Últimas indefectivações

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Sabe quem é? Picado com alfinetes - Valadas

"Marcou três golos ao Sporting e fez do Benfica campeão; Esse famoso 'hat trick' só se deu por promessa falhada

1. Não sendo avançado-centro mas extremo-esquerdo, a sua história faz-se de 162 golos em 263 jogos oficiais - e de um ainda mais: foi dele o primeiro do Benfica em campeonatos nacionais. Marcou-o ao Vitória de Setúbal: havia seis minutos do jogo na primeira jornada da edição de 1934/35 (que ainda se chamava Campeonato da I Liga e o FC Porto venceu) - e só estava no Benfica porque o Sporting falara na promessa que lhe fizera.

2. Tendo nascido nas Minas de São Domingos a 15 de Fevereiro de 1912, começou a jogar futebol no Luso Sporting Clube de Beja. Aos 19 anos apareceu à aventura em Lisboa, a oferecer-se ao Sporting, o clube do seu coração. Bastou um treino para que Artur John, que Oliveira Duarte fora buscar ao Benfica (em versão pré-histórica do que Bruno de Carvalho haveria de fazer com Jorge Jesus) se encantasse com ele.

3. Para ficar como seu jogador, ao Sporting pedira um «emprego de futuro». Como tardaram a arranja-lho, arrumou a trouxa e, desencantado, apanhou a camioneta que  levou à terra. Por lá esteve largos meses sem jogar, sentiu saudades, foi matá-las para o Sport Lisboa e Beja.

4. Ribeiro dos Reis desafiou-o para o Benfica, acordou-se que lhe davam 750 escudos por mês «para melhor tratar da alimentação e da saúde» - e era o tempo em que a Casa Imperium servia, no seu restaurante «cheio de glamour», almoços completos a 15 escudos e jantares a 18.

5. Ao Benfica exigiu o que já exigira ao Sporting: «emprego de futuro». Arranjaram-no como funcionário do Governo Civil de Lisboa. O seu primeiro jogo oficial, com Vítor Gonçalves (o pai do Vasco Gonçalves do PREC) a treinador foi a 14 de Outubro de 1934, na abertura do Campeonato de Lisboa contra o Sporting. O Benfica venceu por 3-2 - não marcou nenhum golo, o primeiro golo ao Sporting marcou-o na segunda volta, depois de ter falhado grande penalidade e, por isso, perdeu o Benfica o jogo por 2-1 e o Campeonato de Lisboa para os sportinguistas.

6. Semana após semana refinou-se-lhe no campo a imagem que de si se vincou: alto e possante, com pé esquerdo notável e remate fortíssimo, capaz de arrancadas que deixavam adversários com desconcerto e adeptos em frenesins. Também jogava de coração doce: uma vez, vendo João Azevedo, o guarda-redes do Sporting, defender-lhe, de forma espantosa, um remate, bateu-lhe palmas - e logo correu a cumprimentá-lo num abraço.

7. Na tarde de 26 de Abril de 1936 o guarda-redes do Sporting poderia ter sido Dyson - mas não foi. Também poderia ter sido Jaguaré (o exótico brasileiro que espantava Lisboa por ir para a baliza de luvas nas mãos) - e não foi. Szabo apostou, com surpresa, no Azevedo - para um jogo que poderia fazer do Benfica campeão (ou não)...

8. Nesse jogo do título de 35/36, o Benfica ganhou por 3-1 - e, assim, graças do seu hat-trick ficou virtual campeão, para o Sporting foi o fim da esperança, irremediável.

9. Antes dos três golos ao Sporting passara por tarde tempestuosa em Coimbra - dele diria o Albino: «Era um calmeirão, mas tinha muito medo dos choques, encolhia-se todo, sobretudo ao apanhar os doutores da Académica, eu não, era um trinca-espinhas, mas ia-me a eles» - e ao ouvi-lo, ele retorquiu-lhe: «Pois, aquilo de jogar no Campo de Santa Cruz era sempre como se subíssemos ao inferno...»

10. Das «odisseias» em Coimbra mais revelou: «Quando íamos jogar a Santa Cruz, nem íamos à cabina. Saímos equipados do autocarro e, no intervalo, ficávamos no campo. A cabina ficava no alto das bancadas, a gente tinha de passar pelo meio dos tipos e o mínimo que nos faziam era espetarem-nos alfinetes». Dessa vez, em que o Benfica venceu por 6-2 - ele marcou quatro golos, foi o seu primeiro poker.

