Últimas indefectivações
sexta-feira, 10 de maio de 2019
O futebol merece mais, muito mais
"A Liga dos Campeões de 2018/2019 fica para a história como uma das melhores de sempre, não só pela excelência das meias-finais, como também pela circunstância de ter ficado patente que, no futebol, não basta ter dinheiro para vencer, há outras condições, que passam ao lado da profundidade dos bolsos, que abrem as portas do sucesso. Repare-se que dos seis clubes mais ricos do mundo -Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Manchester City, Juventus e Bayern, apenas os catalães acederam às meias-finais, de onde saíram pela porta pequena. E tenha-se também em conta que os finalistas adoptaram políticas de contratação rigorosas, usaram sabiamente o dinheiro e tiveram a virtude da paciência. O Tottenham, por exemplo, não comprou nem vendeu na presente temporada, apostando no aprofundamento de um projecto em que acreditava e o Liverpool apontou apenas a alvos que acrescentariam valor ao modelo de jogo do Klopp. À porta da final, com pé e meio lá dentro, esteve o Ajax, clube formador que deixou crescer uma óptima geração. É verdade que a equipa de Amesterdão vai agora sofrer uma sangria desatada, mas mostrou que, em países fora dos big five, a aposta na prata da casa é a única via que pode aproximar do pódio.
Depois destes dias de reconciliação com o futebol, estamos de regresso a uma realidade cada vez mais desfasada, ao nível da mentalidade, com o estrangeiro. Não há nenhum campeonato na Europa onde a confusão entre adversário e inimigo atinja os níveis onde caímos. O futebol, que deve ser apenas a coisa mais importante, das coisas menos importantes, das nossas vidas, merece mais..."
José Manuel Delgado, in A Bola
A reacção dos adeptos
"Esta semana assistimos a várias situações em que os adeptos mostraram a influência que têm no rendimento dos jogadores e das equipas. Pela positiva, como pela negativa. Tanto levam a sua equipa ao topo, como a assobiam aos 20 minutos do jogo porque o resultado ainda não se alterou. Criticam o árbitro, como se esquecem dele. A descarga emocional dos adeptos varia consoante as suas expectativas, mas acima de tudo é fruto da sua cultura e educação desportiva. Os intervenientes no jogo têm de estar preparados para reagir de forma diferente dos adeptos, quando estes perturbam a própria equipa, e dessa forma reforçam a posição do adversário. Os exemplos de fair play que vêm de dentro do campo para as bancadas, têm um efeito fantástico nos adeptos. Como a força e confiança dos adeptos faz com que os jogadores tenham sempre mais um fôlego. O jogo também se ganha pela atitude dos adeptos, é bem verdade, como o contrário também é verdadeiro. Por vezes, existe receio de jogar no nosso estádio, perante os nossos adeptos, a intranquilidade surge ao primeiro passe errado. Esta é das situações que mais me custa a aceitar, principalmente quando se trata de jovens jogadores a iniciaram a sua vida desportiva, e por vezes profissional. O que se ganha com esse clima? Nada. Perdemos todos, ganha nosso adversário.
O futebol jogado ao mais alto nível, como na Champions por exemplo, joga-se para o público em primeiro lugar. Claro que quando se pratica uma modalidade, no caso futebol, jogarmos também por gosto pessoal. Não é, ou não deve ser, uma questão profissional exclusiva. O prazer do jogo tem de estar presentes. Sem esse prazer, o rendimento é sempre inferior ao nível a que de facto podemos chegar.
O ambiente em Anfield, no jogo Liverpool - Barcelona, é um grande momento de comunhão entre a equipa e os adeptos. Deve ser visto e revisto. Ninguém fica indiferente em jogar com aquele apoio. Começou 0-3, acabou 4-3. Caminharam juntos, equipa e adeptos, para a final."
José Couceiro, in A Bola
Infâncias e recalcamentos
"As primeiras paixões deixam sempre lembranças pueris da inocência da infância. Há muitas, hoje em dia talvez cada vez menos, que perduram no tempo e nos acompanham até à idade adulta. O futebol é um destes casos. Há quem se desiluda e se distancie da coisa amada por uma série de vicissitudes que a rodeiam. Mas está semana, quem gosta de futebol, em dois dias seguidos, recebeu dois beijos na boca daqueles que reacendem qualquer fogo.
Ainda nos estávamos a levantar da primeira vénia ao Liverpool e já estávamos a vergar outra vez as costas para a fazer ao Tottenham.
Entre reds e spurs podemos encontrar muitos heróis da nossa meninice, como o Homem (que pareceu) invencível aos olhos dos jogadores do Barcelona, Origi no quatro golo dos rapazes de Anfield ou o Tom Sawyer Lucas Moura em correrias loucas para os três golos loucos que deixaram o Ajax a limpar... lágrimas. Mas também do lado dos derrotados se pode encontrar traços da infância. No Barça, aquela tendência infalível de dar a bola ao melhor da rua (Messi) quando estávamos apertados; nos holandeses aquela irresistível pulsão de irmos para a frente fazer o último golo e nos esquecermos que um sofrido deixa o refresco de prémio do outro lado. Todas estas memórias de infância são boas, doces.
Muito mais amargo continua a ser quem consegue ultrapassar recalcamentos de infância e culpa tudo e todos pelos seus desaires, menos o principal réu - ele próprio. Mas isso é por cá. Lá fora, os homens da bola devem ter tido infâncias muito mais felizes. Ou cresceram. Esta parece ser a hipótese mais viável."
Hugo Forte, in A Bola
Quando as Malas não são suficientes!!!
"É este o estado actual do futebol português. O sentimento de impunidade é tal que acabam por fazer livremente, à vista de todos nós que assistimos com perplexidade, o que no passado apenas faziam no calor da noite. Agridem, ameaçam, coagem, corrompem e as autoridades continuam a fingir que nada vêem e sabem.
Na imagem podemos ver Wenderson Rodrigues do Nascimento Galeno, conhecido como Galeno, que joga no Rio Ave FC por empréstimo do FC Porto a ser coagido.
A polícia e a justiça vai continuar inerte perante tudo o que temos assistido? E o Vítor Catão, já foi detido?"
Falsa notícia de 'O Jogo'
"O Sport Lisboa e Benfica informa que é totalmente falsa e sem qualquer fundamento a notícia hoje publicada pelo Jornal "O Jogo" sob o título "Grimaldo já tem um pé fora", esclarecendo:
- Paulo Gonçalves não está "encarregue do processo" Grimaldo nem de nenhum outro jogador;
- O Sport Lisboa e Benfica não está interessado na venda do jogador Grimaldo, contando com a sua continuidade."
Apelo aos Benfiquistas
"Tem sido absolutamente extraordinário e incansável o apoio que a nossa equipa tem recebido, seja na Luz ou em qualquer dos estádios onde já jogámos esta época.
Uma Onda Vermelha de apoio impressionante que demonstra a nossa grandeza e Mística.
Mas existe um apelo que temos de fazer...
É muito importante, e pedimos a todos os Benfiquistas para evitarem o uso e arremesso de material pirotécnico, seja tochas ou outro tipo de artefactos, neste próximo jogo em Vila do Conde.
Qualquer deslize e nova reincidência pode implicar a abertura de novos processos e a imposição de jogos à porta fechada no Estádio da Luz.
É nosso dever tudo fazer para evitar isso.
O nosso Benfica assim o merece!"
Lisbon Cubs: Inside Benfica’s amazing youth academy that produced £100m-rated Man Utd target Joao Felix
"Man City first team stars Bernardo Silva and Ederson were also products of the Lisbon giants' conveyor belt of youth that keeps on producing superstars destined for the top
Should teen sensation Joao Felix move to Man United in the summer, he'll be the latest success story to have been raised the Benfica way who has gone on to achieve a dream move.
