"Na festa estragada no Dragão, não deixaram levar a bola; No golo em Alvalade demitiu-se o presidente do Sporting
1. Bem mais franzino que os demais - espantava quem o via pelos jogos mais ou menos vadios que fazia, com os amigos, por Bragança. Não, não era por aparecer quase sempre para jogar com camisola do Barcelona vestida - era pela habilidade que já se lhe soltava dos pés e pelos golos que a fio marcava, razão porque passaram, todos à uma, a tratá-lo pelo nome de jogador do Barcelona então na berra.
2. Andara pelo FC Mãe d'Água, antes de chegar ao Desportivo de Bragança. Bento Antas, seu treinador, num ápice lhe percebeu o destino (e o espírito): «Nunca tive a mínima dúvida: era craque. Ao dizê-lo, muita gente me chamou maluco. Eu sabia que o futuro estava ali, pelo seu jeito mas também pelo trabalho, a vontade, o empenho, a dedicação, a paixão. Tinha de mandá-lo parar, queria sempre fazer mais e mais - ficava chateado comigo...»
3. O que Bento Antas pressentiu, não o perceberam no Sporting - onde pelos seus 11 anos fora fazer testes (e não o quiseram). Continuou, pois, no Bragança - sem deixar de mostrar o que Pedrinha, seu companheiro por esses tempos, revelou: «Era extremo pelos dois lados, impressionante era a facilidade com que finalizava em dez remates, nove eram golo».
4. Bom aluno, estava a caminho do curso de Fisioterapia - quando o SC Braga o foi buscar (pela equipa principal do Bragança já jogara até). Tinha 17 anos. Fez uma temporada nos juniores, mandaram-no para o Ribeirão. Tiago Martins cruzou-se com ele por lá e recordou-o (à Bancada): «Fisicamente nunca foi muito forte, medo de contacto nunca teve. Com a bola nos pés era rápido e sempre jogou com a cabeça levantada, com boa visão de jogo...»
5. De empréstimo foi também para o SC Covilhã e para o Paços de Ferreira - e pelo Paços fez ao FC Porto (na época em que o FC Porto de Villas Boas tudo ganhou) três golos no Dragão. Ficou-lhe uma mágoa não lhe permitirem levar relíquia para a espécie de museu que os pais criaram em casa (com medalhas, troféus, recortes, fotos, lembranças...) - quem o revelou à BTV foi o pai: «É a única coisa que falta. Não lhe quiseram dar a bola. Era a festa do título - e ele estragou-a com o 3-3».
6. Semanas antes, com golo seu, o Paços ganhara em Alvalade - assim lançou convulsão ao Sporting (de Paulo Sérgio) levando até à demissão de José Eduardo Bettencourt. Sem se erguer em bicos de pés (coisa que nunca fez...) com a circunstância brincou: «Sinceramente, nunca pensei que o meu golo tivesse todas essas repercussões...»
7. O Atlético de Madrid contratou-o ao SC Braga, emprestou-o ao Corunha. O Benfica comprou-lhe 50% do passe - e percebendo que Jorge Jesus pouco o utilizaria, na ânsia de não perder o sonho do Mundial de 2014, pediu que o emprestassem, emprestaram-no ao Espanhol. Por Barcelona criou o festejo com a continência: «Isso surgiu da minha tropa me pedir para lhe dar golo batendo a pala, para celebrar a nossa amizade e união - e assim ficou...»
8. Jorge Jesus decidiu fazer dele o seu novo Enzo Pérez - e, durante o processo de criação, ouviu-se-lhe: «Eu era treinador do SC Braga quando ele saiu dos juniores para a equipa principal. Conheço-o como as minhas mãos. Andou a jogar como ala, jogou também como segundo avançado, nunca tinha jogado na posição 8, não conhecia bem os processos defensivos. Ofensivamente, sim: é muito forte, em cinco passes falha um. Se o futebol fosse andebol era sempre ele e mais dez: jogava a atacar e depois saía. Mas o futebol não é assim...»
9. Não tardou a refinar-se nessa nova exigência - e, em finais de 2015, passou a ser o jogador mais caro da história do Benfica - que largou 8 milhões de euros pelos 50% do seu passe que lhe faltava,. Ficou, pois, em 14 milhões (13,5 milhões se dera por Salvio) - mais só o FC Porto pagara: 20 milhões por Imbula, 19 por Hulk.
10. No arranque do campeonato, fez o que ninguém fizera no Benfica depois de Mário Coluna: um hat-trick a jogar a médio. E, sexta-feira, Vieira apareceu a seu lado, a anunciar-lhe a renovação. De ordenado aumentado, admitiu, feliz, à BTV, que se tornou «importante no campo e no balneário» - e prometeu: «O objectivo é continuar a fazer golos e assistências - para o Benfica continuar a conquistar títulos...»"
António Simões, in A Bola