11. A propósito da Académica ainda contou: «Uma vez, nas Amoreiras, o Tibério foi-me aos pés, ficou magoado, durante tempo recebi cartas e postais de Coimbra, com ameaças: 'O teu acto será vingado' e coisas assim...» Isto foi já a caminho de levar o SLB ao terceiro título consecutivo no Campeonato da Liga - e, quando, em meados de 1944 se despediu tinha no palmarés 6 Campeonatos, 3 Taças, 1 Campeonato de Portugal, 1 Campeonato de Lisboa."

António Simões, in A Bola

Ainda os sub-23

"Embora continuemos a ter dúvidas sobre a utilidade de uma competição entre equipas de Sub-23, temos de ser pragmáticos face à decisão já tomada pelas altas instâncias do nosso Futebol; assim, estamos prontos a reconhecer as facetas positivas que tal decisão também terá e manifestamos disponibilidade para darmos o nosso modesto contributo na procura das soluções mais ajustadas para o êxito dessa iniciativa.
Nesse sentido há que considerar tratar-se de uma competição pioneira em Portugal, mas que tem um historial já consolidado noutros países, designadamente em Inglaterra.
Por isso, esperemos que tenham sido estudados em profundidade os modelos neles seguidos e que haja a coragem de escolher o que melhor se adapte ao caso português, quer em termos de dimensão, quer das finalidades que se pretendem atingir.
Esse "melhor" não deverá ser entendido como um valor absoluto, antes um projecto a ser testado numa época experimental, sujeito a naturais aperfeiçoamentos futuros.
Com 32 clubes a disputarem as ligas profissionais, alguns ainda continuam hesitantes em se lançarem nesta competição; o que nos leva a considerar ter havido algum exagero na previsão inicial de dividir os concorrentes verticalmente, em duas divisões; afigurando-se mais natural uma separação horizontal, por zonas (Norte e Sul, por exemplo), integrando cada uma, indistintamente, equipas da I e da II Liga; neste caso haveria que disputar uma final entre os vencedores de cada zona ou, o que seria mais interessante, uma fase final em poule de quatro ou com meias finais e final.
Aproveitamos para reiterar a ideia que lançámos em anterior artigo ("Equipas B versus Sub-23", editado nesta plataforma digital em 23 de Março passado), de haver um interligação entre os dois campeonatos, com o aliciante de o vencedor dos Sub-23 ascender à II Liga, por troca com a equipa B pior classificada; tal permitiria promover à II Liga equipas B de outros clubes que não os seis inicialmente escolhidos, situação a que a recente despromoção do Sporting B confere outra relevância."

Em nome de Eusébio

"O filme Ruth (estreia-se hoje) vai buscar o título ao nome de código dado a Eusébio da Silva Ferreira quando, no começo da década de 1960, viajou de Lourenço Marques para Lisboa. A mudança de identidade surgiu como pormenor caricato, mas essencial, na guerra de bastidores travada entre dois clubes (Benfica e Sporting) apostados em contratá-lo. Reencontramos, assim, esse fascínio silencioso do nome sobre o qual escreveu Roland Barthes, a propósito da escrita de Proust: o nome existe como "objecto precioso, comprimido, embalsamado, que é preciso abrir como uma flor".Assim é o filme realizado por António Pinhão Botelho, a partir de um sólido argumento de Leonor Pinhão. E não é coisa banal tal atitude. Sabemos como algumas experiências em torno de figuras míticas do imaginário português (Salazar, Amália) têm gerado narrativas dependentes da formatação imposta pelas telenovelas: sem espessura histórica, tais figuras surgem como marionetas de uma transcendência que fica sempre por esclarecer. Em Ruth, pelo contrário, há vida social e política: do peso simbólico do futebol aos primeiros sinais da Guerra Colonial, este é, pelo menos, um Portugal que escapa a qualquer visão determinista.Há, por certo, personagens mais bem desenvolvidas do que outras, cenas de impecável timing narrativo, outras nem por isso. Mas não se trata de promover "modelos" - nunca foi obrigatório filmar à maneira de Oliveira; seria estúpido sugerir que Ruth deve servir de padrão para o que quer que seja. Acontece que, desta vez, há um filme que se interessa pelas pessoas e pelos lugares, além do mais libertando os actores dos espartilhos novelescos: no papel de Eusébio, Igor Regalla é exemplar na representação de alguém que não pode abdicar do seu nome. Como qualquer um de nós."