The Portuguese side, the most decorated team in their country, have become a feeder club for Europe's giants, with Man City stars including Bernardo Silva and Ederson coming off their famed conveyor belt of talent.
Benfica's youth academy has been responsible for producing Europe's biggest footballing talents like Bernardo Silva
Bayern Munich midfielder Renato Sanches, as well as Man United centre half Victor Lindelof, were also youth products groomed by Benfica, who went on to mega-money transfers elsewhere.
But what's the secret behind their success?
Caixa Futebol Campus
In 2006, when Benfica legend Eusebio opened their new training centre and youth academy, there was hope that they could mould players into playing the way they wanted them to.
And there's no doubt the facilities provided give youngsters the opportunity to develop as well as anywhere in the world.
Around 65 kids from around the world play on the nine pitches the campus boasts.
There are 20 dressing rooms, two auditoriums, and three state-of-the art gyms filled with the latest strength and conditioning equipment a top athlete needs.
Benfica youth coach Luis Nascimento revealed to These Football Times: “Youth football is a fundamental area for Benfica, with sporting, social and financial benefits.
“We do not talk exclusively about ‘training’, we refer also to ‘educating’. The academic performance of our players is monitored and encouraged at all levels."
Jewel in The Crown
In recent years, football clubs in this country have cottoned on to new technology to improve the abilities of their players.
But, like Borussia Dortmund, Benfica have been at the forefront of new ideas that push the boundaries of training for years.
«Youth football is a fundamental area for Benfica, with sporting, social and financial benefits.»
Luis Nascimento, Benfica Youth Coach
Their most innovative method centres around the 360S simulator, a similar tool to the Bundesliga side's Footbonaut.
Designed to test reaction speeds, vision and technical execution, the player receives the ball from various points and has to aim for moving targets inside a 10-foot circle.
At the same time, robotic-like players offer a distraction by moving along the walls of each side of the cage.
Goalkeepers can also use it because the system can simulate a variety of shots that dip, curl and can be fired at them.
Current Wolves star Helder Costa, who came through the ranks at Benfica, revealed: "The 360S makes us work not only our capacity of reaction, but also our precision."
The software for the 360S simulator allows training to be modified depending on the player's position and attributes he needs
Education Comes First
Manners maketh man, and that's exactly what Benfica expect from their players coming through the ranks.
That's why their academy has a partnership with a local school in the Seixal area, where the campus is based, and the starlets receive an academic education alongside their footballing one.
On top of that, 30 of the prospects live with host families in the surrounding community who aid the in the development process.
Nascimento said: “The mission of Benfica’s academy is to guarantee the quality of technical training and educational enrichment of its players, of all age groups, with a focus on the integration into the clubs first team, promoting human values such as respect, responsibility, solidarity, justice and tolerance.”
It's A Money-Maker
In recent years, Benfica have sold nearly £500m worth of talent - most of them homegrown - to the world's biggest football clubs.
Ederson, who went to Portugal as a 15-year-old boy from the favelas of São Paulo, played just 56 times for the club before Pep Guardiola paid £35m for the shotstopper during the 2017 preseason - a then record fee for a keeper.
«The mission of Benfica’s academy is to guarantee the quality of technical training and educational enrichment of its players, of all age groups, with a focus on the integration into the clubs first team, promoting human values such as respect, responsibility, solidarity, justice and tolerance.»
Silva, who City added to their ranks that same year for a cost of £43.5m from Monaco, spent 11 years in Benfica's academy before the French side bought him for £14m in 2015.
Then there was the curious case of ex Swansea misfit, Sanches. Bayern Munich splashed £27.5m on the prodigious midfielder when he was just 19 years old after he had spent 10 years at Caixa Futebol Campus.
And there's more. Andre Gomes, who has been one of Everton's best performers this term, made 14 appearances in three seasons in Portugal, before Valencia signed him for £12m in 2014 as a 21-year-old.
Barcelona's marauding right-back Nelson Semedo was also a Benfica boy wonder before the La Liga giants paid £30m for him.
While another Premier League name, Victor Lindelof joined Man United for £30.75m at the insistence of Jose Mourinho after spending five years in Lisbon, making 44 first team appearances.
The Current Crop
Currently sitting top of the Primeira Liga, Benfica are on course to lift their 37 title.
European failure, first in the Champions League (where they were faced with a difficult group that featured Bayern Munich and Ajax), and then in the Europa League quarter-final hasn't dampened their spirits.
In fact, it's given a new crop of players full of youthful swagger the opportunity to showcase their skills at the highest level.
Grasping that chance with both hands has been the excellent Joao Felix, who is drawing comparisons to Portugal legend Rui Costa, and rose from the Benfica youth set-up.
His form, including 18 goals in all competitions, has meant the Red Devils are considering triggering the 19-year-old's £100m release clause.
While 21-year-old defender Ruben Dias, who has already appeared nine times for his country, is also being watched avidly by United scouts. Should they both move, you can be rest assured that Benfica's coffers will swell once again.
Teen sensation Joao Felix, linked with a £100m move to Man united, is the latest wonderkid that's come through Benfica's ranks
Young Joao Felix scoring for fun at Benfica - but where could he be heading?"
Sua Alteza, o futebol
"O futebol inglês tem razões acrescidas para festejar este sucesso, tanto mais que, embora não sendo necessário, confirmou que organiza o melhor campeonato do mundo de clubes.
Estava nas previsões, mas nem tudo foi fácil de concretizar.
Ainda assim, duas finais europeias protagonizadas por quatro equipas oriundas da "Velha Albion" é um marco que fica para a história e que não será fácil repetir-se.
Na terça e quarta-feira, Liverpool e Tottenham asseguraram presença na final da Liga dos Campeões após duas epopeias inesquecíveis vividas na cidade dos Beatles e em Amesterdão.
Em Madrid, no primeiro dia de Junho, decidirão qual deles passará a ostentar o título de maior do velho continente.
Ontem, em Londres e em Valência, Chelsea e Arsenal também viram os seus passaportes carimbados, pelo que irão bem longe, no próximo dia 29, ao Cazaquistão, dirimir forças, para aí se encontrar o primeiro vencedor da dupla jornada europeia.
No jogo realizado em terras valencianas nunca houve dúvidas quanto ao apuramento.
E o Arsenal acabou mesmo por ampliar largamente a vantagem que já trazia da sua cidade.
Porém, em Londres, tudo aconteceu ao contrário. O Chelsea ainda logrou adiantar-se no marcador, mas na segunda parte acabou por vir ao de cima a maior capacidade germânica, o que se repetiu no prolongamento a que as duas equipas foram submetidas.
Nas penalidades, o mais forte vestiu cores azuis, e assim o Chelsea chegou na frente à meta, embora sem ter justificado ter sido o melhor em campo.
Resumindo, o futebol inglês tem razões acrescidas para festejar este sucesso, tanto mais que, embora não sendo necessário, confirmou que organiza o melhor campeonato do mundo de clubes.
Mesmo jogando quase sempre duas vezes por semana, sem as paragens que outros levam por diante para respeitar as invernias, as equipas inglesas não perdem de vista a qualidade e a competitividade, chegando a esta altura da época claramente acima de todas as concorrências.
Curvemo-nos, por isso, perante Sua Alteza o futebol da Inglaterra."
Há loucos à solta na Champions
"O Ajax reunia todas as condições para chegar à final, a Madrid, no próximo dia 1 de Junho.
Já não bastava um frenético Liverpool-Barcelona, capaz de roubar o sono a muita gente, e eis que vinte e quatro horas depois Ajax e Tottenham reforçam a dose, deixando meio mundo a falar das mais importante competição mundial de clubes de futebol, na busca de adjectivos para qualificar outro jogo de loucos no qual parece ter acontecido tudo ao contrário daquilo que era previsível.
