Últimas indefectivações
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Final de ano de acusações e suspeitas
"A PJ está a averiguar e isso é muito bom para o futebol. Que se castigue quem prevarica e absolva quem nada tem a ver com as aldrabices.
Final de Ano desportivo pontuado, por acusações, suspeitas e dúvidas sobre o futebol e o desporto. Desta vez foi o Feirense - Rio Ave, da última época que já havia sido falado pelo inusitado número de apostas que gerou.
A Polícia Judiciária está a averiguar e isso é muito bom para o futebol. Que se investigue, castigue quem prevarica e absolva quem nada tem a ver com as aldrabices.
Nada pior no desporto, na política ou na vida, que aquela indiferença de são todos iguais.
Não é verdade, não pode ser verdade, é bom que não seja verdade, e quem cumpre não pode ser confundido com quem aldraba.
Jogos com resultados combinados, realidade que se conhecia de outras paragens (mafiosas), é a negação do desporto, e é, a curto prazo a morte da paixão pelo mesmo.
Numa altura em que as desgraças parecem não parar até Chris Froome, o último herói de uma modalidade mergulhada no descrédito, parece também já ser vilão e não campeão.
Depois de Lance Armstrong o que poderia ser pior?
Só falta mesmo Federer ou Nadal, Messi ou Ronaldo, Parker ou Kevin Durant para deixarmos de ver, de acreditar e de gostar.
Na ânsia do negócio e das suas vigarices, acabam a matar a paixão. Na Rússia de Putin e do Mundial não param as demissões, acusações e descobertas de um gigantesco circo de aldrabice desportiva com base no doping.
Esta última semana de 2017 faz com que tenhamos mesmo necessidade que venha algo de novo e de melhor, que seja 2018.
Para quem gosta muito de desporto, nesta fase, quase bastava saber que o jogo que vê, de futebol ou de hóquei, a prova que assiste, de ciclismo ou de atletismo, não é uma mentira.
Que os heróis são mesmo os melhores, que a excelência faz a diferença, e que não somos cúmplices de uma fraude sem tamanho.
Que tal um grande Benfica - Sporting no próximo dia 3? O derby dos derbies, apenas jogado dentro de campo, de forma intensa e leal. Numa altura em que resta ao Benfica o Campeonato Nacional, notícias que já não estávamos habituados há várias épocas, o doping era um grande Benfica e a aposta era um grande jogo.
Isso sim era um grande início de 2018."
Sílvio Cervan, in A Bola
Pântano no futebol
"O grande problema vai-se colocar à própria Justiça
Uma coisa parece cada vez mais evidente: os processos relacionados com o futebol vão inundar o Ministério Público e a PJ.
Do famoso caso dos emails, comissões ilegais, às piratarias informáticas, à corrupção e ao tráfico de influências, sem esquecer as bagatelas de difamação, vai parar tudo às instâncias judiciais. O futebol sempre foi um pântano mas a verdade é que, nos últimos anos, as forças em guerra evoluíram para um plano superior de organização.
Contrataram piratas informáticos e passaram a usar a Justiça como arma de arremesso. Uma cópia da velha litigância entre políticos, onde abundam os grandes especialistas de bullying jurídico contra tudo e todos, de jornalistas a adversários partidários.
O grande problema, de resto, não se coloca a quem se queixa, a quem promove a pirataria informática e o crime em geral.
O grande problema vai colocar-se à própria Justiça que, pela dificuldade de produzir prova, pelo insuficiente enquadramento penal de alguns dos comportamentos visados, pelo pacto de silêncio reinante em áreas financeiras e outras do mundo do futebol, não vai chegar a lado nenhum. E só serviu para alimentar a fogueira de mais uma época."
As boas notícias de 2017, que pedem continuidade já no próximo ano
"A reafirmação do treinador português, as boas ideias na Liga e um craque em grande momento, que não Messi ou Ronaldo.
2017 foi mais um ano, não o primeiro e certamente não o último, de afirmação do treinador português como um dos mais bem preparados no contexto europeu. Se Leonardo Jardim foi o expoente máximo dessa ideia, com resultados bem acima dos esperados, não só em França mas também na Liga dos Campeões, há que destacar ainda os feitos de Paulo Fonseca no renascimento do Shakhtar, de Marco Silva num Watford de escassa matéria-prima e com um excelente arranque na nova temporada, e do próprio Nuno Espírito Santo, a reagir muito bem à saída do Dragão e a tornar o Wolverhampton o grande candidato à subida.
