estava bom, tudo calmo, ainda não havia transito, podiam-se ouvir os pássaros, mas o Treinador Brad Wooden, do F.C. os Galáticos, estava exausto por ter passado a noite em “branco”, sem dormir, mas sobretudo pelo que se tinha passado no jogo, da véspera. Aquele acontecimento tinha-o “mandado ao tapete” e parecia que o tempo não passava, que o juiz contava os segundos, 1, 2, 3, …, e que não lhe restava qualquer força, que o ajudasse a levantar. O “soco” tinha sido poderoso, mas diferente. Não tinha sido um “uppercut” normal, qual Mike Tyson, foi muito mais forte.
“Vou ligar ao Detective Colombo” – pensou e fê-lo. Depois de lhe contar como estava, o Detective Colombo dirigiu-se rapidamente para casa do Treinador Brad Wooden, parecia o Flash Gordon. “O juiz já ia no segundo 5, será que ainda havia tempo, para ajudar o seu amigo Treinador a levantar-se, antes do KO, antes do “10”?” – pensava o Detective Colombo – “não havia tempo a perder” e decidiu começar.
“Treinador Wooden, o que se passou?” – perguntou o Detective Colombo. “Ontem, estava a dirigir um jogo, como tantos outros, e a determinada altura, reparei que um dos jogadores não estava a dar o máximo. Comecei a gritar – “corre, pressionar, …,” - mas não era isso que acontecia. Estava perto do intervalo e já no balneário, quando “perdi a cabeça” e comecei a berrar com ele. O que tinha acontecido, não dar o máximo, era inadmissível. Quando terminei de libertar toda aquela irritação, ele levantou o braço, a pedir para falar, acenei-lhe com a cabeça, como que a dizer fala e ele disse-me “coach fiz uma entorse e não consigo correr””.
“Os olhos do Treinador Wooden fecharam-se, o queixo aproximou-se do peito e os ombros para a frente e para dentro” – reparou o Detective Colombo e perguntou-lhe – “Treinador Wooden, como se sentiu?”.
“Mal, envergonhado e, passadas estas horas, é como me sinto, envergonhado. Como fui capaz de ter aquele comportamento?” – perguntava o Treinador Wooden e continuava – “o jogador treina comigo há uns anos, nunca me tinha dado qualquer motivo para “perder a cabeça” com ele, bem pelo contrário, sempre foi um exemplo. Não queria ter aquele comportamento e ao tê-lo, parecia que a intenção era a melhor, a do jogador mudar e passar a correr e pressionar, o resultado foi catastrófico”.
“Como assim?” – perguntou o Detective Colombo. “Naquele momento, no balneário, parecia que me tinha caído tudo ao chão, que as minhas pernas tinham desfalecido, que os meus joelhos tinham batido no chão e que me tinha curvado para a frente, parecia que tinha levado o maior e mais potente “uppercut” da história do boxe. Depois, durante a segunda parte, o jogo estava a decorrer, mas só pensava – “como tinha sido capaz de ter tido aquele comportamento”. A seguir, que aquele meu comportamento não reflectia quem eu desejava ser, não queria voltar a repetir aquela experiência e que necessitava de perceber o que tinha acontecido” – respondeu o Treinador Brad Wooden, que ainda se sentia como que no tapete, com o juiz a contar 5, 6, ".., mas como que os dedos a começarem a mexer-se, como que se houvesse uma ténue esperança de não sair de maca, daquele “ringue””- respondeu o Treinador Wooden.
“Como foi possível eu ter tido aquele comportamento?” – perguntou o Treinador Wooden e prosseguiu – “se o jogador afinal até estava lesionado”.
“Treinador Wooden, deixe-me contar-lhe uma história” – começou o Detective Colombo e, perante o olhar atento do treinador Wooden, continuou – “há uns anos, o meu sobrinho foi estudar para outro país e fui visitá-lo, por altura do Natal. Quando lhe perguntei o que necessitava, ele respondeu-me que necessitava de um computador para estudar. Para juntar o útil ao agradável, dada a época natalícia, pensei em oferecer-lhe o tal computador. Depois de falar com algumas pessoas locais, que me indicaram o melhor sítio para comprar um computador, dirigi-me à loja e apresentaram-me um portátil, que tinha funcionalidades que nunca tinha visto. Leitura da impressão digital, ecrã táctil e uma capacidade extraordinária. Para além disso, o preço estava muito em conta. O vendedor disse-me que aquele portátil era topo de gama e que o meu sobrinho teria computador para muitos anos.”