Depois de na fase a eliminar ter afastado dois colossos, Real Madrid e Juventus, e de ter regressado de Londres há oito dias com a vantagem de um golo obtido no estádio do Tottenham, no primeiro jogo das meias-finais e, sobretudo, dada a qualidade do seu futebol, exibido por uma equipa jovem, o Ajax reunia todas as condições para chegar à final, a Madrid, no próximo dia 1 de Junho.
E essa ideia saía ainda mais reforçada quando ao intervalo, no Arena, em Amesterdão, a fantástica equipa holandesa regressava ao balneário por entre enorme euforia a vencer por dois a zero.
Só que, a parte mais emocionante da história estava, afinal, por escrever.
E, de facto, no segundo tempo deu-se a ressurreição dos "spurs".
E, quais gladiadores de um qualquer circo romano da antiguidade, caíram sobre os “filhos dos deuses” disparando no último segundo do jogo a flecha que faltava, com o brasileiro Lucas Moura a servir de arqueiro-mor do reino.
Começava aí a grande orgia da grande festa, prosseguida num balneário efervescente.
Duas equipas inglesas, Liverpool e Tottenham, estarão, assim, na final de Madrid, cidade que os vai receber em festa, depois de afastado o fantasma da presença incómoda do Barcelona na praça Cibelles, o local das grandes celebrações.
Há onze anos que acontecera coisa semelhante: na temporada 2007/2008, Manchester United e Chelsea disputaram a final da Champions no estádio Luzhniki, em Moscovo, tendo sido então necessário recorrer ao desempate por grandes penalidades.
Cristiano Ronaldo acabaria por conquistar aí o primeiro grande troféu da sua já longa e triunfante carreira."
Fracasso catalão
"Depois de uma noite triunfal em Camp Nou, há uma semana, o Barcelona acabou saindo humilhado de um jogo que de forma imprevista nunca foi capaz de controlar.
Só uma pequena fatia dos adeptos do futebol parecia disponível para acreditar que ainda seria possível, em Anfield Rod, o Liverpool dar a volta ao pesadelo trazido de Camp Nou onde, há uma semana, o Barcelona lhe infligiu uma pesada derrota, que parecia tornar-se numa natural almofada de conforto, onde os catalães iriam repousar as suas cabeças para, confortavelmente, chegarem à final da Liga dos Campeões.
Embora munidos de uma enorme vontade de contrastar essas opiniões, os ingleses sentiam, no entanto, que se tratava de uma tarefa hercúlea, ampliada por duas ausências de tomo, Salah e Firmino, neste momento, e sempre, dois dos mais importantes e influentes jogadores da equipa da cidade dos Beatles.
A noite vivida ontem ao som entusiasmante e fervoroso do hino sempre cantado pelos red’s em Anfield Road e fora dele - "You’ll never walk alone" (nunca caminharás sozinho) - fica para a história da Liga dos Campeões como uma das mais memoráveis de sempre.
Aberta a porta para a final da Champion´s, o Liverpool passa a alimentar justificadas ambições de sair do estádio Santiago Barnabéu, em Madrid, no próximo dia 1 de Junho, levando na sua bagagem o troféu maior do futebol europeu a nível de clubes, juntando-o assim aos cinco já conquistados no passado.
Depois de uma noite triunfal em Camp Nou, há uma semana, o Barcelona acabou saindo humilhado de um jogo que de forma imprevista nunca foi capaz de controlar.
Sustentados por uma vantagem de três golos, os catalães nunca terão imaginado que lhes poderia acontecer, de novo, o mesmo que em Roma, há um ano, os fez descer à terra e ficar conscientes de que os seus anos de ouro poderiam ter chegado ao fim.
Ficamos à espera, hoje, da outra meia-final, a realizar em Amesterdão, onde o Ajax espera o Tottenham já coma vantagem acumulada de um golo.
O favoritismo dos holandeses é evidente, mas, ainda assim, valerá a pena não antecipar cenários, para assim não repetir o erro em que muitos terão incorrido ontem à noite."
“Dennis Bergkamp, Dennis Bergkamp, Dennis Bergkamp, awwwwww!!” - o bailarino genial faz 50 anos
"O ex-futebolista holandês celebra esta sexta-feira meio século de vida e decidimos recordar alguns momentos geniais de Bergkamp, o homem que tinha medo de voar
Quando as eternas conversas de futebol no café ou na tasca chegam a Dennis Bergkamp (chegam sempre, mais cedo ou mais tarde…), a lengalenga é sempre a mesma: do medo de andar de avião às recepções impossíveis, o clímax é alcançado quando se fala naquele golo contra o Newcastle, em que muitos ainda se debatem e coçam sobre a intencionalidade do holandês. Por favor, era o Dennis, ok?
Parece o protagonista de um bailado clássico. É tudo improvável: o toque com a bota esquerda, a rotação, o defesa sucumbir à elegância do movimento e à magnificência do artista. O remate, ou um passe para a baliza, se quiserem, foi só mais um sábado à tarde para o holandês.
Esta sexta-feira, Dennis Bergkamp cumpre 50 anos. Natural de Amesterdão, filho do Ajax e lançado por Johan Cruijff, jogou entre 86 e 93 no clube mais importante da Holanda. Por ali, ganhou um campeonato, duas taças, uma Taça das Taças (contra o Lokomotive Leipzig, 87) e uma Taça UEFA (vs. Torino, 92). Seguiu-se o Inter durante duas temporadas, onde ganhou mais uma Taça UEFA (contra o Austria Salzburg).
Som no máximo, por favor:
A grandeza chegou a seguir, em Londres, onde ganharia uma estátua (o gesto é uma receção, imaginem). Arsène Wenger ainda nem tinha chegado. Bruce Rioch era o treinador do Arsenal. Onze anos bastaram para se transformar em lenda ou, segundo os gunners, o segundo melhor jogador de sempre da história do clube. Na Premier League, que venceu três vezes (uma deles sem derrotas), jogou 315 jogos, ganhando 186 deles, e assinou 87 golos e 94 assistências. Pelo meio esteve em dois Campeonatos do Mundo (94 e 98) e três Campeonatos da Europa (92, 96 e 2000).
Mas podíamos ter esquecido as estatísticas, não faziam falta. Bergkamp vale pela técnica, estética, bailado, arte, genialidade e imprevisibilidade. Tinha uma colher no lugar da bota e parava qualquer bola. E tudo isto num ralenti que emocionava."
O Barcelona não joga nada, o Liverpool diverte, o Tottenham trabalha e o Ajax apaixona: notas finais sobre as meias-finais da Champions
"O Barcelona Não Joga Nada
A equipa de Valverde não joga nada, e não é de hoje. É preciso dizê-lo desta forma, nua, e um pouco cruel, mesmo correndo o risco de parecer tolo por categorizar assim uma equipa e a ideia de jogo de um treinador que é bicampeão espanhol.
O modelo de jogo, do ponto de vista ofensivo, é: bola no Messi para construir, criar, e finalizar. E se à primeira vista pode parecer uma excelente solução pela singularidade do génio argentino, infelizmente, o “anão” não consegue estar em todo lado ao mesmo tempo. O Barcelona de hoje não é, sequer, enteado de Crujff; Não poderia estar mais longe dele. Mas há ciclos assim em que a equipa se perde de si mesma, esquece a filosofia que a categorizou com ou sem títulos, contrata jogadores antagónicos às melhores qualidades dos seus, desvia-se demasiado do seu rumo, e o resultado é uma confusão ideológica onde ninguém entende o que o outro diz, culminando no futebol medíocre com que fomos brindados nos últimos anos. Quando perdes com a tua filosofia, com a tua ideia de jogo, ficas triste mas nunca ficas só; quando perdes como o Barcelona tem perdido nestes últimos anos sobra-te o quê?
É tempo para o Barcelona repensar o que quer para o futuro, até porque tem em mãos Arthur, Frenkie de Jong, Puig e ainda o maestro Busquets. Se não forem capazes de devolver o protagonismo aos seus médios, nunca mais o Barcelona poderá voltar a estar perto do Autor holandês que mais revolucionou o futebol mundial.