Se a isto somarmos a fome que José Mourinho mantém por títulos, com uma Taça da Liga e a Liga Europa conquistadas, e até a boa impressão que Carlos Carvalhal deixou no Championship ao ponto de lhe ser entregue a missão espinhosa de salvar o Swansea da descida, temos ainda mais provas de que o técnico português está bem e recomenda-se, e particularmente na maior liga do mundo.
(Faço aqui um parentêsis sobre Mourinho. O Manchester United atravessa um período de maior instabilidade, mas tem tudo para terminar como segunda melhor equipa atrás do rival City. Se isso acontecer em maio confirmar-se-iam os sintomas de recuperação, já que nas últimas temporadas foi apenas 7º, 4º, 5º e 6º classificado. O que se aponta aos Red Devils é uma mais fraca qualidade de jogo, e um plantel ainda desequilibrado, com o português a não conseguir apagar da cabeça das pessoas os 105 milhões pagos por Pogba, que está longe de ter adquirido influência desse volume na equipa. Mou também não tem ajudado nos encontros com a imprensa. Critica os jogadores quando corre mal, algo raro no início da carreira, ou os árbitros, e agora acusa o City e Guardiola de um orçamento bem maior. É verdade, perde por cerca de 113 milhões – 463M vs 350M em duas épocas –, mas também gastou pior e joga bem pior, em contraste com uma ideia clara de jogo e de domínio territorial sobre os adversários.)
Portugal vai estar em nova fase final, e a defender o estatuto de campeão europeu. Conseguiu-o na última jornada, depois de um arranque em falso na Suíça, mas foi a tempo de confirmar ser a melhor equipa do grupo e candidato a um lugar de destaque na Rússia. A Selecção partirá para Mundial com expectativas justificadas, face à qualidade que foi angariando e consolidando nos últimos anos, e depois de num ou outro momento da qualificação ter provado que tem mais futebol do que o que tem demonstrado.
Um Cristiano Ronaldo a manter-se no topo, com Lionel Messi sempre por perto. A discussão vai continuar sobre quem é o melhor, e isso para aqui pouco interessa. Novos títulos colectivos, entre os quais mais uma Liga dos Campeões, e os maiores prémios individuais, golos atrás de golos, muitos deles decisivos, e a garantia de que o próprio está longe sequer de antecipar o fim. A Pulga salvou a Argentina no limite, Cristiano foi importante na caminhada de Portugal, e haverá também Neymar na Rússia, com um Brasil de novo candidato, reequilibrado por Tite. Não tenho dúvidas de que o Escrete partirá para o Mundial com uma confiança que não tinha há muito tempo, e com alguma da magia do passado, dada por nomes como Coutinho, Gabriel Jesus, Daniel Alves, Douglas Costa e o tal Neymar, claro.
Vinga na Liga um futebol de boas ideias, em que se enquadram pelo menos Rio Ave, Portimonense e Desp. Chaves. Boas apostas das direcções dos clubes, os treinadores Miguel Cardoso, Vítor Oliveira e Luís Castro têm orquestrado alguns dos melhores momentos do campeonato. Em Vila do Conde, a filosofia parece mais duradoura e menos circunstancial, e é bom sinal que se estenda a outras equipas da prova. Privilegiar a posse de bola e não abdicar do seu processo de jogo mesmo perante equipas com maiores argumentos não é fundamento que se esgote em si mesmo. É preciso organização, e também jogadores que possam colocar em campo essas mesmas ideias com maior facilidade. A ideia tem de ser sustentada. O Rio Ave é, por isso, o melhor exemplo, e tem-se mantido entre as melhores equipas do campeonato. Para já, as três chegam ao inverno sem grandes motivos de aflição.
Há promessas de um Sp. Braga com margem de crescimento, logo a começar pela boa prestação europeia, que se estendeu a exibições personalizadas na Luz e em Alvalade na segunda metade do ano. Há muito que os minhotos tentam aproximar-se dos grandes, mas só o conseguiram de forma esporádica no célebre ano da luta com o Benfica pelo título, com Domingos Paciência ao leme. Não será ainda muito provavelmente esta época que o conseguirão, mas com processos consolidados depois de um arranque mais trémulo, e com a perspectiva ainda de reforço de um plantel com muita qualidade, poderão estar a ser lançadas as bases para uma nova tentativa em breve. Assim, 2018 o confirme.