O Treinador Wooden ouvia o Detective Colombo atentamente, mas não estava a perceber e pensava – “o que é que esta situação tem a ver com o que me aconteceu” - mas dei o benefício da dúvida ao Detective e continuou a ouvi-lo.
“Treinador Wooden, aquele portátil era topo de gama, quando o comprei, funcionava perfeitamente, era rápido, parecia perfeito. Contudo, passados uns anos, já o meu sobrinho tinha regressado a casa, e aquele portátil passou a estar lento, depois a ter dificuldade em arrancar, a seguir a bloquear sistematicamente e, por fim, nem o conseguia ligar. O que é que terá acontecido ao computador topo de gama e que funcionava bem, para passados uns anos, começar a trabalhar mal e até deixar de trabalhar?” – perguntou o Detective Colombo.
“Provavelmente apanhou um ou mais vírus” – respondeu o Treinador Wooden e colocou uma pergunta – “o seu sobrinho foi actualizando e correndo o antivírus, para detectar e remover vírus, a firewall estava activa, para impedir a entrada de novos vírus, e o software foi sendo actualizado?”
“Provavelmente não. Quais foram as consequências de não actualizar o antivírus, a firewall e o software, naquele portátil topo de gama?” – perguntou o Detective Colombo. “Primeiro, começou a ficar lento, depois bloqueava e por fim deixou de funcionar” – começou por dizer o Treinador Wooden, que começou a compreender a ligação da história do Detective Colombo com o que lhe tinha acontecido e disse – “já percebi”.
O Detective Colombo olhou-o como que dizendo – “força, continue” – e o Treinador Wooden disse – “O Detective Colombo está a dizer-me que a nossa mente também pode ser comparada a um computador, em alguns aspectos. Isto é, que do mesmo modo que os computadores funcionam bem com o software, a firewall e o antivírus actualizados, também podem funcionar mal, se isso não acontecer, por se poderem instalar vírus, por exemplo, que comprometam o seu funcionamento. O mesmo pode acontecer com a nossa mente, se não actualizarmos o software da forma de pensar, se não protegermos a nossa mente com “antivírus” e “firewalles”, a nossa mente poderá deixar de funcionar tão bem quanto desejaríamos e o nosso comportamento poderá não ser o que desejávamos e a, como eu, sentirmo-nos vergonha do que fizemos.”
Neste momento, o Treinador Wooden sentia-se a tirar o tronco do chão do tapete do ringue, o juiz estava a contar – “7” - ele a agarrar-se às cordas e a começar a levantar-se – “o juiz dizia 8” – e ele a tirar os joelhos do chão, e enquanto o juiz dizia – “9” – estava nova e finalmente de pé. O Treinador Wooden sentia-se renovado, mas não perdoado, nem confortável. Sentia que toda aquela situação angustiante e arrebatadora, que o tinha deixado no chão, também podia ser uma enorme oportunidade, a de aprender e, com isso, evitar aqueles comportamentos, no futuro.
Agora, sabia que tinha de falar com o jogador e com a equipa para “limpar a cara” e estava curioso por saber quais poderiam ser os vírus que se podiam instalar na mente de qualquer pessoa (treinador, jogador, professor, gestor, colaborador, pai, filho) e que podem comprometer o comportamento das pessoas, inclusive o seu comportamento, impedindo-o de ser o que desejava ser.
Repentinamente, o Treinador Wooden começou a pensar numa série de situações – “quais são os Vírus da Mente? Como se formam? Como nos podemos proteger, que antivírus e firewalles nos podem proteger desses vírus?” – e voltando à sua situação, perguntou – “Detective Colombo que vírus da mente me poderá ter levado a ter aquele comportamento, durante do jogo, e que me mandou ao “tapete”?”
Sentindo uma mudança abismal no Treinador Wooden, de alguém que estava no tapete, para uma pessoa de pé e curiosa, o Detective Colombo disse – “podemos deixar essa questão para depois do pequeno-almoço?”.
