"Ganhem de qualquer maneira, porque finais perdidas e vitórias morais já tem o Benfica que chegue para os próximos cem anos - com licença do senhor Guttmann
A História é escrita pelos vencedores, por mais brilhantes que possam ter sido os vencidos. A História, justa ou injustamente, enfatiza e apaparica quem ganha e dispensa pouca atenção a quem perde. Os americanos resumem a vida em duas penadas - isto há os winners e os losers - e ai de quem fica na segunda barricada. No futebol também é um pouco assim. Os vencedores fazem as manchetes da Imprensa e abrem os telejornais; os vencidos ficam no segundo plano mesmo quando não mereciam ter perdido para os vencedores. Tirando casos muito raros (como a Holanda no Mundial de 1974 e o Brasil no Mundial de 1982, dois exemplos marcantes da excepcionalidade não premiada), o vencido está condenado à nota de rodapé no livro da História, nota essa que será mais ou menos simpática consoante a fibra do derrotado e a dimensão da derrota. O passar do tempo e uma memória colectiva programada para reter os triunfantes encarregam-se de nos fazer esquecer os losers. É uma coisa terrível, tantas e tantas vezes de uma injustiça cruel... mas é assim. Passado um certo tempo os únicos que lembram as virtudes e os méritos do vencido (face ao vencedor) são os adeptos do vencido. Os imparciais encolhem os ombros. Muitos até se esquecem do nome dos vencidos (por exemplo: a quem é o o Milan de Gullit e Van Basten deu 4-0 na final dos Campeões de 1989). Isto sem prejuízo das tais excepções, Holanda-1974 e Brasil-1982, que foram unanimemente - ou quase - considerados campeões morais do Mundo depois de terem perdido com a RFA e com a Itália. Ninguém os esqueceu ao fim de tantos anos.
Hoje, em Turim, o Benfica joga a sua décima final europeia. Como é público, o Benfica tem um historial pavoroso em finais europeias: perdeu (as últimas) sete das nove que disputou. Perdeu-as de todas as formas e feitios. Em casa. Em casa dos adversários. Com frangos. No prolongamento. Nos penalties. Nos descontos. Com botas a saltar dos pés. A jogar bem. A jogar mal. A jogar assim assim. A história das finais europeias do Benfica é basicamente um estendal de quases. Os americanos, se prestassem mais atenção ao futebol, não teriam contemplações com o Benfica. Diriam: que looooosers. Os portugueses, mais tolerantes, lembram a qualidade e o peso institucional dos sucessivos vencedores do Benfica (por ordem: AC Milan, 1963; Inter, 1965; Manchester United, 1968; Anderlecht, 1983; PSV Eindhoven, 1988; AC Milan, 1990; Chelsea, 2013...) e fazem a incontornável alusão à maldição de Guttmann. Os benfiquistas, compreensivelmente, não gostam de aprofundar este assunto, mas alguns concedem que há qualquer coisa de estranho, de errado, de profundamente anormal! neste calvário de finais perdidas. Bom. Toda esta conversa preparatória é para dizer o seguinte: era muito mau que dentro de uns anos a História lembrasse a décima final europeia do Benfica em nota de rodapé, como a da época passada com o Chelsea (derrota injusta, azar dos Távoras, sortilégio do futebol, dura realidade, sonhos desfeito, agonia nos descontos, assim dói tanto, blá, blá, blá).
Portanto, senhores jogadores e senhor treinador do Benfica: logo à noite só há uma opção e não é aquela que a gente sabe. Ganhem a final ao Sevilha. Mesmo desfalcados. Mesmo a jogar mal. Mesmo cansados. Mesmo de aflitos. Mesmo com um golo às três tabelas. Ou com um penalty manhoso. Mesmo reduzidos a dez. Ou nove. Com a sorte que já tiveram nesse estádio. Não importa. Ganhem meus senhores. Ganhem de qualquer maneira - de preferência com uma exibição colectiva notável e três golos de autor - porque finais perdidas e vitórias morais já tem o Benfica que chegue para os próximos cem anos - com licença do senhor Guttmann, que tem uma estátua toda catita no estádio da Luz. E depois, caros benfiquistas, a verdade é esta: vocês este ano merecem ser felizes.
No fundo, era só para dizer isto: acarditem que é desta.
(...)"
André Pipa, in A Bola