"Jogadores sem real noção do fim no mundo que os usa e deita fora
«Gastei 200 mil euros em carros, agora nem 200 euros tenho»
A rubrica Depois do Adeus foi criada pelo Maisfutebol em Junho de 2013 e já contamos mais de trinta histórias de antigos jogadores profissionais que tiveram de garantir a subsistência financeira longe do futebol.
Desta vez fomos à ilha do Faial recolher um testemunho brutal. Um relato desarmante, de culpas assumidas e gastos astronómicos para quem teria mais cedo ou mais tarde de voltar à realidade.
Paulo Morais teve a coragem de admitir onde errou. O antigo guarda-redes encara um cenário de limiar de pobreza depois de viver o sonho.
«Ser jogador de futebol é a melhor profissão do mundo». A expressão é reproduzida vezes sem conta mas quem anda por lá não tem geralmente noção do fim que se aproxima.
O futebol não é vida. É apenas parte dela.
Vai acabar, por vezes sem aviso, e obrigar quem sacrificou anos preciosos a procurar um novo rumo sem recursos académicos ou experiência para tal.
O mundo do futebol usa e deita fora. Seja por velhice ou por uma lesão grave, algo irremediável e inesperado, essa hora vai chegar.
É tão simples e tão evidente que me custa ver jogadores a caminhar para a recta final da carreira sem quaisquer planos para o futuro. «Sinceramente, ainda não pensei muito nisso». Ainda há dias li novamente algo parecido com isto.
Pensem. Pensem na vida enquanto sonham com o futebol. Façam Planos Poupança-Reforma, que a fortuna vai desaparecer de um instante para o outro. Poucos são os que conseguem chegar aos 70 com o que ganharam até aos 35.
Há aqui outra questão, extremamente sensível, que me parece afectar uma percentagem considerável dos que penduram as chuteiras: segue-se uma fase de instabilidade emocional - não raras vezes de depressão - e perturbações na vida familiar.
O divórcio é relativamente comum nessa altura, não há como esconder. E antes que se critiquem as mulheres, perceba-se todo o cenário: geralmente abdicam da carreira para servir de suporte aos maridos e acompanhar os filhos. Quando essa dinâmica muda a relação pode ficar seriamente afectada.
Vão-se entretanto os amigos de circunstância, aqueles que pediam bilhetes e outras coisas com regularidade, que pareciam estar sempre por lá. Vão-se as férias regulares em locais paradisíacos, os topos de gama, a roupa da moda. Podem agarrar-se a essa ilusão por algum tempo, talvez à custa da família, mas o sonho acabou.
Quem se entrega por completo ao futebol – geralmente com a complacência dos pais – com 13/14/15 anos deixa para plano secundário os estudos e acorda duas décadas mais tarde com um álbum de memórias e escassez de soluções.
A síndrome de Peter Pan afecta dezenas, centenas de homens num meio que os atira para um canto quando deixam de ser necessários. Vão-se uns, vêm outros, a bola continua a rolar e esquece-se de quem fez parte do jogo.
Muitos acreditam que ficarão ligados ao futebol, de uma forma ou de outra. Pensam sobretudo em carreiras como treinadores, negligenciando a questão matemática: se em cada plantel há 25 jogadores e 1 treinador, mais um par de adjuntos, nunca haverá espaço para todos os candidatos. Nem a vida como treinador garante um vencimento regular. Alguns destes viram empresários.
Temos assim centenas de antigos jogadores, com maior ou menor currículo, a lutar pela subsistência em outros mundos. Vários aventuram-se em negócios, com o risco que essa opção acarreta, enquanto outros abraçam carreiras e destinos variados.
É possível encontrar Idalécio num restaurante famoso em Inglaterra, Ivo Afonso num mercado do Luxemburgo, Riça a remover amianto na Suíça, Mauro em várias latitudes como comissário de bordo da TAP.
Por cá, Gaspar abraçou a metalomecânica de precisão, Diogo Luís trabalha num banco, Vasco Firmino é médico, Seabra engenheiro. Uns melhor, outros pior, mais ou menos realizados. Mas deram a volta e merecem um enorme aplauso.
Não são excepções. São a regra.
A maioria tem de perceber isto: não continuará eternamente ligada ao futebol. Convém pensar na vida real enquanto se sonha com a bola nos pés."