O Treinador Wooden, que nem se tinha apercebido das horas, nem tinha oferecido um café ao Detective Colombo, respondeu – “claro que sim” – e curioso com a viagem que sentia que podia estar a começar com o Detective Colombo, pensou – “que liberdade poderemos ter, se a nossa mente for sequestrada por vírus”."

Para um nova pedagogia do corpo

"Uma oposição feroz e desgastante a uma ideia de corpo, como raiz, como princípio donde brota o próprio espírito, mostra bem o ostracismo a que se votou uma explicação do ser humano, como uma unidade integral, ou uma totalidade, pois que foi no dualismo de duas substâncias diferentes, corpo(matéria)–alma(espírito), que se descambou, ao longo dos séculos. O dualismo corpo-alma despontou e avançou, na filosofia grega, com Platão (427-347 a.C.), filho de uma das famílias mais ricas e aristocráticas de Atenas. Redigiu, já idoso, os 36 diálogos de que é autor. Neles, a personalidade de Sócrates tem lugar relevante. Basta dizer que o seu nome figura em todos os diálogos platónicos, com excepção das Leis. Entre os escritores de maior valia que, na antiguidade grega, de Sócrates se ocuparam, julgo dever distinguir-se Aristófanes, Xenofonte, Platão e Aristóteles. No Fédon, um dos diálogos, Platão é explícito: “A alma é o que mais semelhança tem com o que é divino, imortal, inteligível, uniforme, indissolúvel”. E, porque a alma e o corpo se fundiram no mesmo ser, “cumpre ao corpo, por natureza sujeitar-se e ser governado e à alma dirigir e dominar”. A ginástica, nos gregos, não significava especial respeito pelo corpo. A saúde mostrava, antes do mais, que o corpo se encontrava em condições ao pleno esplendor da alma. Caso contrário, um corpo débil e anémico tornava-se no empecilho maior à vida superior do espírito. Na Idade Média, o dualismo platónico alma-corpo continuou, através da filosofia de Santo Agostinho (354-430), um dos grandes responsáveis pela elaboração e propagação do cristianismo, desde a Idade Média até aos nossos dias. Demais, o imperador romano Teodósio desferiu o “golpe de misericórdia” na ginástica e no desporto, gregos, quando proibiu a realização das Olimpíadas, em 393. Para ele, o cultivo do corpo podia levar ao esquecimento dos valores da alma. E toda a educação passou a confinar-se a uma tarefa puramente intelectual. No entanto, durante a Idade Média, a Igreja Católica proibiu a dissecação de cadáveres, pois que “o olhar humano não deve fixar-se em regiões que Deus nos ocultou”.
Depois dos gregos, nada surgiu de tão interessante, na história da cultura ocidental, ao desenvolvimento das práticas corporais, como o De humani corporis fabrica, de Andreas Vesalius (1514 - 1564) e De Arte Gymnastica, de Jerónimo Mercurialis (1530-1606). Vesálio ousou desafiar os preconceitos e os hábitos estabelecidos (muitos dos quais se baseavam na obra de Galeno) sem ter sofrido qualquer recriminação ou condenação públicas. Sabe-se também que, “às escondidas”, Leomardo da Vinci (1452-1519) conseguia cadáveres, para os estudos de anatomia, que serviam de base científica às suas obras asrtísticas. A Itália deslumbrava, então, todos os espíritos cultos, com especial relevo para Florença, onde viveram Dante e Petrarca. Os Médicis reuniam à sua volta as inteligências mais brilhantes do seu tempo. Mercurialis publicou, em Veneza, em 1569, o seu De Arte Gymnastica. Trata-se de uma cuidadosa, rigorosa e exaustiva sistematização das fontes antigas, então acessíveis, dos exercícios físicos sistemáticos. Mas foi o dualismo antropológico caretesiano, que percorreu, triunfante, toda a modernidade, chegando mesmo com foros de veracidade, designadamente na medicina e na educação física, até meados do século XX. Hoje, qualquer pessoa, medianamente informada, aceita sem surpresas que, “por mais surpreendente que pareça, a mente existe dentro de um organismo integrado (…). A mente teve primeiro de ocupar-se do corpo, ou nunca teria existido” (António Damásio, O erro de Descartes, Europa-América, Lisboa, p. 18). O dualismo corpo-alma, onde o “cogito” é a celebração do espírito e da sua superioridade em relação ao corpo, foi rejeitado, principalmente, pelo panteísmo de Bento de Espinosa (1632-1677), por Maine de Biran (1766-1824), que anuncia já o estatuto subjectivo do corpo próprio, a partir da experiência do movimento, e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) que nos ensina: “perceber é tornar presente qualquer coisa, com a ajuda do corpo”.