Nunca houve um jogador como Iniesta

"Quando se sentou diante dezenas de câmaras e microfones na sala de Imprensa de Camp Nou, Iniesta sabia o que o esperava. Nos dias, talvez semanas ou até meses, que antecederam o momento solene, preparou-se para o embate de emoções que acompanhariam o anúncio do fim da relação com o Barcelona. As lágrimas que verteu estenderam-se aos quatro cantos do Mundo, naquele instante em que os amantes do futebol perceberam que um dos mais brilhantes jogadores da história estava ali, em claro sofrimento, a pôr fim a uma longa e linda história. Na hora da reflexão, fica à vista que foi, de entre os maiores génios do futebol, o mais singular.
É impressionante que um dos principais mentores da grandiosa longa-metragem que o Barcelona promove há quase uma década; que o maestro da orquestra mais brilhante dos últimos 40 anos seja um homem tímido e simples, despojado de vaidade, incapaz de uma provocação ou de qualquer desvio comportamental. Parece impossível que figura tão esmagadora recuse as benesses, tantas vezes apetecíveis, da fama: nem um tique de vedeta, nem um adorno pessoal, nem uma simples tatuagem. O artista é, afinal, um cidadão comum, chefe de família exemplar e um homem como outro qualquer, simples, modesto, dedicado, digno e comprometido.
Sendo guerreiro de um exército em permanente conflito com forças externas, foi uma bandeira de paz e consenso; o rosto de uma ideia futebolística maravilhosa e o principal intérprete de uma opção estratégica arrojada, talvez até revolucionária. Iniesta é uma das maiores figuras do jogo, na história do qual entra sem votos contra nem adornos supérfluos; é um génio conceptual sublime que abrilhantou a máquina de sonhos que foi o Barcelona do tiki-taka e assumiu a condução (sempre ao lado de Xavi Hernández) da nave espacial que foi a selecção de Espanha entre 2006 (quando iniciou a qualificação para o Euro’2008) e 2012 (quando concluiu a trilogia de dois títulos europeus e um mundial).
Iniesta foi um oficial superior que exerceu esmagadora autoridade sem ferir sensibilidades; foi responsável por centenas de vitórias deslumbrantes sem beliscar as regras da boa educação; nunca polemizou, desrespeitou ou agrediu; não se lhe conhece um gesto irreflectido, uma palavra mal medida ou qualquer atitude menos digna. Por incrível que pareça, sendo elemento de um exército de grandes causas, foi exemplo consensual de nobreza, ética, generosidade, modéstia e elegância. Nunca fez concessões porque conhecia as regras da casa, os seus hábitos e o seu espírito: bastou-lhe, por isso, seguir a sensibilidade do povo e a estética em vigor; ser depositário de um vasto legado de emoções e respeitar a cultura guardada no símbolo que traz ao peito. Tornou-se líder inspirador e carismático de uma potência mas isso não fez dele figura odiosa para os inimigos da nação que representou.
Não convive com as mulheres mais desejadas do planeta; não é visto em passagens de modelos nas grandes capitais europeias; não fez milhões em publicidade nem se envolveu em qualquer tipo de escândalos. Iniesta é o actor de Hollywood, amado e reconhecido pela grande indústria, que vai levar os filhos à escola, frequenta os mesmos restaurantes e cumpre as rotinas da adolescência. Joga futebol como um deus e isso bastou-lhe para ser feliz e arrebatar a paixão de todos nós, incluindo os adeptos hostis que, pelo menos uma vez na vida, já o aplaudiram de pé. Na hora do adeus, chamou os holofotes para anunciar a saída de cena, com palavras trémulas e arrastadas, sorriso de criança nos lábios e lágrimas comoventes nos olhos. Iniesta é um jogador irrepetível, a quem foi recusado, indecentemente, o ouro correspondente ao melhor do Mundo. Mas levará uma certeza para o resto da vida: nunca a centenária história do jogo teve um intérprete tão grande, altruísta, inteligente, visionário e inspirador como ele.