O Ajax Apaixona
Fez a Europa voltar a apaixonar-se por um jogo rendilhado e de liberdade de decisão, com criatividade e expressão individual. Fez o mundo voltar a lembrar-se que quem manda no jogo são os jogadores e que uma equipa é tão mais equipa quanto mais satisfeitos os seus jogadores estiverem com a forma como jogam.
Fez alguns dos cépticos repensarem as estratégias para se jogar contra equipas superiores do ponto de vista individual pela forma infantil como passearam na Baviera, em Chamartin e no Piemonte. O banho que deu, em dois jogos, ao Bayern, ao Real Madrid e à Juventus trouxeram Crujff de volta aos relvados, pela mão de Erick Ten Hag - e com ele veio também o melhor futebol da Champions.
Hoje, é indubitável que o Ajax, com aqueles miúdos, e apesar de jogar num campeonato sem a expressão de outros, jogou o melhor futebol do mundo, nesta época. Dizem que no futuro ninguém se vai lembrar disso, e que os títulos é que ficam registados na história, mas há algo maior que o registo dos livros: o registo da memória. Sobretudo, se estivermos a falar de sentimentos. Este Ajax fez com que adeptos e não adeptos festejassem os seus golos, e isso, garantidamente, é algo que nenhum dos que experimentaram tais sentimentos se vão esquecer. Se for preciso ir aos livros, para saber quem tem os recordes, é porque esses recordes não são verdadeiramente marcantes. Reparem que, sem ter ganho a Liga dos Campeões três vezes, apenas a jogar futebol, este Ajax conquistou adeptos de todo o mundo. Haverá maior feito do que esse? Um feito capaz de competir, e até suplantar, o de uma equipa que conseguiu três Champions?
É certo que o Ajax não conseguiu manter o nível de jogo nos dois últimos jogos contra o Tottenham, sendo reflexo disso a quantidade de bolas longas, a quantidade de duelos, e os quilómetros que os seus jogadores tiveram de percorrer. Não deixa de ser injusto porém que não possam jogar a final tendo em conta a forma como jogaram e evoluíram durante esta campanha europeia.
O Liverpool Diverte
Eu, Klopp me confesso. É estranho gostar de uma equipa que do ponto de vista ofensivo não representa o futebol que mais gosto de ver em campo; não há pausa, há demasiada vertigem. Mas a verdade é que me divirto muito com os jogos do Liverpool, porque sou um fã incondicional do seu treinador: É o meu preferido. Saí frustrado com o desfecho da primeira mão, onde o resultado não expressou a exibição das duas equipas. A diferença entre o Liverpool e o Barcelona, na Catalunha, não foi de 3-0; da mesma forma que a diferença, em Anfield, também não foi de 4-0. Porém, festejei como um doido cada golo e a classificação do Liverpool de Jurgen Klopp para mais uma final da Liga dos Campeões.
De um jogo para outro não se pode falar de mirabolismos tácticos, mas sim de um jogo de futebol, numa competição, onde os imponderáveis foram determinantes para o desfecho final. Falo, por exemplo, do golo falhado por Dembelé no último minuto na Catalunha, ou da esperteza cada vez mais rara no futebol de Alexander-Arnold na forma como enganou todos no pontapé de canto que permitiu a Origi carimbar a passagem dos “Reds” para Madrid. Apesar disso, o projecto do Liverpool ao longo destes anos, com um treinador que sabe que os adeptos vão estádio para se divertirem, é um dos que mais merecia jogar esta final.
O Tottenham é Um Projecto
Pochettino é o treinador, assim como Sarri, que mais merece disputar a fases decisivas dos títulos importantes. Pelo percurso que as suas equipas tiveram ao nível de jogo, pela forma gradual como se foram impondo ao nível dos resultados, e por não gozarem dos recursos de outros que têm outro tipo de argumentos financeiros para conquistar troféus.
É certo que deveriam ter ficado pelos quartos-de-final, e também é certo que fica em mim um sabor amargo por terem eliminado, de forma justa, o refrescante Ajax; mas, a passagem para Madrid é o culminar de cinco anos de trabalho onde o foco foi potenciar jogadores da formação, e trazer para o clube apenas aqueles que são necessários para as posições mais carenciadas, e posições que a formação não dá resposta.
Com a construção do novo estádio, nesta época, nem sequer foram ao mercado de transferências. É uma filosofia que me agrada e fico feliz sempre que o futebol consegue premiar projectos ao longo prazo, projectos que não se focam no resultado imediato; projectos realistas que assumem que no futebol o mais normal é não ganhar nada, mas que têm em conta que no percurso de uma ou várias épocas sem ganhar há muito que se pode fazer para criarmos empatia entre os adeptos, a equipa e o treinador: jogar à bola. É certo que este tem sido o ano mais fraco dos 5 ao nível exibicional; mas não é um ano de fracasso que define aquilo que és.
Uma Final Inglesa
Ouvem-se, por estes dias, gritos que ecoam sobre a hegemonia do futebol inglês na Europa. Bom, ainda que já esteja garantida uma final entre Liverpool e Tottenham, na prova de clubes mais importante do mundo, e de estar bem presente a possibilidade de outra final inglesa na Liga Europa, a hegemonia não se atribui por um grande resultado num ano.
Hegemonia é o que o futebol espanhol conseguiu durante os últimos anos. Ano após ano, conseguiu colocar equipas nas meias-finais, e nas finais, a arrebatar os canecos na Liga dos Campeões e na Liga Europa. Até ver, mesmo com este ano incluído, a hegemonia continua a ser deles. Claro que a Premier League cresceu de forma exponencial; aos grandes jogadores que sempre teve, conseguiu juntar um grupo de treinadores tremendos e isso foi fundamental para o crescimento táctico daquela que era a Liga mais anárquica da Europa, entre os campeonatos mais fortes do Velho Continente. Nos próximos anos teremos a possibilidade de perceber se a Premier League será capaz de manter a bitola alta, consecutivamente.
A Sorte e o Azar
A Liga dos Campeões é a competição onde melhor se percebem os efeitos dos imponderáveis, quem são as equipas que estão mais expostas a eles, e que são poucos os que pensam de verdade sobre os efeitos que eles têm. A maioria diz que é preciso procurar a sorte, ou evitar o azar; como se tudo estivesse ao controlo dos treinadores, como se tudo dependesse dele. Como é que Valverde tem culpa no falhanço do Dembelé, ou mérito na exibição do Messi na primeira volta?
É unânime para todos que as lesões de Salah e Firmino foram um rombo no modelo, na estratégia, e nas hipóteses do Liverpool ultrapassar o Barcelona. E Klopp, na primeira volta, colocou Wijnaldum como ponta de lança para substituir o avançado brasileiro. Nessa posição, e partindo do princípio que estaria mais próximo da baliza e de situações de finalização, o médio holandês não se aproximou do golo. Porém, na segunda volta, depois de mais um azar com a lesão de Robertson, Wijnaldum entra para jogar como médio e acaba por fazer os dois golos que colocam a equipa na rota da qualificação.
Que mérito tem o Klopp nisto? Foi uma palestra inspiradora? Foi o sorriso brilhante, e genuinamente feliz, que o treinador alemão trouxe do intervalo, e com o qual abraçou Wijnaldum na altura em que se preparava para entrar e ouvia indicações do treinador adjunto, que o motivou para aparecer nas situações de decisão? É uma substituição que não estava planeada, que não fazia parte da estratégia para o jogo, e que resultou em dois golos que mudaram drasticamente as expectativas de cada equipa, que alteraram por completo as incidências do jogo. Qual é que foi a influência do treinador, dos treinadores, nisto? Sorte ou azar? Como é que se procura isto?