O dualismo antropológico cartesiano foi continuado indelevelmente pelo médico La Mettrie (1709-1751) que fez do animal-máquina de Descartes a inspiração do seu L’homme-machine. Para Descartes, os animais, porque não tinham alma, não passavam de puras máquinas. La Mettrie, neste seu livro, e no livro seguinte, O homem mais do que máquina, advoga a inexistência da alma humana e que os homens eram também simples máquinas, conjuntos de engrenagens, materiais tão-só, sem o complemento de qualquer substância espiritual. La Mettrie foi o médico mais famoso do Iluminismo. E a sua concepção organicista e mecanicista do homem-máquina foi conhecida pelos homens cultos do seu tempo. E levou, muitos deles, a transformarem-se em afervorados materialistas que assim diziam; “somos máquinas, mas máquinas programadas pela natureza para o exercício da liberdade”. De facto, somos o nosso corpo-máquina e o nosso corpo-máquina é matéria, nada mais do que matéria: aí está o radical fundante da ciência e da filosofia de La Mettrie. No entanto, a sua tese da continuidade entre o homem e o animal está sendo cabalmente confirmada pela biologia hodierna. O genoma da mosca drosófila tem cerca de 15 000 genes, enquanto o genoma humano só tem aproximadamente 30 000. O genoma dos primatas superiores é semelhante ao humano, em mais de 90%. Não se comprovou ainda a tese de La Mettrie de que os papagaios podem, perfeitamente, dialogar com o ser humano, através de uma conversa racional, mas aceita-se que a comunicação homem-gorila é possível. Num ponto havemos de convir com La Mettrie: a dependência da mente, em relação ao cérebro, parece insofismável. Para mim, todavia, há um excesso infinito de ser, na alma. Por isso, dependendo embora do corpo, somos livres! O corpo e o movimento constituem o primeiro momento da vida humana: o sujeito, antes de conhecer, procura e sente e vive, com o seu corpo. Lembro-me, amiúde, da frase de Teilhard de Chardin: “a matéria destila espírito”. Para Kant, a Ginástica é a educação do que, no homem, é natureza. Só que a natureza e o espírito formam, no homem, um todo indecomponível. E assim a matéria destila espírito e o espírito revela-se como a personalização da matéria…
Porque é um “ser de carências”, o ser humano é um “ser práxico”, ou seja, o seu movimento intencional não pode limitar-se unicamente ao desporto e à educação desportiva. Não é difícil acolher a ideia de que o desporto é vida, mas a vida não é desporto tão-só. Não deixando de tecer um comentário de ordem pessoal, mas de incidência pedagógica - sempre que teorizo a ciência da motricidade humana, me indago: se a motricidade é, antes do mais, movimento, quais os tipos de movimento que este paradigma pode albergar? Se bem penso: todos os movimentos humanos, susceptíveis de aprendizagem e que, pela transcendência, obedeçam ao imperativo de Hans Jonas: “Age de tal modo que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra” (Hans Jonas, Le Principe Responsabilité, Cerf, Paris, 1997, p. 37). Assim, nas disciplinas de um curso de motricidade humana, tem de encontrar-se mais do que anátomo-fisiologia, biomecânica, bioquímica, matemática e algumas das últimas aquisições da tecnologia, pois que, no corpo, são sempre visíveis fatores de ordem cognitiva, afectiva, social, política e religiosa. O ser humano não se esgota na interrogação: corpo ou espírito? – porque é corpo e espírito e natureza e sociedade e… movimento imparável de transcendência! Porque já trabalhei num departamento de futebol altamente competitivo; porque mereci a confiança e, nalguns casos, até a amizade de alguns treinadores desportivos – posso adiantar, sem receio, que reduzir a motricidade humana (e até a chamada “educação física”) à aprendizagem do desporto significa que nada se entendeu ainda sobre o significado do “corpo em ato”, do movimento humano e do movimento intencional da transcendência. Quais os grandes objectivos da ciência da motricidade humana? Criar um paradigma novo que fundamente o estudo do movimento humano e da intencionalidade e da transcendência que, nesse movimento, se descobrem; que se estude também as aprendizagens motoras, em quatro dimensões: a físico-biológica, a cognitiva, a sentimental e a axiológica.