(...)

Bruno Fernandes é um fenómeno
Há jogadores que não precisam de tempo para atingirem a excelência
Bruno Fernandes está a tornar-se um jogador cada vez mais influente. Se não marca, deslumbra pelo talento que expressa de modo quase fantasmagórico; se joga um pouco abaixo do génio que possui, faz dois golos sublimes e oferece à equipa uma vitória fundamental (2-1). O futebol português ganhou o melhor médio desde Rui Costa e Deco. Vítor Oliveira não anda longe da verdade: é o melhor jogador da Liga.

Salah tem direito à luta pelo ouro
O egípcio tem conjugado na perfeição as emoções e as estatísticas
Salah ganhou direito a discutir a "Bola de Ouro" de 2018 e quanto a isso não há a menor dúvida – se o Liverpool for campeão europeu pode até entrar na luta com algum favoritismo. A questão é só essa e já não é pequena. O faraó ultrapassou Neymar na corrida (pelo menos até ao Mundial) mas tem ainda de comer muita sopa até discutir um lugar na história ao nível de CR7 e Messi. Leva dez anos de atraso."

O Milagre de Berna ou o improvável nascimento de uma potência

"A capital suíça foi o palco do primeiro título mundial da Alemanha (então RFA) ainda a recuperar das cinzas da II Guerra Mundial e frente a uma das melhores selecções de sempre, a Hungria, que não perdia há quatro anos. Depois de estar a perder 2-0 aos dez minutos e de ter perdido 8-3 frente aos mesmos oponentes na fase de grupos. (Esta é a quinta história na nossa nova série enquanto Portugal não entra em campo no Mundial da Rússia)

Numa cena da clássica série de comédia britânica "Sim Sr. Ministro", Sir Humphrey Appleby está a explicar ao epónimo ministro o porquê da entrada de certos países na então Comunidade Económica Europeia. Chegado à Alemanha, afirma estarem à procura "de readmissão na raça humana" após o seu papel na II Guerra Mundial. E se tal visão ainda era comum no início dos anos 80, mais ainda em plena ressaca do conflito. Era uma nação dividida (literalmente) em duas que teve no futebol o início de uma redenção com os outros e consigo mesmo. Graças ao Milagre de Berna e frente a uma selecção húngara que ninguém esperava que perdesse.
Nos anos 50 a Europa ainda tinha nos escombros e no racionamento uma uma lembrança diária da guerra e foi por isso, sem surpresa, que quando a FIFA procurou organizar um novo mundial no Velho Continente, um dos poucos países poupados pela carnificina tenha sido o escolhido. Sede da organização que celebrava o seu 50º aniversário, a Suíça foi nomeada como o palco da quinta edição da competição.

Sorteio para apurar
Foi o primeiro Mundial a ser alvo de transmissões televisivas e que marcou a estreia de países como a Coreia do Sul ou a Turquia que se apurou por sorteio. O que quer isto dizer? Exactamente o que parece. Passamos a explicar: após dois jogos com a Espanha que acabaram empatados, realizou-se um terceiro jogo em Roma para definir quem ia à fase final. O encontro também terminou empatado o que - numa altura em que ainda não tinha sido inventado o desempate por grandes penalidades - obrigou a FIFA a recorrer a um método geralmente reservado para colocar as equipas nos grupos. 
Desta forma, num palco e em recipiente improvisados, Luigi Franco Gemma (filho de 14 anos de um dos funcionários do estádio) foi escolhido para tirar um de dois papeis de dentro da Taça Jules Rimet (atribuída ao vencedor do Mundial). Calhou a Turquia, o que obrigou a Espanha dizer adeus à competição. E se pensam que este método é uma relíquia do passado, ainda em 2014 esteve próximo de ser utilizado quando havia hipótese de Irão e Nigéria estarem iguais nos seis critérios de desempate.
Mas voltemos à Alemanha, neste caso representada pela então RFA (República Federal Alemã, também conhecida como Alemanha Ocidental). Só após 1950 tinham sido readmitidos na FIFA e eram olhados com desconfiança por grande parte dos seus congéneres. O seleccionador, Sepp Herberger ,tinha escapado incólume aos julgamentos de desnazificação, apesar de ter sido um membro do partido desde os anos 30 enquanto o capitão, Fritz Walter, tinha escapado a uma deportação para a Sibéria por alguém o ter reconhecido como futebolista num campo de trânsito. Era um conjunto de amadores no qual poucos depositavam esperanças, ainda muito distante dos dias do "futebol são 11 contra 11 e no final ganha a Alemanha."