É certo que o jogo penalizou, uma vez mais, os treinadores menos corajosos como Valverde que continua a achar que para combater um meio campo físico é com jogadores físicos. Castigou a substituição de Coutinho por Nelson Semedo, e castigou de forma violenta o Ajax ter abdicado por largos minutos em toda a eliminatória de ser aquilo que é; mas, por favor, dez segundos depois e o Ajax estaria na final. Já não haveria ingenuidade dos miúdos ou falta de experiência. Tão pouco haveria quem achasse que o problema tivesse sido terem ficado agarrados à sua filosofia quando foi totalmente o oposto. Pochettino seria, uma vez mais, apelidado por quem o elogia hoje de treinador sem estofo para as grandes decisões. Sem a lesão de Robertson, Klopp estaria uma vez mais a terminar mais época com poucas possibilidades de conquistar um troféu e por assim já não seria o génio da motivação mas o treinador do pé-frio.
Com o golo de Dembelé, ou com o acerto de Messi e Coutinho, ninguém aceitaria que se dissesse que Valverde não é o treinador indicado para o Barcelona por caminhar a passos largos rumo ao triplete. É preciso termos muito cuidado na forma como exaltamos as vitórias circunstanciais, e depois fazemos perder 5 jogos quem apenas perde um apenas por ter uma ideologia diferente.
É uma utopia pensar que se pode mudar alguma coisa, porque haverá sempre quem consiga, no trabalho de Allegri ao longo destes anos, encontrar razões para exaltar o futebol da Juventus. Como ganhou, e ganhou muito, ficará sempre nos registos como a equipa que conquistou uma carrada de campeonatos consecutivos; nunca ficará na memória porém quem eram os jogadores, quem era o treinador."
Até quando? (a propósito de Caster Semenya e Michael Phelps)
"A vasta maioria das reacções à recente decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) sobre a validade das regras de elegibilidade da Associação Internacional de Federações de Atletismo para atletas com diferenças de desenvolvimento sexual, contestada pela bicampeã olímpica Caster Semenya, situa os argumentos sobre a necessidade, razoabilidade e proporcionalidade que, porventura, justificam o carácter reconhecidamente discriminatório destas regras na dicotomia entre a salvaguarda da integridade das competições, onde prevalece o princípio de condições equitativas que separa provas masculinas e provas femininas (que em vários casos está longe de alinhar em harmonia a identidade de género, o sexo legal e a biologia humana) e a ausência de qualquer forma de discriminação no acesso ao desporto.
Ora, como o próprio Tribunal reconhece, não é possível tornar efectivo um conjunto destes direitos, sem restringir ou condicionar o outro conjunto de direitos. E, quer a integridade das competições, quer a não discriminação, são princípios consagrados nas mais diversas e importantes fontes de Direito Internacional e Desportivo, com a Carta Olímpica à cabeça...
Emergem, porém, desta tensão, duas perspectivas cujos contornos e o impacto importa equacionar na forma como se configura a governação e regulação do fenómeno desportivo, através da sua leitura conjunta.
Por um lado, caucionar-se o entendimento que toda e qualquer vantagem competitiva resultante de factores biológicos intrínsecos é “justa”, encontrando-se no âmbito da aplicação da norma apenas os casos de integridade resultantes da adulteração de resultados por intervenção externa (dopagem), deixando tudo o resto à sorte da natureza humana pela qual se afigura aceitável traçar um paralelismo entre Semenya e atletas com condições anatomofisiológicas excepcionais como Michael Phelps, pois qualquer segregação por anomalias genéticas seria a porta aberta para a eugenia....
Por outro lado, como havia sido notório no anterior caso de hiperandroginismo da atleta indiana Dutee Chand, trazido em 2014 diante do TAD, a integridade física e moral dos atletas está longe de estar salvaguardada ao exporem-se evidentes lacunas e fragilidades quanto à informação sobre os efeitos da Caixa de Pandora que a ingestão de supressores hormonais vem abrir neste caso, a protecção da confidencialidade médica, da reputação moral, da exposição mediática, a reserva da vida privada ou da intimidade pela natureza dos exames médicos levados a cabo, resgatando das brumas da memória fantasmas que mancharam a história do desporto.
Lacunas e fragilidades que acentuam a vulnerabilidade de campeões, como Phelps e outros, aos efeitos da voragem insaciável de um quadro competitivo cada vez mais exigente que ao invés de “colocar o desporto ao serviço do desenvolvimento humano” exaure os limites físicos, morais e psicológicos do atleta ao serviço do desenvolvimento de uma indústria desumanizante.
Não será, assim, uma quimera hipócrita vir agora acenar-se a bandeira da dignidade da pessoa humana?
A partir deste contexto cultural permissivo aos mais variados danos morais, físicos e psicológicos, a discriminação floresce, e a integridade começa a ser comprometida desde etapas elementares do percurso desportivo, pondo em risco a saúde, direitos fundamentais e o bem-estar dos atletas, quando quem tem o dever moral e legal de identificar e mitigar estas ameaças negligencia em propiciar as condições para que todos beneficiem de um ambiente seguro no desporto e aí possam dar expressão aos seus direitos humanos como nos demais contextos sociais.
Quando a generalidade das organizações desportivas e autoridades públicas vivem alheadas em relação à integridade física e moral dos atletas, e em negação perante casos de homofobia, assédio moral ou abuso sexual que têm vindo a corroer a sua credibilidade, sem as mais elementares medidas para reportar estes episódios, proteger os mais vulneráveis e capacitar os seus agentes com competências nestes domínios, a começar pelo cumprimento da legislação solicitando o registo criminal aos colaboradores que trabalham com menores, tem-se uma noção do que falta percorrer nestes princípios orientadores até se começar a falar."
O homem que “ensinou tudo” a Xavi (e Puyol e Iniesta e...): “Depois de Ruiz, Michels, Cruyff e Guardiola, Xavi será o próximo protagonista”
"Como culé que é, Joan Vilà vê "sempre o Barcelona", ainda que, ultimamente, "nem sempre veja o Barcelona que gostaria de ver". O homem que passou grande parte da última década como director de metodologia do Barça, depois de também ter sido treinador dos escalões de formação e, antes de tudo isso, jogador do clube, conversou com a Tribuna Expresso sobre o futebol dos catalães, que precisa de um abanão para voltar ao que era. E esse abanão tem nome: Xavi Hernández
Sábado, 9h da manhã. Num dia de folga - e de sol ardente - para a maioria da população, Miguel Cardoso, Renato Paiva, Jorge Silas, Marisa Gomes, Daúto Faquirá e mais algumas dezenas de treinadores juntaram-se numa sala escura no Jamor para ouvir falar um homem de 65 anos.
Pela primeira vez em Portugal desde que saiu do Barcelona em discordância com as novas diretrizes da formação, Joan Vilà, ex-diretor de metodologia do clube culé, passou o dia, das 9h às 19h, numa formação teórica e prática (cortesia da Gnosies), a explicar por que razão a filosofia de jogo e treino do Barcelona tem tanto sucesso no mundo do futebol.
E não é que lhe custe muito explicá-lo, depois de 50 anos de vivências. Formado no Barça, foi treinado por Rinus Michels, partilhou o balneário com Johan Cruyff, esteve lado a lado com Laureano Ruiz e treinou, desde tenra idade, Xavi (que disse que Vilà lhe "ensinou tudo" e que lhe pediu ajuda, agora, para se formar como treinador), Puyol ou Iniesta, antes de se tornar director de uma metodologia que faz parte do ADN culé: acarinhar a bola, a melhor amiga de um jogador, em todos os momentos.
Estavam aqui Miguel Cardoso, Renato Paiva, Jorge Silas... É normal teres tantos treinadores de topo a aprender nas tuas formações?