A necessária teoria integradora encontramo-la na ciência da motricidade humana e as aprendizagens,que dela necessariamente decorrem, nas problemáticas educacionais e educativas, presentes no ato de desvelar conhecimentos e não meras informações. Entrámos na Sociedade do Conhecimento. Passámos de um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado num mundo de especialidades, a um mundo holístico ou sistémico , mas onde se ignora aquela interioridade donde poderá divisar-se o sentido da vida. Se a “noosfera” (e agora ressoo Teilhard de Chardin) se apronta para ser uma “noogénese”, ou seja, um processo de crescimento espiritual, aliás o que resta da Evolução - o próprio corpo e toda a motricidade humana deverão surgir como um dos aspectos da humanização progressiva da Humanidade. “Muitos autores vêem hoje, com júbilo, chegar o momento abençoado do tempo pós-biológico (Moravec) ou pós-evolucionista (Stelarc), pós-orgânico, etc., em suma, do tempo do fim do corpo, este sendo um artefacto passível de ser danificado da história humana, que a genética, a robótica ou a informática devem conseguir reformar ou eliminar” (David Le Breton, Adeus ao Corpo, Papirus, Campinas, 1999, p. 16). Mostro-me atónito, quando vejo tanta gente, de formação universitária, ter cedido à moda “de certas correntes da Inteligência Artificial, que negam qualquer importância ao corpo, para tornar o homem um puro espírito-computador, o body builder reafirma, com o mesmo radicalismo (ou ingenuidade), o dualismo entre o corpo e o espírito, apostando no primeiro como uma forma de resistência simbólica, para restaurar ou construir um sentimento de identidade ameaçada. Transforma o corpo em uma espécie de máquina, versão viva do andróide” (pp. 40/41). Eu sei que a nossa visão de algo, de qualquer fenómeno, não passa de simples opinião, pois que sou um “ser de carências”, um ser de limites. Mas, porque situado entre o finito e o infinito,, sentindo um anseio imparável de transcendência, ou superação. A dialéctica finito-infinito clarifica-me a desproporção entre o que sou e o que desejo ser.
Mas, tudo isto, sem prescindir do corpo, porque é pelo corpo que eu percebo e me percebo e percebo este anseio de transcendência das minhas carências… rumo a um Absoluto invisível mas evidente. Portanto, é pelo corpo e em movimento porque, pela transcendência somos, em todos os momentos, uma tarefa a cumprir, que eu tomo consciência que não sou objecto da História, mas sujeito criador e construtor da própria História, que não sou reflexo do que me rodeia, mas projecto de um mundo possível – que eu encontro afinal o sentido da vida! “É este homem que se define como um ser de projecto, um ser de possibilidades e explorador de possibilidades e sentidos e que, como tal, não se encerra na sua individualidade, mas abre-se ao devir e à alteridade, isto é, a outros tempos e a outros homens” (Eunice Nascimento , “A Dimensão Filosófica-Antropológica da Utopia em Paul Ricoeur – repercussões na filosofia da educação”, in AA VV, Da Ética à Utopia em Educação, Edições Afrontamento, Porto, 2004, pp. 204 ss.). José María Cagigal (1928-1983), que foi director do INEF de Madrid e é hoje nome cimeiro da história da educação física, tentou, no seu tempo, uma nova teoria da educação física, a qual fez do seguinte princípio o seu principal fundamento: “En contra de la línea educativa tradicional, considera al hombre corporal como la concepción más integral del hombre” (in AA VV, Investigación Epistemológica – el campo disciplinar en Educación Física, Consejo Superior de Deportes, Madrid, 1997, p. 61). A redução do corpo a mera virtualidade, ou a máquina tão-só, deixa a educação física, deixa a motricidade humana, sem uma perspectiva de fundamentação. Quando a ciência, ou a filosofia, perguntam pela motricidade humana e as especialidades que a compõem, perguntam inevitavelmente pelo corpo. Não conheço outro factor de individuação. A exploração do possível, pela transcendência, nega toda e qualquer espécie de determinismo. É o próprio corpo a dizê-lo…"

Benfiquismo (MDVIII)

À pinha!!!