Estratégia ou só poupanças?
Sobretudo quando no seu grupo tinham aquela que era considera a melhor equipa da época e uma das melhores de sempre, a Hungria de Puskas ou Kocsis. Os "poderosos magiares" ou "equipa dourada", como eram alcunhados, não conheciam a derrota há quatro anos e 31 jogos, tinham entre os escalpes uma vitória por 6-3 sobre a Inglaterra (na primeira vez que os ingleses perderam em solo caseiro) e eram os campeões olímpicos em título. Conhecidos pelas suas inovações tácticas, percursores do futebol total dos holandeses, eram favoritos não só a vencer o Mundial como quase a cilindrar a oposição.
O que começaram por fazer, com uma vitória por 9-0 frente à Coreia do Sul. Seguiu-se um confronto com a Alemanha, mas ainda não era hora do milagre. Sabendo que podia perder porque tinha o play-off de passagem à fase a eliminar assegurado, e numa opção táctica ainda hoje muito discutida (para perceber se queria poupar ou esconder a sua real força do adversário), Sepp Herberger mudou mais de metade da equipa e prontamente perdeu por 8-3. Uma sensação de falsa segurança que nem a lesão de Puskas (que só voltou a jogar a final e não a 100%) ajudou a mitigar.
Ambas as equipas apuraram-se e, com maior ou menor dificuldade - sobretudo a Hungria, que teve alguns jogos de grande dificuldade, ao contrário dos germânicos com um sorteio mais simpático - ultrapassaram as eliminatórias até marcarem novo encontro a 4 de julho de 1954 para a final de Berna. Agora sim, era hora do milagre. Além do espírito de equipa e de umas inovadoras chuteiras com pontas de ferro adaptáveis inventadas por Adi Dassler (fundador da Adidas) pouco mais se poderia atribuir de vantagens aos alemães, que cedo se viram a perder por 2-0 aos oito minutos e pareciam completamente perdidos em campo. Agora sim, foi a hora do milagre.
Aos 18 minutos já a Alemanha tinha recuperado da desvantagem perante a surpresa geral e com os adversários atónitos. Seguiu-se um período de domínio da Hungria que durou praticamente durante todo o jogo, com o guarda-redes Toni Terek a fazer várias defesas de recurso. Até que, quando nada o fazia prever, Helmut Rhan se tornou o herói da reconciliação de um povo consigo e com os outros. Quando faltavam seis minutos para os 90, encheu-se de fé e rematou de fora da área para aquele que é considerado o golo mais importante da memória colectiva germânica.



Puskas ainda viu um golo anulado por um fora de jogo questionável, mas estava consumado o Milagre de Berna perante o delírio dos alemães no estádio e que assistiam pela televisão. Foi o início da aura que fez dos germânicos uma das potências mais temidas dos Mundiais, presença regular em finais e detentores de quatro troféus.
Ao passo que os "poderosos magiares" nunca mais foram os mesmos e a inesperada derrota provocou ondas de choque e manifestações de descontentamento pelo país que, apenas dois anos mais tarde, se viu envolvido numa revolução e invasão soviética. Exposição alemã a comemorar os vencedores de 1954 com a bola da final ao centro
Já na RFA, a reacção e o impacto foi diametralmente oposto. "Só nos apercebemos do que nos esperava quando regressamos. Só quando atravessamos a fronteira", recordou ao "Der Spiegel", Horst Eckel, jogador da equipa. O comboio mal conseguiu avançar com a multidão posicionada ao longo da linha e a equipa era engolida por adeptos em festa por onde quer que andasse.
"De repente, a Alemanha era alguém outra vez", de acordo com Beckenbauer, então um jovem adepto. Um resultado que foi muito além de uns simples pontapés na bola: "recuperamos a nossa auto-estima." "