Se a primeira metade do ano viu o Benfica chegar com justiça a um inédito tetra, a segunda teve um FC Porto cheio de adrenalina, ainda que condicionado pelo fair-play financeiro, disposto a desafiar o status quo e até a afirmar-se como grande candidato a festejar em maio, nem que seja pelo que mais jogou no embate com os rivais. Para já, os dragões estão em todas as frentes – Liga, Liga dos Campeões, Taça de Portugal e Taça da Liga – e o mérito tem de ir todo para o novo treinador Sérgio Conceição. O Sporting mantém a ambição, e com a investida confirmada no mercado em Janeiro, faz novo all-in para 2018. O plantel tem inúmeras soluções, mantém referências e, para já, está a par dos dragões. Os encarnados já perderam tudo menos a Liga, e precisam de tempo e até de jogadores para o novo modelo, mas continuam por perto. O dérbi será muito importante para o que aí vem.
Duas super-equipas, contruídas com muito dinheiro. Se olharmos apenas para o lado desportivo – esquecendo por momentos as questões relacionados com o fair-play financeiro –, e colocando de parte a falta de equilíbrio que tal origina nos campeonatos locais, é um prazer assistir ao que Manchester City e Paris Saint-Germain são capazes de colocar em campo. No caso dos ingleses, há que somar à qualidade importada o factor-Guardiola. Se internamente já se percebem as diferenças há várias semanas, o maior desafio será agora a nível continental, com o campeão em título Real Madrid – que terá já pela frente os franceses –, Barcelona e eventualmente Bayern Munique e Juventus a terem mais rivais com que lutar pela glória na Champions.
Kevin de Bruyne. A grande figura de um Manchester City de luxo. O belga está, aos 26 anos, no melhor momento da carreira, soma golos e assistências, com a posição mais recuada em campo, como eventual número 8, a beneficiar a fantástica visão periférica de que dispõe. Ele vê tudo, disse Guardiola quando chegou, e tem razão. Dispensado do Chelsea por Mourinho foi afirmando-se no Wolfsburgo até ser recuperado pelos Citizens, ainda de Manuel Pellegrini, a troco de 75 milhões de euros. Claramente o melhor jogador da primeira metade da época, e responsável em grande parte pela produtividade de Agüero, Gabriel Jesus, Sterling e Leroy Sané. Que craque!
Nas modalidades, Miguel Oliveira em Moto2, Frederico Morais no surf, Inês Henriques na marcha, e os já catedráticos Telma Monteiro, Nélson Évora, Fernando Pimenta e Patrícia Mamona deixam também excelentes indicações para o próximo ano."
O que não mudou em 2017, e ainda vai a tempo de mudar a partir de Janeiro
"O futebol português enfrenta a falta de convergência e a necessidade de rotura.
2017 foi um ano cheio de casos, e não só por cá, e pode recapitulá-los aqui.
O que infelizmente não mudou no ano que agora termina foram os decibéis atingidos pelo ruído em torno do futebol português.
Também não se viu por parte de Liga, Federação ou, no limite, do Governo qualquer movimento que possa ser levado a sério para reduzi-lo ou até limitá-lo a um burburinho que não incomode ninguém. Continuo a achar que não basta um ou outro artigo de opinião, ou uma ou outra reunião mais ou menos secreta, depois de anos sucessivos a viver um laissez-faire de certa forma cúmplice, para voltar a colocar o futebol português nos eixos.
A Liga é impotente para colocar os clubes profissionais a remar para o mesmo lado e a defender o produto que criam e que lhes poderá dar dividendos futuros; a Federação reclama que não detém o poder, mas nos assuntos em que o detém é incapaz de ultrapassar uma velocidade tão anos-90 – com meses de audiências e testemunhos pelo meio, quando noutros países a justiça demora horas –, e também barreiras culturais que transitam desse tempo; e o Governo existe apenas numa ou outra declaração do Secretário de Estado que nunca faz eco.
O futebol português necessita de uma convergência, que demora e parece cada vez mais longe de acontecer – é a partir desse vazio que nasce este movimento G-15 sem os grandes, logo sem os grandes influenciadores de decisão e com a dúvida que essa mesma ausência acarreta –, ou da rotura.