Atenção, acho que a palavra certa não é "aprender", é "partilhar". Estamos todos a partilhar conhecimentos. Já conhecia o Miguel de Espanha, o Renato ainda não conhecia pessoalmente, mas conheci nesta viagem, e o objectivo destas experiências é mesmo partilhar conhecimento e conhecer pessoas ligadas ao futebol, pessoas inquietas, que gostam de saber mais. Acho que isto nos enriquece a todos, é uma sensação da qual gosto muito. Gosto de conviver com as pessoas do futebol.
Já deste formações em que países?
Bom, nos últimos sete anos estive no Barcelona e, por isso, fui a muitos congressos em representação do clube: na Áustria, na Hungria, na Suécia, na Nova Zelândia, em Itália... Mas fui sempre como director de metodologia do Barcelona, em representação do clube. Agora já não pertenço ao Barcelona e esta é a segunda formação que dou: estive há um mês em Itália, numa formação no Parma, e agora, aqui, em Lisboa.
Houve alguma resistência às ideias que apresentaste, em algum desses países?
Não, não, pelo contrário, fico com a sensação clara de que gostam. Existe um interesse bastante grande por parte das pessoas em conhecer a filosofia do Barcelona, porque, claro, toda a gente fala muito da filosofia do Barcelona.
Mas falam de forma superficial, não?
Sim, falam de fora, sem conhecer bem do que se trata concretamente. Portanto, quando explicamos os conceitos que têm a ver com esta filosofia, as pessoas gostam, porque há coisas diferentes, maneiras de conceber o futebol diferentes. É isso que faz com que esta filosofia seja diferente. Nunca senti aversão em relação ao exposto, bem pelo contrário, há sempre um reconhecimento grande, porque esta é uma filosofia muito entusiasmente, não? E há outra coisa que acho que é muito importante também: não explico apenas algo que vi, explico algo que vivi durante quase 50 anos de vida. Portanto, não me custa nada explicar isto, porque foi algo que eu vivi, senti esta progressão nos conceitos, esta evolução no modelo, na pele.
Este dia de formação que tivemos já é suficiente para entender essa filosofia?
[risos] Creio que, para os jogadores, um dia de treino nunca é suficiente e, para os treinadores, passa-se o mesmo. Uma das coisas que dizemos que o treino deve ter é continuidade, porque nada na vida se consegue apenas com um dia.
Como a definição de "treino" de Paco Seirul-lo...
Isso mesmo. O treino tem de ter variabilidade e continuidade, como ele diz. Portanto, um dia serve para dar uma ideia sobre o que é este modelo. Mas, obviamente, não dá para tudo. Quando estava no Barcelona e iam lá pessoas de outros clubes ou instituições, diziam: "Ah, vamos lá ver como faz o Barcelona". E queriam fazê-lo em dois ou três dias. Sim, podes ficar com uma ideia, mas, se a nós nos custou anos a aprender... Um dia é bom? Claro, serve para estabelecer o contacto inicial, mas depois é preciso continuar. Penso que, pelo menos, serve para ter outra forma de encarar o jogo. Não se tratar de copiar, atenção. Fazemos sempre questão de dizer que esta maneira pode não ser a melhor; é a nossa [ênfase no "nossa"] ideia, é a nossa forma de jogar. Pode ser tão boa ou tão má como qualquer outra, mas é a nossa. Para nós, o ato de partilhar conhecimento é muito importante.
Foste uma das pessoas que redigiu a "bíblia" da metodologia do Barcelona, pela qual a formação se começou a reger. Quantas páginas tem?
[risos] Não é um livro escrito, foi um agrupar de muitas informações.
Bom, agora poderias escrever um livro sobre isto.
Sim, sim, isso poderia, porque são muitos anos a compilar informação, por isso tenho muita documentação sobre o assunto. Não só desta ideia, mas do jogo em si. Sempre gostei muito de fazer isso, sempre fui muito inquieto, com vontade de descobrir coisas novas. Tive a sorte de estar ao lado de grandes jogadores, como Guardiola, Xavi, Messi, Iniesta; e tive a sorte de estar ao lado de grandes treinadores, como Laureano Ruiz, Paco Seirul-lo... Aprendes muito com eles.
Quando eras jogador, já entendias esta ideia?
Não, não. Foi precisamente através de todo este processo. Comecei a aprender através da minha ligação com o Laureano Ruiz, na formação, foi com ele que comecei a entender os conceitos. Depois, com o Johan Cruyff, quis perceber tudo ainda melhor. Com o passar dos anos... Sei que, agora, seria muito melhor treinador do que fui antigamente. Porque entendo muito melhor muitíssimas coisas. E não apenas conceitos sobre o jogo, mas também como gerir o grupo, como motivar e focar o grupo, com mais novos e mais velhos, amadores e profissionais. 65 anos já são muitos anos [risos]. É difícil ser treinador. Mas tenho a certeza que agora seria muito melhor treinador.
E jogador, também?
Sim, mas, bom, as pernas não são bem as mesmas aos 65 anos [risos]. Agora já não dá mais. Aliás, nem jogador, nem treinador, parece-me. Acho que já estou noutra etapa. Bom, mas na empresa que tenho com o meu filho, focada na melhoria dos jogadores, há muitos jogadores que me fazem esta reflexão - uns têm 20 anos, outros 23, 24, 25 anos, mas também há os que têm 27, 28, 29 anos: "Quem me dera a mim ter aprendido estes conceitos 10 anos antes ou cinco anos antes, porque acho que seria melhor jogador".
Saíste do Barcelona em Julho de 2018. Quem está de fora e vê o Barcelona, seja a equipa principal ou a formação, fica com a impressão que aquele Barcelona já não é bem o Barcelona que era antes.
Sim, é verdade. A direcção desportiva agora tem directrizes diferentes e foi isso que motivou a minha saída. Há discrepâncias muito grandes entre as minhas ideias e as da nova direcção desportiva. E isto nota-se nos treinadores...
Nos reforços contratados?
Sim, também. Mas essencialmente no trabalho diário, no quotidiano do futebol de formação, aí nota-se muitas diferenças nos últimos dois anos. Paco Seirul-lo e eu não concordávamos com o trabalho que se estava a fazer na formação, em relação ao que eram as nossas ideias de jogo anteriores. Não sei se algum dia voltarei ao Barcelona, mas, se voltar, será com outras pessoas, seguramente. Não se trata de dizer que têm de pensar exactamente como eu penso, mas que pensem nas ideias que o clube sempre teve em termos de jogo, a tudo isto que cresceu connosco durante tantos anos e que foi um modelo sensacional.
É irónico, não? Depois de tantos elogios do mundo do futebol ao Barcelona, o próprio Barcelona decide enveredar por outro caminho.
[risos] É uma reflexão que já ouvi da boca de muitas pessoas nestes meses desde que saí do clube. Quando saí do Barcelona, recebi mais de 300 mensagens pelo Whatsapp e mais de 200 chamadas telefónicas, e muitas delas de pessoas do clube, que estavam de acordo comigo. Diziam-me que não entendiam o que se passava. Nessa altura, também o Puyol e o Xavi falaram sobre isso, dizendo que não percebiam por que razão estava a sair e o que se passava no clube. Isto, claro, enche-me de satisfação, pessoalmente.
Xavi vai começar a carreira de treinador e foste uma das pessoas a quem pediu ajuda. É uma honra, não?
Sim, sim, sem dúvida alguma. Pediu-me para ajudá-lo a formar-se enquanto treinador e vou ajudá-lo em tudo o que ele quiser, para que seja tão bom treinador como foi jogador.
Acreditas que será?
Sim, sim.
Mas tem um problema que Guardiola não teve, na altura. Agora tem os olhos do mundo postos nele, toda a gente quer saber como é que se vai sair como treinador.