Real Madrid feliz

"O Real Madrid no jogo em casa com o Bayern de Munique empatou 2-2, mas foi feliz com a infelicidade do guarda-redes Ulreich, e ao mesmo tempo, feliz com o desempenho extraordinário de Keylor Navas perante meia dúzia de defesas ao nível dos melhores do mundo.
A defesa do Real Madrid com a ausência de Carvajal torna-se tão permeável que parece um corredor de bus. Nunca nos podemos esquecer de Pepe um stopper ao mais alto nível, que nestes jogos nota-se a sua ausência. Varane ainda é muito verde para estas andanças e Sergio Ramos é aquele defesa que é capaz do melhor e do pior.
O Bayern de Munique merecia no mínimo o prolongamento, sem aquele deslize monumental de Ulreich, o resultado ficaria 2-1 e obrigaria a jogar mais 30 minutos.
O árbitro turco Cüneyt Çakir não esteve mal e procurou controlar o jogo, mas errou num lance que poderia ter mudado o curso do jogo. Há penálti de Marcelo: o toque na sua mão é claro, dentro da área e corta a trajectória da bola, do centro de Kimmich.
Cristiano Ronaldo já teve melhores dias, mas vai para a sua 6.ªfinal e com 15 golos na sua conta pessoal. Já venceu 4 Ligas dos Campeões, pode passar para 5.
Zinédine Zidane é o primeiro treinador a chegar a três finais consecutivas desde Marcello Lippi (1996-98). Está na moda ter treinadores que já foram grandes jogadores, o caso de Zidane que foi Bola de Ouro, campeão do Mundo e venceu a Liga dos Campeões.
Zidane conseguiu gerir muito bem o seu plantel em situações difíceis. Não tem problemas em colocar no banco jogadores como Bale ou Benzema ou nem convocar Ronaldo, com um plano de rotações nunca visto. O Real Madrid não tem 11 jogadores indiscutíveis, mas 15 ou 16 em que Isco, Lucas Vázquez, Asensio ou Kovacic assumem papel preponderante conforme as circunstâncias. O campeonato espanhol é o seu calcanhar de Aquiles, mas tem aguentado a pressão e o Real Madrid tem, sempre, como seu principal objectivo a Liga dos Campeões. Se vencer pela terceira vez este troféu o seu reinado e o de Ronaldo vão-se manter.
Jupp Heynckes é outro enorme treinador que já foi um grande jogador, campeão do mundo em 1974, formando dupla de ataque com Gerd Müller. Pela sua anterior passagem no Bayern de Munique conquistou a inédita tripla coroa: Bundesliga, Taça da Alemanha e a Liga dos Campeões.
Voltou, agora para tentar conquistar a Liga dos Campeões e deu outra dimensão ao Bayern de Munique. Perdeu a eliminatória, mas a sua equipa nunca foi inferior ao Real Madrid, dando a entender que poderia muito bem passar à final. Uma equipa que mostrou grandeza e nunca se rendeu, sabe o que está a fazer com personalidade, postura em campo e atitude.

Nota: O Liverpool está também na final, mas o jogo em Roma foi diferente, só emocionante na parte final. A Roma venceu 4-2.
A final da Liga dos Campeões vai ser empolgante perante o Real Madrid e o Liverpool, em que estará em causa o Bola de Ouro entre Ronaldo e Salah."