Não faz sentido que sejam os clubes, os principais interessados, a regulamentar competições, e ao mesmo tempo o país precisa de uma instituição – que até poderia ser a federação, mas uma federação capaz de ultrapassar processos antigos e verdadeiramente moderna em toda a sua plenitude – para fazê-lo. Uma instituição virada quase exclusivamente para o produto e servindo exclusivamente esses interesses, clarificando leis, e a aplicação das mesmas, e punindo severamente, em tempo útil, quem o tentasse denegrir.
Enquadro aqui o video-árbitro, e também uma eventual tecnologia de linha de golo, que até teria sido mais necessária que o próprio VAR, e o resto que tem sido feito, como a divulgação dos relatórios dos árbitros e outros processos em torno da clarificação da arbitragem. Mais do que atos isolados, deveriam ser parte de uma acção generalizada, com que está no parágrafo acima, e acredito que contribuiriam nesse sentido para ajudar a credibilizar o futebol em Portugal.
Quem lê o que escrevo neste espaço, sabe que nunca fui acérrimo defensor do VAR. Para mim, o problema não é nem nunca foi tecnológico, mas sim cultural e passa sempre pelo peso que atribuímos às decisões dos árbitros. O VAR não iria mudar tudo o que estava mal, nem iria ser o Santo Graal, tal como o tentaram vender. Não acabaria com o erro, anularia uns e deixaria passar outros, e mesmo o que detectasse estaria sempre dependente da interpretação humana.
Ao fim de alguns meses, a minha opinião não mudou, e penso que até contribuiu, em certos momentos, para aumentar o ruído em torno do jogo. Ou seja, uma iniciativa assente em algo tão volátil ou inexistente como a cultura desportiva do adepto luso iria sempre ter muitas dificuldades em manter-se firme e sólido. Há muito que fazer neste aspecto ou não estivesse em fase experimental, e a modernidade também passa por aí: clarificar os gestos e o recurso ao VAR, tornar públicas todas as comunicações e imagens, deixar os árbitros falar normalmente sobre os jogos e explicar decisões.
Com o tempo, talvez nos habituemos a esse corpo estranho, desde que deixemos de pensar como o solucionador de todos os problemas do mundo, incluindo os de cada um.
Não é só em Portugal que há problemas. Desde logo, a imagem deixada pelo fair-play financeiro que persegue os menos poderosos e deixa que sejam formadas super-equipas com gastos astronómicos, como recentemente aconteceu com o Manchester City e com o PSG, com os franceses a utilizarem o empréstimo de Mbappé como escapatória às regras da UEFA. Ou será que o fair-play financeiro também é uma treta?
Também aqui há algo a fazer, e esperam-se cenas dos próximos capítulos.
2017 trouxe ainda a falta de investimento por parte do Benfica, o que certamente os dirigentes do clube não traduzem por «falta de ambição», mas que terá de ser encarado dessa forma por todos os outros, e que contribuiu para uma Liga dos Campeões humilhante. Excesso de confiança, má preparação da época, reação tardia no mercado e depois na transfiguração da equipa para um modelo mais equilibrado – de tudo isso os encarnados podem ser acusados. Bem mais de cem milhões ganhos, menos de 10 gastos, a perda de qualidade e envelhecimento gradual de algumas referências na equipa, num momento histórico do clube, a poder consolidar o seu domínio a nível nacional. Os primeiros sintomas começaram na Europa, onde se tornou o pior cabeça de série da história, passando a pior participação europeia de um clube português, e depois continuaram na Taça de Portugal e Taça da Liga, ficando com a Liga apenas pela frente.
À entrada do novo ano, o Benfica precisa de emagrecer em número mas de somar em qualidade, o que significa que o último objectivo da temporada pode estar também ele dependente de eventuais correcções no mercado. Os bons sinais do 4x3x3, que precisa ainda de equilíbrio no plantel – há solução para Krovinovic ou para Pizzi, se não for Krovinovic? –, compensarão o risco de deixar tudo como está, ou de apostar em talento incerto? Qualquer indecisão será aproveitada pelos rivais.
Os problemas financeiros do V. Setúbal não são de hoje, mas desta vez coincidiram com um impasse directivo e com o último lugar na tabela, consequência dos últimos resultados. É verdade que, num grupo com Benfica e Sp. Braga, foram os sadinos a qualificar-se para as meias-finais da Taça da Liga, mas tal não serve de grande compensação. É sinal que o grupo, apesar de jovem, tem qualidade para inverter a situação desportiva. Já a financeira parece mais difícil de solucionar. Tem a palavra o novo presidente."
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