Sim, mas repara: o Xavi é uma pessoa com uma grande naturalidade. É uma das suas grandes qualidades. Ele era capaz de jogar com 100 mil pessoas a ver, nos campos mais importantes do mundo, com a maior pressão do mundo, e mesmo assim era capaz de ser o melhor, jogando sempre muito bem. Esta naturalidade que tinha como jogador é a mesma naturalidade com que encara esta nova etapa como treinador. Ele sabe que vai ter todos os olhos do mundo postos nele. Ele sabe que as pessoas não se vão contentar com uma nota seis, sete, oito ou nove: vão pedir-lhe que tenha sempre nota 10 como treinador. Desde o primeiro jogo vão exigir-lhe tudo. Ele sabe isso. E, bom, estou cá para ajudá-lo a superar tudo isso, é o meu objectivo. Tenho a certeza que iremos consegui-lo com sucesso, porque o Xavi é louco por futebol, tem uma paixão enorme por futebol e é muito inteligente. E outra coisa que é muito importante: tem uma grande empatia com as pessoas. Não há ninguém que fale mal do Xavi. Não há ninguém que fale mal dele, nem a nível futebolístico, nem a nível humano, porque o Xavi é uma pessoa excepcional. Portanto, todas estas qualidades humanas que tem vão ajudá-lo a ser um grande treinador, sem dúvida nenhuma.
Foi o melhor jogador que treinaste?
Sim, sim. Estamos a falar daquele que foi um dos três melhores médios da história do futebol, sem dúvida. Não sei bem quem seriam os outros dois [risos], mas tenho a certeza que está ao mais alto nível. Tive muita sorte em poder ser treinador dele durante muitos anos, numa etapa muito importante da vida dele, dos 13 aos 18 anos. Vivi perto dele muitos anos e vi como cresceu. Não digo estas coisas pela relação pessoal que tenho com ele, mas simplesmente por tê-lo visto jogar futebol, porque foi um prazer imenso. Uma das maiores memórias que levo da vida foi tê-lo ouvido, quando se retirou do Barcelona, a agradecer-me durante 30 segundos no seu discurso de despedida: "Muchas gracias, Joan, por ter sido o meu pai desportivo, por me ter ensinado tudo no futebol". Isto não é verdade [risos], claro, porque sabemos que o talento é muito importante. Mas obviamente recordo esse momento com uma grande satisfação.
Tinha talento, claro, mas se estivesse noutro clube qualquer, com outro estilo de jogo, se calhar não teria tido a carreira que teve.
Pois não, seguramente. Nem o Xavi nem o Iniesta. E, inclusivamente, o Messi: acredito que se tivesse começado noutro clube, não teria sido um jogador tão grande como é. Por exemplo, vemos que o Messi não é o mesmo jogador quando joga pela selecção da Argentina, certo? E havia treinadores no Barcelona que diziam, quando ele tinha 13 anos, que se calhar não tinha qualidade para continuar no clube. Se até com Messi nos podemos enganar...
Mencionaste três pessoas muito importantes neste processo da ideia de jogo do Barcelona: Laureano Ruiz, Johan Cruyff e Pep Guardiola. Agora, a quarta pessoa será Xavi?
Sim, seguramente. Estou convencido que o Xavi dará uma grande volta ao Barcelona quando regressar ao clube como treinador. Mas não acredito que seja daqui a pouco tempo, ainda não é o momento. Agora deve formar-se como treinador - e ele tem essa noção - e deve cumprir o compromisso importante que tem com o Qatar, no Mundial 2022. Mas, quando voltar ao Barcelona, o Xavi será o próximo protagonista da história do clube, depois de Laureano Ruiz, Rinus Michels, Johan Cruyff e Pep Guardiola.
Agora está a aprender com um treinador português.
[risos] Com o Jesualdo [Ferreira], sim, no Al-Sadd [sagraram-se campeões do Qatar].
Para ti, o melhor treinador é Pep Guardiola?
Sim, sim.
De sempre?
Sim, sem dúvida. Para mim, o Pep está por cima de todos os que conheço. Claro que não conheço proximamente Klopp ou Mourinho ou Allegri ou Sacchi, outros grandes treinadores. Mas, dos que conheci, o Pep é o melhor.
És 'culé', mas preferes ver o Barcelona ou o Manchester City a jogar?
Sou muito 'culé' e vejo sempre o Barcelona. Primeiro, porque sou 'culé', depois, porque o treinador, o Ernesto Valverde, é um grande amigo meu, tal como o preparador físico, e desejo-lhes sempre o melhor e, por fim, porque tem grandes jogadores, mesmo que não jogue da mesma forma como jogava no tempo do Pep. Mas eu quando sou crítico do Barcelona, não sou tão crítico em relação à primeira equipa, sou mais crítico em relação ao trabalho que é feito na formação. Mas, respondendo à tua pergunta, vejo sempre o Barcelona, ainda que nem sempre veja o Barcelona que gostaria de ver. Com excepção para Messi, que é sempre excepcional. E gosto muito de ver o Manchester City a jogar, claro.
Há jovens de qualidade no Barcelona?
Sim, há jovens com qualidade, mas necessitariam de um outro tipo de trabalho, mais rigoroso, mais sério, mais profundo, e uma maior proximidade por parte dos treinadores, por parte dos coordenadores... É necessário que os jogadores se sintam realmente importantes e que sintam a exigência obrigatória de um clube como o Barcelona. Sim, há bons jogadores, mas sou muito crítico emrelação à forma como estão a ser conduzidos e treinados.
Puyol chegou ao Barcelona com 15 anos. Não é tarde?
Sim, é tarde e inclusivamente houve dúvidas sobre a sua permanência, mas é sempre possível. Quanto mais cedo se começar, melhor, porque adquires os fundamentos dos conceitos e começas a utilizá-los mais cedo, mas, se trabalhas bem, podes consegui-lo, porque aqueles anos entre os 13 e os 17 são muito importantes para formação de um jogador.
É possível utilizar esta filosofia de treino e jogo em qualquer equipa, de qualquer nível?
Sim, claro. Obviamente, tudo depende muito da qualidade técnica dos jogadores, porque quanto mais qualidade tiverem, maior progressão pode haver nestes conceitos. Mas as ideias servem para qualquer treinador de formação, em qualquer clube, claro que sim.
Em vez de fazeres um 'rondo' [rabia] com 10 metros, fazes com 20.
Sim, perfeito. O mais importante é mesmo entender os conceitos e os fundamentos do jogo. Eles têm de saber interpretar o jogo, aprender a ver, aprender a posicionar-se, aprender a mover-se no campo, aprender a ajudar os colegas... Qualquer jogador em qualquer equipa pode aprender este tipo de conceitos.
Os adeptos conhecem estes conceitos?
Os adeptos do Barcelona?
Todos, mas sim, também.
Acho que a maioria do público em geral não conhece estes conceitos. É como ver o futebol com uns óculos de sol. Coloco uns óculos e vejo o futebol de outra forma, entendes? Normalmente eles veem de outra forma. O adepto habitualmente só vê o jogador que tem a bola e pouco mais. Vê o jogador que chuta, vê o jogador que dribla, vê o jogador que passa a bola... Vê algumas coisas, mas o futebol é muito mais do que isso. Quando analisamos o futebol através desta perspectiva sistémica, muito mais ampla, tudo muda.
O Renato Paiva disse-me que quando foi passar uma semana a La Masia, há alguns anos, a aprendizagem desta ideia mudou completamente a sua forma de ver o jogo.
Sim, há muitos treinadores que me dizem o mesmo. São conceitos que marcam os treinadores.
Para o público é apenas o 'tiki taka'.
[risos] Exactamente. E o 'tiki taka' não tem nada a ver com esta metodologia de jogo, não é isso. Aqui estamos a falar de conceitos que vão desde os "rondos"; para os "jogos de posição", habitualmente em espaço mais reduzidos para aprender alguns conceitos; e, antes de chegar ao jogo propriamente dito, há aqui um espaço que não estava ocupado e que criámos com os "jogos de situação" ou até "jogos de intenção", porque já têm neles uma intencionalidade global, de campo grande e de balizas, sempre em relação à bola, que é a grande referência do nosso jogo. Ou seja, já não apenas um jogo posicional, é um jogo em que tenho de saber onde e como me situo no campo, em função do sítio onde está a bola.