Zidane, treinador de uma equipa que nunca será dele

"Helenio Herrera nasceu em Buenos Aires e morreu em Veneza.
Foi criança e adolescente em Casablanca, mudou-se para Paris já adulto e viveu em Madrid, Barcelona, Sevilha, Málaga, Valladolid, Corunha, Roma, Rimini, Milão e Lisboa.
Era filho de espanhóis. Foi jogador e depois treinador de futebol. Sagrou-se, nesta condição, bicampeão europeu de clubes. Aquele Inter ficou para sempre seu.
Por outras palavras, enquanto o Real Madrid era de Di Stéfano e o Benfica de Eusébio, aquela equipa que derrotou madrilenos e lisboetas em finais consecutivas era o Inter de Herrera por tudo aquilo que Helenio lhe introduzira.
H.H. foi o segundo treinador argentino a vencer a Taça dos Campeões Europeus, depois de Luis Carniglia com o Real Madrid.
Aliás, são os únicos não-europeus a consegui-lo. O Brasil, por exemplo, deu muito ao futebol da Europa, mas nunca enviou um técnico que pudesse conquistar o continente.
Apesar da naturalidade, já conheci quem argumentasse que Herrera era menos argentino e mais francês, nacionalidade que adquiriu nos anos 30 e pela qual cumpriu serviço militar (ele sempre se considerou mundial).
A França, tal como o Brasil, deu muito em campo ao jogo no continente e (quase) nada ao futebol de clubes no banco. Por isso, durante décadas, Helenio Herrera tornou-se espécie de argumento quase único quando em discussões (tão patrióticas quanto absurdas) se enaltecem feitos de compatriotas como se fossem nossos.
Ao contrário do Inter de Herrera, este Real Madrid nunca será o Real Madrid de Zidane. Será de Ronaldo, Ramos, da BBC ou de Florentino. Não é preciso listar razões para se perceber porque é que é essa a percepção geral.
Este nunca será o Real Madrid de Zidane. E no entanto, é ele quem pode destronar o mítico Herrera no futebol gaulês, para quem segue essa via de pensamento, e tornar-se no ÚNICO treinador da História a vencer três Taças/Liga dos Campeões seguidas.
O futebol continua a ser paradoxal, ilógico e surpreendente. Contraria quem o segue e observa. Uma equipa que, em palavras simples - e repercutidas em muitos lados - «joga pouco» para um campeão europeu está à beira de fazer história. Um treinador que não é revolucionário como Mourinho, Guardiola ou Herrera, antes é um técnico de continuidade, está à beira de ser maior que todos os outros nessa coisa que pouco interessa: a de vencer títulos.
E os franceses, que tinham mais ou menos um treinador histórico na Champions pela dupla nacionalidade de Herrera, estão à beira de ganhar uma dessas discussões (tão patrióticas quanto absurdas), caso o Liverpool ceda perante o Real Madrid de Ronaldo, de Ramos, da BBC ou de Florentino. Mas nunca de Zidane.
«Muitos acham que sou omnipotente, porque dizem que conheço tudo. Isso não é verdade, orgulho-me de nunca ter conhecido o fracasso», Helenio Herrera."

O triunfo do futebol de autor

"Disse, Wenger, um dia, que o futebol devia ser uma arte. Uma arte como o é a dança, que apenas quando é verdadeiramente bem feita se torna realmente arte. Wenger fez do futebol uma arte, como também disse Ivan Gazidis, diretor do Arsenal que teve a pesada missão de anunciar ao Mundo a demissão do maestro francês. Wenger pode não ter ganho muito nos últimos anos. Não no sentido habitual, por vezes erróneo, de que são os títulos que definem o sucesso de um projecto desportivo. Wenger não venceu muitos títulos nos últimos anos, mas uma coisa é inegável: o legado que deixa no futebol é imenso e não é possível ser contestado. Hoje, um pouco por todo o Mundo, todos reconhecem ao Arsenal uma identidade própria como, talvez, só o Barcelona tenha no Mundo. 
Wenger não venceu qualquer título em 2017/18, mas esta foi a temporada em que alguma justiça foi reposta. Por fim, muitos esqueceram a ausência de títulos do Arsenal para recordar um homem que ofereceu ao jogo algumas das equipas que melhor o praticaram; que mais o honraram. E, numa fina ironia da vida, numa fina ironia do próprio futebol, 2017/18 foi o ano em que o futebol de autor; o futebol do qual Wenger é um dos expoentes máximos, verdadeiramente triunfou.
Com grande parte dos títulos decididos nos grandes e principais campeonatos europeus ou, pelo menos, encaminhados, tirando França em todos eles o “futebol de autor” triunfou. Sim, a Juventus será campeã na vez do Nápoles de Sarri; sim, o Bayern será campeão na Alemanha. Dificilmente alguém, porém, consegue negar identidade muito própria ao futebol das equipas de Allegri ou de Heynckes. Tal como é impossível negar o dedo de Sarri no Nápoles; de Guardiola no Manchester City; de Conceição no FC Porto; de Valverde, que tantas dúvidas colocava no início da temporada e que tão bem encaixou na Catalunha e tão bem moldou o plantel do Barcelona às suas ideias.
Em 2017/18 nem sempre o Barcelona teve mais bola do que o adversário, algo histórico e que há muito não se via por Camp Nou. Mas Valverde mostrou que ter bola não é tudo e, a quatro jogos do final da temporada doméstica por Espanha, o basco por afinidade está perto de se tornar no primeiro treinador de sempre a vencer de forma invicta a Liga Espanhola. Em 2017/18 o Barcelona não foi sempre o campeão da posse de bola, mas nem por isso deixou de estabelecer um recorde de invencibilidade que dificilmente será batido. Em 2017/18 o Barcelona rompeu com a tradição e o futebol de autor saiu reforçado por isso mesmo.
Mas o futebol não vive somente de títulos. Ganhar não é tudo. É importante, já dizia Quique Setién, mas não sob qualquer forma. Não sou Setiénista, não defendo a existência de uma única forma de se jogar futebol. Sou, sim, adepto de projetos. De ideias. De identidades futebolísticas e nisso me aproximo do Maestro. E por isso me regozijo com o triunfo do futebol de autor em 2017/18. O ano em que o futebol heavy-metal de Jürgen Klopp colocou o Liverpool na final da Liga dos Campeões. O ano em que Arsenal e Atlético Madrid discutem uma final antecipada da Liga Europa (ganha o futebol, que tem direito a duas mãos de futebol de autor). O ano em que Allegri e Sarri elevaram a Serie A a um patamar que não conhecia desde o início do milénio.
O ano em que mais uma vez Eddie Howe manteve o Bournemouth na Premier League com jogadores que estiveram com ele no terceiro escalão inglês em 2012/13 e que nem por isso fez o jovem inglês abdicar dos seus princípios de jogo duas divisões acima. O ano em que mais uma vez o Bournemouth mostrou ser uma das equipas com mais identidade em Inglaterra. Tal como o Burnley, de Sean Dyche, na epopeia épica que parece querer deixar o clube em lugar europeu. Mais há mais. Porque o futebol não vive de títulos e este foi o ano do triunfo do futebol de autor.
O ano em que Quique Setién virou Espanha do avesso e colocou a hierarquia do futebol andaluz de pernas para o ar. Mostrando aos rivais do Sánchez Pizjuán a diferença que faz apostar num treinador de projecto e não demiti-lo a meio da temporada quando esta até estava a ser uma temporada de sucesso. O ano em que Simeone mais uma vez colocou o Atlético na hora das decisões. O ano em que Marcelino Toral voltou a fazer do Valência um grande. O ano em que uma identidade muito própria vai deixando a Lazio em lugar milionário e mais uma vez a Atalanta e a Sampdória, de Gasperini e Giampaolo, estão junto do topo da elite italiana. O ano em que Tedesco e Nagelsmann mostraram, ou voltaram a mostrar, à Alemanha, que boas ideias valem, por vezes, mais do que qualquer experiência adquirida em anos de futebol.
Em Portugal, em particular, o ano em que a identidade permitiu que o FC Porto voltasse a ficar perto de um título e permitiu que clubes como o Rio Ave, o Chaves ou SC Braga fizessem temporadas verdadeiramente históricas e assinaláveis. Que permitiu que o Portimonense chegasse às últimas semanas em posição relativamente confortável na temporada de regresso à primeira divisão. O ano em que Boavista e Marítimo, com identidades muito próximas e muito próprias ficassem às portas da Europa. O ano em que o Tondela está perto de confirmar a melhor posição de sempre da sua história. 
Porque tudo isto só é possível quando se acredita em projectos, em ideias e identidades futebolísticas e não se mede sucesso a partir da conquista de títulos. Porque o futebol é muito mais do que isso. É muito mais do que uma cultura de vitórias e resultadismo. É, como diz Wenger, uma arte quando é bem feito. É bem feito quando tem ideia e identidade. E, em 2017/18, muitos fizeram do futebol uma arte. Este foi, afinal, o ano do triunfo do futebol de autor."


PS: '... a identidade permitiu que o FC Porto...'!!! Estamos a falar de quê?! Corrupção?! Coacção?!

Ruth

Alvorada... do Vicente

Benfiquismo (DCCCXVI)

Swag !!!