Viste jogadores que nunca conseguiram aprender isto?
Quando uma criança é ensinada a andar de bicicleta, não anda logo no primeiro dia.
Mas os jogadores já profissionais...
Sim, aí é mais complicado, claro. Há jogadores que não melhoram o seu jogo, porque a sua receptividade para a informação não é boa, porque a sua inteligência não lhes permite ou até mesmo porque o seu orgulho não deixa. Quando os jogadores já têm uma certa idade, ou um certo palmarés profissional, acreditam que já sabem muitas coisas e não precisam de mais. Mas, como te disse anteriormente, na empresa que tenho com o meu filho, trabalhamos com vários jogadores profissionais, todos eles internacionais, e foram eles a vir ter connosco, portanto há que ter esse espírito de abertura, há que acreditar que os outros podem ajudar-nos a sermos melhores, mesmo aos 26, 27, 28 anos. É sempre possível melhorar, em qualquer idade - vi isso acontecer com o Puyol, por exemplo, que sempre quis aprender mais. É verdade que, quando és novo, é muito mais fácil, porque não tens hábitos adquiridos, e é mais fácil adquirir hábitos novos do que perder os maus hábitos que já tens. Mas garanto-te, porque vi-o ao longo dos anos, em todos os níveis, que é sempre possível para um jogador aprender e melhorar. Sempre."
Semenya: O fim dos mitos do desporto...
"Poderemos sempre apresentar e discutir o desporto como uma actividade ligada a valores. Poderemos sempre afirmar que o desporto é uma escola de virtudes e que ele contribui para a formação do ser humano e para a sua transcendência. A utopia poderá e deverá estar sempre presente no desporto mas temos de encarar a realidade presente no mesmo. Que o desporto foi invadido pela mercantilização, já não temos dúvidas. Que a expectativa de uma ética universal é uma aspiração do desporto que não ocorre em outras áreas, como nos diz Andy Miah (1), também já não nos deixa dúvidas. Mas quando essa ética é contaminada pelos resultados do espectáculo (a todos os níveis) e pelo dinheiro o desporto muda de figura.
Com o caso Semenya assistimos ao princípio do fim de um mito do desporto: o da igualdade de oportunidades dos desportistas.
De facto, e já o salientámos aqui, o espaço onde desportista desenvolve as suas actividades assim como as normas que regem as mesmas são comuns. E iguais! Mas este mito, o mito da igualdade competitiva, ao criar entrenós uma crença fez com que pudéssemos resolver as nossas próprias contradições: passámos a justificar o «real» pelo «desejável». Para dar razão ao mito foram ignoradas intencionalmente as desigualdades de condições individuais genéticas, anatómicas, fisiológicas ou psíquicas dos desportistas, foram descartadas as diferentes condições de treino (desde metodológicas a logísticas, desde os recursos humanos até aos suportes económicos) e até olvidadas díspares condições de participação no exacto momento.
Vamos aos factos!
Facto um - O organismo de Caster Semenya, a sul-africana duas vezes campeã olímpica nos 800 metros, produz naturalmente testosterona acima do normal para uma mulher, o que lhe dá uma vantagem competitiva em relação às suas adversárias.
Facto dois – A International Association of Athletics Federations (IAAF) decidiu que todas as atletas com uma situação hormonal idêntica teriam de se submeter a um tratamento médico para baixarem os níveis de testosterona a fim de poderem competir.
Facto três – Semenya, queixando-se de descriminação, recorreu ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) vendo a sua pretensão ser rejeitada.
Facto quatro – A IAAF comunicou que “em qualquer caso, é direito da atleta decidir (em consulta com sua equipa médica) se deve ou não prosseguir com qualquer avaliação e/ou tratamento. Se ela decidir não fazê-lo, ela não terá o direito de competir na classificação feminina de qualquer Evento Restrito numa Competição Internacional. (vejam-se as cláusulas 2.5 e 2.6 dos Regulamentos). No entanto, ela ainda teria o direito de competir:
1 - na classificação feminina:
a) em qualquer competição que não seja uma Competição Internacional: em qualquer caso, sem restrição; e
b) em Competições Internacionais: em qualquer disciplina que não seja evento de pista entre 400 metros e uma milha; ou
2 - na classificação masculina: em qualquer competição em qualquer nível, em qualquer disciplina, sem restrição; ou
3 - em qualquer classificação 'intersex' (ou similar) que o organizador do evento possa oferecer em qualquer competição em qualquer nível, em qualquer disciplina, sem restrição.”
Facto 5 – O Presidente da The World Medical Association, Dr. Leonid Eidelman, respondendo a uma solicitação da South African Medical Association afirma: “Temos fortes reservas quanto à validade ética desses regulamentos. Eles são baseados em evidências fracas de um único estudo, o qual está a ser amplamente debatido pela comunidade científica...” E ainda acrescenta: “Em geral, é considerado antiético pelos médicos prescreverem tratamento para testosterona endógena excessiva se a condição não for reconhecida como patológica.”
Assim, para além de nos parecer que existe uma discriminação em relação ao género, parece-nos também haver uma clara violação do respeito pela dignidade da pessoa humana, dignidade essa plasmada na Carta Olímpica. Parece-nos também haver um forte agravo em relação ao direito à livre participação no desporto – também contemplada na Carta Olímpica. O já referido Andy Miah, conferencista em Mídia, Bioética e Cibercultura na Universidade de Paisley e professor de Ética na Ciência e Medicina na Universidade de Glasgow, diz-nos que “o argumento a respeito dos danos minando a natureza do desporto afirma que algumas formas de melhora de desempenho não são éticas porque negam uma característica essencial ou inerente do desporto que lhe confere valor, a naturalidade.” Aqui está-se a incorrer precisamente no retirar ao desporto essa naturalidade. E o mesmo autor confirma que “seria injusto punir um indivíduo por algo que ele não tem culpa. Da mesma maneira que não teria sentido desqualificar um atleta naturalmente dotado da competição.” Nada mais esclarecedor!
A baixa frequência cardíaca em repouso de Miguel Induráin nunca foi obstáculo à sua participação na Vuelta, no Tour ou no Giro. A elevada potência aeróbica de Carlos Lopes nunca foi impeditiva para participar em Jogos Olímpicos ou em Mundiais de corta-mato. Yao Ming, com 2,29 m de altura, sempre participou nos jogos da NBA. Será que Kyle Korver, um californiano branco de olhos azuis (A Bola, 10.04.2019, p. 32), será o próximo a ser impedido de actuar na NBA porque na mesma militam 75% de jogadores negros?
Por que motivo penalizar Semenya?
Quando o próprio Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas está contra esta deliberação da IAAF, que conclusão poderemos tirar sobre os dirigentes desportivos que assumiram esta posição?
Recorrendo a Philippe Liotard (2), sociólogo na Universidade Claude Bernard em Lyon e membro do Centro de Pesquisa e Inovação sobre o Desporto, “a prática e o espectáculo desportivos perpetuam o poder dos homens sobre as mulheres, utilizando as próprias mulheres, que se envolvem, com toda a liberdade, em actividades desportivas. A eficácia do processo de incorporação reside na sua invisibilidade e na adesão das dominadas aos valores do sistema de dominação.” Estaremos em presença precisamente de uma não adesão por parte de uma atleta aos valores desse sistema…
É portanto falacioso o argumento da “igualdade competitiva”. É igualmente falacioso afirmar-se que Semenya se encontra sujeita a um dilema ético entre essa igualdade e a sua dignidade – e ela demonstra-o ao recorrer ao TAD, mesmo tendo sido derrotada, e ao afirmar que não se vai retirar… mas que também não se medicará (A Bola, 09.05.2019, p. 32). O dilema ético não é de Semenya… o dilema ético foi da IAAF."
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